Um dos dispositivos da Lei de Licitações que se tem prestados a grandes controvérsias é o que diz respeito a possibilidade de contratar sem licitação serviços técnicos profissionais especializados com profissionais ou empresas de notória especialização.
Repetindo parcialmente dispositivos da legislação anterior, prescreve o referido diploma legal o seguinte:
Art. 25 - É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - ...
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - ...
§ 1° - Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado plena satisfação do objeto do contrato.
1. - NOÇÕES
Esse dispositivo cuja origem deita raízes no DL 200/67 (1) teve mantida a redação inaugurada pelo Dec.-lei 2.300/86. (2)
Na tramitação do projeto de Lei da Câmara n° 59, o Senador Pedro Simon ofereceu o substitutivo destacando-se, entre as várias inovações propostas, a supressão dos serviços técnicos especializados, com inexigibilidade de licitação, fato que, em princípio, aperfeiçoaria o texto legal, se aprovado fosse. A Câmara dos Deputados, contudo, decidiu manter essa possibilidade de contratação direta.
A desmotivação pela manutenção desse inciso decorre muito mais da sua mal aplicação do que da hipótese que, no plano teórico, estabelece a inviabilidade de competição.
A definição das características pretendidas pela Administração, não raro tem servido para estabelecer reservas de mercado, impróprias para um País que ostenta uma dívida social tão grande a ser resgatada, sem referir-se a manifesta afronta ao princípio da isonomia.
Exemplo típico pode ser observado nas obras em civis, notadamente em edifícios públicos, onde se tem ignorado por completo os preceitos do art. 12, para manter um padrão de linhas arquitetônicas, como se essa exigência fosse essencial e não houvesse outro meio de alcançá-la com outros profissionais. Monumentos faraônicos vão se edificando à custa do erário sem atender aos princípios vetores do art. 12, que determina a funcionalidade, segurança e economia entre outros igualmente salutares a serem observados na elaboração dos projetos básicos e executivos.
Comumente violam-se os mais elementares princípios da Constituição Federal promovendo-se a contratação de notórios profissionais, de amplo renome, olvidando-se que qualquer contratação de obra e serviço deve iniciar-se com a definição do objeto e não do executor ou projetista. Quando os órgãos de controle iniciam a análise pela caracterização do objeto, percebe-se quão supérfluas foram as características que tornaram singular o objeto, a ponto de inviabilizar a competição.
Reiteradamente temos propugnado por uma nova postura na atividade de controle que não se deixa diminuir pela grandeza do nome dos profissionais e sem contestar o renome ou a capacitação técnica busca precisamente contrastar as características do objeto á frente daqueles requisitos expressamente definidos no art. 12 da Lei 8.666/93. O resultado dessas análises tem demonstrado cabalmente que o interesse público não raro é olvidado em detrimento de outros interesses muito distantes dos que devem ser defendidos pela Administração e seus agentes políticos.
As novas dimensões dadas aos órgãos de controle pela Constituição Federal permitem que se questionem decisões em toda sua amplitude, inclusive de mérito, sob o aspecto da economicidade e legitimidade, e tais órgãos não podem deixar de fazê-lo, sob pena de obstruírem um meio de expressão social, reconhecido pelo Constituinte.
2. - REQUISITOS
A inviabilidade da competição ocorrerá na forma desse inciso se ficar demonstrado o atendimentos dos requisitos, que devem ser examinados, na seguinte ordem:
a) referentes ao objeto do contrato;
- que se trate de serviço técnico;
- que o serviço esteja elencado no art. 13 da Lei 8.666/93;
- que o serviço apresente determinada singularidade;
- que o serviço não seja de publicidade ou divulgação
b) referentes ao contratado.
- que o profissional detenha a habilitação pertinente;
- que o profissional ou empresa possua especializaçãona realização do objeto pretendido;
- que a especialização seja notória;
- que a notória especialização esteja relacionada com a singularidade pretendida pela Administração;
2.1. - do requisito da inviabilidade de competição
Todos esses requisitos, se tomados isoladamente não garantem que a licitação seja inexigível, pois será possível e viável a competição.
O estudo da inexigibilidade de licitação repousa numa premissa fundamental: a de que é inviável a competição, seja porque só um agente é capaz de realizá-la nos termos pretendidos, seja porque só existe um objeto que satisfaça o interesse da Administração. Daí porque não se compreende que alguns autores e julgados coloquem lado a lado dois conjunto de idéias antagônicos, quando firmam o entendimento de que há singularidade, que o agente é notório especialista, mas que mesmo existindo mais de um agente capaz de realizá-lo a licitação é inexigível, abandonando exatamente o requisito fundamental do instituto, constante do caput do art. 25, da Lei 8.666/93.
