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A importância da Polícia Civil e do Inquérito Policial no Estado Democrático de Direito

Agenda 31/08/2015 às 22:05

No atual cenário de crises de identidades institucionais com inúmeras retóricas descomprometidas com o interesse público, imprescindível pontuar o histórico de uma instituição centenária comprometida com a legalidade e promoção da justiça social

Sem esgotar o assunto, pretendemos sem a falsa galhardia, sublinharmos a importância da Polícia Civil Bandeirante e de seu instrumental inquérito policial.

Anote-se, por exigência constitucional, a Polícia Civil é administrada por delegados de polícia de carreira com formação na área das ciências sociais e jurídicas compatível com os tratados internacionais humanitários com viés de uma sociedade plúrima submetida ao estado democrático de direito.

Assim, prefaciamos este arrazoado tecendo essas singelas ponderações realçando a seriedade que deve ser dispensada a um tema relevante para sociedade e aos operadores do direito.

 

O termo polícia tanto pode significar a corporação encarregada de manter a ordem, como o próprio elemento que a integra. Segundo Clóvis Buznos “do ponto de vista terminológico a palavra polícia deriva do latim politia, originário do grego politéia que significa constituição da cidade, constituição do estado e num sentido referente à Administração Pública, governo".

Em Roma, o termo politia adquiriu um sentido todo especial, significando a ação do governo no sentido “de manter a ordem pública, a tranquilidade e paz interna”, posteriormente, passou a indicar “o próprio órgão estatal incumbido de zelar sobre a segurança dos cidadãos”.

Dessa forma, polícia é o órgão incumbido de manter e preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. É função essencial do Estado. Dela se serve a Administração para limitar coercitivamente o exercício de atividades individuais, a fim de garantir o bem geral e o interesse público. Consiste a polícia, segundo modernos doutrinadores, no conjunto de serviços organizados pela Administração Pública para assegurar a ordem pública e garantir a integridade física e moral das pessoas, mediante limitações impostas à atividade pessoal.

Nesse cenário, enveredando no assunto temático, cumpre-nos pontuarmos os relevantes fatos históricos que contribuíram para a criação da Polícia Civil. Iniciamos com a vinda da família real para o Brasil, época em que Dom João VI criou pelo Alvará de 10 de maio de 1808, uma organização policial bem estruturada, chefiada pela Intendência Geral de Polícia do Brasil, nos moldes da Intendência de Portugal. Fez-se a primeira menção ao cargo de delegado, isto é, como prepostos ou representantes do Intendente Geral em cada uma das Províncias do Império. Tivemos os “ Delegados dos Intendentes”, num primeiro momento, e posteriormente, receberam a terminologia de “Delegados de Polícia”. Através da denominada Lei de 15 de outubro de 1827, foi criado o cargo de Juiz de Paz, a quem cabia a função policial preventiva e repressiva nas Províncias, alterando o quadro policial, extinguindo a figura do Intendente Geral da Corte, criando em seu lugar o cargo de Chefe de Polícia, exercido por um Juiz de Direito, na Corte.

Nesse período, no Brasil não havia legislação penal, sendo utilizadas as Ordenações Afonsinas, Manuelinas, Sebastiânicas e Filipinas.

Concebeu-se legalmente a existência do nobre cargo de Delegado de Polícia a partir da Lei nº 261, de 03 de dezembro de 1841, aperfeiçoada em 31 de janeiro de 1842, pelo Regulamento nº 120, que reformou o Código de Processo Criminal do Império. Desde então, não mais eleitos, e sim, nomeados pelo Imperador ou Presidentes das Províncias, dentre quaisquer juízes e cidadãos, e os Chefes de Polícia, dentre os Desembargadores.

Nessa época, surge o embrião do atual Sistema de Segurança Pública, copiando o modelo francês, dividindo a atividade policial em duas: a primeira dirigida a investigação e repressão criminal com a função específica de Polícia Judiciária, e a segunda com a responsabilidade de estabelecer o policiamento de rua, isto é, ostensivo, recebeu a função de polícia preventiva ou administrativa.

O então Presidente do Estado de São Paulo, Jorge Tibiriçá Piratininga, promulgou a Lei nº 979, de 23 de dezembro de 1905, criando a Polícia de Carreira em São Paulo – Polícia Civil, sendo que a partir daí o delegado de polícia tinha que ser bacharel em direito.

