INTRODUÇÃO.
Atualmente percebe-se que o instituto casamento está acometido de certa instabilidade, demonstrada pelo crescente aumento de separação e divórcio, segundo dados apontados pelo IBGE.
A crise no casamento está ligada a uma série de fatores que se estendem desde os valores fundamentais da sociedade condizentes com a moral e a religião, até a evolução de concepções e mentalidades sobre o casamento e a família que buscam atender a imediata dinâmica dos novos tempos; mudanças de comportamento que prezam a felicidade através da liberdade.
O ordenamento jurídico, atento à essa realidade, já não se opõe à separação de casais, abandonando antigos preceitos que impunham à família estabilidade forçosa e penosa, para o reconhecimento e verdadeiro espaço de afeto e companheirismo. Essa evolução é marcada pelo declínio do patriarcalismo, que se vincula, mais tarde, ao movimento feminista dos anos sessenta, alterando fundamentos morais da sociedade com a redivisão sexual do trabalho pelas mulheres.
Toda essa mudança foi acrescida pelo desenvolvimento e conhecimento psicanalítico que passa a considerar, na relação conjugal, a subjetividade: o que estrutura realmente o casamento são os laços de afinidade, companheirismo e o desejo, sem os quais não há que se falar em sociedade conjugal.
O cotidiano do casamento é muitas vezes uma realidade diferente daquela relação e do cônjuge idealizado. E é nesse momento em que se começa a atribuir ao cônjuge a culpa pelo fracasso da relação.
É comum verificar que o culpado pelo desenlace matrimonial sofreu as conseqüências de uma união conjugal sem afeto, sem carinho, de uma relação que já havia se acabado.
Tendo em vista essas considerações, questiona-se: existe culpado pelo desamor? Não seria o desamor no casamento motivo, mais que relevante, para ensejar a separação judicial?
Pretende-se com a presente monografia apontar a necessidade de se repensar as causas de separação judicial, atentando para o desamor, que consiste no desamparo imaterial; espiritual e moral do cônjuge ao outro, criticando, ainda, que, para o fim da conjugalidade é fundamental a imposição de culpa, pois o ordenamento jurídico ainda requer a existência e a prova da culpa para que se dissolva o casamento.
1.0 - CASAMENTO.
Para abordar o direito à separação judicial, se faz necessário entender com clareza o que venha ser o casamento.
O casamento é uma instituição antiga, advinda dos costumes, incentivada pelo sentimento moral e religioso, os quais foram completamente incorporados pelo direito pátrio.
No intuito de bem definir esse instituto, seu conceito sofreu inúmeras modificações ao longo de sua evolução, atendendo à dinâmica da sociedade, como também às alterações da própria família.
O primeiro conceito de casamento, surgiu no século III, à luz do Direito Romano, apresentado por Modestino: Nuptiae sunt coniunctio maris et feminae, consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio [1]Essa definição se encontra no título De Ritu Nuptiarum do Digesto, e faz menção à perenidade da união, e à comunhão do direito humano e divino. Com o passar do tempo, se desfez a referência à divindade, o matrimônio deixa de ser um instituto perpétuo, o que fora acrescido pela ingerência dos costumes.
Num segundo momento tem-se uma nova definição [2], provavelmente de Ulpiano, ainda no Direito Romano, na qual predomina a idéia de relação jurídica; a vida em comunhão, considerando a affectio maritalis. Conceito, este, que fora adotado pelo Direito Canônico.
Com o advento do cristianismo, o casamento passa a representar a reunião entre Jesus Cristo e a Igreja; matrimônio caracteriza-se pela união entre o homem e a mulher, sob as bênçãos do céu, tornando-se um só corpo e espírito.
No direito brasileiro, o casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida, assim o conceituou Lafayette. [3]
Para Clóvis Beviláqua,
o casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legitimando por elas suas relações sexuais; estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesse, e comprometendo-se a criar e educar a prole que de ambos nascer. (4)
No entendimento de Maria Helena Diniz, é o casamento o vínculo jurídico entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo, material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família legítima. [5]
Assim pela análise dessas definições, verifica-se que o conceito de casamento não pode ser imutável, pois que deve corresponder à evolução da sociedade.