2.2. - dos requisitos referentes ao objeto do contrato
O objeto do contrato a ser firmado só pode constitui-se em serviço, ao contrário do inciso I, do mesmo art. 25, em que só se admite compra.
Salienta Ivan Barbosa Rigolin, acerca da possibilidade de a Administração Pública promover contratos simultâneos com um mesmo profissional, "nada na lei, nem na mais primitiva lógica existe nem poderia existir no sentido de impedir à mesma empresa, ou ao mesmo profissional, firmar mais de um contrato de serviço técnico especializado com o mesmo ente público, e até, finalizando, por razão, que se extrai da leitura do texto da lei (art. 25, § 1°): se a Administração conclui que, dentre os que conhece, um profissional, ou uma empresa, é, indiscutivelmente, o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato pretendido, então contratar outra empresa ou outro profissional, apenas porque o melhor já detinha um contrato, seria confessar que no segundo contrato não foi contratado o melhor... e tal redundaria em evidente prejuízo à entidade pública. (3)
Em artigo publicado no Boletim de Licitação e Contratos obtempera, com absoluta propriedade, a ilustre Dra. Yara Darcy Police Monteiro ser possível a recontratação de serviços técnicos profissionais especializados, com entidade notoriamente especializada. (4)
2.3. - da natureza do serviços a ser contratado
O serviço pretendido deve estar elencado no art. 13 da Lei 8.666/93, e deve ter natureza técnica. Sobre o assunto cabe asserir que o precitado dispositivo arrola os serviços técnicos profissionais especializados, adjetivação essa bem mais completa do que a referida no inc.II do art. 25, que se contenta em referi-los como serviços técnicos.
Em escólio ao dispositivo análogo do Dec.-lei 2.300/86, Hely Lopes Meirelles, com lapidar clareza assere: "Serviços técnicos profissionais são todos aqueles que exigem habilitação legal para sua execução. Essa habilitação varia desde o simples registro do profissional ou firma na repartição administrativa competente, até o diploma de curso superior oficialmente reconhecido. O que caracteriza o serviço técnico é a privatividade de sua execução por profissional habilitado, seja ele um mero artífice, um técnico de grau médio ou um diplomado em escola superior." Já o serviços técnicos profissionais especializados são aqueles que, "além da habilitação técnica e profissional normal, são realizados por quem se aprofundou nos estudos, no exercício da profissão, na pesquisa científica, ou através de cursos de pós-graduação ou de estágios de aperfeiçoamento. São serviços de alta especialização e conhecimentos pouco difundidos entre os demais técnicos da mesma profissão. Esses conhecimentos podem ser científicos ou tecnológicos, vale dizer, de ciência pura ou de ciência aplicada ao desenvolvimento das atividades humanas e às exigências do progresso social e econômico em todos os seus aspectos". (5)
O art. 13, da Lei 8.666/93, após elencar diversos tipos de serviços técnicos profissionais especializados estabelece que, quando não se tratar de inexigibilidade de licitação, sejam os mesmos contratados preferencialmente mediante concurso, com estipulação prévia de prêmio ou remuneração. Poderão ser contratados também mediante convite, tomada de preços ou concorrência, vez que em diversos casos o concurso poderá não ser a melhor modalidade de licitação.
2.4. - da singularidade do serviço pretendido
É imperioso que o serviço a ser contratado apresente uma singularidade que inviabilize a competição entre os diversos profissionais técnicos especializados.
A singularidade, como textualmente estabelece a Lei, é do objeto do contrato; é o serviço pretendido pela Administração que é singular, e não o executor do serviço. Aliás, todo profissional é singular, posto que esse atributo é próprio da natureza humana.
Singular é a característica do objeto que o individualiza, distingue dos demais. É a presença de um atributo incomum na espécie, diferenciador. A singularidade não está associada a noção de preço, de dimensões, de localidade, de cor ou forma.
