UNIVERSIDADE DA AMAZÔNIA - UNAMA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS - ICJ
CURSO DE DIREITO
MICHEL SANTOS BATISTA
CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO ONLINE
Ananindeua-PA
2011
MICHEL SANTOS BATISTA
CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO ONLINE
Monografia apresentada à Universidade da Amazônia para a disciplina de Monografia II, sob a orientação do Prof. José Rui de Almeida Barboza, como requisito parcial para obtenção do 1º NI, bem como para o grau de Bacharel em Direito na turma 10DIN11.
Jun./ 2011
CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO ONLINE
Monografia apresentada à Universidade da Amazônia para a disciplina de Monografia II, sob a orientação do Prof. José Rui de Almeida Barboza, como requisito parcial para obtenção do 1º NI, bem como para o grau de Bacharel em Direito na turma 10DIN11.
Banca Examinadora
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Prof.
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Prof.
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Prof.
Apresentado em: ___/___/___
Conceito: _________
ANANINDEUA – PA
2011
Dedico este trabalho à minha mãe Maria de Nazaré Santos Batista, por sua incansável fé em Deus, força e pela sua dedicação aos seus filhos.
AGRADECIMENTOS
Antes de tudo, agradeço a Deus por sua infinita misericórdia e compaixão, pela força que sempre me deu para ultrapassar os obstáculos da vida, me proporcionando muitos momentos alegres, sobretudo, por estar ao meu lado sempre que preciso.
Aos meus pais, Manoel Osvaldo e Maria de Nazaré, pelo apoio que sempre me deram, pela credibilidade e pela confiança que depositaram em mim, além de terem acreditado na minha capacidade para o término de minha vida acadêmica. Em especial à minha mãe, que sempre batalhou durante suas atividades laborais com o escopo de me ajudar a terminar a graduação.
Ao meu irmão Maicon Santos Batista que sempre torceu pela minha vitória e sucesso durante toda minha vida.
A minha namorada Monise Cardoso, pela compreensão, força, dedicação, incentivo nas horas mais precisas, bem como pelo apoio de todas as horas, sejam elas tristes ou alegres.
Ao meu orientador, Dr. José Rui de Almeida Barboza, pela enorme paciência que teve comigo durante dois semestres para a conclusão do presente trabalho, tendo compartilhado comigo o seu conhecimento nos diversos e infindáveis diálogos acerca da temática, que tanto contribuiu para a minha formação acadêmica em todas as sextas-feiras de encontro, sendo para mim um exemplo de profissional.
Aos meus amigos que tanto torceram pela minha vitória, pela compreensão e companheirismo.
Aos integrantes da banca examinadora por terem prestigiado a minha humilde explicação no âmbito da processualística penal.
Enfim, a todos aqueles que contribuíram direta e indiretamente para a concretização deste trabalho.
O Segredo do meu sucesso é confiar em Deus.
Resumo
A presente pesquisa monográfica buscou analisar a realização do interrogatório online no processo penal brasileiro, sendo um meio de se obter o depoimento do acusado à distância, através da videoconferência, por encontrar preso no sistema carcerário. O trabalho demonstrou a viabilidade do interrogatório online e sua compatibilidade com a Constituição, podendo ser utilizado, sem problema algum, pelo Judiciário brasileiro. O autor buscou apresentar e defender a constitucionalidade do ato, colocando em análise os posicionamentos favoráveis e contrários à sua realização. Para a conclusão deste, foi utilizada uma vasta pesquisa bibliográfica e documental, sendo somada a artigos e textos doutrinários, análise de jurisprudências para eventuais conclusões, internet e afins. Tal estudo versou sobre a constitucionalidade do interrogatório online, diante do resguardo de todos os princípios constitucionais possíveis que formam o conjunto de direitos e garantias do acusado. Registrou-se a importância do interrogatório e a plausibilidade de se utilizar o método dos meios tecnológicos para sua efetividade no âmbito do Poder Judiciário.
Palavras-Chave: Interrogatório, Videoconferência, Constitucionalidade.
Abstract
Introdução
Este trabalho monográfico procura versar sobre a realização do interrogatório online, isto é, por meio da videoconferência. Sendo uma forma de se obter o depoimento do acusado à distância, sem haver a necessidade de este ser transportado até o prédio forense.
No âmbito da processualística penal o interrogatório é um dos atos mais importantes para a instrução criminal, tanto é verdade que hoje é o último ato processual a ser realizado para se por fim ao processo, podendo, em seguida, o Estado exercer o jus puniendi ou não.
É justamente durante o interrogatório é que o juiz irá fazer perguntas ao acusado, para que este as responda com o fito de formar a sua convicção no que tange à capitulação penal do processo. No trâmite do interrogatório, o réu poderá narrar ao juiz a sua versão dos fatos, se defendendo da imputação que lhe está sendo feita.
O marco para a utilização do interrogatório por videoconferência que será tratado com bastante atenção é o advento da Lei nº 11.900/2009, lei esta conhecida como a Lei da Videoconferência.
O legislador infraconstitucional preocupado com as críticas que estavam sendo feitas com relação as edições de leis estaduais versando sobre matéria processual, procurou findar com essa polêmica, revolucionando o processo penal brasileiro.
A partir da entrada em vigor da lei da videoconferência, muitos críticos começaram a levantar pontos pautados na inconstitucionalidade da lei infraconstitucional, sendo no corpo deste trabalho, discutido todos os principais pontos.
Não obstante essas críticas, alguns doutrinadores e profissionais do direito se insurgiram contra a prática do interrogatório online, por não respeitarem alguns princípios constitucionais expressos na Carta Magna de 1988, bem como questionavam a falta de regulamentação em nosso ordenamento jurídico, sendo este último ponto já desconsiderado, desde o advento da lei da videoconferência.
Como será demonstrado, não foram poucos os argumentos contrários à utilização do interrogatório por videoconferência, porém, há de se adiantar, que existem bem mais argumentos favoráveis à sua prática, dentre as quais, podem-se destacar: celeridade e economia processual, modernidade, segurança, menos despesas para o Erário público, dentre outras que serão abordados.
Mesmo diante da preocupação do legislador infraconstitucional para a realização do interrogatório online, alguns ainda falam em possíveis afrontas e violações ao texto supremo da Constituição, todavia, serão cautelosamente abordados.
Ante o exposto, urge destacar que o presente trabalho se voltou para a demonstração da constitucionalidade do interrogatório online, isto é, a validação do referido ato sob o manto da Carta Magna, refutando qualquer tipo de violação ao seu procedimento.
A pesquisa foi estruturada em quatro capítulos, buscando demonstrar a importância da informática e sua influência para a prática do interrogatório, sendo firmado um entendimento sólido frente às garantias expressamente consagradas em nossa Constituição, proporcionando ao acusado certa efetividade e celeridade no que tange ao seu método de realização do interrogatório feito à uma considerável distância, muito embora, se tenha uma notável eficiência.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................................... 3
CAPÍTULO I - Do INTERROGATÓRIO............................................................................................ 4
1.1 - INTERROGATÓRIO................................................................................................................. 4
1.1.1 - Conceito ........................................................................................................................ 4
I.1.2 - Natureza Jurídica ............................................................................................................. 5
I.1.3 - Características do interrogatório......................................................................................... 6
I.1.4 - O interrogatório como meio de acesso à Justiça ................................................................. 7
I.1.5 - Local do interrogatório ...................................................................................................... 7
CAPÍTULO II - A INFORMÁTICA E A JUSTIÇA............................................................................... 8
2.1 - JUSTIÇA INFORMATIZADA..................................................................................................... 8
2.1.1 - O uso da informática na Justiça Brasileira ....................................................................... 10
2.1.2 -As mudanças decorrentes do avanço tecnológico.............................................................. 11
2.1.3 - A videoconferência na realização de interrogatório online................................................... 12
CAPÍTULO III - O INTERROGATÓRIO ONLINE POR VIDEOCONFERÊNCIA.................................... 8
3.1 - o interrogatório online...................................................................................................... 8
3.1.1 - Conceito........................................................................................................................ 10
3.1.2 - Histórico no Brasil ........................................................................................................ 10
3.1.3 - Hipóteses de utilização................................................................................................... 10
3.1.4 - Posicionamentos............................................................................................................ 10
3.1.4. a) -Favoráveis................................................................................................................. 10
3.1.4. b) - Desfavoráveis........................................................................................................... 10
CAPÍTULO IV - CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO ONLINE..................................... 8
4.1 - valorização dos princípios constitucionais......................................................................... 8
4.1.1 - Procedimento do interrogatório online
4.1.2 - O resguardo dos princípios constitucionais e infraconstitucionais....................................... 10
4.1.3 - Princípio do Contraditório................................................................................................ 10
4.1.4 - Princípio da Ampla Defesa............................................................................................. 10
4.1.5 - Princípio do Processo Penal Garantista........................................................................... 10
4.1.6 - Princípio do Devido Processo Legal................................................................................ 10
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................................... 13
CAPÍTULO I - DO INTERROGATÓRIO
- Interrogatório
- Conceito
Para que se possa de fato entender o que vem a ser o interrogatório, faz-se imprescindível conhecer a etimologia da palavra, que provém do latim interrogare, sendo um ato processual constituído pelas declarações que no juízo penal presta o acusado, arguido pela autoridade judicial competente, para a sua defesa.
Neste sentido, interrogar é inquirir, perguntar, fazer questionamentos objetivando alcançar a verdade real e auxiliar o julgador na formação de seu livre convencimento. Trazendo a sua etimologia para o mundo jurídico enquanto um dos atos processuais, o interrogatório consiste em uma gama de perguntas ou indagações que, uma vez somadas pelo juiz, colaboram para a evidência e esclarecimento do fato em investigação judicial.
O interrogatório é um ato personalíssimo, inerente ao acusado que comete uma infração penal, seja em processo de ação penal de iniciativa pública ou privada, a ser realizado na presença do magistrado. É considerado personalíssimo porque o ato processual de interrogatório só pode ser realizado pelo próprio acusado, não podendo ser substituído por ninguém, nem mesmo por procuradores com poderes especiais conferidos para tanto.
Por sua vez, o interrogatório é ato processual jurisdicional, tendo em vista que só pode ser colhido na presença do magistrado, atendendo o princípio da judicialidade que será abordado mais adiante. Esboça-se, portanto, o cenário que se forma em uma audiência para a colheita das informações acerca de um delito, ou seja, de um lado o juiz, ora condutor do processo, e do outro o acusado, acompanhado de seu defensor constituído ou dativo, e do representante do Ministério Público.
Esse ato é tão importante que é considerado um dos mais relevantes para a instrução criminal. O interrogatório é a fase da persecução penal que permite ao suposto autor da infração penal esboçar a sua versão dos fatos, exercendo, se desejar, a autodefesa (MORAES apud TAVORA e ALENCAR, (2010, p. 386). Há ainda, o entendimento nos seguintes termos:
O interrogatório é um ato judicial, presidido pelo juiz, em que se indaga ao acusado sobre os fatos imputados contra ele, advindo de uma queixa ou denúncia, dando-lhe ciência, ao tempo em que oferece oportunidade de defesa (FIOREZE apud ROMEIRO, 2009, p. 109).
Diante desses entendimentos, observa-se que o interrogatório é um ato processual realizado pelo acusado, este respondendo acerca dos fatos que lhe são imputados, abrindo-lhe a oportunidade de falar ou usar o direito constitucional de se manter em silêncio, de modo a contribuir com a prestação jurisdicional do Estado no uso e gozo de seu poder de Império.
No que tange a oportunidade do acusado de relatar sua versão dos fatos, ao discorrê-los e respondendo as perguntas feitas pelo juiz, frisa-se, o acusado não está obrigado a dizer a verdade, podendo mentir sem sofrer qualquer sanção, sendo a mentira considerada crime somente nos casos em que ocorrer a autoacusação falsa, conforme dispões o art. 341 do Código Penal Brasileiro. Entretanto, essa liberdade de mentir não é conferida às testemunhas, que uma vez prestado o compromisso de dizer a verdade (testemunhas numerárias), devem fazê-lo, caso contrário, praticam o crime de falso testemunho.
É inevitável deixar de citar a Lei nº 11.719/2008, que alterou significativamente e consolidou o sistema acusatório como modelo processual, pois hoje, o interrogatório somente se realizará após a apresentação escrita da defesa, conforme dispõe o art. 396 do CPP. Sendo assim, o interrogatório é o último ato da audiência de instrução e não mais o primeiro do processo penal, ocorrendo somente depois de feita a acusação com a inquirição do ofendido, das testemunhas tanto de defesa quanto de acusação, esclarecimento dos peritos, acareações e demais diligências.
Conforme o entendimento de Oliveira (2008, p. 326), a mudança é una, determinando a concentração dos atos de prova, acelerando o procedimento, cabendo ao acusado escolher a melhor estratégia de autodefesa. Quanto a esta melhor estratégia, é válido observar que por ser o acusado o último a ser ouvido, o mesmo ao acompanhar todo o processo, realmente pode fazer uso de uma melhor tática de defesa, tendo em vista que presenciou os atos anteriores podendo ser bastante relevante para o seu julgamento.
Dentre essas conclusões, é salutar informar também uma crítica a essa definição, pois assim como para uns o interrogatório consiste em declarações feitas pelo réu, resultante de perguntas feitas pelo magistrado, pela acusação e defesa, em busca do esclarecimento da verdade relativa à infração penal, existem doutrinadores que divergem do posicionamento majoritário. Há exemplo, exposto a seguir:
Partindo de uma concepção analítica e não sintética, apegando-se a aspectos acidentais, como a elaboração de perguntas ao acusado, ou extrair do interrogatório dados para o convencimento do juiz, sustentando que nem mesmo a existência de perguntas é essencial ao ato e que a questão da colheita da prova vai depender da natureza jurídica que lhe der determinado sistema processual (Ramos, 1996, p.255-256).
Verifica-se, então, que os entendimentos doutrinários nem sempre convergem para o mesmo ponto, no entanto, pelos majoritários, leva-nos a crer que o interrogatório é mesmo formado por declarações feitas pelo acusado para que o magistrado possa, historiando o fato, formar seu livre convencimento motivado e entregar a prestação jurisdicional final.
Assim como os entendimentos doutrinários, o Código de Processo Penal dispõe claramente sobre a ocorrência do interrogatório, nos termos abaixo, in verbis:
Art. 185, CPP
O acusado que comparecer perante à autoridade judiciária, no curso do processo penal, será qualificado e interrogado na presença de seu defensor, constituído ou nomeado.
Partindo dessas definições, pode-se claramente perceber que é conferido ao acusado o direito de presença consubstanciado no direito de acompanhar os atos processuais concernentes a si mesmo, assim como também lhe é conferido o direito de audiência, isto é, o direito de ser ouvido pelo magistrado. Quanto aos direitos que são conferidos ao acusado, estes se encontram no próprio art. 5º da CF/88, tidos como direitos e garantias individuais que são inerentes a todo ser humano, direitos básicos que buscam oferecer o mínimo ao cidadão, atendendo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88).
Aproveitando a oportunidade trazida com o dispositivo do art. 185 do Código de Processo Penal, é mister observar que é garantido ao réu o direito a entrevista com o seu defensor constituído ou dativo, momentos antes de iniciar a audiência em que será ouvido pelo juiz, tal direito está garantido tanto nas audiências presenciais como nas de videoconferência conforme segue abaixo, in verbis:
Art. 185, § 5º
Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para a comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.
Tais definições são imprescindíveis, pois havendo a inobservância ou a não realização do interrogatório do acusado, este estando presente no prédio forense, acarreta a nulidade absoluta do ato, porém, pode o réu estar presente e não ser interrogado, isso ocorre somente nos casos do Código Eleitoral e na Lei de Imprensa, em que o réu só será inquirido se desejar.
