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O provedor de acesso à internet e os principais dispositivos do Código de Defesa do Consumidor aplicáveis à sua atividade

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Agenda 11/09/2003 às 00:00

Das Práticas Comerciais

Pode-se dizer que o capítulo que dispões sobre as práticas comerciais são o cerne do Código de Defesa do Consumidor. E não poderia ser diferente, pois as práticas comerciais fazem parte do alicerce das economias de mercado, onde está fundada a economia brasileira.

Por esse motivo, assim dispões o Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 29 – Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas."

Como ensina ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN [6]:

"em face da complexidade das matérias de que cuida, o Código nào se contentou com um único conceito de consumidor. Há um geral (art. 2, caput) e três outros por equiparação ( arts. 2, parágrafo único, 17 e 29). Tal se dá porque alguns dos fenômenos de mercado regrados pelo Código poderiam, se tal fosse a opção do legislador, ser objeto de leis específicas, aliás, como é normal na Europa e Estados Unidos. Teríamos, então, uma lei de controle da publicidade, outra para a regulação das cláusulas contratuais abusivas, outra para a responsabilidade civil pelos acidentes de consumo, uma outra para os crimes de consumo e assim sucessivamente."

No caso do provedor de Internet, o simples fato de um usuário de microcomputadores acessar a rede mundial de computadores, já o torna automaticamente um consumidor em potencial, na medida que tal usuário tem acesso a páginas de tal servidor.

Se pudéssemos fazer uma comparação grosseira do que isso significa, imaginemos um telespectador que liga sua televisão. O simples ligar da televisão, o coloca diante de uma enormidade de canais que transmitem publicidade dos mais diversos produtos e serviços. O acesso à Internet permitiria um acesso muito parecido. Porém, a ilimitados canais de distribuição de produtos e serviços.

Note-se que quando se fala em práticas comerciais, o termo deve ser entendido como o esforço de venda de produtos e serviços, incluído aí o marketing e mais restritivamente a publicidade, tão difundida na Internet através também dos servidores ou provedores de acesso.

Essa análise nos permite agora, entender como o Código de Defesa do Consumidor encara a questão da oferta.


Da Oferta

Assim disciplina o Código de Defesa do Consumidor a questão da oferta de produtos ou serviços:

Art. 30 – Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado."

Estamos aqui diante da obrigatoriedade do fornecimento de produto ou serviço ofertado, oferecendo o Código em seu artigo 35 a opção de o consumidor ver satisfeito seu direito (potestativo) através do cumprimento forçado da obrigação e a aceitação de outro bem de consumo.

Interessante notar a equiparação da publicidade a uma proposta de prestação de serviços ou venda de produtos. Ou seja, a publicidade em provedor de Internet vincula o fornecedor do produto ou serviços.

"Pode-se concluir que a relação existente entre o usuário da Internet e o provedor de serviço é contratual. Existem, portanto, em tal relação, um contrato de prestação de serviço e um contrato de adesão, sendo ambos regulados pelas leis vigentes no Código Civil e Código de Defesa do Consumidor", diz a PROFESSORA PATRÍCIA SCORZELLI [7].

A vinculação se dá, inclusive para o próprio provedor de Internet, caso não haja dissociação ou desvinculação jurídica que compreende a física (localização do "site") e informativa sobre serem ofertante e provedor pessoas distintas.

Contudo, a questão não é pacífica.

"Através dos provedores de acesso à Internet, os consumidores têm acesso a uma série de produtos e serviços oferecidos por empresas que apresentam seus catálogos no próprio provedor ou em outras bases de dados, situadas em qualquer parte do mundo. Os primeiros – é bom sublinhar – vinculam-se, por contrato, com o provedor ao qual o consumidor está ligado. O problema é muito sério. A tecnologia utilizada pelos provedores Internet permite que o consumidor adquira produtos ou serviços oferecidos a partir de bases situadas em outros países." [8]

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BERNARDO RÜCKER [9] é da "opinião de que os provedores devem assumir e serem responsabilizados pelo conteúdo e as transações que, de uma forma indireta, utilizam de seus serviços. No direito comparado, citamos os recentes casos do provedor eBay, processado pelos pais de adolescentes intoxicados após adquirirem substância chamada DXM – droga para tosse, em um de seus sites de leilão, sendo que as normas da eBay proíbem a venda de drogas ou medicamentos que exijam receita médica, como era o caso do produto."