A singularidade pode incidir sobre um serviço cujo valor esteja abaixo dos limites dos incisos I e II, do art. 24, da lei 8.666/93; pode recair em um serviço sobre pequeno objeto, como uma restauração; pode ensejar que o seu prestador o realize em uma pequena comunidade ou num grande centro; pode exigir alta tecnologia ou conhecimentos práticos de uma atividade. A essência da singularidade é distinguir os serviços dos demais a serem prestados. Por exemplo, é um serviço singular a aplicação de revestimento em tinta com base de poliuretano, na parte externa de um reator nuclear, devido as irradiações desse objeto; enquanto pintar é uma atividade comum, as características do objeto que vai receber a tinta exigem uma aplicação de produto que não ocorre nos demais; apagar um incêndio é uma atividade que pode ser executada por qualquer bombeiro, mas debelar um incêndio em um poço de petróleo, apresenta-se como singular; a demolição é uma atividade comum, mas a necessidade de que seja efetuada por técnica de implosão, pode torná-la singular.
Reside precisamente nesse ponto o nó górdio da questão, pois a definição da singularidade do objeto deve:
- ser estabelecida exclusivamente à luz do interesse público;
- ser justificada sob os princípios que informam a ação de toda a Administração pública, lato sensu, expressamente declarados no art. 37, da CF, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade;
- observar que no caso de projeto básico ou executivo, existem requisitos próprios arrolados no art. 12, da Lei 8.666/93;
- deve visar à realização do bem comum, alvo permanente da Administração Pública;
- ser instituída sem estabelecer preferência em razão da nacionalidade, da naturalidade, da sede ou do domicílio do futuro contratado, nem fundar-se em circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato
No magistério de Celso Antonio Bandeira de Mello colhe-se a seguinte lição: " ... as especificações não podem ultrapassar o necessário para o atendimento do objetivo administrativo que comanda seu campo de discricionariedade. Menos ainda poder-se-á multiplicar especificações até o ponto de singularizar um objeto que não seja singular, visando, destarte, esquivar-se à licitação" (6)
Somente depois de definir o objeto que pretende contratar é que a Administração Pública deverá buscar o profissional para executá-lo. Nunca, em hipótese nenhuma se procede de forma inversa. Aqui a ordem dos fatores altera a equação, pois quando se parte da definição do profissional certamente se agregam ao objeto características que individualizam o executor do serviço.
A singularidade do objeto pretendido pela Administração é o ponto fundamental da questão, mas boa parte da doutrina pátria, lamentavelmente, não tem dado enlevo ao termo, e quando o faz acaba por associá-lo ao profissional, deixando de identificar o serviço.
É possível que essa distorção decorra de razões históricas: o DL 200/67 e a redação primitiva do Dec.-lei 2.300/86 estabeleceram que a contratação de profissionais de notória especialização era caso de dispensa de licitação. Mais tarde o DL 2.348/87, que alterou o Dec.-lei 2.300/86, considerou inexigível a licitação para a contratação de profissionais de notória especialização para a realização de serviços de natureza singular, redação essa mantida pela Lei 8.666/93.
Como a singularidade foi acrescida posteriormente ainda há os que não conseguem alcançar a sua dimensão e, não raro, continuam entendendo que a contratação de profissionais de grande reputação efetua-se diretamente, chegando mesmo a considerar um acinte pretender submeter tais profissionais a um concurso para a escolha da proposta mais vantajosa.
O saudoso Hely Lopes Meirelles, à época ainda impregnado pela recente alteração do Dec.-lei 2.300/86, associou o atributo do objeto ao do contratado, ao asserir que "diante, pois, da doutrina e dos dispositivos legais pertinentes, é forçoso concluir que serviço técnico profissional especializado de natureza singular ...". (7) Eros Roberto Grau chega a sustentar que "nada seria alterado se o texto normativo não tivesse albergado essa expressão - de natureza singular... (8)
Carlos Maximiliano, citando Gianturco (9) ensina: "presume-se que a lei não contenha palavras supérfluas; devem todas ser entendidas como escritas adrede para influir no sentido da frase respectiva". Essa máxima da hermenêutica deve ser completada por outra, atribuída a François Geny, pelo mesmo autor pátrio: "A prescrição obrigatória acha-se contida na fórmula concreta. Se a letra não é contraditada por nenhum elemento exterior, não há motivo para hesitação: deve ser observada. A linguagem tem por objetivo despertar em terceiros pensamento semelhante ao daquele que fala; presume-se que o legislador se esmerou em escolher expressões claras e precisas, com a preocupação meditada e firme de ser bem compreendido e fielmente obedecido. Por isso, em não havendo elementos de convicção em sentido diverso, atém-se o intérprete à letra do texto. (10)
Na elucidação desse meandro, se deve ter em consideração que a expressão singular não foi incluída na redação original do texto, mas foi acrescida na primeira alteração que o Executivo procedeu no Dec.-lei 2.300/86, mostrando-se pouco razoável que viesse alterá-lo para incluir uma expressão inútil. Se à titulo de ilustração retirado do texto fosse a expressão singularidade, todo o dispositivo deveria ser condenado, pois a contratação de notórios especialistas só seria enquadrável no caput do artigo, por inviabilidade de competição, não fazendo qualquer sentido que o legislador tivesse privilegiado tais profissionais dispensando-os de concorrer em um processo seletivo; alcançando a notória especialização esses profissionais poderiam ser contratados para qualquer serviço; se isso fosse possível para qualquer serviço não mais se faria licitação: todos os jardins do País poderiam ser projetados por Burle Marx; todos os serviços de arquitetura, por Oscar Niemeyer; todos os serviços da área de saúde, por Adib Jatene; enfim, um verdadeiro contra-senso se teria estabelecido. Sábio foi o legislador ao exigir a singularidade do objeto, como conditio sine quoa nom à declaração de inexigibilidade.