1.1.2- Natureza Jurídica
Como já salientado, o interrogatório é o ato processual conduzido pelo juiz no qual o acusado é perguntado acerca dos fatos que lhe são importados. É mister observar os aspectos da natureza jurídica do interrogatório, pois o réu pode responder ou fazer uso do direito constitucional de permanecer em silêncio sem que importe confissão ficta, direito este previsto no art. 5º, LXIII da Magna Carta.
Ademais, antes de adentrar no mérito das definições que se referem a natureza jurídica do interrogatório do acusado proveniente de uma série de questionamentos que lhe é feita através de perguntas e respostas, pugna-se pela extrema relevância de citar que o advento da Lei nº 10.792/03, em que alterou o significado deste ato processual, dando uma nova redação ao art. 185 do CPP, haja vista que o acusado será qualificado na presença de seu defensor, sendo imprescindível para o desenvolvimento do presente trabalho na parte que tratará dos direitos do acusado no interrogatório realizado por videoconferência, no entanto, tal comentário será feito no momento oportuno.
É justamente sobre essas perguntas feitas pelo magistrado que se funda o princípio constitucional da ampla defesa, isto é, com base nas perguntas é que o acusado irá fazer uso da sua autodefesa, ou seja, irá discorrer a sua versão dos fatos, caso queira responde-las, pois pode se manter calado fazendo jus ao direito constitucional de ficar em silêncio, não podendo ser interpretado esse ato de forma a prejudicar a defesa, conforme salienta o art. 186 do CPP.
Quanto à natureza jurídica do interrogatório, até hoje existem posicionamentos contrários, sendo considerado para uns como meio de prova e para outros meio de defesa. Na verdade, segundo Fioreze (2009, p. 110), isso é uma questão de política processual, o que cada legislador quis imprimir a esse procedimento, pois o mesmo pode se destinar às duas funções.
Pois bem, o interrogatório é considerado como meio de prova, para alguns, a começar pela sua inserção no título que trata das provas no Código de Processo Penal, sendo revelada a intenção do legislador a tratá-lo como tal. Para esse entendimento, é mister esclarecer que prova é todo meio levado ao processo, seja pelo juiz ou pelas partes, com o intuito de comprovar a veracidade dos fatos alegados, tendo como finalidade precípua fornecer subsídios para a formação da convicção do juiz. Sendo assim, verifica-se que o interrogatório, para o legislador, é um meio de prova por ser considerado um desses subsídios que servem de base para o juiz decidir a causa.
Deste modo, o magistrado pode fazer livremente perguntas ao réu com o escopo de obter o esclarecimento dos fatos e em seguida firmar o seu convencimento com base nas declarações prestadas, sempre tentando buscar a verdade real, isto é, aquilo que realmente aconteceu, para posteriormente consolidar o seu convencimento acerca dos fatos. É justamente nesse momento de perguntas e respostas que se observa a relevância do interrogatório, pois é uma das oportunidades para se obter a confissão do réu, uma vez considerado valor probante indiscutível, tendo em vista a melhor forma de esclarecimento dos fatos, ou seja, dito pelo próprio réu.
Quanto à confissão, urge destacar que tanto no Processo Civil quanto no processo penal a confissão é conhecida como “a rainha das provas”, por ser o melhor meio de se solucionar um caso, pois se refere à autoria do delito. No processo, ocorrendo a confissão perante a autoridade judicial é conferido ao réu a atenuante genérica, prevista no art. 65, III, “d”, do Código Penal Brasileiro.
Comungando do mesmo entendimento Tornaghi (1995), o interrogatório é meio de prova na lei em vigor, mas isso não significaria que o réu não possa se valer da oportunidade para defender-se. Então, por ser uma forma de se obter a convicção do juiz é que alguns doutrinadores entendem o interrogatório como meio de prova, sendo deixada um pouco de lado a função do interrogatório como meio de autodefesa do acusado.
Ademais, por uma questão de lógica, primeiro se produz prova em juízo e só depois de apresenta-la integralmente ao acusado, é que se passa a interroga-lo para que se defenda dos fatos apurados.
Por outro lado, há também quem entenda que o interrogatório do réu tem caráter de defesa, haja vista que o réu participa efetivamente do ato, expondo a sua versão dos fatos, contestando a acusação. O réu ao expor sua versão, está fazendo uso do princípio constitucional da ampla defesa, exercitando sua autodefesa, tendo o direito, caso queira, de permanecer calado sem com que venha ser prejudicado ou incriminado por tal ato.
Dentre outras palavras concernentes ao interrogatório como meio de defesa, poder-se-á destacar que é através do interrogatório que o acusado tem a possibilidade de exteriorizar, bem como materializar o seu direito a autodefesa, podendo influenciar consideravelmente na formação da convicção do juiz, na medida em que vai discorrendo a sua versão dos fatos.
Neste diapasão, é relevante destacar que há dois tipos de se realizar a defesa do réu, uma é a autodefesa, exercida pelo próprio ao expor a sua versão dos fatos, e a outra é a defesa técnica, sendo caracterizada pela capacidade postulatória, através da constituição de um advogado para defender-lhe em juízo, pois o advogado é indispensável à administração da justiça nos moldes do art. 133 da CF/88 e, ambos os tipos (autodefesa e defesa técnica) estão à luz do princípio constitucional da ampla defesa, conforme dispões o art. 5º, LV da CF/88.
Conforme lecionam GRINOVER, FERNANDES e FILHO (2004), o interrogatório é meio de contestação da acusação e instrumento para o acusado expor sua própria versão. Neste caso, pode o juiz aproveitar as declarações prestadas pelo réu para a descoberta da verdade, no entanto, essa não seria a finalidade principal do ato.
Outro entendimento de extrema importância para interrogatório como meio de defesa, de acordo com Filho (1999), é que o interrogatório não pode ser considerado como meio de prova face ao direito ao silêncio, constitucionalmente consagrado, exemplificando que a Lei de Imprensa e o Código Eleitoral o dispensam.
Entretanto, levando em consideração os posicionamentos doutrinários divergente do interrogatório como meio de prova e de defesa. O entendimento do nosso ordenamento jurídico brasileiro, considera a natureza jurídica do interrogatório como de caráter híbrido, isto é, serve tanto como meio de prova como de defesa, pois enquanto o réu exerce a sua autodefesa, narrando a sua versão dos fatos e ainda, indicando as provas que pretende produzir, o juiz poderá livremente buscar elementos para a busca da verdade.
É nesse sentido que surge o entendimento de Mirabete (1997), mesmo quando o acusado se defende no interrogatório, não deixa de apresentar ao julgador elementos que podem ser utilizados na apuração da verdade.
No mais, focando a natureza jurídica mista adotada pelo nosso ordenamento jurídico brasileiro, verifica-se que ao mesmo tempo em que o acusado fornece ao juiz a sua versão dos fatos, podendo argüir em sua defesa o que entender de direito e conveniência, também está fornecendo elementos ao magistrado para que este forme a sua convicção.
Vislumbra-se que na realização do interrogatório os meios de defesa e prova se fundam e convergem para um ponto comum, qual seja: a aproximação mais real do que de fato aconteceu. Isso se caracteriza com a exposição dos fatos segundo o réu e, por conseguinte, o magistrado através de suas perguntas tentarem arrancar o mais real para o seu convencimento não deixando de lado o modelo acusatório utilizado por si.
Sendo assim, por ter esse caráter híbrido, urge considerar que a realização desse ato deve está à luz dos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, ou seja, seu uso por parte do acusado deve estar resguardado todos os pontos que foram acima citados, ressaltando a observância da autodefesa e a defesa técnica como direitos de suma importância para a caracterização da hibridez.
1.1.3- Características
O interrogatório tem algumas características próprias que devem ser respeitadas, para que o ato processual não esteja eivado de vícios quanto ao seu procedimento.
Deve o acusado ter certa segurança para a realização do referido ato processual, havendo essa segurança, pressupõe-se que o réu pode sentir-se mais seguro e, em virtude disso, esclarecer com mais exatidão os fatos que lhe são imputados, dando ao magistrado, a possibilidade de verificar a sua autoria ou não no delito em foco.
Neste sentido, o interrogatório traz consigo as seguintes características, quais sejam: pessoalidade, judicialidade, oralidade e publicidade, vejam a seguir cada uma delas.
- Pessoalidade: o interrogatório do acusado é personalíssimo, ou seja, sua presença não pode ser substituída por ninguém nem mesmo havendo procuração com poderes especiais para tanto.
Quanto à pessoalidade, verifica-se que somente o réu pode expor e explicar os fatos imputados a si mesmo, não prejudicando a oitiva das testemunhas em outro momento. É nessa hora, que o réu deve revelar ao juiz o que de fato aconteceu, podendo até mesmo fazer uso de mentira caso lhe seja conveniente, mesmo porque o uso da mentira pode cair por terra na dilação probatória a ser utilizada pela acusação através de outros meios de prova como a documental, testemunhal, etc.
No mais, a pessoalidade pode ser claramente observada no momento em que o réu deve comparecer pessoalmente para a realização da audiência conforme o disposto no art. 185 do CPP, já citado anteriormente. Portanto, somente o réu pode ser interrogado, não admitido no processo penal a substituição nem a sucessão para a realização do ato, nem mesmo por seu defensor.
- Judicialidade: De acordo com essa característica somente o Juiz pode interrogar, inquirir, perguntar ao réu sobre a ocorrência dos fatos que lhe estão sendo imputados como tipo penal. Ao juiz, ora condutor do processo, pois o preside, é conferido a titularidade de ter a iniciativa de realizar o interrogatório com o acusado.
É importante denotar que nem o Promotor de Justiça nem o escrivão poderão interrogar o acusado, muito embora na prática, estes até fazem algumas perguntas num momento posterior ao interrogatório.
Essa característica existe porque o interrogatório consiste num momento de contato direto com o magistrado da causa, contato este que permite a indagação deste com aquele, evidenciando-se a cada pergunta e resposta, a clareza dos fatos.
Com o advento da Lei nº 10.792/03, essa característica reforçou o caráter contraditório do interrogatório, tendo em vista que houve a flexibilização das partes também se manifestarem acerca dos fatos que não restaram esclarecidos após a inquirição do réu pelo juiz. Tal dispositivo do Código de Processo Penal segue abaixo:
Art. 188, CPP
Após proceder ao interrogatório, o juiz indagará das partes se restou algum fato para ser esclarecido, formulando as perguntas correspondentes se o entender pertinente e relevante.
- Oralidade: Essa característica decorre da pessoalidade, pois se o interrogatório deve ser pessoal, deve mais ainda ser oral. Segundo Fiorere (2010, p.112), o principal meio de comunicação ainda é a fala, pois a voz se traduz numa manifestação inequívoca do pensamento. Com esse posicionamento, verifica-se que na hora da audiência do interrogatório do réu, o juiz formula as perguntas e o acusado as responde, sendo todas as respostas ditadas ao escrivão, que as consignará no respectivo termo de audiência ou ata.
Findo essas consignações na ata ou termo de audiência, será lido e rubricadopelo escrivão as folhas e assinada pelo juiz, promotor de justiça, defensor e acusado.
- Publicidade: O interrogatório do acusado é ato público, audiência pública assim como os demais atos processuais. No que se refere a essa característica do interrogatório, é válido citar o dispositivo constitucional que versa sobre a garantia do processo público, nos termos abaixo:
Art. 93 da CF,
...
IX- todos os julgamentos do órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e seus advogados, ou somente a estes, em caso nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público a informação.
Ademais, ainda se referindo a essa publicidade dos atos, segue o Código de Processo Penal, tratando da mesma temática, in verbis:
Art. 792, CPP
As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realização nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados.
No mais, ainda encontrando amparo legal para a sua justificativa, segue o disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, in verbis:
Art. XI
1-Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.
Diante desses esclarecimentos, percebe-se que o interrogatório, enquanto ato processual será sempre público, exceto quando as circunstâncias determinarem que se faça a portas fechadas como nos casos que correm em segredo de justiça.
O acusado, portanto, ao ser interrogado, deve ter a segurança de que não se praticará a extorsão das confissões. Nesse sentido, quando o interrogatório ocorrer através do sistema de videoconferência, sendo o interrogatório feito no sistema prisional, devido o réu estar preso, deve-se ser assegurado da mesma forma a publicidade do referido ato, salvo na exceção prevista no art. 792, § 1º do CPP, seguindo abaixo:
Art. 792, CPP
§ 1º - Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes.
Tal dispositivo legal demonstra a necessidade de se realizar o referido ato processual de portas fechadas, isto é, em segredo de justiça tendo por escopo coibir certos inconvenientes que possam acarretar prejuízo à prestação jurisdicional bem como ao próprio acusado.
1.1.4- O interrogatório como meio de acesso à Justiça
O acesso à justiça é um dos princípios mais importantes consagrados na Constituição Federal de 1988, em seu art. 5 º, XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Tal princípio é tido como um direito fundamental inerente ao ser humano que se ver potencialmente lesado ou na sua iminência. É nesse compasso que o referido dispositivo constitucional visa garantir ao jurisdicionado o seu ingresso em juízo com o escopo de obter a prestação jurisdicional.
O ingresso à justiça se concretiza a partir do momento em que todo e qualquer cidadão se sentir lesado ou ameaçado de lesão a direito próprio por condutas praticadas por outras pessoas ou pelo próprio Estado, de forma indistinta, pode demandar em juízo, desde que respeitadas e obedecidas as regras processuais para o exercício do direito.
Nesse seguimento, cumpre frisar que o legislador não pode criar obstáculos que impeçam o acesso ao Judiciário. Entretanto, pode estabelecer condições para o exercício deste direito.
Direcionando a matéria para o processo penal de fato, verifica-se que é um direito do acusado ter um processo justo à luz do princípio constitucional do devido processo legal, devendo a sua defesa ser exercida nos moldes constitucionais, devendo ainda, ser afastado qualquer tipo de irregularidade que possa prejudicar o bom andamento do processo bem como a defesa do acusado.
Pois bem, o acesso à justiça não se limita à propositura da demanda, pelo exercício do direito de ação. Todavia, se expande e reflete em todo o sistema processual (Fioreze apud Neto, 2010, p. 114). Neste diapasão, a garantia desse acesso ao Judiciário abarca, também, o direito de defesa, compreendendo a autodefesa e a defesa técnica, sendo formas de se influir na atividade jurisdicional contra ela desencadeada.
Feitas essas indagações, vale frisar que o interrogatório através da autodefesa exercida pelo acusado, sendo uma forma de se exercer a plena defesa, é o momento em que ele tem o seu acesso à Justiça, pois nessa fase tem uma participação direta com o magistrado podendo, como dito anteriormente, influir no convencimento do magistrado acerca dos fatos que lhe são imputados. Nas palavras de Souza:
Quando se pensa em acesso à Justiça, muitas vezes, tem-se uma visão estreita do tema, limitando-se apenas, ao seu aspecto formal, qual seja, o de ter a possibilidade de ingressar em juízo para defender um direito de que se é titular. Esse aspecto, de inegável importância – pois sem ingressar com a ação é impossível obter a realização do direito ameaçado ou violado – corresponde ao conceito de acesso à Justiça em sentido formal, mas não abarca o seu sentido material, qual seja, o acesso a um processo e uma decisão justos. (Fiorese apud Neto, 2010, p. 243).
Ao se tratar de acesso à Justiça, a brilhante mestra Fioreze (2010) verifica que o acusado tem direito ao processo mais do que a vítima ou o próprio Estado, pois é somente através de um processo justo que se pode dizer o direito ao caso concreto. Em verdade, observa-se que a partir do momento em que o direito do acusado é violado, não há como prestar efetivamente a tutela jurisdicional, pois se estará ferindo um direito constitucionalmente protegido, qual seja; o devido processo legal.
É necessário para que o acusado tenha o acesso ao Judiciário o respeito que a própria Carta Magna estatui no dispositivo dos direitos e garantias fundamentais individuais, senão vejamos tal entendimento:
Garantir acesso à Justiça significa, primordialmente, no Processo Penal, possibilitar ao acusado ou indiciado todos os meios de exercer as garantias fundamentais que a Constituição lhe confere, tornando efetiva a sua defesa perante os órgãos estatais.(Fioreze apud Bonato, 2010, p. 243).
