Resumo
O presente trabalho tem por objetivo a análise dos movimentos oriundos da política criminal denominados: minimalismo, absolutismo e garantismo, sob o enfoque da Constituição e do Direito Penal. Dessa forma, busca-se durante o trabalho adequar o disposto na Constituição, e no Direito Penal assim como no Processo Penal à realidade dos dias atuais.
Abstract
This study aims to analyze the movements arising from the criminal policy called: minimalism, absolutism and garantismo, from the standpoint of the Constitution and criminal law. Thus, it seeks to while working to adapt the provisions of the Constitution and the Criminal Law as well as the Criminal Procedure to the reality of today.
Palavras-chave: Constituição Federal. Política Criminal. Movimentos. Sociedade Atual.
Sumário: Introdução. 1. Política Criminal. 1.1. Minimalismo Penal. 1.2. Absolutismo Penal. 1.3. Garantismo Penal. Conclusão.
Introdução
Durante toda a história da sociedade, desde a sua formação até os dias atuais, a população tem uma grande preocupação com o combate à criminalidade. Atualmente pode-se dizer que a referida situação se agravou já que se observa a falência do sistema prisional. Referido problema, dentre outros, traz à tona a discussão sobre a aplicação legislativa no caso concreto em âmbito do direito penal, sobre qual seria a melhor maneira de lidar com os crimes presentes na sociedade, de forma máxima ou mínima.
Seguindo o entendimento do máximo aplicado ao Direito Penal, tem-se a criminalização de todas as condutas que possam trazer um mal para a sociedade e não somente aqueles prioritários previstos na Constituição da República Federativa Brasileira – CRFB/88.
Por outro lado tem-se a aplicação mínima do Direito Penal, criminalizando apenas certas condutas levando em consideração a relevância do bem jurídico a ser tutelado e qual a importância deste para a sociedade.
Pelo exposto acima, o presente trabalho tem por objetivo, delimitar os movimentos oriundos da nova política criminal denominados: minimalismo, absolutismo e garantismo, sob o enfoque da Constituição e do direito penal, tendo em vista a natureza dinâmica do direito e, também qual é o entendimento dos tribunais a respeito desse movimento de política criminal.
Cabe registrar que a metodologia escolhida para ser usada no desenvolvimento do presente artigo será a dogmática-instrumental, realizada por meio da pesquisa bibliográfica e documental, uma vez que envolve o exame de livros, artigos doutrinários e legislações relacionadas ao tema proposto.
1. Política Criminal
Inicialmente é importante esclarecer a origem da palavra política. Ela deriva da palavra polis, denominação atribuída à cidade-estado grega, e significa tudo que se refira à cidade, seja em seu aspecto urbano, civil ou social[1].
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli conceituam a política como sendo “a ciência ou arte de governar”[2].
Cumpre, ainda, esclarecer que se formos analisar a grade curricular dos cursos de direito espalhados pelo Brasil, notaremos que a disciplina Política criminal é raramente estudada nos cursos de graduação, muito embora, a todo tempo o curso faça menção a seus postulados.
Apesar do exposto acima, a população, por não ter amplo conhecimento sobre as abordagens que estão inseridas no universo penalista, acaba por confundir os termos Política criminal e Criminologia, ambos pertencentes ao Direito penal.
Assim, antes de entrarmos no assunto do presente artigo, propriamente dito, é necessário conceituar o que seria política criminal. A princípio, temos a definição dada por Maria Helena Diniz, que afirma:
“Política que tem por objetivo traçar normas relativas à luta contra o crime, impondo condutas ao legislador, ao órgão judicante e aos estabelecimentos prisionais, estipulando penas e medidas afins para combater as causas da criminalidade, promovendo condições ou meios ambientais desfavoráveis à perpetração da ação ou omissão criminosas, diminuindo a delinqüência e estudando, cientificamente, o crime como fato social, sob todos os aspectos.”[3]
Outro conceito pode ser encontrado na obra de Jorge de Figueiredo Dias, que considera política criminal como “a base da criminológica e ela opera mediante a valoração (desde concretas perspectivas jurídico-políticas) dos dados empíricos recolhidos pela Criminologia”[4].
