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Da natureza do terço constitucional de férias gozadas para fins de incidência do imposto de renda

Agenda 21/09/2015 às 16:21

O adicional constitucional de férias gozadas trata-se de uma parcela acessória ao salário, constituindo renda do trabalhador, possuindo natureza eminentemente remuneratória, devendo incidir sobre ele o imposto de renda.

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo discutir a natureza jurídica do terço constitucional de férias gozadas para fins de incidência do Imposto de Renda, se de natureza indenizatória ou remuneratória. Buscou-se a doutrina e a jurisprudência atualizada dos Tribunais Superiores.

Palavras-chave: terço constitucional de férias, imposto de renda, indenização, remuneração.


INTRODUÇÃO

O Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza (IR), previsto no artigo 153, inciso III, da Constituição Federal (CF), encontra-se disciplinado nos artigos 43 a 45 do Código Tributário Nacional (CTN). Dispõe o dispositivo constitucional que a competência para instituir o imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza é da União.

O art. 43 do CTN estabelece a delimitação do fato gerador do IR como aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica: (a) de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos e (b) de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos na hipótese anterior.

Apesar das inúmeras teorias e da interminável polêmica acerca do sentido da palavra “renda” (e mesmo da expressão “proventos de qualquer natureza”), entende-se presente um traço absolutamente característico: o acréscimo patrimonial.

Atribui-se ao legislador ordinário a liberdade de definir as situações em que o acréscimo patrimonial está presente e aquelas em que ele não se realiza. Trata-se de dar contornos precisos, aplicáveis e operacionais ao campo material de incidência previsto e demarcado pela Constituição e pelo CTN.

 É cediço que o legislador não tem a capacidade de estabelecer de forma exaustiva todo o caso do que seja renda. Geralmente, por via de exceção, o legislador exclui do conceito de renda, os ganhos que não entende como acréscimo patrimonial.

Ocorre que no enquadramento de certos valores recebidos pelo contribuinte, o julgador vem dando visões distintas sobre a natureza dos valores auferidos. É justamente o que vem ocorrendo com a definição da natureza jurídica do terço constitucional de férias usufruídas para fins de incidência do Imposto de Renda.

Para alguns operadores do direito, trata-se de verba de natureza indenizatória, para outros, trata-se de verba exclusivamente remuneratória, não devendo incidir o IR.

A importância do assunto está consubstanciada na potencial repercussão financeira para os cofres da União bem como para esfera patrimonial dos contribuintes, tendo em vista a grande quantidade de ações judiciais em que se busca a não incidência do imposto de renda sobre o terço constitucional gozado e a restituição dos valores recolhidos neste sentido.

Desta forma, esta pesquisa tem como objetivo central esclarecer, com base na doutrina e jurisprudência, a natureza do terço constitucional de férias gozadas para fins de incidência do IR.


1. DO FATO GERADOR DO IMPOSTO DE RENDA

A incidência do IR encontra baliza constitucional: recairá sobre rendas e proventos de qualquer natureza, conforme estabelecido no art. 153, inciso III, da Constituição Federal de 1988 – CF/88.

O CTN, em seu art. 43, estabelece o fato gerador do IR como aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda e de proventos de qualquer natureza. Entende-se por renda, o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Já proventos de qualquer natureza, conforme o CTN, são os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda.  

Para Kiyoshi Harada (2013), a disponibilidade econômica consiste no acréscimo patrimonial decorrente de uma situação de fato, sendo que esta ocorre no instante em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza esse efeito, (art. 116, I, do CTN). Já a disponibilidade jurídica consiste no direito de usar, por qualquer forma, da renda e dos proventos definitivamente constituídos nos termos do direito aplicável (art. 116, II, do CTN).

Conforme Sabbag (2012), a disponibilidade econômica é a obtenção da faculdade de usar, gozar e dispor de dinheiro ou de coisas conversíveis; é ter o fato concretamente. A disponibilidade financeira não é sinônimo de disponibilidade econômica. Esta última é somente aquela que representa incorporação ao patrimônio, nada impede, porém, que a lei ordinária agregue o elemento financeiro ao fato gerador, desde que havido prévia disponibilidade econômica ou jurídica.

