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A administração pública e o consumo sustentável

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Agenda 30/08/2015 às 20:14

8. A concretização do princípio do desenvolvimento sustentável através das licitações e contratações públicas

A Instrução Normativa nº 01/2010, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG), dispõe sobre critérios de sustentabilidade ambiental na contratação de serviços ou obras pela Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, prevendo expressamente que as especificações técnicas deverão conter critérios de sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas, sem frustrar o caráter competitivo do certame.

Santos explica não haver qualquer impedimento jurídico de os critérios de preferência por contratações sustentáveis serem estabelecidos pelo Poder Normativo da Administração Pública, como ocorre com a IN SLTI/MPOG nº 01/2010. Aliás, no entendimento do autor:

o poder normativo da Administração deve ser utilizado para fornecer parâmetros à discricionariedade dos gestores públicos durante a escolha dos bens, obras e serviços a serem contratados, pautando essa limitação na defesa do meio ambiente, de acordo com as disposições constantes no ordenamento jurídico brasileiro.48

Para obtenção de obras públicas sustentáveis, a referida IN dispõe ser imprescindível a adoção de medidas como: uso de equipamentos de climatização mecânica, sem a utilização de energia elétrica; automação da iluminação do prédio, uso de sensores de presença; uso exclusivo de lâmpadas fluorescentes; energia solar, ou outra energia limpa para aquecimento de água; sistema de medição individualizado de consumo de água e energia; sistema de reuso de água e de tratamento de efluentes gerados; aproveitamento da água da chuva; utilização de materiais que sejam reciclados, reutilizados e biodegradáveis, e que reduzam a necessidade de manutenção; comprovação da origem da madeira a ser utilizada na execução da obra ou serviço; e priorização do emprego de mão de obra, materiais, tecnologias e matérias-primas de origem local para execução, conservação e operação das obras públicas (art. 4º, caput e § 1º).

Assim, a exigência de utilização de madeira legal nas obras promovidas pela Administração Pública ou nos produtos à base de madeira adquiridos pelo Estado também pode constar no edital a fim de garantir uma contratação sustentável. Todavia, madeira legal não pode ser sinônimo de madeira com certificação florestal.

Isso porque, conforme explica Porto-Gonçalves, a certificação florestal é um procedimento que implica uma avaliação por parte de um certificador independente (sem nenhum vínculo com o Estado), que dá lugar a um selo ou etiqueta que informará ao consumidor que a madeira (ou outro produto) que está adquirindo provém de um bosque certificado. Ocorre que, com o Mecanismo de Certificação Florestal (MCF), não se faz distinção entre florestas e áreas plantadas, considerando-se ambas como florestas. Além disso, a certificação e o mercado só reconhecem e pagam por alguns poucos produtos da floresta, em particular, a madeira, e algumas poucas espécies, enquanto os demais benefícios ambientais que um bosque tropical bem manejado proporciona (conservação da biodiversidade, paisagem, proteção do solo e regulação hídrica, produtos não madeiráveis, segurança alimentar etc.) não são valorizados. A certificação, portanto, não pode contribuir para a conservação e manejo sustentável daqueles bosques mais degradados; ou com espécies florestais de pouco valor para o mercado; ou em mãos de populações pouco interessadas ou impossibilitadas em inserir-se em mercados competitivos, que continuam com suas práticas de manejo, por mais insustentáveis que sejam. Diante disso, conclui o autor, os resultados das políticas de conservação de florestas têm sido medíocres e o avanço do desmatamento de áreas florestais continua elevado. E não seria para menos, visto que “não se pode exigir que o mercado faça aquilo que não é da sua natureza, isto é, contribua para a justiça social, a diversidade cultural e uma sociedade sustentável, a não ser como ideologia”.49

Já no tocante à aquisição de bens, a IN estabelece a possibilidade de se exigir os seguintes critérios de sustentabilidade ambiental: que os bens sejam constituídos, no todo ou em parte, por material reciclado, atóxico, biodegradável; que sejam observados os requisitos ambientais para a obtenção de certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO) como produtos sustentáveis ou de menor impacto ambiental em relação aos seus similares; que os bens devam ser, preferencialmente, acondicionados em embalagem individual adequada, com o menor volume possível, que utilize materiais recicláveis, de forma a garantir a máxima proteção durante o transporte e o armazenamento; e que os bens não contenham substâncias perigosas em concentração acima da recomendada (art. 5º).