Desta forma a Política criminal trabalha tanto no direito a ser criado como no direito já existente, como parte do Direito penal e pode ser “encontrado no campo de projeção dos problemas jurídicos sobre o contexto mais amplo da política social, que será lícito esperar um auxílio decisivo no domínio desse flagelo das sociedades atuais que é o crime.[5]”
Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli afirmam que "a política criminal é a ciência ou a arte de selecionar os bens (ou direitos) que devem ser tutelados jurídica e penalmente e escolher os caminhos para efetivar tal tutela, o que iniludivelmente implica a crítica dos valores e caminhos já eleitos". Em poucas palavras os autores resumem que "a política criminal seria a arte ou a ciência de governo com respeito ao fenômeno criminal"[6].
Por outro lado, Fernando Galvão assevera que uma das preocupações da política criminal é dirigir o legislador à indagação sobre o que fazer com as pessoas que violam as regras de convivência social[7]. Assim, como vimos acima, a política criminal representa sempre uma investigação, sempre inacabada, sobre como realizar tal combate à criminalidade.
Nilo Batista conceitua política criminal como "o conjunto de princípios e recomendações que orientam as ações da justiça criminal, seja no momento da elaboração legislativa, ou da aplicação e execução da disposição normativa"[8].
Além disso, Nilo Batista, em obra diversa, trata do mesmo assunto, afirmando que:
“Do incessante processo de mudança social, dos resultados que apresentem novas ou antigas propostas ao Direito Penal, das revelações empíricas propiciadas pelo desempenho das instituições que integram o sistema penal, dos avanços e descobertas da criminologia, surgem princípios e recomendações para a reforma ou transformação da legislação criminal e dos órgãos encarregados de sua aplicação. A esse conjunto de princípios e recomendações denomina-se política criminal. Segundo a atenção se concentre em cada etapa do sistema penal, poderemos falar em política de segurança pública (ênfase na instituição policial), política judiciária (ênfase na instituição judiciária) e política penitenciária (ênfase na instituição prisional), todas integrantes da política criminal”[9].
João Mestieri observa a importância da política criminal, partindo primeiramente da sua conceituação. Para o autor, a política criminal “é a ciência que estuda a forma segundo a qual o Estado deve orientar o sistema de prevenção e repressão das infrações penais”. O autor ressalta a importância da política criminal, pois “esta representa a consciência crítica do Direito Penal vigente, indicando os caminhos que o legislador deve percorrer para o aprimoramento deste ramo do Direito”[10].
Diante de todos os conceitos aqui apresentados pode-se concluir que a Política criminal surge através de dois movimentos distintos, variando entre o denominado Direito Penal Máximo e o Direito Penal Mínimo.
É pela Política Criminal que o Estado estabelece suas prioridades e como tratará de cada uma delas, seguindo os ditames previstos na Lei e o que a sociedade espera que ele faça para que alguns fatos não voltem a se repetir.
Passemos então, a explanação ode cada uma dos atuais movimentos da Política Criminal, a fim de buscar esclarecer o que cada um deles busca e o que causaria a adoção de cada um deles na sociedade.
Serão expostos neste trabalho as teorias: Minimalismo Penal, Abolicionismo Penal e Garantismo Real.
1.1. Minimalismo Penal
O minimalismo surgiu como uma forma de criticar o sistema penal afirmando a necessidade do direito penal reduzir sua incidência a um mínimo necessário, ou seja, que ele fosse aplicado apenas quando absolutamente essencial e sobre condutas danosas.
Batista afirma que se a pena é a intervenção estatal mais grave que pode ser feita na liberdade do indivíduo, pela visão minimalista ela não deve ocorrer se existir a possibilidade de garantir proteção jurídica por outros meios que sejam não penais[11].
Desta forma, aqueles que são adeptos a esta corrente afirmam que o Direito Penal deveria sofrer uma diminuição em seu campo de atuação, fazendo com que ele apenas ficasse responsável por cuidar das lesões mais graves, como por exemplo, violação do direito a vida. Assim, os outros crimes como a injúria, por exemplo, poderiam ser tutelados pela via cível ou ainda administrativa, dependendo do caso concreto.
