4.0 - O DESAMOR.
A palavra cônjuge foi distinguida para identificar aqueles unidos pelos laços do matrimônio. Interessante atentar para a semântica da palavra cônjuge: jugum era o nome dado pelos romanos à canga aos arreios que prendiam as bestas às carruagens. O verbo conjugare (de cum jugare) significa, entre outros sentidos, a união de duas pessoas sob a mesma canga, donde conjugis quer dizer jungido ao mesmo jugo, ou ao mesmo cativeiro [39].
Não se pode deixar de convir que este é o sentido, quase sempre, empregado ao casamento quando a união está prestes a fenecer, tamanha a dificuldade dos cônjuges em aceitarem o rompimento de um vínculo estabelecido para ser eterno, ainda que a separação venha para acabar com a infelicidade do casal.
Toda separação enseja um sentimento de desamparo proveniente da perda do cônjuge. Um cônjuge projeta no outro seus sonhos, fazendo da pessoa amada um objeto ideal e perfeito, apostando na união sua felicidade.
Assim, o fim do casamento, com o desamor, causa frustrações, decepções: levando o casal a buscar no Judiciário o cumprimento dos deveres inerentes à condição de casados. Somente quando o vínculo afetivo se desfaz é que os cônjuges vão aos tribunais. O Judiciário deveria tão somente resolver as querelas de cunho econômico, uma vez que os direitos e deveres não exercidos na constância da união, assolada pelo desamor, perdem o relevo jurídico.
Contudo, falar de sonho, liberdade e afeto soa estranho a quem tenha em vista leis. É notável o quão pouco se menciona de amor em Direito de Família. Bem diz João Baptista Villela: o amor está para o direito de família como o acordo de vontades está para o direito dos contratos. [40] É certo que o Direito de Família não deve se ater ao pieguismo, mas também não tem que ser árido e asséptico.
É preciso reconhecer que a ausência de amor no casamento acarreta sua dissolução. No dizer de Saulo Ramos:
"Nos conflitos psicológicos, nos desajustes, nos desníveis culturais, na incompatibilidade sentimental ou matrimonial, ou sexual, ou em muitos casos, no simples desamor, que nada tem de desonroso para nenhum dos cônjuges" [41]se encontram os motivos mais comuns de rompimento do casamento.
Sob essa ótica muitos casais se transformam em inimigos íntimos; vivem sob o mesmo teto sem se perceberem como homem e mulher, estão próximos fisicamente, mas, ao mesmo tempo, sentem uma solidão insuportável. Nesse quadro, a título de exemplo, pergunta-se: diante de uma relação desgastante como essa, o envolvimento com uma terceira pessoa torna-se propício, pelo próprio estado de carência afetiva. Desse modo, a quem se deve culpar? O cônjuge infiel ou aquele que se fez ausente durante toda a relação?
É de se reconhecer que nesse momento os fatos concretos estão eivados de subjetividade. As partes apresentam suas versões, que acabam por se transformar em aversões, que pouco representam a realidade.
Por essas considerações, e uma vez que o sistema normativo brasileiro impõe como causa da separação judicial a infração de algum dos deveres matrimoniais, necessário se faz normatizar o desamor como causa de separação judicial, haja vista a insuportabilidade que permeia a vida em comum do casal. Não se pretende que Direito de Família substitua uma terapia de casal, mas seria imperdoável concebê-lo ou praticá-lo com exclusão do aconselhamento reparatório da psicologia.
O cônjuge desistente pode ter, e certamente tem, razões para o desenlace conjugal, mas estas, verdadeiras ou falsas, não cabem a uma situação comunicativa; ou seja, a explicação de sentimentos, atitudes e posturas que proporcionaram a derrocada da união, que sirva ao parceiro como causa objetiva, no sentido de eliminar, na origem e na constância do relacionamento, a arbitrariedade da decisão.
4.1 – A ABORDAGEM HISTÓRICA DO DESAMOR.
A dissolução do casamento é um instituto que data desde o direito romano, obtido pelo divortium e pelo repuduim.