Por fim, quanto à contratação de serviços, dispõe a IN SLTI/MPOG nº 01/2010 que os editais deverão prever que as empresas contratadas adotarão as seguintes práticas de sustentabilidade na sua execução, quando couber: uso de produtos de limpeza e conservação que obedeçam às classificações e especificações determinadas pela ANVISA; adoção de medidas para evitar o desperdício de água tratada; observância da Resolução CONAMA nº 20/1994, quanto aos equipamentos de limpeza que gerem ruído no seu funcionamento; fornecimento aos empregados dos equipamentos de segurança que se fizerem necessários; realização de um programa interno de treinamento de seus empregados para redução de consumo de energia elétrica, de consumo de água e redução de produção de resíduos sólidos; realização da separação dos resíduos recicláveis descartados na fonte geradora e a sua destinação às associações e cooperativas dos catadores de materiais recicláveis, que será procedida pela coleta seletiva do papel para reciclagem; e previsão da destinação ambiental adequada das pilhas e baterias usadas ou inservíveis; além de outras, desde que devidamente justificadas (art. 6º, caput e parágrafo único).

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As disposições das Políticas Nacionais sobre Mudança do Clima e de Resíduos Sólidos passaram a ser de observância obrigatória para a Administração Pública, tendo explicitado critérios de preferência nas licitações e concorrências públicas para as propostas que propiciem maior economia de energia, água e outros recursos naturais e redução da emissão de gases de efeito estufa e de resíduos (art. 6º, XII, da Lei nº 12.187/2009) e a prioridade, nas aquisições e contratações governamentais, para produtos reciclados e recicláveis, assim como para bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis (art. 7º, XI, da Lei nº 12.305/2010).

Para Bim, os parâmetros utilizados para tornar sustentável o consumo governamental são variados, podendo ser utilizados separada ou conjuntamente: especificações técnicas do produto (materiais a serem utilizados, custo do ciclo de vida do bem ou dos produtos de limpeza a serem empregados, exigência de certificações ou cadastros legalmente exigíveis etc); especificações de desempenho (cobrança de resultados ambientais, como, por exemplo, distribuição de energia, coleta e eliminação de lixo com menor prejuízo ao meio ambiente, aquisição de aparelhos elétricos que gastem menos energia ou veículos que consumam menos combustível etc); especificações de método de produção ou prestação de serviços ambientalmente defensáveis (recusar a compra de bens fabricados sem a utilização de energias renováveis etc); e elaboração de projetos estruturalmente sustentáveis.50

As exigências de sustentabilidade a serem incluídas no procedimento licitatório e nos contratos públicos podem prever obrigações para o contratado e para os seus fornecedores, especialmente quando decorrentes de deveres legais, até porque não justificaria os critérios socioambientalmente sustentáveis deixarem de ser exigidos nos casos em que um terceiro realizasse o serviço (desde que devidamente permitida tal possibilidade na negociação) ou fornecesse os produtos necessários para o cumprimento do contrato, como os materiais utilizados em obras.

Outro tópico importante na concretização das licitações sustentáveis é o uso adequado da faculdade conferida à Administração Pública de acrescer ou suprimir até 25% das obras, serviços ou compras, nos termos do art. 65, § 1º da Lei nº 8.666/9351. Para tanto, é imperiosa uma fiscalização contínua e rigorosa dos contratos, de modo que as supressões ou os acréscimos sejam feitos no tempo e forma adequados, sem prejudicar o interesse público. O adequado e tempestivo controle da execução do contrato evitará a compra de excedente, já que eventual falta poderá ser facilmente suprida, bem como possibilitará a devolução de eventual sobra, com a devida restituição de eventual pagamento já realizado.