Para os doutrinadores da seara processual penal, há uma grade preocupação com a efetivação das garantias fundamentais, pois não basta apenas o acesso à Justiça, a tutela jurisdicional deve ser prestada de forma efetiva devendo os direitos do acusado serem totalmente respeitados, até porque o processo não é um fim em si mesmo, mas é um meio escolhido pelo Estado para satisfazer àqueles que objetivam a satisfação de suas exigências relativas a direitos postergados ou feridos, sobre sua plena efetividade, vejamos:
O interrogatório é apresentado como instrumento de acesso à Justiça, pois é efetivamente nesse ato que se pode estabelecer o indispensável diálogo entre o acusado, protagonista maior do direito de defesa, e o julgador, cuja imparcialidade só pode resultar do conhecimento de todas as versões para os fatos submetidos a julgamento. (Fioreze apud Filho, 2010, p. 246).
De uma forma um pouco sintética, poder-se-á citar de forma concisa e que será esclarecida mais adiante, que o interrogatório online, tem uma considerada importância quanto ao seu procedimento, possibilitando do mesmo jeito o acesso à Justiça por parte do réu mesmo estando enclausurado no sistema penitenciário, podendo ser citado desde logo, que o procedimento deste ato na forma online, facilita ao acusado de ser ouvido em outros processos que correm em outras localidades, deixando de lado um pouco o uso das cartas precatórias, porém, tal ponto será comentado no momento oportuno.
Portanto, para que se tenha uma prestação jurisdicional efetiva, faz-se necessário que seja garantido ao réu um acesso à justiça longe de vícios que possam prejudicar o trâmite processual, pautado à luz do princípio constitucional do devido processo legal ou penal e suas tangentes, com a finalidade de garantir um julgamento justo.
1.1.5- Local do interrogatório
Como regra, o interrogatório, assim como todos os atos processuais, deve ser realizado na sede do juízo, consoante o artigo 792, do Código de Processo Penal. Vejamos:
As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão na sede dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. (Grifamos).
Estando o réu em liberdade o interrogatório deve ocorrer na sede do juízo. No entanto, com o advento da Lei nº 11.900/09, algumas exceções foram trazidas, dando uma nova redação ao art. 185 do CPP, possibilitando que o réu preso seja interrogado por videoconferência, ou seja, lei infraconstitucional estabelecendo uma nova forma de se realizar o referido ato processual, agora através da transmissibilidade de áudio e imagem em tempo real.
Por ordem, com a Lei nº 10.792/03, foi introduzido o § 1º do art. 185 do CPP, que trata de uma excepcionalidade da regra geral, vez que esta se dá pela realização do interrogatório na sede do Juízo. O referido parágrafo versa sobre o réu que encontrar-se preso e, sendo assim, será interrogado no estabelecimento carcerário em que se encontrar, em sala própria, desde que sejam garantidas aos magistrados e auxiliares da justiça a máxima segurança possível, claro que, tudo à luz do princípio constitucional do devido processo legal, devendo estar presente no ato o seu defensor, nos seguintes dizeres:
Art. 185, § 1º do CPP
O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do Juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.
Poder-se-á, prematuramente, destacar que em nada será afetada a publicidade do interrogatório que se realizar no estabelecimento prisional, sendo garantido ao processo o acesso comum ao mesmo, salvo naqueles casos que correm em segredo de justiça.
No mais, o legislador verificou que esse deslocamento dos membros do Poder Judiciário atrapalharia a boa e razoável prestação jurisdicional, haja vista o desgaste temporal até o estabelecimento prisional. Foi nesse momento que a Lei nº 11.900/09 acrescentou o § 2º deste diploma legal em que previu a possibilidade do juiz, por decisão fundamentada, realizar o interrogatório do acusado preso através do sistema de videoconferência facilitando a concretização do ato por intermédio da tecnologia avançada com o uso de computador e internet, transmitindo a imagem e áudio em tempo real, no entanto, sendo possível somente nas hipóteses do referido parágrafo que serão comentadas mais adiante.
Capítulo II- A JUSTIÇA E A INFORMÁTICA
2.1 – A Justiça informatizada
Desde os primórdios da humanidade o homem se comunica, começou então a surgir diversas formas de se estabelecer a comunicação interpessoal. Sendo assim, as primeiras representações gráficas surgiram de forma pictórica, ou seja, tratava-se de uma tentativa de copiar a imagem real registrando-a como é vista, gráficos e desenhos começaram a construir entre os homens uma maneira de se expressar, evoluindo a ponto de surgir os famosos hieróglifos.
O homem foi evoluindo até que conseguiu dar origem a linguagem escrita, passando a desenvolver meios que possibilitaram maior alcance e maior agilidade na transmissão das suas mensagens. A comunicação à distância só pôde ter sido verdadeiramente concretizada com o aparecimento da escrita. No entanto, não se faz necessário ser abordado neste contexto, vez que o importante é compreender o surgimento da informática no bojo da Justiça brasileira.
Como é sabido, antes do advento do uso do computador, o Poder Judiciário, nos anos 40, manifestava-se de forma manuscrita, isto é, o magistrado prestava a tutela jurisdicional de próprio punho, dizendo o direito ao jurisdicionado arcaicamente.
É natural que a inovação tecnológica causou medo nas pessoas de um modo geral, não sendo diferente no meio jurídico. Quando as máquinas de escrever surgiram, passaram a ser vistas com algumas desconfianças por parte dos profissionais do Direito, os quais faziam alerta com relação a redação das sentenças datilografadas em máquinas deste tipo, pois em suas mentes passavam desconfiança quanto a autoria das sentenças, o mesmo ocorreu com os computadores.
Neste sentido, faz-se necessário atentarmos para a lição do professor Jorge Americano, citado por Antônio Luiz da Câmara Leal, que fazendo referência ao livro da ilustre Fioreze (2010, p.73/74), consistente na possibilidade de ser a sentença datilografada, leciona que, in verbis:
A sentença deve ser escrita do próprio punho, datada e assinada por seu prolator. São considerados essenciais estes requisitos, porque servem para fiscalizar a autenticidade da sentença e, ao mesmo tempo, asseguram o sigilo que sobre ela se deve manter até a respectiva publicação. É essencial, para a dignidade da magistratura, que o Juiz mantenha o sigilo quanto à sua opinião sobre a demanda, até o momento de lavrar a sentença. Qualquer conversação sobre ela travada conduziria a discussão com as partes, com grave prejuízo da austeridade a até da honra do magistrado [...] Ora, permitir que a sentença seja datilografada é tolerar o seu conhecimento pelo datilógrafo, antes de publicada. É certo que a sentença, enquanto em estado de rascunho, pode ser modificada, e só adquire força depois de publicada. Basta uma hesitação da parte do juiz, em presença do datilógrafo, um erro que corrija, uma modificação que introduza, para criar no espírito desse auxiliar uma suspeita sobre a integralidade do juiz ou, quando tal não se dê, trazer a público incidentes curiosos ou anedóticos quanto à maneira de lavrar a sentença. [...] Eis porque parece mais sábio manter a tradição, segundo o qual o juiz lavra, data e assina a sentença de próprio punho.
Diante desse brilhante ensinamento quanto à redação das sentenças, segue (Fioreze apud Pinto, 2009, p. 74):
Quem sabe se ao final deste século, a resistência quanto à implantação de modelos modernos, capazes de agilizar a justiça (como a experiência do interrogatório à distância), não servirá, apenas, como um capítulo pitoresco de nossa história, se ombreando à recomendação acima transcrita (que reclama do juiz que lavre de próprio punho a sentença), ambas componho um museu de curiosidades.
Como dito acima, já se pensava em experimentar um meio de tornar o interrogatório mais célere, eficaz, capaz de trazer pontos positivos para a prestação da tutela jurisdicional.
Neste sentido, para que isso ocorresse, necessitava-se de meios mais avançados, até que a inovação ascende com a criação dos computadores, com utilizações de softwares, os microcomputadores passaram a ser adquiridos pelos profissionais do Direito, tendo como escopo substituir a máquina de escrever, principal ferramenta do advogado, contribuindo para o crescimento da economia em decorrência das vendas.
Com o aparecimento do computador, inúmeras vantagens surgiram, como por exemplo, os advogados começaram a ter uma ferramenta para confeccionar suas peças processuais com fontes e formas diversas, graças aos editores de texto lançados no mercado, concebidos para o ambiente Windows. Todas essas vantagens começaram a se ter com os computadores, impossíveis de serem concretizadas com o uso das máquinas de datilografar. A diferença entre a fase da máquina de escrever e a atual, com o micro, é a mesma entre andar no lombo de um burro e voar num jato. Um abismo irresistível (Fioreze apud Jesus, 2010, p. 74).
É impossível negar que a informática só veio para contribuir com a sociedade, estabelecendo entre as pessoas formais mais rápidas de se comunicar à distância, propiciando as pessoas um contato rápido e eficaz independentemente do local onde estejam, através de e-mail, conhecidos como correio eletrônico, chats, e assim por diante.
2.1.1- O uso da informática na Justiça brasileira
Face às mudanças decorrentes do avanço tecnológico com o uso dos computadores, inseriu-se no Poder Judiciário a informatização da informação, não podendo-nos furtar de esclarecer que a tecnologia foi eleita o mais importante instrumento de modernização do Judiciário.
Com a utilização da informática, os procedimentos jurisdicionais tornaram-se mais transparentes, ao passo que seus trâmites ficaram mais céleres buscando proporcionar ao jurisdicionado uma celeridade processual, tornando o processo mais dinâmico.
O processo virtual e a internet, ainda precisam galgar alguns degraus a fim de que melhorem cada vez mais sua potencialidade, mas há de se deixar bem claro, que já fazem parte dos nossos tribunais, sequer sendo cogitada a possibilidade de se perder esse aparato tecnológico.
Diante dos esclarecimentos da real necessidade do uso da informática no âmbito do Poder Judiciário, poder-se-á sucintamente tratar de algumas das diversas formas de utilização da informática nos prédios forenses:
O processo eletrônico, foi um modo de se agilizar o serviço judiciário, regulado pela Lei nº 11.419/2006, trata-se da informatização do processo judicial, isto é, hoje o processo é virtual e hiperdinâmico, podendo ser acessado de qualquer lugar, ao mesmo tempo por vários interessados, via internet. Como de praxe, o processo antes da forma eletrônica, era feito de forma física, ou seja, era autuado em papel, contendo páginas numeradas, seguindo apensados os documentos que o compunham, numa seqüência de atos concatenados. Hoje, o andamento processual é feito eletronicamente, por meio de certificação digital e senhas, facilitando o trâmite processual.
Com a internet, surgiram as conhecidas páginas eletrônicas, estas sendo disponibilizadas pelo Poder Judiciário facilitando o acesso por parte da sociedade. No mesmo segmento, houve a implantação dos terminais de auto-atendimento de consulta processual, proporcionando ao jurisdicionado meios mais ágeis para fazem suas consultas processuais, podendo os interessados imprimirem a situação atual dos seus respectivos processos.
O sistema push, por sua vez, possibilitou a prestação de um serviço auxiliar de acompanhamento processual, provido pelo Poder Judiciário, estando disponibilizado ao usuário mediante prévio cadastramento. Através deste sistema, o interessado na causa recebe automaticamente, via correio eletrônico, a movimentação processual, além do que é enviado aos interessados informativos de jurisprudência e notícias do tribunal.
O Superior Tribunal de Justiça, com o uso da internet, desenvolveu em sua página virtual, o clipping de legislação, divulgando o texto integral dos principais atos oficiais que são publicados nos Diários de Justiça e Oficial da União, reduzindo o lapso temporal entre sua publicação e circulação por todo o país.
O malote digital é o envio de documentos administrativos pelo correio eletrônico, visando reduzir a circulação de papéis, tornando o processo de forma gradativa à digitalização, pois verificamos que os autos nada mais é que um acúmulo imensurável de papel. A partir do momento que as peças processuais e decisões passarem a serem integralmente digitalizados haverá uma diminuição, considerável, de árvores derivadas, arrefecendo o desmatamento, sem contar que este serviço proporciona uma economia de tempo e recursos humanos, fazendo com que o trâmite processual seja mais célere.
Por diante, tem-se a certificação digital que nada mais é que uma modalidade de assinatura eletrônica, resultante de uma operação matemática com o uso de algoritmos de criptografia assimétrica tendo como finalidade precípua garantir com segurança, a origem, integridade, autenticidade e o sigilo de documentos eletrônicos e documentos envolvidos em transações eletrônicas, todas via internet. Trata-se dentre outras palavras, de uma versão digital da assinatura realizada a punho.
No Judiciário, o sistema de assinatura digital possibilita o acesso a cada desembargador. Os magistrados, por sua vez, se conectam à rede, acompanham as pautas, tendo cada processo, acesso aos documentos eletrônicos. Essa ferramenta eletrônica colabora para a elaboração das sentenças, despachos, decisões monocráticas, bem como nas sessões de julgamento.
O Poder Judiciário desenvolveu um Projeto de Integralização Informatizada, denominada Infojus, sendo administrado pelo Supremo Tribunal Federal, tendo como finalidade contribuir para o crescimento do Judiciário, dando-lhe infraestrutura comum de rede de comunicação de dados, com suporte a voz, dados e videoconferência, visando arrefecer os custos. Tal ferramenta virtual é de suma importância, vez que oferece serviços de pesquisa de doutrina, jurisprudência, novidades legislativas, além de notícias, dentre outras.
A TV e a Rádio Justiça, ambas implantadas pela Resolução 232/02 do STF, têm funções essenciais para a divulgação de atos do Judiciário. Hoje, o Judiciário busca cada vez mais aproximar a Justiça ao cidadão, facilitar o acesso deste à Justiça, contribuindo para a democratização deste país. Para se ter uma ideia, a rádio foi muito importante, mormente para aqueles que não têm como ter acesso à internet, por serem mais humildes.
Diante da globalização, o Supremo Tribunal Federal, criou a revista eletrônica, disponibilizando o inteiro teor dos acórdãos e suas elaborações, concedendo economia e celeridade no acesso às informações.
No limiar do avanço tecnológico, o Judiciário decide implantar a penhora online através do Bacen-Jud, caracterizada pela parceria entre o Banco Central e o Poder Judiciário, ocasionando o boom do sistema das penhoras no Brasil. Não sendo mais necessário o magistrado enviar ofícios ao Bacen, mobilizar oficiais de justiça para localizar, avaliar e bloquear valores existentes em contas correntes dos executados em processos judiciais. Com a penhora online, o magistrado cadastrado faz o seu login no site do Bacen e solicita a penhora do executado, localizando imediatamente o banco em que o mesmo possui conta bancária, sendo um processo mais célere e eficaz de forma a garantir o crédito exeqüendo.
Por vez, o Leilão Eletrônico proporciona a diminuição do tempo de venda dos bens penhorados, haja vista que o procedimento que se refere aos lances dos bens é feito de forma online ou viva voz no local do leilão, visando obter uma maior publicidade em virtude da descrição do bem na página do tribunal e a veiculação de sua foto. Essa modalidade de leilão reduz custos e pessoal envolvido na sua realização, tendo uma celeridade inconteste.
Acelerando mais ainda os trâmites processuais, surgiu a precatória eletrônica, com o escopo de encaminhar às Varas Federais, através do meio digital, todos os dados prescindíveis para o correto processamento de valores, órgãos devedores e nome dos beneficiários. Com o intuito de oferecer segurança nessa requisição de precatórios, não há interferência humana, transitando, tão somente, pela rede informatizada.
Não mais suportado o meio físico dos processos, o Judiciário vem inovando a forma de se realizar atos processuais, de toda a sorte, o peticionamento eletrônico é um dos mais recentes e significativos serviços disponibilizados. De uma forma geral, trata-se de uma forma de encaminhar petições pela internet sem ter aquela velha necessidade, de praxe, de se protocolar no prédio forense. Como se sabe, a Lei nº 9.800/99 permitiu a utilização de transmissão de dados e imagens pelo conhecido fac-simile ou outro similar, para a prática de atos processuais que precisem de petição escrita, não sendo o peticionamento eletrônico, portanto, uma forma totalmente radical e diferente do fac-simile.
