Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Os pobres do mundo

Agenda 07/09/2015 às 15:11

Os pobres do mundo

A atual crise dos refugiados que escapam da guerra na Síria e de outros conflitos armados da África e do Oriente Médio têm provocado intermináveis discussões e profundas divisões entre os europeus. O número de refugiados cresce a cada dia, assim como o dramático número de pessoas mortas tentando atravessar a fronteira com a Europa.

Mas o que está acontecendo com o mundo? Por que tantas pessoas buscando refúgio, milhares deixando para trás tudo que construíram em uma vida inteira? Por que arriscar a própria vida e de sua família, por terra, água ou mar, muitas vezes numa odisseia impossível ou desumana?

Muitos chefes de Estado europeus, assim como analistas econômicos e sociais do Velho Continente, não tem disfarçado a preocupação com o grande número de refugiados que chegam aos seus países, assim como com as consequências dessa descontrolada imigração para a sua população local e economia doméstica. A ponto do primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, ter dito recentemente:

“A realidade é que a Europa está a ser ameaçada por um grande fluxo de pessoas que querem ficar na Europa. Hoje estamos a falar de centenas de milhares, amanhã podem ser milhões e isto não terá fim. De repente, os europeus correm o risco de se transformar numa minoria”.

A efervescente crise de refugiados da Europa deve nos revelar a certeza de que somos cidadãos do mundo. Que a pobreza e, principalmente, a violação e o desrespeito aos direitos humanos fundamentais, assim como o abalo a quaisquer dos pilares da democracia por governos tiranos e corruptos é um problema de todos.

O sumo pontífice da Igreja Católica, o Papa Francisco, em sua Encíclica intitulada Laudato Si (Louvado Seja), exaltando a missionariedade, apelando à unidade das nações e à unidade de esforços para combater a fome e a pobreza, cunhou a expressão “os pobres do mundo”, estabelecendo, assim, uma relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta:

“A convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do paradigma que deriva da tecnologia, a busca de outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a grave responsabilidade da política, a cultura do descartável e a proposta de um novo estilo de vida são os eixos desta encíclica, inspirada na sensibilidade ecológica de Francisco de Assis”.

Assiste inteira razão ao Santo Padre. O que se passa em qualquer lugar do mundo, do frio Alasca à mais remota ilha aborígene da Polinésia é questão de todas as nações do mundo. Temos muito que aprender com o que se passa na Europa nos dias de hoje, despidos de hipocrisia e do usual pragmatismo politiqueiros. E talvez a maior lição que podemos tirar dessa crise dos refugiados é que não existem os pobres daqui e acolá, supostamente separados por grilhões invisíveis. O que temos são os pobres do mundo, que naturalmente também aspiram a uma vida próspera e pacífica para seus filhos e futuras gerações.

Agora, mais do que nunca, as superpotências mundiais devem passar a rever seus modelos socioeconômicos frente aos países subdesenvolvidos do planeta, principalmente refletir quanto à corrida armamentista, a lucrativa fabricação e comercialização indiscriminada de armas de fogo para o mercado consumidor desses países periféricos de grandes instabilidades econômicas e políticas, marcados por golpismos e regimes autoritários patrocinadores muitas vezes de grupos terroristas ou extremistas.

A solução para a crise dos refugiados não se resume à discussão da divisão de seu quantitativo entre as nações ricas, a criação de centros de assentamentos assistenciais ou a concessão de asilos humanitários por parte dos governos estrangeiros. Essas pautas são inadiáveis e prementes, mas o que deve ser debatido precipuamente pela União Europeia com a colaboração de todas as demais superpotências e organismos internacionais, como ponto central das discussões, é o combate à pobreza mundial e o enfrentamento sistemático ao desrespeito aos direitos humanos.

O Direito Internacional Público e Privado deve se reinventar, criar disposições e mecanismos para que governos nacionais déspotas e prevaricadores protegidos por suas cláusulas legais de soberania, em detrimento da dignidade e do bem-estar geral de seu povo, sejam invalidados pela comunidade internacional de países comprometidos com a democracia e a dignidade da pessoa humana, capitaneados pelos legítimos organismos internacionais, como, p. ex., a Organização das Nações Unidas.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Esse mesmo Direito Internacional deve regrar com muita cautela e vigilância a fabricação e o comércio de armas de fogo no mundo, notadamente para os países tidos como de zonas de guerra e de conflitos civis armados. Da mesma forma e com o mesmo empenho que as grandes potências já fiscalizam programas nucleares de longa data.

Nos anos 90 os Estados Unidos e demais potências europeias, em questão de semanas, puseram fim à chamada Guerra do Golfo, quando o Iraque invadiu o Kuwait, país que detém 10% de todas as reservas comprovadas de petróleo bruto do mundo. Tamanha a presteza e eficiência das grandes nações envolvidas na defesa desse recurso natural que essa guerra foi apelidada de “Guerra Relâmpago”. O êxito da campanha aérea do Ocidente foi tão desproporcional e de altíssima tecnologia que a ocupação terrestre deu-se praticamente para a colheita da assinatura do termo de rendição dos iraquianos derrotados.

A busca da felicidade é uma aspiração universal, desejo de todos os povos, não encontrando fronteiras geopolíticas, culturais, sociais ou religiosas. Se as nações do mundo não aprenderem a dividir essa aspiração geral, a crise de refugiados jamais terá fim. E o mapa-múndi será desenhado e redesenhado quantas vezes forem necessárias até que a humanidade aprenda a viver em paz. Nenhuma potência do planeta possui seu território imune às vítimas da ganância e da soberba do homem.

Sobre o autor
Carlos Eduardo Rios do Amaral

Defensor Público dos Direitos da Criança e do Adolescente no Estado do Espírito Santo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!