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Apesar dos vários entendimentos do que seja a expressão “renda” e até mesmo da expressão “proventos de qualquer natureza”, há uma característica em comum, qual seja, o acréscimo patrimonial.

Note-se que os proventos são acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda. Esta última, portanto, envolve necessariamente acréscimos patrimoniais decorrentes do trabalho, do capital ou de ambos. O acréscimo patrimonial é o elemento comum aos dois conceitos (de renda e de proventos), consagrando a opção legislativa pelo critério da renda-acréscimo.

Neste sentido, aliás, é a lição de Ives Gandra da Silva Martins:

“O vocábulo ‘proventos’ tem, pois, a nosso ver, acepção ampla (abrangente de quaisquer proveitos auferidos por alguém). Mesmo o fato de, na atual Constituição, ele ser empregado em relação a aposentados e pensionistas não quer dizer que só nesses casos se aufiram ‘proventos’. Em suma, quando a Constituição (desde 1934) se reporta a ‘renda e proventos de qualquer natureza’, ela está utilizando sinônimos imperfeitos, e a locução ‘de qualquer natureza’ parece-nos ter sido utilizada para não deixar eventual dúvida de que todo ingresso de riqueza nova no patrimônio de alguém, qualquer que seja a origem desse proveito, é passível de incidência do tributo. ”(In “Curso de Direito Tributário”. CEJUP, p. 322 – grifo nosso).

O Supremo Tribunal Federal já decidiu exatamente neste rumo. Vejamos:

“CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. RENDA - CONCEITO. Lei n. 4.506, de 30.XI.64, art. 38, C.F./46, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV. CTN, art. 43.

I. - Rendas e proventos de qualquer natureza: o conceito implica reconhecer a existência de receita, lucro, proveito, ganho, acréscimo patrimonial que ocorrem   mediante o ingresso ou o auferimento de algo, a título oneroso. C.F., 1946, art. 15, IV; CF/67, art. 22, IV; EC 1/69, art. 21, IV. CTN, art. 43.

II. - Inconstitucionalidade do art. 38 da Lei 4.506/64, que institui adicional de 7% de imposto de renda sobre lucros distribuídos.

III. - R.E. conhecido e provido”. (RE 117887/SP. Pleno. Unânime. Min. CARLOS VELLOSO)

Com estes marcos limitadores, atribui-se ao legislador ordinário a liberdade de definir as situações em que o acréscimo patrimonial está presente e aquelas em que ele não se realiza. Trata-se de dar contornos precisos, aplicáveis e operacionais ao campo material de incidência previsto e demarcado pela Constituição e pelo CTN.

De outro lado, existem verdadeiros acréscimos patrimoniais não tributados porque alcançados por disposição constitucional ou legal desonerativa. No primeiro caso, temos as imunidades tributárias. Para os últimos, temos as isenções previstas na legislação infraconstitucional de regência. Estes casos são pacíficos, pois a legislação determina de forma exaustiva a sua abrangência.

A dificuldade maior ocorre na identificação daqueles casos em que o bem auferido não se trata de acréscimo patrimonial, mas sim, de indenização.

A indenização pode ser conceituada como a reparação devida por um dano causado a outrem, que pode ter origem contratual ou extracontratual, conforme se verifica nos arts. 186, 187, 389, 390, 927 e 944, todos do Código Civil. Pode-se afirmar que é necessário para sua origem o descumprimento total ou parcial de uma obrigação ou violação de direitos. Frise-se que a indenização é a reparação de uma perda, não importando em enriquecimento ou aquisição de disponibilidade econômica.