Tendo em vista o conceito atual de casamento, verifica-se que a definição dos aspectos jurídicos, não implica na negligência de outros como o social e o moral. O casamento atribui aos cônjuges uma série de direitos e obrigações recíprocas, assim como há necessidade de se atender o aspecto social, o qual deve ser entendido como uma manifestação da vontade conjunta, subordinada a certos pré-requisitos e uma cerimônia, dotada de formalidades que, se cumpridos, legitimam a união. O aspecto moral advém da proposta affectio maritalis, da comunhão da vida, não só material, como espiritual: fidelidade, vida em comum no domicílio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, traduzidos nos arts. 231 do CC, 1.566 e 1.573 do novo Código Civil, como indicação de efeitos jurídicos do casamento.
Na verdade trata-se, o matrimônio, da conjugalidade de matéria e espírito, objetivando alcançar o desenvolvimento da personalidade do casal através do companheirismo e do amor, com fulcro no princípio da ratio – o fundamento básico do casamento e da vida conjugal é a afeição entre os cônjuges e a necessidade de que perdure a completa comunhão de vida. [6]As pessoas unem-se para serem felizes – o casamento é tido como um meio de realização pessoal e afetiva.
Quanto a natureza jurídica do casamento, há duas importantes vertentes:
1 – a questão de ser uma instituição de direito público ou privado.
2 – é ou não um contrato.
A primeira questão decorre da grande influência constitucional do Estado nas relações de cunho familiar; ditando normas para gerenciar a família em razão de sua importância social. Contudo, trata-se de um instituto do direito privado – regula relações entre indivíduos, não se incluindo o Estado nessa relação.
A sustentação da natureza pública do casamento baseia-se nos seguintes argumentos: que o instituto possui interesses públicos, uma vez que a família está sob a proteção do Estado; e o segundo, de caráter mais técnico, traz a afirmação de que o vínculo matrimonial se forma com o concurso da autoridade do Estado.
Contesta-se essa argumentação, alegando que a existência de interesses transcendentes da conveniência individual e de seus imperativos, não é suficiente para situá-lo no direito público, assim como não aceita a idéia de que esses interesses permitam ao Estado regular o casamento, no que se refere à assimilação de suas obrigações aos deveres do direito público.
E quanto à participação do Estado na formação do ato, o consentimento dos nubentes para tal constituição é o elemento principal, e não a manifestação da autoridade pública.
Em relação ao fato de o casamento se tratar ou não de um contrato, nota-se que a concepção do casamento como um contrato civil advém do direito canônico – que priorizava o consentimento dos nubentes, depois a intervenção do sacerdote, na formação do vínculo.
A Escola de Direito Natural adota essa idéia, passando depois do Código de Napoleão, a discipliná-lo como negócio jurídico contratual.
Gerou-se a partir de então, uma posição contratualista e outra anticontratualista.
Para os adeptos a essa corrente, o casamento torna-se um contrato civil, ou seja, regido pelas normas comuns a todos os contratos, concretizando-se pelo consentimento dos nubentes, o qual deverá ser recíproco e manifesto por sinais exteriores, como explica Maria Helena Diniz. É adepto dessa posição, entre outros doutrinadores, Cáio Mário da Silva Pereira e Orlando Gomes.
Outra concepção, a institucionalista, tem o casamento como um estado em que os nubentes ingressam; uma instituição social que advém da vontade dos nubentes, tendo normas, efeitos e formas preconizados em lei. Nessa posição, as partes tem plena liberdade de escolha a respeito da realização ou não do matrimônio. Contudo, aderindo ao casamento, não lhes é possível discutir acerca de direitos e deveres que a instituição lhes impõe. Seus efeitos são automáticos; de ordem pública, o que impossibilita sua dissolução por simples acordo entre os cônjuges. Orlando Gomes (Direito de Família. 13ª ed., Rio de Janeiro: Forense, p.57), num conceito panorâmico, diz ser o estado matrimonial, portanto, um estatuto imperativo preestabelecido, ao qual os nubentes aderem. Explica que, esse ato de adesão não constitui contrato, pois que se trata da aceitação de um estatuto tal como se apresenta, sem qualquer liberdade de adotar regras. Sustenta essa corrente Maria Helena Diniz.