É nesse sentido que Alice Bianchini afirma em sua obra:
“Há consenso de que apenas bens de elevada valia devam ser tutelados pelo Direito Penal. Isto porque a utilização de recurso tão danoso à liberdade individual somente se justifica em face do grau de importância que o bem tutelado assume. Aqui surge a preocupação com a dignidade do bem jurídico, dado que o Direito Penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens, além da verificação a respeito do grau de importância do bem – sua dignidade, deve ser analisado se a ofensa irrogada causou um abalo social e se foi de tal proporção que justifique a intervenção penal. Assim, somente podem ser erigidas à categoria de crime condutas que, efetivamente, obstruam o satisfatório conviver em sociedade. Portanto, incomodações de pequena monta, ou que causem diminutos dissabores, são considerados como desprovidas de relevância penal, ficando, em razão disso, a sua resolução relegada a outros mecanismos formais ou informais de controle social”[12]. (sem grifo no original).
Após este breve conceito, podemos citar, entre os modelos teóricos mais importantes do minimalismo, todos com fundamentações diversas, o: Alessandro Baratta (italiano, de base interacionista-materialista); o Eugenio Raúl Zaffaroni (penalista argentino, de base interacionista, foucaudiana e latino-americanista); e o Luigi Ferrajoli (italiano, de base liberal iluminista).
Para Alessandro Baratta a adoção da ideia da mínima intervenção penal como norte para a política criminal busca obedecer ao disposto nos direitos humanos previstos na lei penal. O conceito de direitos humanos assume, nesse caso, uma dupla função: “uma função negativa”, no que se refere aos limites da intervenção em matéria penal; e “uma função positiva”, no que se refere ao objeto penalmente tutelado, mesmo que apenas em possibilidade. Para o autor, esse conceito aplicado aos direitos humanos, com sua dupla função, é a maneira mais adequada para a estratégia da mínima intervenção penal e para uma política alternativa do controle social[13].
Ainda sobre as posições doutrinárias sobre o assunto, Rogério Greco cita, em sua obra “Direito Penal do Equilíbrio”, Paulo de Souza Queiroz, adotando o mesmo posicionamento, in verbis:
“Reduzir, pois, tanto quanto seja possível, o marco de intervenção do sistema penal, é uma exigência de racionalidade. Mas é também [...] um imperativo de justiça social. Sim, porque um Estado que se define Democrático de Direito (CF, art 1), que declara, como seus fundamentos, a ‘dignidade da pessoa humana’, a ‘cidadania’, os ‘valores sociais do trabalho’, e proclama, como seus objetivos fundamentais, ‘construir uma sociedade livre, justa e solidária’, que promete ‘erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais’, ‘promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação’ (art. 3), e assume, assim declaradamente, missão superior em que lhe agigantam as responsabilidades, não pode, nem deve, pretender lançar sobre seus jurisdicionados, prematuramente, esse sistema institucional de violência seletiva, que é o sistema penal, máxime quando é esse Estado, sabidamente, por ação e/ou omissão, em grande parte corresponsável pelas gravíssimas disfunções sociais que sob seu cetro vicejam e pelos dramáticos conflitos que daí derivam”.[14]
Assim, esta teoria busca demonstrar que existem bens mais importantes e realmente merecedores de uma tutela penal, já no que se refere a outras condutas, que não são necessariamente lesivas existiriam outras formas de coibir sua prática, como, por exemplo, a família, a religião, a comunidade, a cultura e a escola (no que se refere a educação fornecida), não cabendo, portanto, necessária a intervenção do Direito Penal nesses casos.
Sendo assim, na prática, para os adeptos do minimalismo a prisão seria utilizada em último caso, nas hipóteses em que não existam penas alternativas em outros diplomas legais.
Se formos fazer uma análise neste sentido, com relação as legislações elaboradas no Brasil no decorrer dos anos, perceberemos que a ideia minimalista foi implementada em alguns diplomas legais a partir da década 90 do século XX com o advento da reforma penal em 1984. Esses marcos causaram a inserção das penas alternativas por meio das Leis nº 7.209 e 7.210, ambas de 1984, e, atualmente, a Lei das penas alternativas Lei nº 9.714, de 1998. Além disso, tivemos a implantação dos juizados especiais criminais estaduais, que buscou tratar de crimes de menor potencial, pela Lei nº 9.099, de 1995.
Referidas reformas realizadas no sistema do direito penal brasileiro buscou, de certa forma, ampliar o controle da sociedade sobre os fatos que ocorrem nos dias atuais, mas ainda assim, não se pode considerar que o sistema penal seja minimalista, tendo em vista a ampla quantidade de crimes e de condutas que ainda são dosadas pela legislação vigente no País.