Ulpiano há séculos averbava que "verbum ex legibus, sic accipiendum est: tam ex legum sententia, quam ex verbis - "O sentido das leis se deduz, tanto do espírito como da letra respectiva" (11)
A notória especialização não inviabiliza a competição a menos que ela seja imprescindível à realização de um determinado serviço singular e, mais do que isso, que a notoriedade apresente relação direta e imediata com a singularidade do objeto.
A esse respeito, no julgamento do Processo TC-013.263/93-5, (12) mesmo a contratação de profissionais renomados, inclusive Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, foi considerada irregular porque os serviços contratados não eram, a rigor, de natureza singular a ponto de justificar a inviabilidade de competição.
A constituição de reservas de mercado para determinados profissionais, que invariavelmente ocorreria se possível fosse contratar notórios especialistas para qualquer serviço, obstruiria o desenvolvimento das ciências, desmotivaria a evolução e capacitação de profissionais, e submeteria a Administração ao interesse de poucos.
A exegese filológica, abona a lógica e demonstra à toda evidência a riqueza que a interpretação social permite. (13)
2.5. da natureza taxativa ou exemplificativa dos serviços do art. 13.
Outro aspecto relevante se constitui na seguinte questão: poderá ser objeto da inexigibilidade com fundamento nesse inciso a contratação de serviços técnicos não enumerados no art. 13?
A resposta é negativa, pois a norma do art. 25, inc. II., constitui regra que abre exceção, e de acordo com os princípios elementares de hermenêutica esse tipo de norma deve ser interpretada restritivamente.
A prática contudo tem demonstrado que existem serviços, não registrados no art. 13, que não permitem viabilizar a contratação, como por exemplo os serviços de correios e de telefonia, pois o regime de monopólio inviabiliza a competição. Em casos dessa natureza, ou mesmo nos casos em que o serviço não guarda qualquer singularidade, mas por outro motivo qualquer a competição é inviável a contratação direta deve ter por fundamento o caput do art. 25, da Lei 8.666/93, e não o inc. II..
2.5.1. - serviços advocatícios
Entre os serviço elencados no art. 13, referido, a um tem sido devotada, em especial, a atenção do Executivo e dos doutrinadores. Trata-se da contratação, cujo objeto se encontra elencado no inc. V, do seguinte teor: patrocínio ou defesas de causas judiciais ou administrativa. Para tais serviços dever-se-ia promover licitação na modalidade de concurso, como regra.
O Poder Executivo Federal, na Exposição de Motivos, interministerial, n° 11/92, tornou obrigatória a contratação, por parte do Banco Central do Brasil e entidades estatais, de empresas prestadoras de serviços técnicos profissionais de natureza jurídica, especializadas na área trabalhista, para a defesa de interesses em juízo, quando reclamadas em ações individuais, plúrimas ou coletivas na Justiça do Trabalho sempre que houver a possibilidade de conflito entre interesse da parte dos quadros jurídicos próprios. Essa norma, contudo, não afastou a exigência do processo licitatório, que deve ser realizado mediante a pré-qualificação, versada no art. 114, da Lei 8.666/93.