Por fim, a terceira controvérsia acerca do tema, a corrente eclética ou mista, que faz a posição majoritária e também a mais recente. Segundo ela, o casamento seria um contrato sui generes, de direito de família. Um ato complexo, no qual se tem o elemento volitivo dos contraentes – na formação, e também a determinação legal advinda do Estado – conteúdo.
Prosseguindo o estudo, o negócio jurídico de constituição da família pelo casamento caracteriza-se por:
1.Ato personalíssimo,
2.Ato civil – pois submete-se ao regramento jurídico do Estado;
3- Ato solene – porque seu formalismo e´ próprio para a publicidade do ato e garantia da manifestação de vontade dos contraentes, que são a essência do casamento.
Como todo instituto jurídico, o casamento também está eivado de princípios que o norteiam, tais como: 1) a livre união dos futuros cônjuges – pois deve haver a manifestação de consentimento dos próprios nubentes, desde que tenham capacidade para tanto. Esse consentimento não pode também, ser substituído e nem autolimitado por qualquer condição ou termo; 2) monogamia: o sistema brasileiro adotou um regime da singularidade; ou seja, não é permitido dois ou mais vínculos matrimoniais contraídos pela mesma pessoa, simultaneamente; e 3) a comunhão indivisa: esse princípio ressalta o aspecto moral da união sexual traçada entre os nubentes; uma vez que se pretende a plena comunhão de vida: viverão, juntos, as alegrias e tristezas da existência.
Por todas as considerações traçadas ao longo do texto, percebe-se com clareza que, o casamento está revestido de pontos discutíveis na esfera privada do direito, principalmente quanto a sua natureza jurídica, seus aspectos éticos e sociais.É importante frizar também, o acréscimo sofrido que diz respeito a legitimação da união reconhecida apenas pelo casamento. Atualmente, outras instituições conferem a união entre casais sua legitimidade, como a união estável prevista no art. 226, § 3º e 4º da Constituição Federal de 1988 e a família monoparental.
2.0 – DISSOLUÇÃO DA SOCIEDADE CONJUGAL.
Para melhor compreender a separação judicial, cabe, primeiramente, precisar o significado de dissolução da sociedade e do vínculo conjugal.
A Lei 6.515, de 26 de dezembro de 1977, através de seu art. 2º, revogou expressamente os arts. 315 a 328 do Código Civil. Reza o artigo:
" A sociedade conjugal termina:
I – pela morte de um dos cônjuges;
II – pela nulidade ou anulação do casamento;
III – pela separação judicial;
IV – pelo divórcio.
E o parágrafo único: " O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio".
A sociedade conjugal será extinta, deixando o casamento de ser a concretização da união entre homem e mulher, contudo, o vínculo pode permanecer.
O vínculo matrimonial somente termina pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, como foi dito, nesses casos é possível a convolação de novas núpcias. O que não ocorre em relação à separação judicial, que põe fim à vida em comum, dissolve a comunhão conjugal e separa os cônjuges. Entretanto conserva intacto o vínculo, de modo que lícito não será a qualquer deles contrair novas núpcias. A separação constitui um abrandamento do princípio da indissolubilidade do casamento, mas ainda não acarreta a desintegração do vínculo, segundo nos ensina Washington de Barros Monteiro (Curso de Direito Civil. Vol. 2. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 200). Em síntese, ainda que não haja obrigação dos cônjuges para com os deveres matrimonias, o vínculo é mantido, impossibilintado, assim, novo casamento.
Deste modo, pelos ensinamentos de Maria Helena Diniz [7], explica-se que pode haver dissolução da sociedade conjugal, sem a dissolução do vínculo matrimonial, mas toda a dissolução do vínculo acarreta, obrigatoriamente, a da sociedade conjugal.