Para os adeptos a esta teoria, por fim, alega que o direito penal, que atua de forma essencialmente repressiva buscando a diminuição da violência que atinge a sociedade e os seres nela existentes, acaba gerando, também, violência. Por esta razão, sua atuação deve ser trazida para limites mínimos e estritamente necessários para não causar danos maiores.
1.2. Abolicionismo Penal
Greco afirma que o abolicionismo, da mesma forma que o minimalismo, corresponde a um movimento de política criminal advindo de uma criminologia crítica, ou seja, que rompem com a tradicional política, buscando deslegitimar o sistema penal[15].
Zaffaroni sustenta que como em todos os tipos de teorias, existem os radicais e eles seriam a corrente abolicionista. Para os abolicionistas a ideia que prevalece que é que a pena, pertencente ao direito penal, possui mais efeitos negativos do que positivos, defendendo, portanto, a sua eliminação total. Assim, propõe a eliminação de qualquer espécie de controle legal decorrente do delito, assim as soluções aos conflitos deveriam se dar por modelos informais[16].
Desta forma, pode-se considerar que o abolicionismo é mais extrema de todas as teorias, pois ela propõe a total extinção do Direito Penal.
No que se refere as prisões, os abolicionistas são mais ousados que os minimalistas, pois propõem a extinção delas, uma vez que consideram que, não havendo legislação penal, não poderia existir nenhum mecanismo capaz de legitimar a retirada da liberdade de um indivíduo ou mesmo condená-lo por algum tipo de crime, uma vez que nada mais restaria penalmente tipificado.
Sobre o assunto manifesta-se Rogério Greco:
“A crítica abolicionista é construída desde o momento em que surge a lei penal, proibindo ou impondo determinado comportamento sob a ameaça de sanção, questionando os critérios, bem como a necessidade do tipo penal incriminador, passando pela escolha das pessoas que, efetivamente, sofrerão os rigores da lei penal, pois que, como é do conhecimento de todos, a ‘clientela’ do Direito Penal é constituída pelos pobres, miseráveis, desempregados, estigmatizados por questões raciais, relegados a segundo plano pelo Estado, que deles somente se lembra no momento crucial de exercitar a sua força como forma de contenção das massas, em benefício de uma outra classe, considerada superior, que necessita desse ‘muro divisório’ para que tenha paz e tranqüilidade, a fim de que possa ‘produzir e fazer prosperar a nação”[17].
Da mesma forma entende Hulsman. Para ele o absolucionismo é o desaparecimento do sistema penal, mas isso não significaria abolir, de forma absoluta, as formas coercitivas de controle social[18]. Alega, ainda, que o desaparecimento do sistema penal “abrirá, num convívio mais sadio e dinâmico, os caminhos de uma nova justiça”[19], já que a sociedade tem a capacidade de criar outras formas para solucionar conflitos. Um exemplo dessas normas, vigentes no atual sistema legislativo brasileiro, é a arbitragem.
Os adeptos desta corrente utilizam bastante o termo “cifras negras” para fundamentar suas ideias. Com isso eles buscam demonstrar que a sociedade convive com a existência de diversos crimes, sendo realizados a todo momento no Brasil, e sabem que eles nunca serão levados a julgamento. Desta forma, alegam que a sociedade poderia, tranquilamente, aguentar a eliminação das prisões e do Direito Penal, sem sofrerem com isso.
Para esclarecer melhor o que vem a ser as chamadas “cifras negras”, Aniyar Castro apresenta o seguinte conceito:
“É a diferença existente entre a criminalidade real (quantidade de delitos que cometidos num tempo e lugar determinados) e a criminalidade aparente (criminalidade conhecida pelos órgãos de controle), que indica, comprovadamente, acerca de alguns delitos, um percentual substancial, em que não é aplicado o sistema penal e que, em alguns casos, é praticamente absoluto, circunstância que debilita a sua própria credibilidade, ou seja, a credibilidade de todo o sistema penal”.[20]
A presente tese foi duramente criticada desde a sua criação, especialmente no que se refere ao mundo em que vivem as pessoas que cometem delitos, ressaltando que elas viveriam sem limites e em um mundo no qual “tudo é possível”. É neste sentido que temos o entendimento adotado por Hassemer e Muñoz Conde que afirmam que o abolicionismo “não leva em conta a fascinação que provoca o mundo delitivo, que é um fenômeno que faz parte da nossa experiência cotidiana” [21].