Diante disso, constata-se que a virtualização do Poder Judiciário já está muito presente em seu bojo, contribuindo para a celeridade processual, qualidade e eficiência da prestação jurisdicional, facilitando a vida dos profissionais do direito bem como a sociedade. Essas características estão presentes em todos os Órgãos do Judiciário, dos Juizados Especiais aos Tribunais Superiores, constituindo uma maneira vantajosa de se dizer o Direito aos jurisdicionados.
Não restam dúvidas quanto à melhoria que a informatização propiciou à Justiça, tornando-a mais eficaz, no entanto, urge salientar que mesmo assim ainda encontramos dificuldades no fecho das relações processuais, sendo que isso se deve a grande demanda de ações que diariamente tramitam, fora as infinitas protocoladas. Neste sentido, alguns juristas pugnam pela informatização completa do Judiciário, vejamos:
Precisamos investir na informatização das rotinas. A utilização da internet, como ferramenta de efetividade processual é absolutamente indispensável e deve fazer parte do nosso dia-a-dia. É imprescindível que se mantenha o pensamento contínuo da qualidade da prestação jurisdicional no cotidiano, saber que o direito do cidadão não é apenas a prestação jurisdicional, mas a manutenção de sua qualidade e eficiência. Necessitamos, urgentemente, de alterações legislativas para incorporar novas tecnologias. A Ajufe, Associação dos Juízes Federais, pioneiramente, enviou um projeto ao Congresso Nacional, objetivando incorporar ao sistema processual brasileiro práticas novas de informática e incorporação definitiva da internet ao processo judicial. (SHAFER, 2002, p.32-36).
Claro está à manifestação pela revolução tecnológica na Justiça brasileira, com a possibilidade de ter o condão de agilizar consideravelmente os procedimentos judiciais, arrefecendo a demora na prestação da tutela jurisdicional pondo fim as lides.
A publicação de atos em meio eletrônico, atualmente, está consagrada. Pois bem, essa opção de publicação de atos representa significativa economia de recursos públicos, racionalização de procedimentos e maior eficiência na execução dos serviços judiciários, resultando maior rapidez e efetividade no atendimento das partes no cartório dos prédios forenses.
Como não citar, a possibilidade de citações, via editais, publicações de sentenças ou acórdãos, dentre outros meios de tornar públicos o que acontece dentro das salas de audiência, salvo as exceções das ações que correm em segredo de justiça.
Por demais, os programas utilizados pelo Judiciário como forma de controle das tramitações internas e externas, colaborando com a disponibilidade do conhecimento acerca de um referido processo sem ter que se dirigir até o prédio forense para saber de alguma decisão, sentença, dentre outros atos jurídicos.
2.1.2 – As mudanças decorrentes do avanço tecnológico
É notório que a informática tem prestado relevantes serviços à Justiça, principalmente a Justiça Criminal, uma vez que o réu estando recolhido no sistema penitenciário pode de lá mesmo ser interrogado pelo magistrado, com o fito de buscar celeridade no trâmite processual, desburocratizando-o uma vez que o torna mais prático. Ademais, é conveniente para o Poder Judiciário, mais ainda, para o Estado, pois com a videoconferência feita nos interrogatórios dos réus que estão presos, há uma considerável economia para os cofres públicos, aumentando a segurança do réu preso, como dos policiais encarregados em transportá-los, além do principal, qual seja: a segurança da sociedade.
No que concerne a informática, obsta informar que o progresso tecnológico trouxe consigo a praticidade e o comodismo, tendo em vista a distância entre réu, que encontra-se dentro do estabelecimento prisional e o magistrado, este estando no prédio forense, havendo entre ambos uma comunicação não física, mas sim virtual. Nestes termos, poder-se-á observar que justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta (FRANCISCO apud BARBOSA, 2010). No mesmo andar, Capez (2009, p. 31), afirma que a informatização do Judiciário, em sua plenitude, não é uma questão de utilidade, e sim de necessidade. Por esta via, há de se constatar que a videoconferência é de suma importância para a Justiça, no entanto, deve ser observadas todas as garantias do acusado.
Segundo Gomes (2009, p. 30) a vida moderna seria impraticável sem a informatização. Esta declaração ratifica a imprescindibilidade da tecnologia na figura da informática, como um meio de propiciar benefícios para o Poder Judiciário a fim de conceder o seu provimento jurisdicional.
Neste viés, quanto as mudanças decorrentes desse avanço tecnológico, logra-se que tornar o processo rápido e eficaz são características inerentes a esse novo procedimento. Para Bonfim (2010, p. 380), o moderno processo penal deve ser efetivo. A busca pela célere e efetiva prestação jurisdicional encontra-se consubstanciada na Lei Maior. Percebe-se que o doutrinador refere-se a razoável duração do processo, presente no nosso diploma legal, no inciso LXXVIII, no dispositivo que trata dos direitos e garantias individuais.
Ainda sobre a informática, com a implantação do processo eletrônico, se percebeu a crescente adoção de sistemas eletrônicos principalmente para a prestação de serviços mais céleres aos jurisdicionados, colocando em destaque a assinatura digital, processos digitais como já possuem no âmbito de juizados especiais conforme explanado anteriormente.
No mais, ocorreram outras mudanças decorrentes da informática, tais como a implantação do SAP XXI (Sistema de acompanhamento processual), substituído pelo atual LIBRA. Os referidos softwares servem para que os processos sejam cadastrados, alimentados a cada ato processual realizado para posteriormente serem publicados no site do Tribunal de Justiça.
2.1.3 – A videoconferência na realização do interrogatório online
A videoconferência na realização de interrogatórios, objeto de estudo do presente trabalho, facilita a audiência de qualificação e interrogatório feito à distância, ou como se diz no jargão jurídico “remotamente”, estando em um lugar, o juiz da causa e do outro, o acusado.
A praticidade e o comodismo trazidos pelo progresso tecnológico fizeram da informática elemento imprescindível às atividades humanas. Dentre as interferências da informática e de outros avanços tecnológicos no universo jurídico, encontra-se o interrogatório online, tratando-se de um interrogatório à distância, em que o juiz, através de equipamento de videoconferência profissional, formulará questões ao réu, na própria carceragem onde se encontra.
Na prática, o juiz fica no fórum, o réu na prisão, ambos se comunicando ciberneticamente, numa troca de palavras igual como ocorre tradicionalmente, com a diferença que é através do uso do computador.
Em alguns Estados, a videoconferência foi utilizada como instrumento de ajuda na instrução criminal, todavia, tais atos foram muito questionados, atos estes que serão comentados mais adiante.
A videoconferência é uma inovação tecnológica que está sendo inserida no mundo judicial, sendo realizada nos estabelecimentos carcerários. É um meio de realizar o interrogatório sem que haja a locomoção do preso, o que traz muitas mudanças no Judiciário e, principalmente na redução dos gastos patrocinados pelo Erário, com carros, policiais, gasolina, etc.
Essa inovação encontra-se presente no § 2º do art. 185 do Código de Processo Penal, além da criação do art. 222-A do mesmo Código. Um tipo de interrogatório a ser realizado através do uso da tecnologia avançada, pois ocorre através do computador, estando de um lado, no prédio forense, o magistrado, e de outro lado, no cárcere, o acusado, não havendo, portanto, um contato físico entre ambos.
É notório que a tecnologia através da informática, tem contribuído intensamente com o Poder Judiciário, fato já citado, pois além de poder tramitar e acompanhar os processos, hoje, pode-se realizar audiências de interrogatório sem que o réu esteja no fórum juntamente com o julgador da causa.
Deste modo, já se sabendo do que se trata o interrogatório online, poder-se-á vislumbrar que esse meio visa agilizar o processo, desburocratizando-o visto que é dispensável o traslado do réu até o fórum, conseqüentemente, trazendo uma considerável economia ao Erário por não conduzi-lo até o local, mobilizando certo contingente de policiais e agentes prisionais, bem como carros, etc.
Com a utilização da videoconferência, o Judiciário vem instalando equipamentos de digitalização de imagens para a realização de audiências virtuais, isto é, através da transmissibilidade de vídeo e áudio em tempo real, conectando virtualmente o Fórum onde estão presentes, as Varas Criminais e o presídio onde fica os detentos a espera dos seus julgamentos.
Registre-se que para a validade dos atos processuais informatizados, precisam-se tomar vários cuidados sob pena de nulidade absoluta do ato, dentre esses cuidados, destacam-se: a presença de um funcionário da Justiça no local onde se encontra o acusado ou a testemunha; o ato realizado a distância pode ser realizado sem a presença de advogado ao lado do acusado, na sala onde ele se encontra. Sendo indispensável a presença do representante do Ministério Público junto do magistrado.
Como uma das principais vantagens da videoconferência, é a garantia de uma maior segurança no acompanhamento da pena, de modo que presos com alto grau de periculosidade possam ser interrogados de forma rápida, primando pela máxima segurança dos profissionais do Direito, bem como a sociedade como um todo, vez que por não haver necessidade de saírem do interior do estabelecimento carcerário, evita com que haja fugas e resgates, além do que, as testemunhas que sofrem ameaças dos transgressores, não necessitam ir até o local onde se encontra o réu, podendo prestar seus depoimentos num local distinto, evitando a aproximação com os acusados.
Essa celeridade processual, proporciona obviamente, uma agilização dos processos penais que já venceram, ou seja, presos que estão esperando a liberdade por já terem cumprido suas respectivas penas. Sobre isso, Fioreze (2010, p. 97) leciona e cita o famoso ditado popular: “A justiça tarda mais não falha”, mudando-a para: “A justiça é rápida e não falha”.
Diante dos ditados acima descritos, constata-se que essa tecnologia está minorando a demora do julgamento dos processos, arrefecendo a superlotação, liberando aqueles que já têm seus direitos adquiridos, que no caso, são aqueles presos que estão aguardando a liberdade por cumprimento de pena.
Feito as ponderações necessárias concernentes à videoconferência, verifica-se que alguns como o jurista e membro do Comitê de Usuários de Telecomunicações da Anatel, Dr. Botelho, se manifesta à resistência das entidades jurídicas ao interrogatório virtual, nos seguintes verbetes, in verbis:
Querem, seja vetado o us do recurso tecnológico do vídeo ponto a ponto nos serviços da Justiça Criminal. Não querem ver o interrogado pelo juiz a distância, com o tráfego de imagem, som e texto, de amos, em tempo real, por sistemas de telecomunicações. Querem-no ao réu, disponível nos corredores, nos camburões, nos transportes físicos, no Tetê a Tetê que a Lei Processual programou através de sua edição da metade do século passado. Desejam que o recurso comunicativo para o “encontro” entre juiz e acusado continue a ser o mesmo do tempo em que a TV surgia para o mundo, por embrionária associação cm o cinema. Abandonam, na luta contra a inovação gloriosa, heróica, do juiz paulista, o arsenal técnico legal que permite, por outros meios adicionais, a conferência na segurança na prática do interrogatório, ato, aliás, que constitui um dentre os restantes da instrução do processo judicial criminal (Fioreze apud Botelho, 2010, p. 97, in fine).
O interrogatório online, nada mais é que uma inovação oriunda da Lei nº 11.900/2009, mais conhecida como a Lei da Videoconferência, que versa sobre a realização do interrogatório através da transmissibilidade de áudio e imagem, em tempo real, através uso da informática proporcionado pelos avanços tecnológicos que o mundo vivencia. O nobre e renomado jurista Luis Flávio Gomes apresenta sua manifestação acerca do advento da Lei de Videoconferência, in verbis
Nem eficientismo nem garantismo vesgo. O sonho do moderno processualista consiste em alcançar um modelo de processo penal eficiente com garantias. O fundamental não é o método, e sim a forma, porque esta é a garantia no processo penal. E todas as formas foram garantidas pela Lei recém editada. (Gomes, 2009, p. 30).
Gomes, ainda, (2009, p. 30), entende o sistema de videoconferência como uma nova forma de contato direto (pessoal), não necessariamente no mesmo local. Sendo assim, constata-se que não rompe o entendimento de pessoalidade, sendo feito de forma virtual, haja vista que o contato está sendo de forma direta, além do que a comunicação é ao vivo.
Sob esse prisma de inovação de contato direto, além de não haver diminuição da possibilidade de se verificarem as características relativas à personalidade do acusado, em muita jurisprudência admite a carta precatória ou rogatória, que nada mais é que a dispensa da obrigatoriedade do contato físico direto entre o acusado e o Juiz da causa (GOMES apud GRACIE, 2009, p. 30).
A Lei nº 11.900/09 inovou o procedimento da carta precatória, por conta da possibilidade de realização de oitiva de testemunha residente em outra comarca pelo sistema de videoconferência, senão vejamos:
Art. 222, §3º do CPP
Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença do defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
O presente dispositivo autoriza a oitiva de uma testemunha que reside em um local muito distante do foro processante por meio de videoconferência. Tal previsão infraconstitucional está diretamente ligada com a celeridade da prestação jurisdicional, bem como a rápida duração do processo em conformidade com a Carta Magna no art. 5º, LXXVIII.
CAPÍTULO III - O INTERROGATÓRIO ONLINE POR VIDEOCONFERÊNCIA
3.1- O interrogatório online
3.1.2 - Conceito
Como já esboçado em momento anterior, o interrogatório online é o ato pelo qual o acusado terá a oportunidade de expor sua versão dos fatos ao julgador da causa, através da transmissibilidade de áudio e vídeo, ou seja, de um lado estará o réu (no sistema penitenciário) e do outro, o juiz da causa (no prédio forense), este passando então a interrogar aquele.
Graças a Lei nº 11.900/09 (Lei da Videoconferência), tornou-se real a possibilidade do Poder Judiciário aplicar em determinados casos o interrogatório, bem como a oitiva de testemunhas até mesmo em uso de cartas precatórias e rogatórias o uso da teleconferência ou videoconferência como é mais utilizado.
Numa visão mais apanhada, poder-se-á descrever o real procedimento do interrogatório online. Numa sala, dentro do próprio estabelecimento carcerário e/ou complexo penitenciário, ficam os presos de justiça, agentes penitenciários, oficial de justiça, advogado, uma impressora, monitores de vídeo, um microfone e uma câmera conectada ao computador. Já do outro lado, ligados por cabo de fibra óptica, ficam instalados os mesmos equipamentos, à livre disposição do juiz, no prédio forense, que conduzirá a audiência, não podendo deixar de lado a figura do Ministério Público que também pode e deve participar do referido ato processual.
Diante do universo tecnológico, facilmente percebe-se que o interrogatório online surge facilitando a comunicação de longa distância, utilizando não só o som, mas também a imagem em tempo real. O magistrado ao fazer uso do controle remoto, domina o sistema, podendo monitorar a direção da câmera instalada no cárcere, focando e enquadrando o acusado, advogado, ou outra pessoa que se faça presente na sala do sistema penitenciário e seja de interesse da Justiça, bem como o réu, da mesma forma, terá uma visão perfeita e nítida do magistrado.
Destarte, o juiz, em seu gabinete ou em sala de audiência, faz as perguntas ao réu, as quais, ao serem respondidas, a resposta é imediatamente consignada no termo de audiência digitada pelo escrivão e simultaneamente aparecem na tela do computador instalado no presídio. Já no presídio, um servidor do Poder Judiciário apresenta as perguntas feitas pelo juiz e, em seguida, digita as respostas oferecidas pelo acusado. A imagem e o som são transmitidos de plano para os monitores. No fim da audiência, o termo do interrogatório ou depoimento é enviado diretamente para a impressora na sala em que se encontra o preso que lê e assina o documento, tal procedimento é bastante relevância para que no futuro a defesa não venha arguir algum tipo de nulidade. No dia seguinte, o termo é encaminhado de volta para o Fórum por malote, sendo tudo célere, simples e econômico.