Por fim, no que tange à anulação ou nulidade do casamento, não há dissolução da sociedade propriamente. Na verdade há o reconhecimento de um vício no ato de constituição do matrimônio, ou seja, não de dissolve porque houve casamento válido. Contudo, trata-se de uma forma de desconstituição de um ato que se constituiu indevidamente, ou que não podia se constituir. Daí a Lei arrolou a nulidade e a anulação como causas de dissolução, uma vez que, põe fim à sociedade conjugal e ao respectivo vínculo. Na visão de Orlando Gomes [8] :
Nem por ser defeituoso, deixa o casamento de estabelecer a sociedade conjugal. Necessário, portanto, que se lhe ponha termo pelo reconhecimento judicial da existência da causa determinante de sua invalidade. Termina, pois, uma sociedade constituída ilegalmente. Corta-se o próprio vínculo invalidamente constituído.
2.1 – SEPARAÇÃO JUDICIAL.
Como já foi visto, a separação judicial tem por finalidade a dissolução da sociedade conjugal, permanecendo intacto o vínculo matrimonial, não podendo, assim, o separado contrair novo casamento, e, também, constitui-se como uma medida preparatória do divórcio.
A sentença que homologa a separação desobriga os cônjuges dos deveres inerentes ao matrimônio, tais como: o de coabitação e de fidelidade recíproca. Desta sentença advêm certos efeitos, que são: a divisão e a partilha dos bens – que devem atender aos requisitos do regime de bens adotado; a prestação de alimentos devida ao separado que dela necessitar, enquanto perdurar a demanda, salvo situações especiais, pois que subsiste o dever de sustento entre os cônjuges (próprio do casamento). E, quanto à guarda dos filhos menores, os tribunais têm decidido que, ainda que o separado venha a viver maritalmente com outra pessoa e, desde que, tenha uma conduta recatada e proporcione um ambiente familiar sadio à prole, não se justifica que os filhos sejam retirados de sua companhia.
O direito à separação é personalíssimo; ou seja, atende a um caráter privativo do cônjuge, então nomeado inocente, conforme expõe o art. 3º, §1º da Lei de Divórcio.
Explica o professor Arnaldo Rizzardo [9], que não é tolerado o comparecimento de terceiro no processo, contestando as afirmações do pretendente, (...), nem quando um dos cônjuges falece no decurso da separação. Neste sentido, bem esclarece Yussef Said Cahali [10] que, se a ação perdeu seu objeto, não há que se habilitar os herdeiros para seu prosseguimento; pois que o falecimento do cônjuge titular da ação, assim como do demandado, é causa extintiva da separação, sob o argumento de sempre: além do caráter pessoal da ação, esta que objetivaria o rompimento de uma união impossível de ser mantida, a morte de qualquer um dos cônjuges terá produzido os mesmos resultados.
No que tange ao cônjuge declarado incapaz, reza o art. 3º, parágrafo 1º, segunda parte que, seu representante legal poderá interpor a separação judicial. A Lei atribui idêntica legitimidade ao ascendente, descendente e ao irmão. Explicando melhor: ao pai, à mãe, ao descendente maior, se observada a ordem legal, e ao irmão.
Contudo, se faz certa ressalva ao representante legal, pois a incapacidade de pessoa casada só se define em processo de interdição, no qual se lhe nomeia curador. [11] Deste modo, ascendente ou irmão podem requerer a separação do cônjuge incapaz, se lhe regem a pessoa em curatela.
Segundo Pedro Sampaio [12], tendo o incapaz curador, este deve afastar a possibilidade de a representação caber ao ascendente e ao irmão, pois neste ato afastaria o curador de seu papel de representante de seu curatelado nos atos de sua vida civil, cessando os efeitos da sentença que lhe outorgou tal direito de representação.
Diante dessas considerações, para que a separação judicial seja válida requer-se:
1 – a iniciativa do cônjuge inocente, ou dos dois;
2 – a sentença do juiz, homologatória ou decisória.