Em regra a contratação dos serviços jurídicos exige a habilitação legal e alguma experiência ou especialização em determinada área de atuação, sendo, portanto, amplamente encontrados no mercado. Essa idéia básica perlustra a seguinte manifestação do zeloso órgão instrutivo do TCU, em passagem colhida na Decisão n° 137/94, DOU 13/05/94, ou BLC n° 8/94, pág. 376)
"Com relação ao Contrato no 028/SR-5-DEJUR-5, com o escritório de Advocacia França e Ribas S/C, a analista refutou as alegações da entidade, que sustentavam a inexigência de licitação, com base na singularidade dos serviços (singularidade objetiva). como também na notória especialização dos sócios e profissionais da firma contratada (singularidade subjetiva). Demonstrou a instrução tratar-se, na realidade, de serviços rotineiros de advocacia e, portanto, passíveis de competição no mercado próprio." E, circundando essa manifestação, asseriu o Minstro-Relator que "como bem salientou a instrução, o cerne da questão, na espécie, não é a competência ou mesmo a notoriedade da contratada e de seus profissionais, mas a possibilidade de competição no mercado para a prestação dos serviços desejados, que vão desde a "defesa de direitos e interesses da RFFSA, em processos judiciais , nas esferas civil, trabalhista, criminal e fiscal, até a confecção de pareceres jurídicos sobre quaisquer assuntos relacionados à sua esfera de atuação".
No mesmo caso, em pedido de reexame o Tribunal de Contas da União, considerando a continuidade do serviço, admitiu que fosse mantido o contrato pelo tempo necessário à realização do certame licitatório, fundamentando a decisão no princípio da economicidade e do interesse público. (14)
2.5.2. - serviços de publicidade e divulgação
O inc. II do art. 25, expressamente estabelece que não se admitirá a declaração de inexigibilidade de licitação para serviços de publicidade e divulgação.
O tema tem ensejado apaixonados debates entre os doutos, firmando-se três correntes de pensamento: a dos que vislumbram em tais serviços um ato de criação, pessoal e característico que inviabiliza a competição; de outro lado, os que sustentam que em diversos outros ramos da ciência, até com mais elevado índice de criatividade se tem admitido a licitação, inexistindo razão para a inviabilidade de competição; numa posição intermediária, alguns que vislumbram a licitação como regra para tais serviços, mas admitem a inexigibilidade da licitação em caráter excepcional. (15)
O debate e a fundamentação dessa divergência doutrinária, mesmo que possa dar importante contribuição ao aprimoramento da ciência jurídica, será abandonado, temporariamente, em face da literalidade da Lei, que objetivamente não permite o enquadramento dessa contratação direta neste inciso. Reforça o espírito do legislador, estampado já no inaugural art. 1° da Lei 8.666/93 no sentido de submeter a contratação do serviço de publicidade à regra da licitação.
Há sobre publicidade normatização específica, na esfera federal, que disciplina o tema e, segundo autorizadas vozes continua, em vigor. Em síntese, para a seleção da proposta mais vantajosa foi determinado a realização do sistema de pré-qualificação, normatização ainda vigente nos termos do art. 14, da Lei 8.666/93. (16)
2.5.3. - a publicidade e a divulgação dos editais
O art. 21 da Lei de Licitações prevê que o resumo dos editais deverá ser publicado em Diários Oficiais e jornais de grande circulação, fazendo exsurgir invariavelmente uma pergunta: como escolher esse jornal?
Existe subjacente à elucidação desse fato outras emergentes questões, pois, por exemplo, a proposta de menor preço poderá advir de um jornal de pequena circulação fato que contrariaria a Lei, impositiva no sentido de que o veículo contratado deverá ser "jornal diário de grande circulação do Estado e também, se houver, em jornal de circulação no Município ou na região onde será realizada a obra, prestado o serviço, fornecido, alienado ou alugado o bem".
A seleção desse jornal deverá ser feita, mediante licitação porque não há em princípio permissivo para a contratação direta. Não raro diante desse posicionamente argumentam que a contratação pode situar-se aquém dos limites do inc. I do art. 24, da Lei 8.666/93, o que de fato ocorre se for tomado o preço de um anúncio, mas que não prevalece se for levado em conta, o que é indispensável, o valor das contratações do ano correspondente ao exercício financeiro.