Com relação à oferta dispõe ainda o Código de Defesa do Consumidor no Art. 31:

"A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores."

Diz ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELLOS E BENJAMIN [10] que:

"a informação, no mercado de consumo, é oferecida em dois momentos principais. Há, em primeira lugar, uma informação que precede (publicidade, por exemplo) ou acompanha (embalagem, por exemplo) o bem de consumo. Em segundo lugar, existe a informação passada no momento da formalização do ato de consumo, isto é, no instante da contratação. Lá, temos a informação pré-contratual. Aqui, nos deparamos com a informação contratual. São dois estágios distintos do iter da comunicação com o consumidor. Ambos têm o mesmo objetivo, ou seja, preparar o consumidor para um ato de consumo verdadeiramente consentido, livre, porque fundamentado em informações adequadas".

Portanto, a oferta que convida o internauta acessar um determinado provedor de Internet deve ser acompanhada em um segundo momento, ou seja, após um primeiro convite publicitário de acesso, de contrato claramente redigido, estabelecendo os direitos e obrigações do usuário e do provedor de acesso.

Conforme lição do PROFESSOR GUILHERME MAGALHÃES MARTINS [11]:

"(...) é de se destacar que ambos os sitemas, tanto o anglo-saxão quanto o francês (esse de marcante influência sobre o direito nacional) albergam a imperatividade da observância do dever de informação na oferta, que deve ser clara e precisa, ou seja, despida de qualquer obscuridade, ao nível educativo e leigo, envolvendo os dados relevantes, capazes de alterar a base do negócio - de modo que, ao se conhecê-los, não se contratará ou se o fará em outras condições."

Outra questão relevante é aquela que trata da oferta por telefone ou reembolso posta. Dispõe o artigo 33 do Código de Defesa do Consumidor:

"Em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial."

Podemos equiparar a venda por telefone à venda pela Internet. O legislador teve a intenção de proteger o consumidor quando da oferta telefônica ou por reembolso postal, em virtude do desconhecimento natural que existe do ponto de vista do consumidor em razão da natureza dessas formas de comunicação. Na Internet, a vulnerabilidade do consumidor quanto ao conhecimento do nome do fabricante e endereço é o mesmo, o que faz com que seja crível a aplicação de tal dispositivo à matéria.

Está se tornando cada vez mais comum a contratação de acesso com determinado provedor incluir acesso através de outros provedores de outros países, através de convênios ou acordos comerciais celebrados entre provedores, garantindo aos usuários acesso mundial à rede.

Caso o provedor de acesso se utilize de representantes em diversas cidades do país ou até mesmo de credenciados ou agentes que permitam o acesso à Internet em outras cidades fora do Brasil, responde o servidor por atos de tais prepostos ou representantes, nos termos do artigo do Código de Defesa do Consumidor que assim dispõe:

O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos."

Conforme mencionado anteriormente, no que diz respeito ao cumprimento da oferta, consigna o Código de Defesa do Consumidor:

Art. 35 – Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;

III – rescindir o contrato, com direito à restituição da quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos."

Talvez uma das lições mais importantes que os provedores de acesso devem ter em mente é que um anúncio que tenha sido veiculado de forma equivocada, muito comum nesses tempos em que a informação tem de ser divulgada de forma rápida, vincula quem a veiculou a não ser que seja razoável ao consumidor perceber o erro. Por exemplo, todos sabem que um automóvel não pode custar o mesmo que uma bicicleta, por outro lado, é factível que um provedor de acesso ofereça acesso gratuito ilimitado à Internet.

Contudo, o acesso limitado, não pode resultar em "sinal de ocupado". Como bem mostra PETER B. MAGGS [12]:

"in the fall of 1996, América Online raised its billing rates and promised customers unlimited access to its system for a flat rate per month. Unfortunately, America Online did not have enough equipment to handle the resulting increase in access. So customers got billed for the monthly rate, but got busy signals instead of Internet services. The New York attorney General threatened America Online with legal action. The matter was settled, when America Online made adjustments in its billing and undertook a successful crash program to add the necessary equipment."