Ainda no âmbito da separação judicial, duas são suas espécies:
a) consensual ou por mútuo consentimento dos cônjuges casados a mais de dois anos, que mediante um acordo, requerem conjunta e simultaneamente. Esse acordo não necessita de motivação, mas para que tenha reconhecimento jurídico requer homologação judicial. Deve-se considerar igualmente consensual a separação requerida por um dos cônjuges e aceita pelo outro. No conceito de Orlando Gomes:
a separação consensual é negócio jurídico bilateral, que tem como fim precípuo legalizar a conveniência dos cônjuges de viverem separados, estabelecidas e reguladas as conseqüências da dissolução da sociedade conjugal, tanto na ordem pessoal como na patrimonial. É fonte de direitos e obrigações unitariamente entrosados numa situação jurídica indivisível e inalterável, no conteúdo, pela vontade das partes. [13] ;
b) litigiosa ou não-consensual, geralmente é cognominada com o nome que se dá à separação em geral, isto é, separação judicial. É postulada por iniciativa unilateral de qualquer dos cônjuges, ante as causas previstas em lei; atribuindo uma conduta ou um fato pelo menos culposo ao outro consorte. A separação judicial litigiosa será abordada com mais afinco, em tópico próprio, por ser tema do estudo proposto.
Enfim, tanto a separação consensual como a litigiosa, dependem de sentença homologatória do juiz, no primeiro caso, e decisória, no segundo, por isso, são denominadas, genericamente, "separação judicial".
Por fim, consideram-se causas da separação, aqueles fatos que atuam como fundamentação para postulação ou que determinam o pedido da separação. A causa tem por escopo demonstrar contra ou a favor de quem a separação deve ser decretada – nomeando um culpado e um inocente.
De acordo com a Lei 6.515/77, quatro são os motivos que ensejam a separação judicial. A primeira delas se baseia na culpa imputada a um dos cônjuges, e esta prevista no caput do art. 5º da referida Lei:
"A separação judicial pode ser pedida por um só dos cônjuges quando imputar ao outro, conduta desonrosa ou qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum".
O texto legal menciona, então, como causa de separação toda conduta desonrosa e a prática de ato que acarreta grave violação dos deveres do casamento, desde que tornem insuportável a vida dos consortes.
A segunda causa apresentada se refere à ruptura da vida em comum dos cônjuges.
"A separação judicial pode, também, ser pedida se um dos cônjuges provar a ruptura da vida em comum há mais de um ano consecutivo, e a impossibilidade de reconstituição." ( § 1º do art. 5º, da Lei do Divórcio).
Outra causa esta contida no §2º do art. 5º, fundada na doença mental de um dos cônjuges:
"O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de grave doença mental, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que após uma duração de cinco anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável."
Essas posturas serão posteriormente explicadas num capítulo a elas pertinentes – a separação litigiosa, pois que incidem nestes casos.
No âmbito do direito civil, há uma classificação que divide as causa de separação em dois tipos: as concretas e abstratas.
As causas concretas são as pertinentes aos fatos da vida real indicadas como motivos do pedido, p.ex., narra-se na inicial um acontecimento ensejador da separação, circunstanciando-o com detalhes. E as causas abstratas, correspondem a uma determinada categoria que possibilita a separação; p.ex., a conduta desonrosa, a violação grave deste ou daquele dever conjugal, como explica Arnaldo Rizzardo. [14]
Segue a mesma orientação Yussef Said Cahali [15], que especifica as causas em legais e jurídicas. As legais: aquelas previstas no art. 5º, §§ 1º e 2º da Lei do Divórcio. São de enumeração objetiva (abstrata), modelo de comportamento negativo ou de situação insuportável. Já as jurídicas, são fatos reais, particularizados, que pertubam, sobremaneira, o cônjuge ofendido. É uma questão subjetiva da ação (concreta), na qual se pretende relacionar os fatos que servem de fundamento imediato à demanda proposta.