Inicialmente é preciso esclarecer o significado dessas expressões àquela época. A doutrina diverge a respeito; alguns autores como Bonfante e Gianneto Longo entendem que:
até a época dos imperadores cristãos, "divortium" (divórcio) indica a ruptura do casamento (quer seja pela vontade de ambos os cônjuges, quer seja pela vontade de um deles), ao passo que "repudium" (repúdio) significa ato pelo qual se manifesta a vontade de dissolver o casamento. (42)
Outra corrente, majoritária, afirma que, no direito clássico e no direito pós-clássico o termo divórcio designava divórcio bilateral e, repúdio remetia-se ao divórcio unilateral.
O divórcio, e mais ainda o repúdio, nos primórdios, foi um instituto de rara concretização, em razão dos costumes severos. [43]
O repúdio era o momento formal da revogação do consenso, marcado pela supremacia sócio-jurídica do pater familias, era privilégio do marido, que dele fazia uso em caso de esterilidade, adultério, desobediência, etc. [44]
Com o influxo do cristianismo, através de imperadores católicos, a doutrina católica começa a combater o repúdio (e também o divórcio), sem contudo proibí-lo, defendendo a indissolubilidade do casamento.
Em 331 d.C., Constantino preocupado com a situação do cônjuge repudiado e dos filhos em comum, extingue o divórcio unilateral imotivado, admitindo, apenas, que marido ou mulher pudessem repudiar o outro cônjuge quando ocorressem certas causas graves e precisas: se a mulher cometesse adultério ou envenenamento; em relação ao homem, fosse ele réu de homicídio, violação de sepulcro, entre outros. Havendo repúdio sem a existência de uma das causas admitidas, o cônjuge que repudiara o outro sofria sanções: se o marido,deveria restituir o dote e não poderia se casar novamente, se a mulher, perderia para o esposo o dote e as doações nupciais, além de sofrer a pena de deportação.
Justiniano, mais tarde, manteve o repúdio, já causal, alargando-lhes as hipóteses, como por exemplo, do cônjuge esconder armamentos contra o imperador.
A essa constituição imperial – cujo sistema foi ab-rogado por Juliano, o apóstata, seguiram-se outras sob a mesma orientação.
4.2 - A EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS DE FAMÍLIA E DE CASAMENTO.
Com a Revolução Industrial, no século XVIII, a sociedade se transforma, o que representa um fato histórico para a família: o espaço doméstico se reduz; o casal passa a compartilhar o mesmo leito. A indissolubilidade do casamento começa a ser posta em xeque. A mulher se vê obrigada a trabalhar para o sustento do lar. Inicia-se, a partir de então, a libertação feminina e a derrocada do patriarcalismo.
Mais tarde, no século XXI, o movimento feminista também contribuiu, sobremaneira, para a nova concepção da família e do casamento; redimensionou os papéis masculinos e femininos, proporcionou um repensar das relações conjugais. A mulher adquiriu presença própria, desvinculando-se da imagem do homem.
A igreja católica, no intuito de acompanhar o dinamismo da sociedade, revê sua doutrina em prol do verdadeiro espírito cristão: aquele do amor ao próximo e da responsabilidade. A única regra moral é amar o semelhante. Tudo que não ferir essa norma é permitido ou, quando nada, tolerado. [45]
Diante dessa revolução de valores, a conjugalidade não é mais a mesma prevista no Direito positivo, assim como deixou de ser indissolúvel.
A família não mais se configura como núcleo econômico e de reprodução (até porque a sexualidade se insere antes na ordem do desejo que na da genitalidade [46]), essencialmente; vai além disso: se torna um espaço para o desenvolvimento do amor, núcleo formador da pessoa.
O casamento, na medida em que é a continuidade e duração, tem por base a existência de projetos de vida comuns e a produção recíproca de paz e segurança.É uma relação constante e firme de troca afetiva.
Outra característica dessa nova concepção de matrimônio é a honor matrimonii; a dignidade social que empresta à união, mesmo que não se considere apenas a união sexual, mas também a comunhão material e espiritual da vida do casal.
Nesse ponto ressalta-se a "ratio" do casamento, a qual se traduz como o sentimento que sustenta a comunhão espiritual e material da vida própria do casamento e sua razão de ser, que é o amor, afeição, dedicação recíproca, segundo Orlando Gomes. [47]
Em síntese: cada pessoa passa a ter direito a escolher seus próprios caminhos, profissionais e pessoais, e que, portanto, o casal somente se sustenta quando ocorre uma troca enriquecedora de experiências.