A licitação apresentará uma peculiaridade, estabelecida pela própria Lei, pois só poderá ser veiculada a matéria em jornal diário de grande circulação, podendo a Administração estabelecer os parâmetros do que venha a ser grande circulação, ou até reconhecer que apenas um jornal tem circulação diária, ou um só tem grande circulação. Recomenda-se contudo que se processe a licitação, vez que o selecionado poderá não ser diretamente o jornal, mas agência de publicidade, como ocorreu no Tribunal de Contas da União, em que inclusive a empresa vencedora da licitação, atuando no ramo de publicidade, ofertou preço inferior que os próprios jornais nos quais veicularia os avisos dos editais. (Proc. TC 14.340/93, referente ao convite n° 04/94) (17)
Fato curioso ocorreu no Estado do Paraná em que uma Universidade daquela unidade da federação - Unioeste localizada na cidade de Cascavel - foi vítima de um processo difamatório movido por algumas lideranças locais, tendo contratado um serviço de publicidade para elucidar os fatos, para que não prevalecesse a versão contrária. A contratação foi direta, mas sem qualquer justificativa legal, com inobservância das formalidades previstas nos diplomas legais pertinentes. Chegando o fato ao Tribunal de Contas do Estado, firmou-se o entendimento de que a despesa impugnada não deveria implicar na penalização do agente responsável, que foi apenas admoestado. Nos autos o ministério Público junto aquela Corte firmou o entendimento de que a despesa se processara em caráter emergencial, reconhecendo a inviabilidade da realização do certame com o tempo necessário a uma eficaz resposta. (18)
2.6. - dos requisitos do contratado
Em relação às peculiaridades do contratado, conforme assinalado no início, alguns aspectos merecem ser destacado, segundo os pontos mais polêmicos que freqüentam os julgamentos das Cortes de Contas.
2.6.1. - a habilitação
A primeira exigência que se impõe é que o futuro contratado possua habilitação técnica para a realização do objeto pretendido pela Administração.
A habilitação constitui a capacidade legal para a realização de determinado serviço, necessitando portanto de atendimento dos requisitos legais no caso, vez que a Lei refere-se a serviço técnico, excluindo os artísticos ou empíricos. (19). a Habilitação necessita ser demonstrada e poderá consistir na exibição de registro junto ao órgão da Administração Pública encarregado desse mister, do diploma, ou qualquer outra forma admitida por Lei.
2.6.2. - a especialização
Enquanto a habilitação é um requisito objetivo demonstrável mediante documentação própria, a especialização é de índole subjetiva, no sentido de ser um atributo ligado ao agente, profissional ou empresa, e não possui forma legal própria, exclusiva, específica de documentação. Mas é aferível e contrastável, e também deve ser demonstrada.
Para a regularidade da contratação direta impõe-se, ainda, que o profissional ou empresa possua especialização na realização do objeto pretendido pela Administração. A especialização, como indica a própria palavra, se faz no direcionamento na busca do conhecimento e no desenvolvimento de certa atividade. Na atualidade é um atributo que, por si só, não tem o condão de afastar a realização de processo licitatório, nem muito menos credenciar a declaração de inviabilidade de competição.
2.6.3. - a notória especialização
Exige a Lei, ainda, que a especialização seja notória, e mantendo coerência com os seu propósito de elaborar uma Lei didática, o legislador albergou no § 1° , do mesmo art. 25, o conceito desse termo:
§ 1° Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
Como regra os estudiosos do Direito condenam que o legislador apresente definições com força de Lei, vez que, além de escapar ao real objetivo da atividade legislativa, na grande maioria das vezes os conceitos formulados falham pela imprecisão técnica acarretando o insuperável problema de advir com força normativa.
No caso específico, contudo, o legislador foi feliz, não havendo censura por parte da doutrina pátria, até porque o conceito acolheu mesmo posição já assentada pelos estudiosos do Direito. Ivan Barbosa Rigolin, eminente mestre do Direito Administrativo, destaca que "poucas vezes no direito brasileiro alinhou tão bem uma lei os requisitos, pressupostos ou características de um conceito que emitiu, como quanto referentemente à notória especialização, de que aqui se cuida, conceito esse que a lei admitiu que certos profissionais e certas empresas detêm". (20)
Observe-se que os conceitos vão crescendo até atingir a notória especialização. Primeiro exige o dispositivo que o serviço esteja arrolado entre os previstos no art. 13, que são serviços técnicos profissionais - exigindo, portanto, habilitação - depois, exige que o profissional ou empresa seja especialista na realização do objeto pretendido - e, finalmente, que seja notória sua especialização.
Lúcia Valle Figueiredo e Sérgio Ferraz, discorrendo sobre o tema, impõe que seja respondida a seguinte indagação: "assim, há que explicitar: notória especialização, correto, mas notório para quem? Essa especialização tem que ser notória exatamente para aquele serviço complexo de empresas ou de profissionais que atuam no setor".
A reputação da notoriedade só precisa alcançar os profissionais que se dedicam a uma atividade, sendo absolutamente dispensável, ou impertinente, a fama comum, que a imprensa não especializada incentiva.