A importância dessa distinção esta presente no fato de se verificar a possibilidade de renovação do pedido de separação judicial, afastando-se da coisa julgada, apesar da mesma causa legal. Deste modo, a causa abstrata (legal) alegada não transita em julgado, possibilitando novo ajuizamento da ação com idêntico fundamento, desde que, se demonstre que o fato ocorreu em data posterior ao que determinou o ajuizamento da primeira ação.
Ensina Alexandre Alves Lazzarini [16] que:
embora as causas legais acolham um espectro amplo de possibilidades, o fato constitutivo será limitado pela causa jurídica.(...). E melhor opção o legislador com certeza não teria, que não fosse a fixação da causa legal de forma indeterminada, pendente de sua limitação pela causa jurídica, tendo em vista que, diante da velocidade com que os costumes e valores estão se alterando, uma conduta que se qualificaria como desonrosa do cônjuge no futuro poderá não sê-lo mais.
O mesmo valendo para a conduta, que acompanhando o desenvolvimento da sociedade, se torne desonrosa. Contudo, mantém-se a enumeração taxativa das causas na legislação.
2.2- SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA.
Será objeto da análise a dissolução culposa da sociedade conjugal.
A separação litigiosa culposa, também chamada de separação-sanção, é objeto do art. 5º, caput, da Lei do Divórcio, na qual se
permite a um dos cônjuges, pedir a medida judicial, mediante a imputação ao outro de conduta desonrosa ou de ato que importe grave violação dos deveres do casamento. Em qualquer caso, é indispensável que o comportamento indevido torne, para o cônjuge inocente, insuportável a continuidade da vida em comum, explica Orlando Gomes. (17)
Dessa consideração, destaca-se a imputação da culpa por um dos cônjuges ao outro; ou seja, da alegação do descumprimento de um dos deveres matrimoniais, que dá causa à separação litigiosa, provocando no inocente o sentimento de insuportabilidade da vida em comum. Destaca-se, assim, o rigor; a enumeração taxativa dessas causas contidas nos arts. 231 do Código Civil, 1.566 e 1.573 do novo Código Civil. Fora da previsão legal, só por intermédio da separação consensual.
Com propriedade, alerta Washington de Barros Monteiro [18], que seja considerado o âmbito social dos consortes. Se eles vivem num meio harmônico, de elevação, mais intensa será a dor do cônjuge inocente e mais viva a sua repulsa aos deslizes do companheiro. Nesse momento, importante é o papel do juiz, que deverá integrar-se no seio da família, desvinculando-se de seu cargo, para atender à questão humana que envolve a demanda; considerando-se o equilíbrio, a sensibilidade e o senso de responsabilidade que devem presidir a personalidade do juiz. [19]
Na visão de Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos [20], incumbe ao juiz, em cada caso, verificar o fato alegado, como causa real no descumprimento dos deveres inerentes ao matrimônio, os seus efeitos e conseqüências na vida do casal, para assim avaliar a insuportabilidade da vida em comum, de acordo com a condição socioeconômica e cultural dos cônjuges.
Para fundamentar o pedido de separação litigiosa, inadmissível é apontar a própria torpeza: a auto-acusação de grave violação das obrigações conjugais. O que se soma a outra razão: o art. 5º, caput, da Lei 6.515/77, menciona que a separação litigiosa só pode ser requerida por um dos cônjuges; ou seja, por aquele que se sente injustiçado frente à conduta desonrosa ou à grave violação dos deveres do casamento, imputados ao outro cônjuge; o culpado.
2.2.1 – AS CAUSAS CULPOSAS NA SEPARAÇÃO LITIGIOSA.
Com o casamento, desencadeiam-se vários deveres, estreitamente pessoais, recíprocos e infungíveis, cuja observância se torna condição de existência da sociedade conjugal, para que ela possa alcançar os fins que lhes constituem a natureza.
Contudo, não só no âmbito restrito do lar e da família, que esses preceitos devem encontrar observação, mas também nas relações dos cônjuges com terceiros, nas suas relações inter-sociais, evitando que da sua negligência o desprestígio, a desconsideração e degradação moral ou social a que se exponha um dos cônjuges, venham se refletir de modo pejorativo, como inexorável conseqüência, sobre a pessoa do outro cônjuge.