A família continua, mais que nunca, empenhada em ser feliz – a manutenção da família, hoje, depende, sobretudo, de se buscar, por meio dela, a felicidade. Manter a família não mais é obrigatório, ela só sobrevive quando vale a pena: quando existe amor, respeito mútuo entre os cônjuges, pois do contrário, o casal não é mais impelido pela sociedade a viver um casamento de aparências, que não lhe traga a satisfação e completude própria desse instituto.
4.3 - A ESTATIZAÇÃO DO AFETO.
A família, sob a justificativa da moralidade e da regular ordem social, se tornou uma instituição matrimonializada no momento em que o Estado resolveu normatizar os vínculos afetivos.
Essa influência, descabida, da esfera pública parece, judicialmente, ineficaz, pois o descumprimento de qualquer dos deveres (que instituiu para fazer do casamento uma união sólida e equilibrada) não gera possibilidade de buscar seu adimplemento por decisão judicial. É como se o Estado pudesse, por vias normativas, obrigar a existência do afeto, do amor entre o casal. A verdade é que esses deveres nada afetam a existência, a validade ou a eficácia do casamento. [48]
Deste modo, tem-se a impressão de que as partes são incapazes de adotar regras de convivência, atendendo aos seus interesses devendo, portanto, se submeter, à permanente tutela do Estado, tão sábio e sensato que lhes devesse impor regras de como viver uma experiência amorosa e de como mantê-la, por todo o sempre, ainda que o amor tenha fenecido.
No casamento só deveria interessar ao Estado a proteção dos filhos menores e a adequada liquidação de um eventual patrimônio que se tenha formado. [49]
No âmbito privado, inicia-se um repudio quanto à ingerência do poder público, pois no momento em que a estrutura familiar cedeu à democratização – homens e mulheres exercendo seus papéis familiares em igualdade de condições, não mais há que se falar na excessiva interferência estatal na vida afetiva do casal.
Essa situação acarreta uma verdadeira estatização do afeto: a família passa a habitar a sede dos princípios constitucionais e do pluralismo legal; ou seja, uma lei para cada situação, visando a maior elasticidade e, apesar de superficialmente contraditório, a menor interferência do público no privado. [50]
4.4 - A ABORDAGEM PSICANALÍTICA DO DESAMOR.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Direito de Família adquiriu, em virtude de sua própria constitucionalização, a exigência de uma abordagem multidisciplinar, predominantemente na seara da psicanálise.
Todos os atos e fatos jurídicos com os quais o Direito de Família trabalha são predeterminados, determinados ou influenciados pelo inconsciente. São razões que a própria razão desconhece [51].
A psicologia se propõe à compreensão dos sentimentos e emoções humanas, e assim, aquele que com esse ramo do Direito trabalha não deve negligenciar esses conflitos atento ao fato de que são os restos de amor que são levados ao Judiciário.
A prática psicanalítica demonstra que certos sintomas do separando são, na verdade, sintomas do casal, que pretendem da Justiça a resolução de conflitos de relacionamento, seguindo um modelo ideal por eles mesmos criado.
Assumindo que, ao lidar com as questões de família, trata-se de emoção, afeto, e também do inconsciente que incide sobre as ações, ratifica-se que o profissional do direito deve agir como uma "continência" afetiva, pois ocupa lugar de objeto transferencial da parte, do casal ou da família como um todo. [52]
O Direito é dinâmico, deve traduzir a realidade social e não pode ficar apegado à literalidade da lei. A subjetividade é uma realidade não só social, como também jurídica, tão presente que se mostra, até mesmo, nos atos do juiz. A sentença, que é seu ato mais importante, não está isento dela. Cada julgador, com seus valores e conceitos morais, é que faz a sentença.
Isso não implica em fazer do advogado ou do juiz psicólogos, mas sim que estes devem estar atentos à influência que exercem sobre as partes numa demanda; uma vez que seus cargos são atribuídos à lei, ao Estado, ou a quem quer que as pessoas indiquem o saber: aquele que deve ou não autorizar, a quem e quando punir, a quem e como beneficiar.