Mas a Lei estabelece os parâmetros a serem utilizados para aferição da notoriedade, com o fito de reduzir a margem de discricionariedade e subjetivismo. A Lei refere-se ao conceito do profissional ou empresa, para depois estabelecer que o mesmo deve advir do:
2.6.3.1. - desempenho anterior, pouco importando se foi realizado para a Administração pública ou privada;
2.6.3.2. - estudos, publicados ou não, que tenham chegado ao conhecimento da comunidade da área da atividade;
2.6.3.3. - experiências, em andamento, ou já concluídas com determinado grau de êxito, capaz de constituírem uma referência no meio científico;
2.6.3.4. - publicações, próprias ou incluídas em outros meios de divulgação técnica, revistas especializadas, periódicos oficiais ou não; o anterior;
2.6.3.5. - organização - termo que se emprega como designativo da forma de constituição da entidade e seu funcionamento, mas que considerada individualmente não caracteriza a inviabilidade de competição;
2.6.3.6. - aparelhamento, significando a posse do equipamento e instrumental necessário ao desempenho da função que pelo tipo, qualidade ou quantidade, coloque o profissional entre os mais destacados do ramo de atividade;
2.6.3.7. - equipe técnica - conjunto de profissionais vinculados à empresa que se pretende notória especialista, ou mesmo ao profissional, pessoa física, firma individual. Pode a notoriedade ser aferida pela nível de conhecimento e reputação dos profissionais ou esse fator constituir um dos elementos da aferição de um conjunto de fatores. Em seminário promovido na cidade do Recife, pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas daquele Estado, em (21) foi questionado se uma empresa recém constituída poderia pretender ser contratada com inexigibilidade de licitação por possuir em seus quadros um profissional de notória especialização. A resposta é afirmativa porque nesse caso as qualidade do agente agregam-se à instituição à qual serve, ensejando uma aferição direta do profissional que a empresa oferece. Só há restrição à contratação de profissional por interposta pessoa no inciso III desse mesmo artigo. Deve ser lembrado que o § 3° do art. 13, da Lei de Licitações atual estabeleceu, de forma imperativa uma restrição a atos praticados visando elidir o certame licitatório ou a habilitação exigida fixando que:
"Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a:
...
...
§ 3° - A empresa de prestação de serviços técnicos especializados que apresente relação de integrantes de seu corpo técnico em procedimento licitatório ou como elemento de justificação de dispensa ou inexigibilidade de licitação, ficará obrigada a garantir que os referidos integrantes realizem pessoal e diretamente os serviços objeto do contrato
Desse modo o executor da obra ou serviço, representante da Administração (consulte sobre executor do contrato: art. 67 e segs. da Lei 8.666/93) deverá verificar, no caso de inexigibilidade, se os agentes arrolados como integrantes da equipe técnica estão efetivamente ocupando-se da execução do serviço, ou supervisionando diretamente a execução.
Caso relevante foi apreciado pelo C. TCU que entendeu afastada a notória especialização numa determinada situação em que houve a contratação direta de advogado de renome que, mais tarde substabeleceu em favor de seu filho, os mandatos outorgados, demonstrando que a licitação era viável. (22)
2.6.3.8. - outros requisitos relacionados com suas atividades - deixa aqui o legislador uma margem à discricionariedade do Administrador Público para aferir outros elementos, não arrolados, mas suficientes para demonstrar a notoriedade do profissional ou empresa. Impende salientar que no momento de firmar a sua convicção deve o agente público ter em conta que deverá evidenciar esses meios de aferição para que a sua discricionariedade não seja considerada mais tarde arbítrio. Ademais, sempre tem-se recomendado que o responsável pelo processo decisório tenha a preocupação de evidenciar os motivos de sua deliberação até porque, como o controle é feito posteriormente à prática dos atos, em muitos casos poderá ocorrer que os elementos de convicção sejam infirmados pela ação do tempo. Observe-se, contudo, que esses outros requisitos devem guardar proporção de equivalência com os arrolados anteriormente, motivo pelo qual não podem, por exemplo, ser considerados elogios, artigos de simples referência, cartas de apresentação, tempo de constituição de estabelecimento, luxo das instalações.
Obtempera, a propósito Marçal Justen F° (23) que é indispensável a existência de evidência objetiva dessa especialização e capacitação do escolhido. Evidência objetiva indica circunstância ou evento da realidade que transcenda a simples vontade e (ou) conhecimento do exercente da função pública.
Acerca da relação entre notória especialização e o serviço que é pretendido, sumulou o Tribunal de Contas da União, no enunciado n° 39, que a "notória especialização só tem lugar quando se trata de serviço inédito ou incomum, capaz de exigir na seleção do executor de confiança, um grau de subjetividade, insusceptível de ser medido pelos critérios objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação".