Sendo assim, a conduta desonrosa é o
ato ou comportamento imoral, ilícito ou anti-social de um dos cônjuges que, infringindo os deveres implícitos do matrimônio provoca no outro cônjuge um estado ou situação de constrangimento, humilhação, desprestígio moral ou social, desconsideração no ambiente da família, do grupo ou da sociedade. (21)
A conduta desonrosa carece de explicações por se tratar de um termo de extrema subjetividade no ordenamento jurídico.
Tal conduta representa os atos atentórios à boa fama, à dignidade ou o bom nome, não só do outro cônjuge, como da própria família.
Manoel Messias Veiga [22] desenvolve algumas exemplificações de conduta desonrosa:
a) ofensa da honra dos parentes de um dos cônjuges pelo outro; b) aversão manifesta e menosprezível do marido pela mulher e vice-versa de notoriedade pública; c)expressões humilhantes ditas por escrito, faladas, gestos, dirigidas por um dos cônjuges ao outro, com o conhecimento de terceiros, d) ridicularização do cônjuge em público; e) o ultraje ao pudor do conúbio; f) a ofensa aos brios do parceiro, etc.
Há doutrinadores que entendem que essa expressão, conduta desonrosa, tem caráter impreciso e por demais subjetivo, indagando se o legislador teria desejado atribuir à conduta desonrosa as hipóteses antes enquadráveis na injúria grave, no qual se encaixavam as causas de dissolução da sociedade conjugal, que não podiam ser fundamentadas em outras disposições legais.
Deste modo, a conduta desonrosa identifica-se com a injúria grave indireta, portanto, importa em grave violação do dever de assistência imaterial, pela quebra do respeito à honra do cônjuge. [23]
O novo Código Civil, pelo art. 1.575, altera o texto atual do art. 50, caput da Lei do Divórcio ao que se refere à separação judicial, para excluir o termo conduta desonrosa. É a seguinte redação:
Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando ao outro cônjuge ato ou conduta que importe em violação grave dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum, nos termos do art. 1.577. (Nelson Luiz Pinto. Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos. Direito de Família no Projeto do Código Civil. Bauru, nº22, p. 17 a 28. Agosto/Novembro, 1998).
Outra causa de separação judicial é a grave violação dos deveres matrimonias, ao quais se constituem em: fidelidade recíproca, dever de coabitação, mútua assistência e dever de assistência aos filhos. A fidelidade recíproca esta relacionada com a honra da pessoa. Corresponde ao mútuo comprometimento pessoal, íntimo e externo, de um cônjuge para com o outro. É a comunhão física e espiritual de dois seres humanos. Nos dizeres de Fernando Brandão Ferreira Pinto:
O dever de ser fiel no relacionamento amoroso-libidinoso, estando ambos, conseqüentemente, não só obrigados a um "facere" – débito conjugal -, mas também a um "omittere"- não ter relações sexuais com estranhos. (24)
No dever de coabitação, importa em terem o casal uma vida em comum, sob o mesmo teto, e em manterem o relacionamento sexual. Parte do princípio de que o casamento supõe a comunidade de moradia e leito. Contudo, há autores como Álvaro Villaça Azevedo, que não entende a coabitação como moradia sob o mesmo teto, tendo conteúdo mais amplo, por abranger o contato físico entre os consortes ou a satisfação do débito conjugal. [25]
O dever de mútua assistência sucede da comunhão da vida, em que o marido e a mulher, dentro das funções que lhes são próprias e de acordo com a profissão exercida, devem tratar dos interesses econômicos do grupo familiar (assistência material). A assistência também abrange outros aspectos que não os materiais, como os morais, afetivos e psicológicos (assistência imaterial).
No que tange à assistência dos filhos, é uma obrigação natural, instintiva, inderrogável atribuída aos pais. Não se resume no mero sustento material, compreendendo a constante presença dos pais no processo de formação e desenvolvimento físico e mental dos filhos.