Feito isso, pode-se observar de antemão que o interrogatório por videoconferência não fere a característica da judicialidade, vez que o próprio magistrado continua conduzindo o ato, fazendo perguntas a respeito dos fatos que ora são imputados ao réu.
Obsta lembrar que o meio usual de registrar audiência é através do termo escrito, composto com as perguntas e repostas da pessoa que foi ouvida, todavia, existem varas que estão fazendo o registro de forma digital, isto é, em CD.
Todo esse caminhar do procedimento da videoconferência serve para denotar que o interrogatório online não visa ferir o devido processo legal, tampouco qualquer outro princípio à luz da Constituição Federal. No que se refere ao não desrespeito à Magna Carta e seus princípios constitucionais que norteiam o ordenamento jurídico brasileiro, é que mais adiante será abordado cada um dos princípios que já foram citados por aqueles que são contrários a sua utilização.
No mais, diante do termo de audiência, verificar-se-á que no aspecto procedimental não há nenhum tipo de vício que possa torna-lo inválido, salvo outras hipóteses não observadas no brocardo legal, por exemplo, a ausência da assinatura do acusado (preso), bem como do juiz e dos demais figurantes do processo.
3.1.2- Histórico no Brasil
Nesse momento, é de suma importância analisar o início da utilização do interrogatório online com o escopo de se entender a discussão que se trava diante do referido ato, para em seguida, compreender os posicionamentos favoráveis e contras. Ademais, no decorrer deste tópico farei apontamentos quanto ao início de sua utilização demonstrando o respeito à Magna Carta.
Conforme as informações de (Fioreze, 2010, p. 116), a polêmica começou com o primeiro interrogatório por videoconferência (a distância), realizado em Campinas, no dia 27.08.1996, pelo magistrado Dr. Edison Aparecido Brandão, que usou elementos de vídeo e som em tempo real, para perfazer a comunicação com o acusado que estava em local remoto (a prisão). Segue ainda, que o juiz cercou-se de outros cuidados, tais como: o defensor para o acusado, para acompanha-lo na sala de prisão onde este responderia as indagações que lhe eram transmitidas acerca dos fatos, tudo via computador, além de ter nomeado outro defensor para acompanhar o ato diretamente da sala do Fórum onde ficou o juiz.
A partir de então, no mesmo ano de 1996, ocorreu outro interrogatório por videoconferência, desta vez sendo na Vara Criminal da capital paulista, pelo Juiz de Direito Luiz Flávio Gomes, o qual fez uso da internet para o envio e recebimento de mensagem de texto em tempo real.
Com relação a esse método utilizado pelo Juiz Luiz Flávio Gomes, o depoimento se deu com o uso de um sistema rudimentar em face da falta de recursos tecnológicos suficientes para se fazer uma videoconferência. A “audiência” do acusado se realizou por e-mail, mediante digitação de perguntas e das respostas, sem som e imagem em tempo real, num procedimento denominado de modem-by-modem. Hoje, o teleinterrogatório se realiza de forma mais avançada, por meio de videoconferência, permitindo total interação entre o magistrado e o interrogado, bem como os demais sujeitos processuais, com a utilização de tecnologia audiovisual.
No que concerne ao método anteriormente citado, para servir apenas de parâmetro quanto as críticas que são feitas ao interrogatório online, segue os termos in verbis:
O juiz não vê o rosto – tampouco as expressões corporais – do acusado, trazendo para assoalhar essa afirmativa os interrogatórios realizados por carta precatória e os julgamentos pelos tribunais, que se limitam a examinar friamente os autos. Cremos que razão não assiste ao propugnador dessa modalidade de interrogatório “cibernético”, porquanto no caso das cartas precatórias, embora o contato do acusado não seja com o juiz da causa, certamente terá oportunidade de contato com um magistrado, o que lhe garante a chance de ser ouvido, inclusive sobre fatos que, dentro das paredes das prisões, a lei do silêncio os sonega. Quanto ao argumento dos tribunais, há que se verificar que os tribunais, ao reexaminarem o feito, o fazem após ter sido interrogado o réu por um magistrado ou que pelo menos se lhe tenta dado oportunidade para tal. Assim não há por que advogar-se a tese dessa forma de interrogatório online (D’URSO apud GOMES, 2002).
Registra-se que doutrinador Luiz Flávio Gomes é contra o uso citado acima, no entanto, quanto a forma mais avançada de videoconferência, permitindo a transmissibilidade de áudio e vídeo em tempo real, com um interlocutor vendo e ouvindo o outro, podendo haver um diálogo perfeito e simultâneo, vejamos a seguir o entendimento:
Esse método, além de reduzir drasticamente os custos com o transporte dos presidiários, auxilia o Estado, que pode punir com maior rapidez os criminosos e também beneficia os acusados, porque desburocratiza os pedidos de liberdade provisória. Mais, nenhum réu será interrogado pelo sistema online contra sua vontade, porque comparecer à presença de um juiz é direito dele (Fioreze apud Gomes, 2010, p. 117).
Com base no exposto, observa-se que aos poucos o interrogatório online, isto é, por videoconferência começou a ser utilizado, sendo resguardos os direitos do acusado que se encontra dentro do estabelecimento carcerário.
Como dito, o interrogatório por videoconferência passou a ser utilizado pelo Poder Judiciário, chegando ao ponto, inclusive, dos Estados começarem a legislar sobre matéria processual, todavia, frisa-se tal competência é da União, por força do disposto no art. 22, I da CF/88, bem como conflitam com os preceitos do art. 24, XI, principalmente, no que se refere ao § 1º, que determina a incumbência da União estabelecer as normas gerais, que servirão de base para atuação dos Estados. Nesse sentido, segue in verbis:
Ainda que se admitisse o poder dos Estados de regularem as atuações dos juízes estaduais e dos membros do Ministério Público, por normas de organização judiciária ou normas de cunho administrativo, não poderiam dispor sobre direitos do acusado, os quais devem ser objetos de normas federais de direito processual. A norma sobre videoconferência não é, ademais, simples norma a respeito dos locais em que os atos de interrogatório e instrução processual serão efetivados. Ela envolve, necessariamente, direitos dos acusados, como o seu direito a ser ouvido diretamente pelo juiz, o seu direito a presença do defensor aos atos do interrogatório, o seu direito a exercer em contato com o juiz a sua autodefesa (Fernandes, 2005, p. 7).
Sendo assim, constata-se que (Fernandes, 2005, p. 7), essas leis sobre o interrogatório online eram inconstitucionais do ponto de vista formal, por se tratar de legislação estadual que se refere a interesse fundamental do Direito Penal e Processual Penal. No mais, não cabe a este trabalho aprofundar a inconstitucionalidade das leis estaduais.
Entretanto, cabe aqui ressaltar que diante dessas legislações estaduais, consideradas inconstitucionais em face da incompetência dos Estados, surgiu a Lei nº 10.792/2003, que acrescentou o § 1º ao art. 185 do CPP, abaixo:
Art. 185, § 1º do CPP
O interrogatório do réu preso será realizado, em sala própria, no estabelecimento em que estiver recolhido, desde que estejam garantidas a segurança do Juiz, do membro do Ministério Público e dos auxiliares bem como a presença do defensor e a publicidade do ato.
O contato pessoal continuava sendo obrigatório, mas com a possibilidade do deslocamento do juiz até a unidade prisional. Posteriormente, a Lei nº 11.719/08, alterou o procedimento ordinário e estabeleceu que o interrogatório e a colheita de testemunhos seriam realizados em audiência uma, situação esta torna inócua a possibilidade de realização do interrogatório no presídio, sendo aplicado somente em duas hipóteses que serão objeto de estudo adiante.
3.1.3- Hipóteses de utilização
Diante da novel legislação já comentada em momentos anteriores, qual seja: a Lei nº 11.900/09 (Lei da Videoconferência), observa-se que esta excepcionou os casos em que a videoconferência poderá ser utilizada. Diante disso, em regra, em se tratando de réu preso, a autoridade policial, o Ministério Público e a defesa devem se deslocar até ao estabelecimento prisional para interrogarem o réu presencialmente, já era de se esperar uma prioridade por se tratar de réu preso. Sendo impossível o interrogatório no local da prisão, este ocorrerá em juízo.
Feito isso, a realização de interrogatório por videoconferência será efetivada pelo juiz, que irá ouvir a versão dos fatos narrados pelo réu, que poderá realizar sua autodefesa. Note-se que o réu não está presente no Fórum, valendo-se do sistema televisual de comunicação, ou seja, através da transmissibilidade de áudio e vídeo em tempo real, buscando um equilíbrio entre os direitos do acusado e o interesse da sociedade. Sendo assim, segue o dispositivo legal, in verbis:
Art. 185, § 2º do CPP.
Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
I-prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
II-viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
III-impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;
IV-responder a gravíssima questão de ordem pública.
Para que possa ser realizado o interrogatório por videoconferência, não basta que estejam presentes as hipóteses acima elencadas, isto é, para a sua admissão são necessárias:
1-A fundamentação da decisão, baseando-se em uma das situações excepcionais previstas no § 2º do art. 185 do CPP, hipóteses essas consideradas como de admissibilidade, ou seja, só haverá o interrogatório por videoconferência desde que nessas hipóteses;
2-A intimação prévia das partes com dez dias de antecedência;
3- a observância das demais formalidades legais.
É importante frisar que essas hipóteses de admissibilidade elencadas acima, não são cumulativas e sim alternativas, bastando que qualquer uma delas esteja presente. A adoção do uso do sistema de videoconferência pode ser reconhecida de ofício ou pode haver provocação de qualquer das partes. Diante disso, vamos analisar as hipóteses:
- Risco à segurança pública
Um dos principais motivos elencados na legislação infraconstitucional e atende a um dos direitos individuais previstos no art. 5º da CF/88, a segurança dos brasileiros. Neste diapasão, segue o dispositivo legal:
Art. 185, § 2º do CPP.
Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
I-prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento;
A segurança da sociedade é muito relevante e está diretamente ligada ao interrogatório realizado por videoconferência, vez que existem grupos criminosos considerados potencialmente perigosos à sociedade. Então, ao se referir em ao risco à ordem pública, a videoconferência é importante porque visa evitar a fuga do preso em caso de deslocamento para a audiência, pois ao se tratar de um acusado de alta periculosidade, não há como descartar a possibilidade que os demais delinquentes que integram o grupo criminoso, daí a preocupação com a sociedade.
Um dos benefícios oriundos da videoconferência que tem certa ligação com o risco à segurança é a economia, pois não há como o erário público economizar e investir em outras áreas, tendo em vista milhares de vezes em que ocorre o transporte dos presos. Segundo a obra de (Fioreze, 2009, p. 167), o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo expõe dados colhidos, no período de 1 a 15.06.2003, foram realizadas 27.186 escoltas, 73.744 policiais militares e 23.240 viaturas policiais foram mobilizadas. Esse trabalho custou aos cofres públicos um gasto de R$ 4.572.961,94, dinheiro este que com o uso da videoconferência na oitiva dos presos, poderia estar sendo bem mais aplicado em outras áreas da administração pública, dentre outros exemplos.
Sendo assim, verifica-se que há um exacerbado gasto no que tange a condução dos presos até o prédio forense para a realização do interrogatório. Tomando como base esse exemplo, vale lembrar que nem sequer foram citadas as despesas que se multiplicam em razão dos constantes adiamentos das audiências, causados por atrasos e acidentes ou problemas mecânicos inesperados com as viaturas, além de outras situações que tornam impossíveis a realização do ato.
Quanto à segurança propriamente dita, tais deslocamentos põem em risco a segurança da população e dos policiais encarregados na escolta, ainda mais, quando os processados são aqueles considerados de alta periculosidade que integram organizações criminosas.
Feitas essas considerações, a Lei nº 11.900/09, permite que os presos sejam ouvidos à distância por meio de videoconferência, podendo ser liberado do trabalho de escolta no deslocamento cerca de 900 policiais militares, podendo voltar às suas rondas ostensivas em todo o Estado de São Paulo. Note-se que a segurança é de suma importância quando se fala em interrogatório por videoconferência.
Continuando nos gastos, (Fioreze 2009, p. 170) cita o entendimento da Promotora de Justiça de São Paulo favorável à economia do erário público. A Dra. Exner afirma, in verbis:
É significativa a economia para os cofres públicos, consoante noticiado no jornal O Estado de São Paulo, em edição do dia 20 de setembro de 2002, liberando-se, outrossim, o contingente de policiais que hoje se destinam à escolha de presos para policiamento nas ruas, possibilitando-lhes, pois, o exercício de suas funções precípuas, com ganhos inestimáveis para a população.
Com base no que foi exposto, o ilustre jurista Luiz Flávio Gomes explica que um deslocamento (de ida e volta) para um interrogatório de um preso como Fernandinho Beira-Mar, por exemplo, custa R$ 200 mil aos cofres públicos (FIOREZE apud GOMES, 2009, p. 169).
Face os problemas com relação ao deslocamento dos presos ao Fórum, o Juiz da Vara de Execuções Criminais do Estado do Espírito Santo, Dr. Nunes afirma, in verbis:
Sempre que há necessidade de levar um preso até o juiz para ser interrogado, existem dificuldades. Quando há viatura, falta combustível: quando há viatura e combustível, falta escolta ou a viatura está quebrada. E o indivíduo vai ficando preso. Ele tem o direito de ser interrogado. O Estado tem de garantir esse direito e prover os meios para isso. É um quadro deprimente que pretendemos extinguir. Uma das soluções – falei em criatividade, como fizemos no final de 1999 – foi a realização do primeiro interrogatório online do Estado do Espírito Santo e do Brasil (FIOREZE apud NUNES, 2009, p. 171).
É inegável que com o interrogatório por videoconferência, descarta-se a necessidade de locomoção dos presos, retirando das ruas o perigo iminente e previsível no que concerne aos presos de alto grau de periculosidade. Diante dessas preocupações, em meio a tantos exemplos, poder-se-á citar o seguinte trecho da obra de Juliana Fioreze:
Esta não foi a primeira vez que bandidos invadiram um fórum para resgatar comparsas. Em julho de 1994, dois homens e uma mulher renderam PMs e jogaram uma granada dentro de um elevador no Fórum no Rio de Janeiro para resgatar o traficante Miguel Alves Miranda, o Miguelzinho, da quadrilha de Orlando Jogador. Ele fora levado à 10ª Vara Criminal para assinar uma procuração de troca de advogado. Os criminosos aproveitaram quando o preso se dirigia à carceragem para renderem os dois PMs que o escoltavam. O Fórum ficou fechado de 13h30min às 16h20min para que fosse feita uma varredura no prédio, mas os bandidos conseguiram fugir (Fioreze, 2009, p. 173).
Ainda na questão da economia oriunda da videoconferência e, principalmente sobre as despesas com Fernandinho Beira-Mar, pois como é bem sabido, o mesmo é titulado como um dos criminosos mais conhecidos do Brasil, vez que foi condenado por tráfico internacional de drogas e evasão de divisas, além de responder ainda por envolvimento em vários crimes de homicídio. Pois bem, diante das várias locomoções do traficante Fernandinho Beira Mar até o fórum para acompanhar pessoalmente os depoimentos de testemunhas de acusação em processos nos quais ele era réu, direito este garantido com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal em dezembro 2006, o acusado embarcou em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), sob a vigilância de vários policiais federais. Nesse simples trajeto, Fernandinho Beira Mar consumiu fez com que o erário público gastar cerca de R$ 45 mil reais.
Esse gasto no transporte de Beira Mar foi em decorrência das diárias dos policiais, o aluguel de hangar (a aeronave foi mandada de Brasília exclusivamente para pegá-lo), manutenção da aeronave e deslocamento de homens de suas atuais funções para acompanhar o traficante. Registra-se que uma operação dessa magnitude, não se faz com menos de 40 policiais, que necessitaram sair de suas funções rotineiras para a realização do transporte. Registra-se ainda, que a diária de cada policial é de R$5.200,00. Só para acompanhar Beira Mar até a sede da Justiça Federal do Rio de Janeiro foram necessários mobilizar cinco carros da Polícia Federal e 25 agentes.