2.7. - a essencialidade da contratação direta e a viabilidade de competição
Além do fato de que o último meio de evidenciar a notoriedade deve guardar equivalência de importância com os antecedentemente citados, estabelece a Lei que qualquer deles deve levar ao convencimento de que o trabalho do notório especialista é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto contratado.
Esses atributos que devem cercar o profissional ou empresa a ser contratado não guardam discricionariedade extrema. A condição de essencialidade de um determinado agente para a satisfação de um objeto diz respeito ao fato de que apenas aquele determinado profissional ou a específica empresa é diretamente vinculado à essência de um objeto, é fundamental, indispensável para a Administração realizar o serviço com a singularidade definida.
Com referência ao fato de que a contratação deve ser indiscutível, isto é, não pode ser discutida a escolha, embora se apresente como subjetiva, em princípio, a simples existência de dúvidas sobre se outros seriam ou não melhores poderá demonstrar que antes da escolha ter sido inadequada, talvez se trate de um caso em que a competição é viável. De fato, parece que existindo outros, mais de um, capaz de realizar o serviço singular está-se diante de um caso em que é possível licitar, ou seja em que a licitação é exigível.
Enfrentando o tema, o Colendo Tribunal de Contas da União, em passagem colhida no voto do Ministro Marcos Villaça deixou assentado que "como bem salientou a instrução, o cerne da questão, na espécie, não é a competência ou mesmo a notoriedade da contratada e de seus profissionais, mas a possiblidade de competição no mercado para prestação dos serviços desejados, ..." (24)
3. CONCLUSÕES
A Lei de Licitações, para resguardar o princípio constitucional da licitação, em boa hora fez inserir na tutela penal, a tipificação do crime contratar diretamente sem fazer licitação fora das hipóteses legais. (25). Além dessa sanção criminal, o legislador ainda resguardou os interesses do cidadão-contribuinte, ao determinar, no art. 25, § 2º, a solidariedade entre a autoridade administrativa responsável pela contratação direta ilegal e o contratado.
As considerações expendidas demonstram à toda evidência que não é vedado contratar notórios especialistas: ao contrário, em várias é a única hipótese em que o interesse público poderá ser efetivamente satisfeito, residindo nesse ponto angular a força imanente do comando legal, justificadora da exceção ao princípio constitucional da licitação.
Assinalava Burke (26), que "a lei tem dois e apenas dois fundamentos: a eqüidade e a utilidade". Esse bicentenário magistério pontifica os dispositivos examinados, na medida que exigem do aplicador uma visão de interesse público, verdadeiro e legítimo, para fazer da Lei de licitações, como giza o eminente Carlos Pinto Coelho Motta, um instrumento de eficácia da Administração Pública.
NOTAS
- art. 126, § 2° , alínea "d"
- art. 23, inc.II
- BLC n° 7/94, pág. 334
- BLC n° 04/94, pág. 155
- pág. 49
- citado por Marçal Justen F° , ob. cit.,p. 147
- ob.cit. pág. 106/7
- Maria Sylvia Zanella di Pietro,ob. cit. p. 69
- Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 10ª ed., pág. 110
- pág. 110/1 - grifos não são do original
- Carlos M. pág. 111
- Decisão n° 324/94 - TCU - 2ª Câmara
- no mesmo sentido, sustentando que a singularidade é do objeto: Marçal Justen F° , pág. 150.
- Decisão n° 314/94 - TCU - 1ª Câmara, adotada em 22.11.94
- no sentido da posição intermediária v. parecer do Prof. Carlos Pinto Coelho Motta, no BLC n° 02/94, pág. 55
- no mesmo sentido Jessé Torres Pereira Júnior, Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública: (Lei n° 8.666/93, com a redação da Lei n° 8.883/94). Rio de Janeiro: Renovar, 1994, pág. 171
- em sentido contrário: Jessé Torres Pereira Júnior, Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública: (Lei n° 8.666/93, com a redação da Lei n° 8.883/94). Rio de Janeiro: Renovar, 1994, pág. 171
- pág. 111/5 da revista n° 109
- que são tratados no inc.III do art. 25
- BLC n° 07/94, pág. 330
- novembro/1994
- Decisão n° 324/94 - TCU - 2ª Câmara, de 08.12.94
- ob.cit. pág. 151
- BLC n° 8/94, pág. 377
- q. cfr. art. 89
- Folhetos acerca das Leis sobre Papismo