Há, também, as causas objetivas, isto é, causas que podem ocasionar a separação sem imputação de culpa. São elas: separação fundada na ruptura da vida em comum e a separação decorrente de doença mental. Para tanto devem ser devidamente comprovadas e estarem em consonância com a prescrição legal.
Quanto a insuportabilidade da vida em comum exigida pelo ordenamento jurídico, não se trata de requerer a separação pelo simples fato de que o casal não mais se tolera. Baseia-se na questão que é tão ilícito ou vulnerador das obrigações que não mais podem os cônjuges permanecererem juntos; portanto deve estar a insuportabilidade conjugada às causas de separação previstas.
A intolerabilidade não depende de prova. Decorre da presunção. Mas basta analisar certos fatos para inferir que não pode o cônjuge-vítima suportar a vida conjugal, o que se dá, a toda evidência, diante de situações tais como o adultério, a tentativa de morte, a prática de atos obscenos, as constantes sevícias, a negativa em contribuir para o sustento do lar, além de outras condutas.
2.3 – TENDÊNCIA DE ABOLIR A SEPARAÇÃO JUDICIAL PARA FINS DE DIVÓRCIO.
A tendência é de se afastar a separação judicial do ordenamento jurídico brasileiro para fins do divórcio, à semelhança do que ocorre em outros países.
Ainda que se trate de institutos distintos, merecem a separação judicial e o divórcio apreciação conjunta; pois ambos põem fim ao casamento, mas sua identidade acaba aí, como esclarece o Novo Código Civil em seu art. 1.571, § 1º, a distinção entre os dois institutos ao mencionar que somente a morte e o divórcio dissolvem o casamento. Contrariamente, a separação põe termo à sociedade conjugal, mas não o dissolve, demonstrando certa incongruência: dizer que a sociedade conjugal termina pelo divórcio ou pela separação, mas que o casamento só se dissolve pelo divórcio, parece algo perplexo.
Se, com intuito de promover aceitação da Lei do Divórcio em 1977, foi preciso a criação da separação judicial, como uma figura intercalar, hoje, com a dinâmica da sociedade, não mais se justifica seu emprego, pois o direito deve atender novos valores sociais.
A separação judicial tem sofrido um esvaziamento, dando as partes proeminência ao divórcio, alcançável mediante custos e pressupostos ou requisitos iguais aos exigidos na separação.
A vantagem da separação judicial é que a condição de separado permite, a qualquer momento, que as partes restabeleçam o casamento, por ato regular do juiz. Mas, como o casal divorciado pode se reconciliar, voltando até mesmo a se casar novamente, esse benefício se torna inexpressivo, até porque raros são os pedidos de reversão da separação de que se tem notícia, segundo informa Maria Berenice Dias (Direito de Família e o Novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, p. 66).
Comumente, a exigência prévia da separação judicial leva os interessados a aguardar mais tempo para buscar a desconstituição do vínculo conjugal, o que facilita o desiderato último, que é a desconstituição do casamento.
Logo, necessário se faz afastar tudo que burocratiza ineficazmente as pretensões; que se reconheça ser de todo inútil, desgastante e oneroso, não só para o casal, mas também para o Poder Judiciário, impor uma duplicidade de procedimentos para manter no âmbito jurídico, num período breve de um ano, uma união que não mais existe. [26]
Muito embora a ingerência estatal, no instituto casamento tenha por escopo preservar a família, como bem expressa no art. 266 da C.F., é de se questionar se o Estado tem legitimidade para impor aos cônjuges restrições à sua vontade de romper o casamento, uma vez que, a própria Constituição Federal traz inúmeras garantias ao cidadão, assegurando-lhe liberdade e respeito à dignidade.
Em suma: atentando-se para o fato de que com a separação o casamento não mais persiste e, como os separados não podem se casar, o instituto da separação só faz delongar decisão já acertada (ainda que o casal reate a união mais tarde), violando preceitos constitucionais, já referidos na introdução dessa obra. Daí a tendência em se abolir a separação judicial.