Conforme trata (Fioreze, 2009, p. 175), o transporte do traficante provocou discussão sobre o risco dessas operações no Brasil. E justamente nesse momento, o Superintendente da Polícia Federal do Espírito Santo, Geraldo Guimarães, discorreu:
Eu sou contra esse endeusamento de criminoso. Parece que criminoso é tratado como estrela. Ele não tem nada de pitbull. Se é pitbull, que ponha-se a mordaça nele. Nós não temos nenhum problema com segurança aqui, em se tratando dele. Estou profundamente irritado porque nós somos tirados das nossas funções habituais, que não são poucas, para ficar sendo babá de preso.
Não há como se refutar a realidade de que se torna muito menos dispendioso para o Estado a realização de interrogatórios por videoconferência, basta pegar um papel e caneta e passar a esboçar as despesas provenientes da locomoção dos presos até os prédios forenses, sem levar em consideração, inclusive, os vários retornos que são feitos por conta da não realização do referido ato processual, daí ser uma das principais preocupações que o legislador infraconstitucional teve para reduzir despesas exacerbadas, frisando-se que não deixando de atender as garantias constitucionais do réu preso.
Não obstante o exemplo supracitado do caso de Fernandinho Beira Mar no que tange a economia com os gastos absurdos e a segurança da coletividade pode-se citar também como exemplo, o caso que ocorreu em 19 de outubro de 2007, com o transporte do famoso criminoso Marco Willian Herbas Camacho, de alcunha “Marcola”, conhecido e apontado pelas autoridades policiais como o líder do Primeiro Comando da Capital (PCC).
Em resumo, Marcola e outros treze presos ligados ao PCC foram ouvidos durante a audiência de instrução e julgamento que investigava a morte do policial militar Nelson Pinto, 44 anos, morto durante um dos vários ataques promovidos pelo crime organizado na cidade de São Paulo, em aio de 2006. Os acusados foram ouvidos no Tribunal de Justiça de Jundiaí (SP), depois de viajarem da cidade de Presidente Venceslau por sete horas, sob um fortíssimo esquema policial, daí percebe-se o gasto desnecessário, pois foram mobilizadas oito viaturas, cercadas por batedores da Secretaria de Assistência Penitenciária da Polícia Militar, bem como a falta de segurança junto à sociedade em geral.
Imaginem que para essa locomoção o TJE de Jundiaí-SP, pediu ao Estado Maior um “esquema de guerra”, tendo o comando de policiamento cercado os pontos de saída do quarteirão onde está instalado o Fórum. Para isso, o trânsito parou, uma vez que foi interrompido pelas viaturas da polícia, tendo ainda por cima, o apoio de atiradores de elite e um helicóptero de prontidão para qualquer emergência. A remoção dos presos do sistema carcerário até o Fórum. Frisa-se, é muito dispendioso para o Estado.
Com base nisso, não há como não concordar com a opinião do Superintendente da Polícia Federal do Espírito Santo, Geraldo Guimarães, aproveitando a oportunidade, para deixar a minha profunda repulsa por esse tratamento que esses criminosos têm durante seus transportes.
A realização do interrogatório por videoconferência evitaria todo esse gasto desnecessário, bem como toda essa mobilização de policiais e agentes penitenciários, tirando-os de suas atividades habituais, isto é, no caso dos policiais, o policiamento ostensivo que é o certo, pois o lugar da polícia é junto da sociedade, protegendo-a, tendo em vista a segurança pública e a vida das pessoas, direitos sagrados expressos de forma exaustiva na Constituição da República Federativa do Brasil.
- Viabilização da hipótese do réu no ato processual
Essa hipótese serve para aqueles casos em que o réu pode ser interrogado pelo sistema online. Todavia, o fato deverá estar enquadrado nas situações impostas pelo inciso, quais sejam: por enfermidade ou outra circunstância pessoal, sendo imprescindível para a utilização da videoconferência a justificativa para tal medida, senão vejamos:
Art. 185, § 2º do CPP.
Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
(...)
II-viabilizar a participação do réu no referido ato processual, quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo por enfermidade ou outra circunstância pessoal;
Diante da possibilidade de se realizar o interrogatório por videoconferência nos casos em que o réu preso esteja inserido neste inciso, o legislador infraconstitucional valeu-se da interpretação analógica, ao afirmar que a dificuldade de comparecimento em juízo deve decorrer de enfermidade ou “outra circunstância pessoal”.
Quanto à hipótese de enfermidade, dispensam-se comentários, vez que basta que o réu apresente uma patologia para que seja deferido pelo juízo o seu interrogatório virtual. Já na hipótese de “outra circunstância pessoal”, poder-se-á citar como exemplos que se enquadram perfeitamente à expressão, a ameaça de morte ao réu; o réu se encontrar em outro Estado e não desejar ser interrogado por carta precatória, mas sim ser interrogado diretamente pelo juiz que o julgará, proporcionando mais efetividade ao conjunto de garantias constitucionais.
Esse inciso que trata da possibilidade de viabilizar ao réu no interrogatório por videoconferência tem como escopo precípuo ajuda-lo, pois se nota que o mesmo encontra-se enfermo ou em outra circunstância pessoal que impossibilita o seu deslocamento ao Fórum para a colheita do interrogatório, frisa-se, portanto, que nesse caso a videoconferência é utilizada, tão somente, em favor do réu.
- Impedir influência do réu no ânimo da testemunha ou vítima
Nesse caso, o legislador se preocupou com a situação do réu ameaçar a vítima ou testemunhas que irão ser ouvidas na audiência de instrução e julgamento, isto é, antes da colheita do interrogatório do acusado ou quando aquelas estiverem se sentindo ameaçadas com a presença do réu. Vejamos:
Art. 185, § 2º do CPP.
Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
(...)
III-impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art. 217 deste Código;
Essa preocupação se funda na frustração da busca da verdade real, visto que estando a vítima ou as testemunhas ameaçadas, comprometeria a elucidação real dos fatos, atrapalhando a convicção do magistrado. Neste sentido, o legislador tentou evitar tal ocorrência de modo a contribuir para o total aproveitamento do depoimento da vítima, bem como das testemunhas arroladas pela acusação com o fito de verificar se tais depoimentos se coadunam com os fatos narrados pelo acusado durante o seu interrogatório.
Ademais, vale destacar a valiosa regra do art. 217, do Código de Processo Penal, em que o juiz ao verificar que a vítima ou a testemunha possam se sentir constrangidas ou atemorizadas com a presença do réu (o que é possível), de modo a prejudicar a verdade dos depoimentos, comprometendo a busca pela verdade real, o juiz determinará que o ato processual seja realizado através da videoconferência, claro que na presença de seu defensor, atendendo todas as garantias constitucionais. Sendo assim, vejamos o referido dispositivo infraconstitucional:
Art. 217 do CPP
Se o juiz verificar que a presença do réu poderá causar humilhação, temor ou sério constrangimento à testemunha ou ao ofendido de modo que prejudique a verdade do depoimento, fará a inquirição por videoconferência e, somente na impossibilidade dessa forma, determinará a retirada do réu, prosseguindo na inquirição, com a presença do seu defensor.
Portanto, ocorrendo uma das situações descritas com o ofendido ou com as testemunhas, estas deverão se retirar da sala de audiência e seus testemunhos serão colhidos por videoconferência, permanecendo o réu na sala de audiências. Entretanto, mesmo após a tomada dessa medida, as testemunhas ainda se sentirem intimidadas, ocorrerá o inverso, ou seja, a testemunha fica na sala de audiência e o réu acompanha o ato processual por videoconferência, conforme dispõe o art. 185, § 2º, III do CPP.
- Responder à gravíssima questão de ordem pública
Por fim, nessa hipótese faz-se mister denotar o que seria essa gravíssima questão de ordem pública. Primeiramente, vejamos o referido dispositivo infraconstitucional a seguir:
Art. 185, § 2º do CPP.
Excepcionalmente, o juiz, por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades:
(...)
IV-responder a gravíssima questão de ordem pública.
O entendimento doutrinário de (Fioreze, 2009, p. 296), trata a questão de ordem pública como uma cláusula genérica, que permite que a jurisprudência fixe contorno para outras hipóteses, ou seja, deixa uma margem para que surjam entendimentos, consoante o caso concreto, para que os Tribunais possam aplicá-los.
Essa expressão “garantia de ordem pública”, já é utilizada pelo Código de Processo Penal, como sendo uma hipótese autorizadora de decretação de prisão preventiva, nos termos do art. 312 do mesmo diploma legal. No sentindo etimológico da expressão, a ordem pública significa “paz do meio social” e sua efetivação está colidindo com o princípio constitucional da presunção de inocência, sendo interpretadas por alguns como sendo o binômio (gravidade da infração penal + repercussão social), o perigo de continuidade da prática da infração penal, fora os que defendem sua inconstitucionalidade que veremos adiante.
Para clarear o entendimento doutrinário, segue o posicionamento do Promotor de Justiça Dr. Thiago André Pierobom de Ávila, acerca da gravíssima questão de ordem pública, in verbis:
Esse inciso deve ser interpretado no sentido de que uma necessidade excepcional de manutenção da segurança dos trabalhos da audiência justifica a realização da videoconferência, segundo um prognóstico concretamente aferível que justifique um fundado receio à normalidade dos trabalhos. Trata-se de um juízo objetivo de probabilidade razoável e não decorrente de mera elucubração subjetiva (há que se registrar que todos os juízos de decisão de prova são proferidos com base na probabilidade argumentativa e motivada, que busca a melhor justificação possível para as premissas fáticas, e não proferidos com fundamento na certeza, que é metafísica e inalcançável no processo). (FIOREZE apud PIEROBOM, 2009, p. 296).
Diante das quatro hipóteses apresentadas do art. 185, § 2º do CPP, verifico que todas são pertinentes e importantes para a validação do ato processual na forma virtual desde que respeitadas todas as garantias constitucionais que mais a frente serão trabalhadas, bem como o seu procedimento.
3.1.4- Posicionamentos
No decorrer da utilização do interrogatório por videoconferência, assim como surgiram correntes favoráveis ao seu uso, outras (principalmente os defensores dos acusados) se insurgiram contra a realização do referido ato processual virtual. Face isso, vejamos algumas manifestações acerca dos prós e contras ao uso da videoconferência.
Em resumo, para os que defendem o interrogatório online levam em consideração a segurança, celeridade, modernidade, economia processual e financeira, evita-se a burocracia forense para a realização do ato como envio de ofícios, requisições, precatórias, rogatórias, ou seja, economiza tempo e dinheiro. Todavia, para os que criticam o referido ato processual, entendem que o sistema ofende ou afronta os princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa, devido processo legal, viola os pactos internacionais que impõem a apresentação do acusado ao juiz, enfim, vejamos:
3.1.4. a) Favoráveis
Diante dos vários pontos positivos concernentes à utilização do interrogatório online, destacam-se como já vistos detalhadamente, o custo e a segurança no transporte dos presos para os prédios forenses. Veja-se que o útil se une ao agradável, vez que o Estado pode colocar os policiais que trabalham nas escoltas do preso, nas ruas, desenvolvendo o policiamento ostensivo, perto da sociedade, protegendo o bem jurídico mais importante à luz da Constituição, qual seja: a vida que está em consonância com a segurança pública.
Tal entendimento emana da seguinte premissa, para arrefecer o índice de criminalidade, fora o ideário da educação, é a segurança pública, sendo assim, como teremos segurança pública, se um considerável contingente policial encontra-se mobilizado para escoltar os presos em direção aos fóruns? Entendo ser impossível inibir a violência, senão existe um contingente razoável para tanto.
No que concerne ao custo, creio que tal ponto esteja bastante explicado, haja vista que não havendo toda a mobilização de policiais militares, civis e federais, viaturas, helicópteros, atiradores de elite, todo o aparato estatal para a locomoção dos presos, o Erário Público economizaria e passaria a investir em outros ramos da administração pública tais como: educação, infraestrutura, saúde, lazer, dentre outros.
A videoconferência à luz dos direitos e garantias constitucionais é um passo para a modernidade, uma evolução jamais pensada há décadas atrás, a Justiça informatizada passou a prestar celeremente a jurisdição estatal, punindo mais “rápido” os autores de infrações penais. No que tange a modernidade, segue o entendimento do magistrado Edilson Aparecido Brandão, in verbis:
O conservadorismo de alguns juristas e o apego aos velhos formalismos são males da própria ciência do direito. Tanto é, que anularam as primeiras sentenças datilografadas – uma verdadeira inovação para a época – e, mais recentemente, as digitadas em computador (desta eu não escapei; também tive sentenças anuladas por tal motivo no final dos anos 80). Pergunta simples: muitos dos desembargadores e ministros que anularam sentenças digitadas em computador e que ainda judicam anulariam hoje uma sentença ou todas as sentenças só porque digitadas? Todos perderam o medo do novo e tiveram que reconhecer as benesses advindas com os avanços tecnológicos, que engoliu medos e preconceitos, que dominou o apego aos formalismos. Acredito que o mesmo ocorrerá com a videoconferência judicial, embora com mais de uma década de atraso. Não importa, contanto que sejam debelados os sintomas do conservadorismo no direito (Fioreze apud Brandão, 2009, p. 139).
Verifica-se que realmente muitos aplicadores do direito, principalmente os mais antigos, temiam a utilização da videoconferência, pois acredito que é até normal do ser humano temer o novo, isso é, tudo que é inovação desperta no homem certo receio, certa preocupação no tange a eficácia, o funcionamento e assim por diante.
Assim como já foram elucidadas no decorrer do trabalho os pontos positivos para a realização do interrogatório online, o jurista Luiz Flávio Gomes discorre-os na obra de Juliana Fioreze, vejamos:
Evita-se o envio de ofícios, de requisições, de precatórias, é dizer, economiza-se tempo, papel, serviço, etc. pode-se ouvir uma pessoa em qualquer ponto do país sem necessidade do seu deslocamento. Eliminam-se riscos, seja para o preso (que pode ser atacado quando está sendo transportado), seja para a sociedade. Previne acidentes. Evita fugas. O transporte do preso evolve gastos com combustível, uso de muitos veículos, escolta, muitas vezes gasto de dinheiro para o transporte aéreo, terrestre, etc. o sistema do interrogatório à distância evitaria todos esses gastos. Representaria uma economia incalculável para o erário público, e mais policiais nas ruas, mais policiamento ostensivo, mais segurança pública. Realizando-se o interrogatório prontamente por computadores, praticamente o preso não interrompe sua rotina no presídio, isto é, não precisa se ausentar das aulas quando está estudando, não precisa se privar da assistência religiosa, não precisa cessar seu trabalho. Isso significa vantagens para a sua ressocialização, principalmente porque o trabalho permite a remissão (Fioreze apud Gomes, 2009, p. 141/142).
Diante do exposto, faz-se necessário nesse momento invocar mesmo que seja numa sinopse, os pactos internacionais para contribuir para o posicionamento favorável da utilização do interrogatório por videoconferência. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, § 2º, o respeito aos tratados internacionais, pois “os direitos e garantias constitucionais expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados ou dos Tratados Internacionais em que o Brasil seja parte”.
Sobre esses tratados internacionais, pode-se citar o Pacto de São José da Costa Rica de 1969, além do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, vejamos suas literalidades, in verbis:
Art. 9º, § 3º
Qualquer pessoa presa ou encerrada em virtude de infração penal deverá ser conduzida, sem demora, à presença do juiz ou de outra autoridade habilitada por lei a exercer funções e terá o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade. A prisão preventiva de pessoas que aguardam julgamento não deverá constituir a regra geral, mas a soltura poderá estar condicionada a garantias que assegurem o comparecimento da pessoa em questão à audiência, a todos os atos do processo e, se necessário for, para a execução da sentença (grifo nosso).