No direito de Família o tratamento interdisciplinar tem se mostrado cada vez mais adequado, e revelado resultados positivos acerca do respeito e à manutenção da dignidade dos envolvidos nessas ações.
É nesse sentido o pensamento de Jones Figueiredo Alves, para quem:
Não há que se negar a extrema importância do auxílio e da intervenção da psicologia, a consolidar mais vezes, o caráter da obrigatoriedade, no Juízo de Família, a tanto que essa situação tem sido institucionalizada na estrutura judiciária mediante a instalação de serviços psicossociais forenses, como serventia de quadros próprios, aparelhados para suas atribuições específicas." (53)
Por essas considerações conclui-se que a partir do momento em que o Direito deixar de negar que os atos e fatos objetivos são permeados pelo inconsciente e reconhecer a legalidade da subjetividade, se estará mais próximo do ideal de justiça.
4.5 - DO DESAMOR COMO INFRAÇÃO DO DEVER DE ASSISTÊNCIA IMATERIAL.
No rol dos deveres do casamento tem-se o dever de assistência mútua entre os cônjuges, que se vulnerado for enseja a separação judicial.
O dever de assistência mútua é aquele que preconiza a ajuda recíproca entre os cônjuges, não se restringindo aos momentos difíceis, mas também no cotidiano da vida.
Imposto pelo art. 231, III do Código Civil e art. 1.566 do novo Código Civil, o dever de assistência se apresenta sob dois aspectos: material e imaterial ou espiritual.
A assistência material implica no auxílio econômico, a ajuda material recíproca, a constante contribuição econômica para com os encargos do lar. [54]
Para Arnaldo Rizzardo:
é uma decorrência da comunhão de vida, em que marido e a mulher, dentro das funções que lhes são próprias e de acordo com a profissão exercida, não devem tratar dos interesses econômicos individualmente, mas segundo os interesses do grupo familiar. (55)
No que tange ao dever de assistência espiritual, este abrange os aspectos moral, afetivo e psicológico como: a prestação de apoio, atenção, carinho e amor. E é nessa seara que se insere o desamor. No dizer de Henri de Page:
Quantas mulheres não tem o coração martirizado pela indiferença e pelo alheamento de seus maridos! Quantos homens não sofrem pela descuidada frivolidade de suas mulheres! Quantas desuniões não foram provocadas por esse desconhecimento inicial do dever de assistência! O casamento não é somente a união dos sexos, ou a ocasião de obter uma situação pecuniária invejável uma vida confortável e fácil. É bem mais do que isso, e os tribunais deveriam, eventualmente, ter a coragem de afirmá-lo. [56]
Porém, o conteúdo casuístico desse dever nada tem da objetividade que requer o Estado para conceder separação; o que o torna de difícil sancionamento legal.
Nesse momento é patente a necessidade de incluir o motivo intrínseco do descumprimento do dever de assistência imaterial – o desamor, como causa subjetiva de separação judicial. Causa essa subjetiva sim, pois no âmbito das emoções inexiste a possibilidade do controle normativo pretendido pelo ordenamento jurídico.
O desamor está presente em todas as situações de negligência espiritual: o descuidado do lar, o constante atribuir de defeitos ao outro cônjuge, o desinteresse num relacionamento sexual, e outras atitudes impróprias da união.
O casamento atingido pelo desamor é de sensível notoriedade: incompatibilidade de gênios, a descomposição do grupo familiar, a intolerância de pensamentos e idéias, a insuportabilidade da presença mútua.