Ferrajoli é outro jurista que concorda com o exposto acima e afirma, ainda, que poderia surgir a chamada “anarquia punitiva”, assim afirmando: “ao monopolizar a força, delimitar seus pressupostos e modalidades e excluir seu exercício arbitrário por parte de sujeitos não autorizados, a proibição e a ameaça penal protegem as possíveis partes ofendidas contra os delitos, enquanto que o juízo e a imposição da pena protegem, por paradoxal que possa parecer, aos réus (e aos inocentes de quem se suspeita como réus) contra vinganças e outras reações mais severas. Sob ambos os aspectos a lei penal se justifica enquanto lei do mais fraco, orientada à tutela de seus direitos contra a violência arbitrária do mais forte” [22].
Por fim, no que se refere a tese proposta pelo abolicionismo penal, cumpre esclarecer que apesar de não ter sido adotado pelo nosso sistema legislativo, ele forneceu uma grande contribuição para o Estado como um todo.
Atualmente é possível notar que o dever de punir do Estado está falido, uma fez que não se consegue ressocializar a pessoa que cometeu o crime e nem mesmo obedecer a um princípio constitucional que se chama de tratamento digno à sua qualidade de ser humano, quando do cumprimento da pena imposta pela legislação.
1.3. Garantismo Penal
Um último instituto que merece estudo é o garantismo penal. Essa teoria foi, primeiramente, elaborada por Luigi Ferrajoli a partir da obra Direito e Razão, considerada por muitos o princípio e o mais importante de todos os livros referentes a esta teoria.
Segundo seu criador, Ferrajoli, o garantismo penal deve que procurar estabelecer um conjunto de conceitos, princípios e normas capazes de fundamentar a legitimação do poder punitivo do Estado buscando garantir uma posição de relevo para o indivíduo[23]. Masson segue o mesmo entendimento e afirma que segundo o pensamento garantista, a criação da lei penal deve observar quais bens jurídicos deverão ser tutelados, a validade das normas e princípios do direito material e processual penal, o respeito pelas regras e garantias inerentes à atividade jurisdicional, a regular função dos sujeitos processuais e até mesmo as particularidades da execução penal, entre outros temas.[24]
Percebe-se, portanto, que a base do garantismo é na produção das leis, seus conteúdos materiais devam ser vinculados aos principais valores elencados nas Constituições. Ferrajoli, assim o define:
“Garantismo, com efeito, significa [..] precisamente a tutela daqueles valores ou direitos fundamentais, cuja a satisfação, mesmo contra os interesses da maioria, constitui o objetivo justificante do direito penal, vale dizer, a imunidade dos cidadãos contra arbitrariedade das proibições e das punições, a defesa dos fracos mediante regras do jogo iguais para todos, a dignidade da pessoa do imputado, e, consequentemente, a garantia de sua liberdade, inclusive por meio do respeito à sua verdade. É precisamente a garantia desses direitos fundamentais que torna aceitável por todos, inclusive pela minoria formada pelos réus e pelos imputados, o direito penal”[25].
Assim pode-se verificar que enquanto as outras teorias firmavam seu entendimento no sentido de tirar do Estado o dever de punir os indivíduos que cometessem condutas ilícitas, assim consideradas pela legislação vigente, o garantismo presa por um necessário fortalecimento do chamado Estado de Direito, no qual, não somente a Lei cuide de limitar o poder punitivo do Estado, mas o próprio legislador está limitado ao disposto nas Constituições. No caso do Brasil o legislador deveria observar e agir com limite seguindo o disposto no capítulo constitucional que cuida dos Direitos e Garantias Fundamentais.
Ferrajoli atribuiu a sua teoria três significados diferentes, são eles: modelo normativo de direito; teoria jurídica onde vigência e validade apresentam-se como categorias jurídicas diversas; e filosofia política que exige do Direito e do Estado justificação moderna. Veja-se:
“Segundo um primeiro significado, ‘garantismo’ designa um modelo normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade”, próprio do Estado de direito, [...] se caracteriza como uma técnica de tutela idônea [...]em garantia dos direitos.
[...]