Segundo Godinho (2010), existem indenizações construídas para ressarcir direito trabalhista que não foi usufruído em sua integralidade, para reparar garantia jurídica desrespeitada ou em face de outros fundamentos normativos tidos como relevantes. Nesse grupo estão as indenizações de férias não gozadas, de aviso prévio indenizado, a indenização por tempo de serviço, o próprio fundo de garantia por tempo de serviço, as indenizações convencionais ou normativas por dispensa injustificada, as indenizações por ruptura contratual incentivada, a indenização por não recebimento do seguro desemprego por culpa do empregador. Ainda nesta categoria, podem-se ainda  vincular as indenizações por dano moral e dano material, inclusive em razão de acidente de trabalho.


2. DO ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL DA NATUREZA JURÍDICA DO TERÇO CONSTITUCIONAL DE FÉRIAS GOZADAS

2.1 DA DOUTRINA TRABALHISTA

Citando novamente o mestre Maurício Godinho (2010), “o terço constitucional de férias é a parcela suplementar que se agrega, necessariamente, ao valor pertinente às férias trabalhistas, à base de 1/3 deste valor”. 

A análise da natureza jurídica desenvolve-se a partir da constatação de que a verba tem nítido caráter acessório, pois se trata de percentagem incidente sobre as férias. Sendo acessório, assume a natureza da parcela principal a que se acopla. Sendo assim, nas férias gozadas ao longo do contrato terá caráter salarial; já nas férias indenizadas na rescisão, terá natureza indenizatória.

Nesse diapasão, o chamado “terço constitucional” não tem como escapar do enquadramento de acréscimo patrimonial tributado pelo IR, uma vez que a própria CF/88 qualifica-o como direito do trabalhador, produto pecuniário do trabalho (art. 7º, inciso XVII). O referido adicional tem, portanto, natureza remuneratória.

O terço constitucional nada mais é do que um adicional na remuneração do empregado durante o gozo de suas férias. Ressalte-se, conforme crítica da melhor doutrina, que o fim teleológico do adicional de férias é incentivar o consumo, ou seja, é a injeção de capital no mercado capitalista.

2.2 DA ANÁLISE DO RESP 1.111.223/SP E DA SÚMULA 386 DO STJ: A NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE DISTINGUISHING

O STJ entende que, sendo o adicional de 1/3 constitucional das férias acessório, segue ele a sorte do principal. Contudo, a própria Corte esclarece que não incidirá imposto de renda sobre o adicional de um terço, agregado a férias – simples ou proporcionais – vencidas e não gozadas, quando pagas em decorrência de rescisão de contrato de trabalho. Este entendimento foi plasmado na sistemática dos recursos repetitivos, previsto no art. 543-C do CPC, conforme se verifica da ementa transcrita a seguir:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA. VERBAS RECEBIDAS A TÍTULO DE FÉRIAS PROPORCIONAIS E RESPECTIVO TERÇO CONSTITUCIONAL. RECURSO SUBMETIDO AO PROCEDIMENTO DO ART. 543-C DO CPC E DA RESOLUÇÃO STJ 08/08.

1. Os valores recebidos a título de férias proporcionais e respectivo terço constitucional são indenizações isentas do pagamento do Imposto de Renda. Precedentes: REsp 896.720/SP, Rel.Min. Castro Meira, DJU de 01.03.07; REsp 1.010.509/SP, Rel. Min.Teori Albino Zavascki, DJe de 28.04.08; AgRg no REsp 1057542/PE, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 01.09.08; Pet 6.243/SP, Rel. Min.Eliana Calmon, DJe de 13.10.08; AgRg nos EREsp 916.304/SP, Rel.Ministro  Luiz Fux, DJU de 08.10.07.

2. Recurso representativo de controvérsia, submetido ao procedimento do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/08.

3. Recurso especial provido.

(REsp 1111223/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 04/05/2009)

A Súmula 386 que também trata do imposto de renda sobre férias proporcionais, bem como do adicional e se posiciona no sentido de que há isenção do tributo quando o trabalhador deixa o emprego com período não gozado.

Nesse passo, a Min. Eliana Calmon tomou como referência o artigo 7º, inciso XVII, da Constituição Federal, que garante o pagamento de férias mais o terço constitucional, e o art. 146 da CLT que determina a remuneração das férias proporcionais no momento da rescisão do contrato de trabalho.