Concernentemente ao documento empregado para a condensação das investigações, atual inquérito policial, sua denominação legal veio na esteira do Decreto nº 4.824, de 28 de novembro de 1871, que, por seu turno, regulamentou a Lei nº 2033, de 1871, a partir do desdobramento e evolução do sumário de culpa elaborado pelos Juízes de Paz. Determinava o artigo 42 do aludido Decreto que o inquérito policial consistia em todas as diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, suas circunstâncias, seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito.

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Em regra, a polícia judiciária entra em cena após a consumação de uma infração penal de autoria desconhecida, prefaciando as investigações pelo método empírico e, adotando a  intuição, excepcionalmente, utilizando-se de premissas hipotéticas, que devem ser comprovadas por meio de técnicas autorizadas pelo ordenamento jurídico. Desse modo, é denominada, de polícia judiciária científica ou técnica, dado ser uma ciência prática, na identificação civil, a serviço da investigação judicial com emprego de conhecimentos científicos e não tem caráter estritamente policial, inspirando-se em leis processuais penais.

No estado democrático de direito as investigações criminais devem ser conduzidas por um profissional qualificado e especializado, i. e., delegado de polícia, cabendo-lhe perscrutar a tipicidade do fato, a existência ou não de causas excludentes de ilicitude e a culpabilidade do suposto autor de uma infração penal, apurando-se as circunstâncias e a motivação do delito - elemento determinante ou anímico -, com observância ao disposto no artigo 6º e seus incisos, do Código Processual Penal.

Referida incumbência vem agasalhada expressamente na Constituição Federal inserida pelo legislador constituinte originário, in verbis:

"Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: ["..."]

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares".

Doutro modo, depreende-se por previsão constitucional e interpretação sistemática do arcabouço normativo infraconstitucional, recepcionado pela Carta Cidadã de 1988, de que a carreira de delegado de polícia correlaciona-se ao disposto no Pacto de San Jose da Costa Rica ou Convenção Americana dos Direitos Humanos de 22 de novembro 1969 - ratificado pelo Brasil através do Decreto nº 678/1992 -,  no tocante ao resguardo dos direitos e garantias dos investigados e presos na primeira fase da persecução criminal, in litteris:

"Artigo 7.  Direito à liberdade pessoal ["..."]

 5.     Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz 'ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais' (grifo nosso) e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo.  Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo".

Nesse sentido, a Polícia Civil tem por escopo auxiliar o Poder Judiciário Estadual, observando o ordenamento jurídico vigente, assegurando uma justiça menos aleatória, mais prudente e serena, de modo a resguardar o estado democrático de direito e a dignidade da pessoa humana.

A doutrina sustenta que o destinatário imediato do inquérito é o promotor de justiça, devido ser o titular privativo da ação penal, competindo-lhe avaliar a presença de elementos suficientes para promover a denúncia contra o indiciado com possibilidade de deflagrar uma ação penal, consoante disposto no artigo 129, inciso I, da Constituição Federal e artigos 41 e 257, inciso I, do Estatuto Processual Penal, sem prejuízo da atuação da vítima por meio de queixa-crime assistida por um advogado em casos em que o agente ministerial for desidioso, nos termos do artigo 5°, inciso LIX, da Bíblia Política. De outra forma, se a denúncia for recebida pelo juiz, nos termos do artigo 396 do Diploma Penal Adjetivo, este é denominado autor mediato, iniciando a triangulação do devido processo legal aquinhoado no artigo 5°, inciso LV, da Carta Magna.

A autoridade policial em seu sentido restritivo, in casu, o delegado de polícia de carreira, pode tomar conhecimento da prática de infrações penais na forma imediata que se dá no exercício de suas atribuições e, neste caso, normalmente se lavra um registro policial denominado boletim de ocorrência ou em caso de estado flagrancial uma peça constritiva ambulatorial adjetivada de auto de prisão em flagrante delito. Na modalidade mediata a cognição sucede por terceiros, através de requisição judicial, requisição do promotor, requisição do ministro da justiça, requerimento da vítima ou de familiares. Agindo de ofício nos crimes de ação penal pública incondicionada (v. g., roubo, homicídio, sequestro) e sob condições naqueles crimes de ação penal pública condicionada à representação (v. g., ameaça e injúria racial) ou mediante requerimento nos crimes de ação penal privada (v. g., calúnia, difamação e injúria).

Durante as investigações vale-se das provas nominadas que são aquelas previstas no Código de Processo Penal, no Título VII, artigos 158 usque 240, ipsis litteris:

I) perícias;

II) interrogatório do indiciado;

III) declarações da vítima ou ofendido;

IV) depoimento das testemunhas;

V) reconhecimento de pessoas;

VI) reconhecimento de coisas;

VII) acareação;

VIII) documentos;

XI) indícios; e,

X) busca e apreensão.