Em um segundo significado, ‘garantismo’ designa uma teoria jurídica da “validade” e da “efetividade” como categorias distintas não só entre si mas, também, pela “existência” ou “vigor” das normas. [...] exprime uma aproximação teórica que mantém separados o “ser” e o “dever ser” no direito;
[...]
Num terceiro significado, por fim, ‘garantismo’ designa uma filosofia política que requer do direito e do Estado o ônus da justificação externa com base nos bens e nos interesses dos quais a tutela ou a garantia constituem a finalidade.”[26]
Em síntese o garantismo visa proporcionar ao individuo mais segurança nos procedimentos adotados pelo sistema penal, de forma que seja da maneira mais justa possível. Segundo seu fundador o garantismo penal é regido por Princípios Fundamentais e Processuais[27], é muito importante mencionar tais princípios, pois eles são direito do acusado, são eles:
1)Principio da Retroatividade ou da conseqüêncialidade da pena em razão do delito;
2) Principio da Legalidade, no sentido lato ou no sentido estrito;
3) Principio da Necessidade ou da economia do direito penal;
4) Principio de Lesividade ou da ofensividade do evento;
5) Principio da Materialidade ou da exterioridade da ação;
6) Principio da Culpabilidade ou da responsabilidade pessoal;
7) Principio da Jurisdicionariedade, também no sentido lato ou no sentido estrito;
8) Principio Acusatório ou da separação entre juiz e acusados;
9) Principio do Ônus da Prova ou da verificação;
10) Principio do Contraditório ou da Ampla Defesa, ou da falseabilidade.
Desta forma, pode-se concluir que o garantismo é uma da teorias do Direito Penal extremamente vinculada as garantias individuais previstas na Constituição, no qual não admite-se imposições de pena sem a comissão de atos delituosos, amparado por um processo imparcial, público, que garanta o contraditório executado por procedimentos preestabelecidos.
No entanto, apesar de assim desejar, em alguns casos não é possível verificar efetividades dessas garantias no âmbito penal. Muitas vezes o Estado acaba omitindo o seu papel de detentor do poder e de garantidor para efetivar as garantias constitucionais.
É como afirma Norberto Bobbio declarando que o direito a liberdade foi um direito conquistado na Declaração dos Direitos Humanos, como se segue:
“Não será inútil lembrar que a Declaração Universal dos Direitos do Homem começa afirmando que “o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo” e que, a essas palavras, se associa a liberdade. Os direitos da nova geração, como foram chamados encontram três correntes de ideais do nosso tempo, nascem todos dos perigos à vida, a liberdade e a segurança proveniente do aumento do progresso tecnológico”[28].
Assim, é possível concluir que para o garantismo, caberá ao Estado a proporcionalidade da proteção dos direitos e das garantias fundamentais a fim de atender a defesa da população da melhor forma possível, tanto do acusado como do que foi lesado.
Conclusão
Os valores dispostos dentro da Carta Constitucional e o Estado Democrático de Direito primam pelos valores fundamentais da sociedade, tendo como base a vivência pacífica do ser humano e todos os valores inerentes a este.
No entanto, observando o sistema penal atual, notamos que este não procura efetivas soluções para os conflitos penais existentes, mas sim, alimentam o círculo vicioso da violência. Visto que o Estado não procura reabilitar os indivíduos que cometeram crimes, e sim apenas os colocam em prisões e depois de soltos eles acabam voltando para a criminalidade.
É, pensando nestas situações, que juristas elaboraram três teorias, a minimalista, onde o Estado deve ser diminuído a um mínimo necessário, a absolutista, onde é retirado do Estado o poder de punir e o garantismo penal que impõe ao Estado o dever de punir desde que sejam observados os princípios constitucionais.
Atualmente, a sociedade clama por uma reação do Estado ao alto índice de crimes cometidos, inclusive por motivos torpes e pior, a sociedade está percebendo que cada vez mais cedo certas pessoas se envolvem com crimes e nada acontece.
Assim, nota-se que a sociedade brasileira está cada vez mais desacreditada com as Instituições e um desprestígio crescente com a Lei, em especial para com a Lei Penal.
Logo, o presente artigo visa defender um debate acerca do tema para que o legislativo possa, no futuro, ter uma linha para seguir sem precisar ficar a mercê de teorias que são aplicadas em outros países e que, na prática, não possuem adequação ao caso vivido pelo nosso país.
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