Essa presença do juiz está diretamente ligada a duas características do interrogatório, qual seja: a pessoalidade e a judicialidade, ambas já vistas anteriormente. Para consolidar o entendimento, vajamos o que dispõe o Pacto de São José da Costa Rica:
Art. 7º, § 5º
Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
Diante dos posicionamentos favoráveis, considerando os tratados internacionais supracitados, verifico também como válido a realização do interrogatório por videoconferência, pois, note-se que, a presença física do juiz pode ser mitigada pelo uso da tecnologia, ou seja, o avanço da informática aprofundou esse contato físico entre o magistrado e o acusado.
Destarte, é relevante imaginar que durante a audiência o juiz sequer fica próximo do acusado, pois existe sim uma distância, tanto é que em uma ponta fica o juiz e na outra (bem distante) fica o acusado. Pois bem, o olhar é o mesmo como se fosse na videoconferência, vez que a transmissibilidade de áudio e imagem ocorrem em tempo real, não sendo muito diferente da forma comum.
Ademais, cumpre nesse momento relembra o procedimento das cartas precatórias e rogatórias, tá certo que o acusado é levado a um juiz, porém, não é o juiz da causa, isto é, o juiz que o julgará. Percebe-se então, que existem outros meios de se realizar o interrogatório, não sendo muito diferente o que é feito por videoconferência, além do que os direitos e garantias constitucionais como até mesmo o direito de entrevista é resguardado, como já foi e ainda será visto novamente diante dos princípios constitucionais.
Rebatendo as críticas que são feitas acerca do interrogatório online, nada melhor do que buscar auxílio a um dos primeiros a utilizar o recurso tecnológico para a realização do ato, O juiz Brandão escreve em relação aos interrogatórios virtuais:
Lembro ao leitor que na realidade brasileira o réu vem ao Fórum acompanhado por policiais e permanece numa sela guardado por carcereiros e jamais se teve qualquer preocupação em se dizer que ele estaria ameaçado no meio deste caminho, imaginando-se, porém, as férteis mentes que tanto criticam que ele seria ameaçado apenas por estar de frente a uma câmera de videoconferência, mesmo que na presença de advogado e servidores do Judiciário, dentro do Presídio. Tais críticas não têm qualquer peso intelectual, tanto, que a grande maioria de países altamente industrializados fizeram firme opção pela videoconferência, sobrelevando-se o exemplo português que a constou no próprio Código de Processo (grifo nosso) (Fioreze apud Brandão, 2009, p. 179).
3.1.4. b) Desfavoráveis
Para os que são contra o uso do interrogatório por videoconferência, criticam, pois entendem que o referido ato processual fere os princípios da ampla defesa, contraditório, devido processo legal, direito de entrevista com o defensor.
Os críticos defendem a ideia de que o interrogatório por videoconferência viola o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, de modo que o acusado tem o direito de falar direta e pessoalmente com o seu julgador, dizem que fere também o princípio da publicidade, bem como os tratados internacionais: Pacto São José da Costa Rica e Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos. No entanto, não será abordado profundamente a inconstitucionalidade do interrogatório online, pelo contrário, continuará sendo abordada, tão somente, fatores concernentes a constitucionalidade do referido ato processual.
Muitas entidades, principalmente a OAB apontam a importância do contato do acusado com o magistrado, para facilitação da comunicação, inclusive gestual. Esse contato pessoal seria indispensável e insubstituível por métodos tecnológicos, por mais avançados que possam ser. Sem contar que conforme dispõe o estudo de (Fioreze, 2009, p. 129), apontam riscos para verdade real, em face da possibilidade de pressões que o réu poderia sofrer ao depor de dentro de um estabelecimento prisional, ferindo o princípio da ampla defesa do preso.
Embora não seja o tópico adequado para tratar, impossível deixar de lado a refutação quanto ao parágrafo anterior, vez que o acusado mesmo estando preso é acompanhado pelo seu defensor, tendo inclusive o direito de entrevista, além do que é feito numa sala própria, tendo representante do Poder Judiciário, sem contar a segurança do mesmo. Neste sentido, afasta-se de plano a possibilidade de o réu sofrer pressão na exposição dos fatos conforme sua versão.
No próximo capítulo do presente trabalho serão abordados os princípios constitucionais e no decorrer das explicações e citações, serão colocados os pontos que afastam a possibilidade de inconstitucionalidade do interrogatório por videoconferência, podendo ser utilizado sem nenhum tipo de problema e/ou preocupação quanto a forma, desde que presentes todas as garantias constitucionais.
CAPÍTULO IV - CONSTITUCIONALIDADE DO INTERROGATÓRIO ONLINE
4.1 – Valorizações dos Princípios Constitucionais
Antes de adentrar no mérito dos princípios constitucionais integrantes na realização do interrogatório por videoconferência, é imprescindível discorrer sinteticamente o seu procedimento para adiante verificar que não sequer nenhuma violação aos preceitos normativos constitucionais.
4.1.1 – Procedimento do interrogatório online
Num primeiro instante da decisão sobre o interrogatório online, surge a intimação, ou seja, as partes serão intimadas no prazo legal de dez dias para que tomem as providências necessárias para a realização do ato, conforme dispõe o art. 185, § 3º do CPP. Esse dispositivo infraconstitucional visa apenas fazer com que as partes tomem as providências cabíveis, mormente a defesa, a qual deverá providenciar que dois defensores prestem assistência ao réu, estando um presente no sistema carcerário e outro presente na sede do juízo.
Já prestes a começar a audiência, ao réu é conferido o direito de presença com fulcro no art. 185, § 4º do CPP, ou seja, sua participação na audiência de instrução e julgamento tem fundamental importância, haja vista a possibilidade de se defender de tudo que está sendo colocado contra sua pessoa.
Uma das principais críticas feitas ao interrogatório por videoconferência começa a ser respondida de modo a demonstrar sua validade, o direito de entrevista tão relevante para afastar a nulidade desse ato processual. Ao réu é conferido ao direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor com o escopo deste orientar aquele acerca de como se portar diante da situação por qual irá passar durante o interrogatório. Esse direito está expresso art. 185, § 5º do CPP, que segue adiante:
Art. 185, § 5 do CPP
Em qualquer modalidade de interrogatório, o juiz garantirá ao réu o direito de entrevista prévia e reservada com o seu defensor; se realizado por videoconferência, fica também garantido o acesso a canais telefônicos reservados para comunicação entre o defensor que esteja no presídio e o advogado presente na sala de audiência do Fórum, e entre este e o preso.
Posto isto, observa-se que longe está à possibilidade de se arguir a inconstitucionalidade do interrogatório feito por videoconferência se o legislador infraconstitucional procurou resguardar o direito de entrevista do réu com o seu defensor, no entanto, se houver a inobservância desse direito, ai sim poder-se-á falar em nulidade do ato processual, porém, frisa-se, que isso não ocorrerá por falta de previsão legal, uma vez que está bastante expresso no Código de Processo Penal.
Fora o direito de entrevista conferido ao réu, na realização do interrogatório por videoconferência, deve haver, ou seja, é obrigatória a presença de um defensor junto com o acusado no presídio como forma de garantir ao réu que não sofrerá nenhum tipo de pressão no interior do presídio, além de outro defensor na sede do juízo juntamente com o juiz e o representante do Ministério Público.
Não obstante a presença dos defensores, é imprescindível uma fiscalização no momento da realização do ato processual com a finalidade de afastar qualquer alegação de mácula aos princípios constitucionais e para assegurar a segurança do mesmo, senão vejamos o § 6º do art. 185 do CPP, in verbis:
Art. 185, § 6º do CPP
A sala reservada no estabelecimento prisional para a realização de atos processuais por sistema de videoconferência será fiscalizada pelos corregedores e pelo juiz de cada causa, como também pelo Ministério Público e pela Ordem dos Advogados do Brasil.
Ainda quanto ao procedimento do interrogatório online, agora com relação as cartas precatórias, a Lei nº 11.900/2009 (Lei da Videoconferência) inovou o procedimento, pois poderá ocorrer também a oitiva de testemunha residente em outra comarca valendo do recurso da videoconferência, nos termo do art. 222, § 3º do CPP, vejamos:
Art. 222, § 3º do CPP
Na hipótese prevista no caput deste artigo, a oitiva de testemunha poderá ser realizada por meio de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, permitida a presença de um defensor e podendo ser realizada, inclusive, durante a realização da audiência de instrução e julgamento.
No que tange às cartas rogatórias, embora o art. 222-A não versar sobre a realização da colheita dos depoimentos das testemunhas no exterior por videoconferência, assim como alguns entendem, comungo do mesmo entendimento que essa possibilidade existe e emana diretamente do disposto no art. 18, § 18 do decreto nº 5015, conhecido como a Convenção de Palermo, vejamos:
Art. 18, § 18 da Convenção de Palermo
Se for possível e em conformidade com os princípios fundamentais do direito interno, quando uma pessoa que se encontre no território de um Estado Parte deva ser ouvida como testemunha ou como perito pelas autoridades judiciais de outro Estado Parte, o primeiro Estado Parte poderá, a pedido do outro, autorizar a sua audição por videoconferência, se não for possível ou desejável que a pessoa compareça no território do Estado Parte requerente. Os Estados Partes poderão acordar em que a audição seja conduzida por uma autoridade judicial do Estado Parte requerente e que a ela assista uma autoridade judicial do Estado Parte requerido.
Em suma, esse é o procedimento concernente ao interrogatório realizado por videoconferência, frisa-se, tudo em consonância com os preceitos normativos constitucionais, refutando-se a possibilidade de ser o interrogatório online considerado inconstitucional. A seguir veremos o respeito aos princípios constitucionais para poder então fechar o entendimento que deve ser consolidado, qual seja: o interrogatório realizado por videoconferência é constitucional, vez que respeita os preceitos normativos constitucionais, resguardando os direitos e garantias constitucionais dos réus presos.
4.1.2- O resguardo dos princípios constitucionais e infraconstitucionais
Como já dá para perceber, não se pode falar em interrogatório online ou por videoconferência se não estiverem presentes os requisitos e as hipóteses tratadas no art. 185, §2º do CPP, pois se acontecer essa inobservância ter-se-á vícios de caráter formal que poderão gerar a nulidade do ato processual.
O legislador infraconstitucional se preocupou a ponto de respeitar todos os princípios constitucionais do réu preso, dando-lhe a possibilidade de ser ouvido, de se defender seguindo à risca todos os dispositivos constitucionais legais, basta verificar a legislação, no entanto, se houver a inobservância de algum item expresso na legislação, ai já é outra história, que de fato poderá tornar o ato nulo, pois como é sabido, não há o que se falar em constitucionalidade de um determinado ato processual, estando este em desacordo com a Constituição, é óbvio!
Sobre a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, XXXV, assegura o direito à jurisdição enquanto instrumento de proteção contra lesão ou ameaça de lesão ao direito. Com efeito, ainda enquanto manifestação do Poder de Império do Estado e sua soberania devem orientar-se pelo princípio da eficiência, nos termos do art. 37, caput da CF/88, isso significa que o processo, enquanto instrumento da jurisdição, deve ser eficiente e ao mesmo tempo se guiar por todos os princípios constitucionais.
Todas as regras que compõem o nosso ordenamento jurídico brasileiro emanam da Magna Carta de 1988, ou seja, da Constituição Federal. Nenhuma legislação infraconstitucional pode passar por cima do que foi fruto do Poder Constituinte Originário, posto que a Constituição é a lei fundamental que estrutura e organiza o Estado, devendo estas legislações infraconstitucionais estarem sempre em consonância com os dispositivos expressos na Magna Carta, sob pena de serem consideradas inconstitucionais e por consequência serem consideradas inválidas por violarem normas superiores.
Os direitos e garantias fundamentais são aqueles considerados indispensáveis e imprescindíveis à pessoa humana, vez que são necessários para ser ter uma vida digna, livre e igual. Esses direitos previstos são tão importantes que a própria Constituição conserva-os num dispositivo especial, qual seja: o art. 5º. Todos esses direitos possibilitam às pessoas uma vida digna, quando respeitados, atendendo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF).
O processo penal à luz da Constituição Federal atinge sua finalidade quando o Estado, na qualidade de seu Poder de Império, realiza a pretensão punitiva, buscando a verdade real para a elucidação dos fatos, permitindo ao réu que utilize todos os meios necessários e permitidos para sua ampla defesa, contraditório, e por fim, estando sob o manto do devido processo legal. Não se pode falar em processo penal sem constituição, assim como nenhum ramo do direito pode ser trabalhado sem estar a ela ligado. Nesta linha de raciocínio, segue o doutrinador Auty Loper Jr., in verbis:
Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir (logo, consciência de que ela constitui a ação), é que se pode compreender o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá através de sua instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição.
Ademais, todos os direitos constitucionais são preservados e respeitados em suas essências e substâncias, além do que todas as formalidades dos artigos 185 a 196 do Código de Processo Penal são cumpridas, ou seja, o procedimento do interrogatório por videoconferência está condizente às normas existentes e em vigor, nada mais valendo assim, discutir e tentar se furtar dessa modernidade da informática no mundo jurídico.
Preliminarmente, não se pode deixar de olvidar um dos entendimentos jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, versando sobre a manifestação referente a sua validação, fazendo com que a ideia dos críticos fosse ficando cada vez mais remonta. Nesse sentido, entendeu o egrégio Tribunal.
Recurso de Habbeas Corpus. Processual Penal. Interrogatório feito sistema conferência em real time. Inexistindo a demonstração de prejuízo, o ato reprochado não pode ser anulado, ex vi art. 563 do CPP. Recurso desprovido (RHC nº 6.272/SP, julgado pela 5ª Turma do STJ em 03 de abril de 1997).
Observa-se que o meio de videoconferência, permitindo o contato em tempo real do magistrado com o acusado tratando nesse julgado como conferência em real time, por não ter violado nenhuma garantia constitucional foi corretamente provido. Registra-se que o julgado foi em 1997, ou seja, nesse ano o impulso tecnológico foi primordial para a realização desse ato processual, por isso a Lei nº 11.900/09 teve uma importância incontestável para o processo penal brasileiro.
Entretanto, como contraste jurisprudencial acerca da matéria, no mês de agosto de 2005, ou seja, antes do advento da Lei nº 11.900/2009 (Lei da Videoconferência) o Supremo Tribunal Federal na decisão de um habeas corpus, entendeu inadmissível tal aplicabilidade no processo penal, considerando-o inválido. Vejamos o julgado:
EMENTA: AÇÃO PENAL. Ato Processual. Interrogatório. Realização mediante videoconferência. Inadmissibilidade. Forma singular não prevista no ordenamento jurídico. Ofensa a cláusulas do justo processo da lei (due process of law). Limitação ao exercício da ampla defesa, compreendidas a autodefesa e a defesa técnica. Insulto às regras ordinárias do local de realização dos atos processuais penais e às garantias constitucionais da igualdade e da publicidade. Falta, ademais, de citação do réu do réu preso, apenas instado a comparecer à sala da cadeia pública, no dia do interrogatório.
Forma do ato determinada sem motivação alguma. Nulidade processual caracterizada. HC concedido para renovação do processo desde o interrogatório, inclusive. Inteligência dos arts. 5º, LI. V, LV, LVII, XXXVII e LIII, da CF, e 792, caput e § 2º, 403, 2ª parte, 185, caput e § 2º, 192, § único, 193, 188, todos do CPP. Enquanto modalidade de ato processual não prevista no ordenamento jurídico vigente, é absolutamente nulo o interrogatório penal realizado mediante videoconferência, sobretudo quando tal forma é determinada sem motivação alguma, nem citação do réu (HC nº 88.914/SP, julgado pela 2ª Turma do STF no ano de 2005) (grifo nosso).