Perante essa situação, como o ordenamento jurídico pode se opor à realidade fática do desamor e as suas implicações no direito, se o próprio Estado atribuiu, como razão máxima do casamento, o princípio da "ratio" do matrimônio? Maria Helena Diniz lembra que, segundo esse princípio o fundamento básico do casamento e da vida conjugal é a afeição entre os cônjuges e a necessidade de que se perdure completa comunhão de vida. [57]
Para a realização da vida comum no domicílio conjugal, não basta que o marido dote a esposa de dinheiro, jóias, casa, automóvel, como quer fazer crer o réu. Para a realização dessa vida comum, faz-se mister que, além dos indispensáveis bens materiais, o marido deve dotar também a esposa com a sua presença física e espiritual, atuante sob todos os aspectos, de modo que essa presença represente sempre um ato de amor, de respeito e de solidariedade" ( 1.ª Câmara do TJSC, 16.11.1979, Jurisprudência Catarinense 26/118). [58]
Segundo Caio Mário da Silva Pereira:
o abandono ofensivo do dever matrimonial não é apenas o que se caracteriza pelo afastamento material. Convivendo embora no mesmo domicílio, constitui abandono sujeito à sanção legal o fato de um cônjuge ou os filhos, deixando de ministrar o necessário ao sustento, como ainda faltando ao dever de assistência moral à família. (59)
Ignorar o desamor implica também num ato inconstitucional, pois a maioria dos deveres do casamento resultantes de sua concepção moral, estão ligados ao direito à dignidade, à personalidade dos cônjuges: à honra e à liberdade.
E mesmo em relação ao cônjuge desistente deve haver a possibilidade de que ele possa alcançar a separação judicial pelo simples fato de não mais amar seu cônjuge; num mero exercício do direito de personalidade à liberdade e de direito à dignidade.
Segundo Regina Beatriz [60], esses direitos têm como objetivo os atributos físicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais e a defesa da essência do ser humano, são, em regra, intransmissíveis e irrenunciáveis. É por meio do respeito a esses direitos que pode ser alcançada a harmonia nas relações familiares; somente do respeito a esses direitos é preservada a dignidade da pessoa no seio da família.
É certo que o casamento exige certos sacrifícios e renúncias para que possa subsistir. Contudo, há renúncias que ultrapassam a sensibilidade e a natureza humana do cônjuge. Se o amor não permeia a relação conjugal a ponto de não mais ser possível tratar o cônjuge com o devido afeto e atenção que se devem os cônjuges, essa realidade importa o direito de personalidade de ambos os cônjuges, em especial aquele que não mais ama e, se vê obrigado a permanecer no casamento.
Nesse caso, o nubente compelido, deve aguardar dois anos casado para, então, poder pleitear uma separação amigável (se o outro cônjuge permitir) ou deverá, para ter sua liberdade respeitada, incorrer na infração dos deveres do casamento; o que soa estranho aos operadores do direito, pois, segundo a doutrina, ninguém pode se valer de sua própria torpeza.
O direito da personalidade à liberdade, tido como o poder de fazer ou não fazer tudo aquilo que se quer, no âmbito resultante das limitações fixadas pelo ordenamento jurídico, tem inúmeras manifestações como de pensamento e sua expressão, de crença e prática religiosa, de escolha e exercício de atividade profissional, de relacionamento social, familiar e sexual. [61]
Completa José Afonso da Silva afirmando que a liberdade consiste na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal. [62]
Deste modo, pode o direito regular um sentimento? Obrigar a sociedade conjugal, mesmo que não mais resida o amor entre o casal parece inconstitucional, pois é a renúncia plena do direito à liberdade, à dignidade, garantido pela Carta Magna.
Além disso, o desamor, assim como as infrações dos deveres matrimoniais tutelados pelo Código Civil, acarreta a insuportabilidade da vida em comum, uma vez que a compromete tornando intolerável sua manutenção ou restauração, em termos que correspondam à essência do casamento.
Sendo assim, é de se questionar que, se o desamor é a causa maior de qualquer separação judicial, e que, devido à sua subjetividade – carga passional inerente à condição humana, deve-se persistir no princípio da culpa?
Alexandre Rosa [63] alerta para o fato de que no paradigma do desamor as culpas são partilhadas ao gosto dos cônjuges, sem que se preocupe em apontar o culpado pelo fim do casamento. Será que alguém se acredita totalmente inocente do final de um relacionamento? Nunca fez qualquer ato ou omissão capaz de gerar no cônjuge uma desilusão, um dissabor, uma frustração, uma mágoa sequer?
Tendo em vista todo o contexto sócio-jurídico, conclui-se que somente quem está no casamento pode informar se existe respeito mútuo e amor. São eles os titulares do direito de escolher sua felicidade: um legítimo ato de liberdade.