Publicidade

O Código adotou alguns princípios básicos para a publicidade de produto e serviços e que devem também respeitar o provedor de acesso e seus anunciantes. Esses princípios foram sistematizados pela maioria dos autores em Direito do Consumidor da seguinte forma. A publicidade deve ser regida em primeiro lugar, pelo princípio da identificação da publicidade, isso quer dizer que ela deve ser identificada pelo consumidor como tal.

Há o princípio da vinculação contratual, ou seja, a publicidade vincula e integra a relação de consumo. Outro princípio é o da veracidade, traduzido na vedação à publicidade enganosa. O princípio da não-abusividade, que não deve ser confundido como não vedação à publicidade enganosa. A não abusividade não afeta diretamente o patrimônio do consumidor, mas agride valores intangíveis do consumidor. O princípio da inversão do ônus da prova é aquele que imputa ao anunciante a adequação do fato de produto ou serviço à publicidade. Outro princípio norteador da publicidade e não menos importante é o da transparência da fundamentação da publicidade, expresso no artigo 36 abaixo transcrito:

Art. 36 – A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal.

Parágrafo único – O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.

Estando os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem publicitária em poder do anunciante, fica fundamentada a publicidade. Por fim, temos o princípio da correção do desvio publicitário. Isso quer dizer que a lesão ou dano que a publicidade possa causar deve ser reparada, civil, administrativa ou penalmente.

No campo da publicidade enganosa ou abusiva encontramos campo fértil para lidar com diversas situações de risco que podem se encontrar os provedores de acesso. Senão vejamos:

Art 37 – É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

Parágrafo primeiro – É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Parágrafo segundo – É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à saúde ou segurança.

Parágrafo terceiro – Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço."

A enganosidade da publicidade pode ser encontrada em diversas hipóteses. Pode ser enganosa o exagero da publicidade, e isso é freqüentemente notado em anúncios veiculados em provedor de acesso, seja em função do curto espaço para que seja colocada a publicidade de forma completa, seja em razão da enormidade de informações que devem ser inseridas no pequeno espaço de tela e no curto tempo.

A abusividade também pode residir na omissão, na forma de informações completas, comumente encontradas tendo os mesmos fundamentos da abusividade pelo seu exagero. A abusividade sempre deve levar em conta o seu público alvo. Anúncios infantis mostrando brinquedos que não sejam capazes de voar, voando, podem ser abusivos para crianças mas não o são para certos adultos.

Outro problema muito encontrado é a quantidade de informação em língua estrangeira. A regra da oferta em língua portuguesa é válida inclusive para provedores de acesso situados fora do Brasil que tenham o Brasil como público alvo. Obviamente que não se poderá exigir a língua portuguesa para aqueles provedores de acesso ou anunciantes de produtos em outros países que não tenham o Brasil como mercado de consumo. Porém a simples possibilidade de fornecimento de produto ou serviço diretamente para o mercado brasileiro, já obrigaria a inserção da possibilidade de acesso ao "site" em língua portuguesa.

Já a publicidade abusiva, como dito acima é aquela que atinge valores intangívies do consumidor, como a discriminatória em razão de raça, sexo, preferência sexual, condição social, nacionalidade, profissão, convicções religiosas ou políticas. Pode ser abusiva aquela que explora o medo, a superstição, a incitadora de violência, antiambiental, indutora de insegurança ou dirigida a hipossuficientes.

Um exemplo importante de publicidade abusiva seria aquela relacionada ao tabaco. A Lei nº 10.167, de 27 de dezembro de 2000 só admite a publicidade de tabaco através de pôsteres, painéis e cartazes, na parte interna dos locais de venda. Fica portanto vedada a publicidade de cigarros através da Internet.

A publicidade abusiva se relaciona umbilicalmente com as práticas abusivas, vamos pois analisá-las.

Sobre o autor
Felipe Veiga Cimieri

advogado, pós-graduado em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CIMIERI, Felipe Veiga. O provedor de acesso à internet e os principais dispositivos do Código de Defesa do Consumidor aplicáveis à sua atividade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 70, 11 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4258. Acesso em: 17 nov. 2024.

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