De forma análoga, as provas inominadas estão previstas em Leis Especiais, tais como: Lei nº 9.296/96 que trata da interceptação da comunicação telefônica, do fluxo das comunicações em sistema de informática e telemática; Lei nº 12.850/2013 que prevê meios de obtenção de prova pela colaboração premiada, captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos; e, Lei nº 12.037/2009, que prevê a utilização de material biológico na identificação criminal para obtenção do perfil genético.

Devido a relevante função desempenhada pela Polícia Civil, sancionou-se em 20 de junho de 2013, a Lei nº 12.830, aprovada pelo Congresso Nacional sistematizando a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, prevendo que as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.Na qualidade de autoridade policial, compete-lhe conduzir a investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais, in verbis:

"Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia.

Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

§ 1º Ao delegado de polícia, na qualidade de autoridade policial, cabe a condução da investigação criminal por meio de inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei, que tem como objetivo a apuração das circunstâncias, da materialidade e da autoria das infrações penais.

§ 2º Durante a investigação criminal, cabe ao delegado de polícia a requisição de perícia, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos.

§ 3º (VETADO).

§ 4º O inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação.

§ 5º A remoção do delegado de polícia dar-se-á somente por ato fundamentado.

§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

Art. 3º O cargo de delegado de polícia é privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados".

Nesse contexto, durante a investigação criminal, no jaez de autoridade estatal, requisita perícias, informações, documentos e dados que interessem à apuração dos fatos. Determinou-se que, inquérito policial ou outro procedimento previsto em lei em curso, somente poderá ser avocado ou redistribuído por superior hierárquico, mediante despacho fundamentado, por motivo de interesse público ou nas hipóteses de inobservância dos procedimentos previstos em regulamento da corporação que prejudique a eficácia da investigação. Tratou da remoção do delegado de polícia que dar-se-á somente por ato fundamentado.

Corroborando a jurisprudência e doutrina majoritária, assentou que o ato administrativo, rubricado indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á, fundamentadamente, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias. Corolário imprescindível reproduzido pela própria natureza da função desempenhada, se deu pelo prenúncio do cargo de delegado de polícia ser privativo de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública, do Ministério Público e os advogados.

Pensando assim, retratamos a polícia civil como sendo um órgão auxiliar do poder judiciário, incumbida de apurar as infrações penais e a respectiva autoria, concatenando elementos probatórios ao titular da ação penal - promotor ou advogado -,  para que disponha de elementos necessários para ingressar em juízo com uma denúncia ou queixa-crime, inibindo uma acusação infundada e futura absolvição de um inocente, cujo compromisso é com a justiça social.

Desse modo, incansavelmente, busca a verdade real, indagando os fatos suspeitos, recebe avisos, notícias, denúncias, forma os corpos de delitos para comprovar a existência dos atos criminosos, sequestra instrumentos de crimes, intercepta comunicações (telefônica, informática ou telemática), colige todos os indícios e provas, rastrea os delinquentes, captura-os nos termos da lei e entregá-os à justiça criminal, juntamente com a investigação, para que aprecie e julgue maduramente.

 

Referência:

Barbosa, Manoel Messias. Inquérito policial: doutrina, prática jurisprudência – 5°. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: Editora Método, 2006

Filho, Caetano Paulo. inquérito policial : uma publicação da folha dirigida. cadernooab.2008 pag. 6.

Vade Mecum Saraiva / obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Lívia Céspedes e Juliana Nicoletti. – 19. ed. atual. e ampl. – São Paulo:Saraiva 

BRASIL.[Constituição (1988)].Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF:PresidênciadaRepública.Disponívelem:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm.

BRASIL. Decreto-Lei Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941(Código de Processo Penal). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del3689.htm>. 

Organização dos Estados Americanos, Convenção Americana de Direitos  Humanos (“Pacto de San JosédeCostaRica”),1969.Disponívelem:https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm

BRASIL. N. 12.830, de 20 de junho de 2013, D.O.U. de 21.06.2013  

Sobre o autor
Leite Tavares

Delegado de Polícia do Estado de São Paulo. Bacharel em Ciências Sociais e Jurídicas pela Universidade São Francisco. Pós-Graduado Lato Sensu em Direito Penal e Processo Penal no Complexo de Ensino Andreucci. Palestrante, Articulista e Professor de Curso Jurídico.

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