Enfim, a legalidade das licitações e contratações públicas sustentáveis já não permite mais questionamentos, sendo que a sua concretização depende apenas da boa vontade do administrador, tendo em vista os diversos instrumentos já disponibilizados, seja pela legislação, seja pelo conhecimento científico, para o seu adequado manejo, sem qualquer violação dos demais princípios regentes do procedimento que rege o consumo público.


9. Considerações finais

A inclusão da promoção do desenvolvimento nacional sustentável como princípio do procedimento licitatório trata-se de inovação legislativa importante, pois, ainda que tal princípio pudesse ser invocado quando da realização das contratações públicas a partir das disposições constitucionais do caput do art. 225 e do inciso VI do art. 170, a ausência de previsão expressa a respeito causava insegurança jurídica nos gestores públicos, pela abertura dada a impugnações, em razão de eventual subjetividade ou direcionamento que pudesse ocorrer por conta da inclusão da variável ambiental no trâmite licitatório.

Todavia, a mera previsão do desenvolvimento sustentável como princípio não retira por si só essa ameaça. Isso porque a expressão, por mais debatida que já tenha sido nos mais diferentes setores da sociedade, ainda permite muitas interpretações, motivo pelo qual cabe aos poderes instituídos, inclusive e especialmente à própria Administração Pública, estabelecer critérios de observância obrigatória pelos gestores públicos nas licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações, com vistas à concretização de um consumo sustentável, que sirva de exemplo à população em geral e incentive os diversos setores econômicos a se adequarem a parâmetros ambientalmente corretos.

Tal mister já vem sendo cumprido pelo Poder Público, seja pela expedição da Instrução Normativa nº 01/2010, pela SLTI do MPOG, que dispõe sobre critérios de sustentabilidade ambiental na contratação de serviços, bens ou obras pela Administração Pública; seja pela iniciativa do MMA de implementar a gestão socioambiental sustentável das atividades administrativas e operacionais do Governo por meio da Agenda Ambiental na Administração Pública (A3P); seja pela instituição legislativa de especificações dos bens, serviços e obras a serem adquiridos, como é o caso das Políticas Nacionais de Mudança Climática (Lei nº 12.187/2009) e de Resíduos Sólidos (Lei nº 12.305/2010).

Assim, os instrumentos já disponibilizados e o conhecimento já desenvolvido acerca dos meios de concretização de um consumo sustentável não permitem mais a omissão da Administração Pública quanto ao tema, especialmente porque a promoção do desenvolvimento nacional sustentável é perfeitamente compatível com os demais princípios regentes do procedimento licitatório. Além disso, somente a prática das licitações e contratações públicas sustentáveis é que permitirá desenvolver ainda mais a questão, seja a partir do devido tratamento das impugnações que vierem, eventualmente, a ser apresentadas; seja em razão da evolução do mercado de tecnologias ecológicas, que certamente ocorrerá a partir da sua exigência pelo consumidor público.

Por fim, é preciso ressaltar que a adequada implementação das licitações sustentáveis não depende apenas da inserção de critérios de sustentabilidade ambiental nas especificações técnicas do objeto a ser licitado, seja com base jurídica, justificativa técnica ou autorização legal, e sua observância no momento da contratação, sendo imprescindível que tais critérios sejam fiscalizados no decorrer da execução do contrato (atividade muitas vezes deixada de lado pela Administração Pública com relação às mais diversas obrigações contratuais), com a devida aplicação das sanções quando verificado o inadimplemento, de modo a dar credibilidade às exigências editalícias e atingir o objetivo maior da defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado.


10. Referências

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Sobre a autora
Cirlene Luiza Zimmermann

Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Professora de Direito na Universidade de Caxias do Sul - UCS. Coordenadora da Revista Juris Plenum Previdenciária. Procuradora Federal - AGU. Autora do Livro “A Ação Regressiva Acidentária como Instrumento de Tutela do Meio Ambiente de Trabalho”.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho apresentado no I Congresso Internacional Florense de Direito e Ambiente – Preservação e Gestão das Florestas, realizado nos dias 28, 29 e 30 de agosto de 2011, pelo Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade de Caxias do Sul – UCS, na cidade de Caxias do Sul – RS.

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