A Súmula supracitada tem como fundamento os RESPs 885722 e 985233, em que é apontado que licenças-prêmios convertidas em pecúnia, férias não gozadas, férias proporcionais e respectivos adicionais não estão sujeitas à incidência do imposto de renda. E, a razão é que estas não têm origem em capital ou trabalho, mas sim têm caráter indenizatório.

No common law, sistema em que a doctrine of binding precedente já está devidamente assimilada, a orientação é que a aplicação do precedente deve ser flexibilizado de acordo com o conjunto fático-jurídico em análise.

2.3 DA DECISÃO EM SEDE DE RECURSO REPETITIVO PELA INCIDÊNCIA DE IR SOBRE O ADICIONAL DE TERÇO DE FÉRIAS GOZADAS

Após muita discussão, com decisões que entendiam que as mesmas premissas que serviram de base para a não incidência da contribuição previdenciária sobre o terço de férias, deveriam ser aplicadas para o imposto de renda, veio o STJ, e em sede de recurso repetitivo, entendeu que se tratavam de situações distintas.

Para o Min. Benedito Gonçalves, autor do voto vencedor, os motivos que levaram ao STF a concluir pela não incidência de contribuição previdenciária não são suficientes para que o STJ conclua pelo caráter indenizatório do adicional de férias e altere seu entendimento também sobre a sujeição ao IR, verbis:

“Ocorre que o STF, essencialmente, afastou a incidência das contribuições previdenciárias sobre o terço constitucional das férias gozadas, não em razão do seu caráter indenizatório, mas sim em razão da não incorporação para fins de aposentadoria”.

Diante desse entendimento, espera-se a uniformização do entendimento em relação a natureza remuneratória do adicional de terço de férias gozadas.


DAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

As informações trazidas pela doutrina e confirmadas pela jurisprudência não deixam dúvidas de que o valor recebido a título de terço constitucional de férias usufruído tem natureza remuneratória, tanto em relação à natureza em si de acréscimo patrimonial,como pela máxima de que o acessório segue o principal, no caso, as férias gozadas. Não se deve confundir com as férias indenizadas, essa sim, por ser indenizatória, acaba por influenciar a natureza do terço constitucional respectivo.

Diante de todo o exposto, pode-se afirmar que o adicional constitucional de férias gozadas trata-se de uma parcela acessória ao salário, constituindo renda do trabalhador, possuindo natureza eminentemente remuneratória, devendo incidir o imposto de renda.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.

BRASIL. Lei n. 5172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 125, O Pagamento de Férias Não Gozadas Por Necessidade do Serviço Não Está Sujeito à Incidência do Imposto de Renda. Diário da Justiça. Brasília, 15 dez. 1994. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 20 abr. 2014.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 1.459.779/MA. Relator Ministro Benedito Gonçalves. Órgão Julgador: Primeira Seção. Recurso Repetitivo. Brasília, 22 de abril de 2015. Publicação 04/05/2015.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 117887/SP. Recorrente: Estado de São Paulo. Recorrido: Paulo Guimarães Leite e outros. Relator: Ministro Moreira Alves. Órgão Julgador: Primeira Turma. Brasília, 16 de abril de 2002. Publicação 07/06/2002.

BRASIL. Turma Recursal dos JEFs, com sede em Belém/PA. Recurso Inominado 0006686-98.2013.4.01.3100. Recorrente: União Federal (Fazenda Nacional). Recorrido Amaparino José Valente dos Santos. Relator Juiz Federal George Ribeiro da Silva. Belém/PA, 13 de março de 2014. 

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010

HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário, 22ª. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2013.

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Curso de Direito Tributário. CEJUP.

SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Sobre o autor
José Augusto Souza de Oliveira

Procurador da Fazenda Nacional desde de 2010, com especialização em Direito Tributário e Direito Processual Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, José Augusto Souza. Da natureza do terço constitucional de férias gozadas para fins de incidência do imposto de renda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4464, 21 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42900. Acesso em: 22 nov. 2024.

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