Com base no entendimento supracitado contra o uso da videoconferência por conta da falta de previsão no ordenamento jurídico brasileiro no ano de 2005, ou seja, mais uma vez, antes do advento da Lei nº 11.900/09, até é compreensivo, vez que de fato, não havia realmente essa previsibilidade, no entanto, já sob a égide da lei infraconstitucional tratando sobre a matéria, inclusive, respeitando todos os preceitos normativos constitucionais, data máxima vênia, não pode mais prosperar tal entendimento rudimentar do nosso egrégio Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de estar se voltando ao mundo arcaico em plena era das revoluções tecnológicas oriundas da globalização.
4.1.3- Princípio do Contraditório
Princípio consagrado no texto constitucional, previsto no art. 5º, LV da CF/88, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. O Princípio do contraditório significa que cada ato processual praticado durante a instrução criminal seja resultante da participação ativa das partes. Tal princípio tem origem no brocardo latino audiatur et altera pars, que significa “ouça-se também a outra parte”. Tal princípio deve ser visto como um corolário do princípio constitucional do devido processo legal, que tem como característica precípua a possibilidade de resposta e a utilização de todos os meios de defesa em Direito admitidos completando o princípio da ampla defesa.
Ao tratar do contraditório mais especificamente, observa-se que não se pode falar das pessoas sem oportunizar a sua defesa, sem conceder o direito de resposta, defender-se do que lhe está sendo imputado e assim por diante.
A aplicabilidade de tal princípio, não requer meramente que cada ato processual praticado seja comunicado às partes. Nos dizeres de (BONFIM, 2010, p. 74), o juiz, antes de proferir cada decisão, deve ouvir as partes, dando-lhes oportunidade para que se manifestem, apresentando argumentos e contra-argumentos. De fato, para que o contraditório seja estabelecido, cada uma deve, perante o magistrado, arguir o que fora levantado pela outra parte, afastando qualquer disparidade entre as partes.
A partir do momento em que o juiz, antes de proferir sua decisão, concede às partes a oportunidade de buscarem, através da argumentação, juntando elementos de prova se for o caso, ambas têm a possibilidade de influenciar na formação da convicção do juiz para que aplique o direito.
Outrossim, o juiz deve registrar nos termos de audiência a manifestação das partes, para que no futuro não seja arguida uma nulidade do ato em decorrência da ausência de manifestação, sob o fundamento de mácula processual oriunda da violação do princípio constitucional do contraditório.
Diante das considerações exteriorizadas e levando em consideração o procedimento quanto à forma de se realizar um interrogatório por videoconferência, poder-se-á, sem medo de ser feliz, afirmar que tal ato processual não fere o contraditório, haja vista que tanto ao réu quanto à sua defesa, lhes são conferidos o direito de se manifestar acerca das manifestações feitas pela parte contrária, seja em ações penais privadas, bem como em ações penais públicas condicionadas à representação e incondicionadas.
Por se tratar de interrogatório realizado por videoconferência, verifica-se que o procedimento é oral, todavia, tudo o que for narrado ou respondido pelo acusado será consignado no termo de audiência que será assinado por si logo após a elucidação dos fatos.
Ademais, o contraditório não é apenas a manifestação das partes em cada ato ou fase do processo, mas sim a ciência aos litigantes da lide em cada ato praticado pelo magistrado e também pela outra parte a fim de que lhes seja oportunizada a manifestação.
Sendo assim, é imperioso destacar que é dado ao réu o direito de responder e esclarecer determinados pontos postos pela parte contrária, estabelecendo puramente o contraditório, podendo em seguida o trâmite processual seguir seu curso normal. Por hora, cabe aferir que ao processo não pode faltar a sua estrutura dialética, tão essencial para o respeito ao princípio maior, qual seja, o devido processo legal.
De uma forma mais clara e precisa, o princípio constitucional do contraditório é essencialmente o direito que o réu tem de ser informado de qualquer ato processual, bem como participar efetivamente do processo face à pretensão punitiva do Estado em decorrência do ius puniendi. Essa afirmativa serve para esclarecer que assim como a acusação tem o direito de se manifestar sobre o tipo penal praticado pelo réu com o fim de se obter a sua condenação, este também tem o direito de se defender do que lhe está sendo imputado em qualquer fase da instrução criminal.
Destarte, não há qualquer tipo de impedimento ao réu de se manifestar acerca do que a outra parte está suscitando, de forma que é uma faculdade do réu fazer uso do contraditório com o escopo de se defender daquilo que a outra parte está afirmando contribuindo para o livre convencimento do magistrado, porém, se isso for inobservado, há sem dúvida alguma a possibilidade de ser arguir a nulidade do ato, todavia, ressalto que o contraditório à luz da Lei nº 11.900/09 é resguardado e preservado como forma de estabelecer um processo penal justo ao acusado.
4.1.4- Princípio da ampla defesa
O princípio da ampla defesa está diretamente ligado com a ideia de quem ninguém será condenado sem antes ser ouvido em juízo. Tal princípio caminha lado a lado do princípio do contraditório, até porque não existiria ampla defesa sem contraditório, vez que é a partir desta garantia que o acusado tem o direito de se manifestar acerca do que está sendo atacado contra si, podendo em diante, exercer a sua defesa. Quanto a este elo entre tais princípios, dispõe o seguinte preceito normativo constitucional, presente no art. 5º, LV da CF/88, “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
A ampla defesa nada mais é que a consequência do contraditório, haja vista que não existe defesa, muito menos ampla, se primeiro não for conferido o direito de rebater o que está sendo posto contra o réu. A defesa do réu deve acontecer com uma certa liberdade, inclusive pode permanecer calado, isto é, fazer uso do direito ao silêncio à luz da CF/88.
Veja-se que a ampla defesa pode ser usada na sua plenitude, pois é importante compreender que o réu, embora seja culpado, é a parte mais fraca da relação, vez que não há como manter um equilíbrio processual estando o Estado do outro lado, no uso de seu poder de Império, prestando a devida jurisdição, sanção em decorrência do ius puniendi que lhe é conferido.
Assim, o legislador infraconstitucional ao elaborar a Lei da Videoconferência, levou em consideração a possibilidade de tornar o interrogatório mais eficaz e seguro, garantindo ao réu todos os direitos fundamentais inerentes a todo ser humano, pois é importante lembrar que, embora o mesmo tenha sua liberdade cerceada por conta da infração penal cometida, o processo penal segue os comandos normativos constitucionais, a exemplo, o exercício da mais plena ampla defesa.
No mais, ao abordar o princípio da ampla defesa tem uma relevância de grande monta, pois em nenhum momento pode sofrer alguma restrição, daí trata-lo como uma garantia plena.
Essa ampla defesa dada ao réu compreende a faculdade dele intervir no processo, depois de citado, ou seja, trazido ao processo para fecha a relação jurídica-processual, para expor ao magistrado todas as provas lato sensu que pretende utilizar com a finalidade de se atenuar a consequência jurídica processual penal ou até mesmo provar sua inocência.
Neste sentido, a participação efetiva do réu (preso ou solto) em todos os atos processuais, expressa a concreta utilização da ampla defesa, pois são nesses momentos que são realizados os atos da ampla defesa, quais sejam: a autodefesa e a defesa técnica.
A autodefesa também chamada de defesa pessoal pode ser vista de várias maneiras, tendo maior evidência durante a oitiva do indiciado perante a autoridade policial competente e o interrogatório perante o juiz durante a instrução criminal.
A autodefesa é classificada como uma atividade negativa ou positiva do réu é praticada diretamente por sua pessoa, tendo em vista que o mesmo pode permanecer calado, isto é, se abster de expor sua versão dos fatos ou passar a elucidar tudo o que ocorreu, sendo de sua vontade pode até expressar os motivos, justificativas ou negativas de autoria e materialidade do fato que lhe está sendo imputado. Diante disso, pode o réu renunciar o direito de exercer a autodefesa, como visto, tal ato estará sob o manto constitucional de permanecer em silêncio (art. 5º, LXIII da CF/88).
O direito de defesa do acusado compreende:
- A faculdade de se ouvido; b) a faculdade de controlar a carga de pólvora que poderá ser utilizada na sentença; c) a faculdade de provas os fatos que o próprio imputado invoca para excluir ou atenuar a reação penal; d) a faculdade de valorar a prova produzida e expor as razões, de fato e de direito, para obter uma sentença favorável segundo sua posição, que exclua ou atenue a aplicação do poder penal estatal (FIOREZE apud MAIER, 2009, p. 202/203).
No que concerne a oportunidade do acusado de elucidar sua versão dos fatos, ao discorrê-los, o acusado não está obrigado a dizer a verdade, podendo mentir sem sofrer qualquer sanção, sendo a mentira considerada crime somente nos casos em que ocorrer a autoacusação falsa, conforme dispões o art. 341, do Código Penal Brasileiro. Por outro lado, as testemunhas não têm essa liberdade, pois uma vez prestado o compromisso de dizer a verdade (testemunhas numerárias), devem fazê-lo, caso contrário, praticam o crime de falso testemunho.
No momento do interrogatório, o acusado exercendo sua autodefesa, estará influindo diretamente na formação da convicção do magistrado, presente estando mais um direito que é o de audiência, além de acompanhar todos os atos processuais, usando o direito de presença.
Esse direito de presença pode ser garantido de duas formas: com a presença física do réu de forma direta na audiência ou mediante os modernos meios de comunicação (por videoconferência), desde que todos os direitos e garantias fundamentais como a ampla defesa e o contraditório sejam resguardados.
No interrogatório online a ampla defesa é severamente respeitada, vez que tudo o que o réu narra com relação aos fatos é registrado no termo de audiência e ao final é assinado por si como forma de ratificação do interrogatório.
Não obstante a autodefesa, a defesa técnica também faz parte da ampla defesa, tendo em vista que todo acusado tem o direito de ter um defensor para que lhe represente legalmente, apresentando todas as peças processuais pertinentes à sua defesa.
A defesa técnica, em outras palavras é aquela exercida por um advogado habilitado, constituído ou nomeado para acompanhar todos os atos processuais concernentes ao acusado, combatendo a acusação que, em regra, é exercida pelo Ministério Público. Esse tipo de defesa é indisponível, caso o réu não tenha condições financeiras para contratar um advogado, o juiz deve nomear um para o ato ou quando possível determinar que um defensor público faça a defesa.
Uma vez colocadas em cheque a ampla defesa, formada pela união da autodefesa e defesa técnica, observa-se que a legislação infraconstitucional atentou para o seu resguardo, não dando margens para questionamentos acerca de uma provável inconstitucionalidade do ato. Frisa-se, o réu, por intermédio do interrogatório online, pode exercer tranquilamente sua autodefesa, bem como pode, ou melhor, deve apresentar sua defesa técnica.
A realização do interrogatório online não veta nenhum procedimento que a Justiça deve assegurar quanto à ampla defesa do acusado, posto que todos os atos impostos por lei sejam observados pelos magistrados. Todavia, se havendo a inobservâncias de algum procedimento, a defesa, sem dúvida, pode suscitar a nulidade do referido ato processual.
Ainda sobre o princípio da ampla defesa, alguns críticos alegam que o réu não teria contato pessoal com o juiz, relembrar o Pacto de São José da Costa Rica, em seu art. 7º, item 5, o direito a ser conduzido a presença de um juiz. Nesse ponto, data máxima vênia, entendo que tal entendimento não deve prosperar, vez que o contato continuará havendo.
Veja-se, no dia a dia forense, nenhum magistrado fica próximo do réu em audiência, todos nós percebemos que o juiz mantém uma distância de aproximadamente três metros, isto é, o juiz fica numa ponta da mesa e o acusado fica no outro extremo. Além de muitas vezes, sequer o juiz olha para o acusado, portanto, o interrogatório online não modifica muito que ocorre no cotidiano, sem contar nas precatórias, rogatórias e assim por diante.
Por fim, o direito de audiência do réu não está sendo maculado, muito embora este não esteja presente fisicamente, pois o réu estará presente virtualmente, poderá falar e ser ouvido através da transmissibilidade de áudio e imagem em tempo real, podendo exercer todas as faculdades decorrentes desse direito, como se estivesse pessoalmente diante do juiz. Pode se comunicar com seu advogado tranquilamente (direito de entrevista), seja o que está na sala de audiência, seja o que está no fórum, durante todo o ato.
4.1.5- Princípio do Processo Penal Garantista
O Processo penal garantista se funda na total proteção aos direitos fundamentais, sendo considerado para alguns doutrinadores em especial o professor Aury Lopes Jr, “como uma evolução do processo penal moderno”. Tal princípio em evolução tem por escopo precípuo buscar o “justo processo”, refutando ao máximo qualquer violação que porventura possa prejudicar o réu durante a instrução criminal.
O processo penal hoje é garantia. Garantia democrática de que ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV), regra importantíssima presente na Carta Magna de 1988.
Ao tratar do modelo processual penal garantista que reforça o chamado due process of law, há de se levar em consideração a proteção efetiva aos direitos fundamentais e a produção de um processo penal justo, tanto estudando por Luigi Ferrajoli. Esse processo penal justo deve minimizar os espaços de discricionariedade judicial, dando ênfase a máxima proteção aos direitos fundamentais do acusado.
No que tange ao garantismo processual, segue o entendimento doutrinário:
Garantismo, com efeito, significa precisamente a tutela daqueles valores ou direitos fundamentais, cuja satisfação, mesmo contra os interesses da maioria, constitui o objetivo justificante do Direito Penal, vale dizer, a imunidade dos cidadãos contra a arbitrariedade das proibições e das punições, a defesa dos fracos mediante regras do jogo igual para todos, a dignidade da pessoa humana do imputado, e, consequentemente, a garantia da sua liberdade, inclusive por meio do respeito à sua vontade. É precisamente a garantia desses direitos fundamentais que torna aceitável por todos, inclusive pela minoria formada pelos réus e pelos imputados, o Direito Penal e o próprio princípio majoritário (FIOREZE apud FERRAJOLI, 2009, p. 193/194).
Assim, à luz do garantismo processual, o Poder Judiciário tem a função de garantir os direitos fundamentais inseridos ou resultantes da Constituição. Diante disso, o Juiz deve atuar como garantidor dos direitos do acusado no processo penal.
Destarte, uma vez entendido o que vem a ser o garantismo processual consistente na tutela dos direitos fundamentais inerentes ao acusado que encontra-se dentro do estabelecimento carcerário, o Estado de Direito deve resguardar in totum os direitos conferidos pela Carta Magna de 1988.
Ainda sobre o garantismo processual, segue a sinopse do entendimento acerca do verdadeiro processo penal garantista:
(...) o Processo Penal somente pode ser considerado, tal qual deve ser nos regimes democráticos, como garantia do acusado. Garantia porque parte da necessidade de o autor (Estado) provar a acusação que faz; garantia porque substitui os processos inquisitoriais e os procedimentos sigilosos pelo processo público, em que o acusado tem até mesmo a garantia da inviolabilidade em relação a seu corpo e sua mente (habeas corpus); garantia porque o Estado se comprometeu a designar um técnico, um peritus arc ac probandi, para falar pelo réu (ad-vocatus); garantia porque o Estado que acusa não é, por função jurídica, o Estado que julga, donde ser ele obrigado a mostrar as razões de seu convencimento (FIOREZE apud SUANNES, 2009, p. 196).
Com relação ao interrogatório online, verifica-se de plano que em nada afronta o princípio do devido processo legal garantista, pois todos os princípios básicos do referido modelo tanto estudado e defendido por Ferrajoli continuam presentes. A jurisdicionalidade se encontra presente, vez que é o juiz quem interroga o réu, assim como a inderrogabilidade do juízo, pois o juiz não declina sua função a ninguém e, quando transfere nos casos de precatórias e rogatórias, o faz de modo a proteger e assegurar os princípios do juiz natural e da identidade física do juiz, sendo somente o juiz a pessoa competente para interrogar e julgar o acusado.
Outra garantia que se mantém inviolável como já descrito, é a inviolabilidade da contradição (contraditório e ampla defesa), uma vez que o acusado pode se defender de todas as acusações e provas produzidas contra sua pessoa.
Deste modo, não o que se falar em violação ao princípio do processo penal garantista em relação ao procedimento do interrogatório online, pois todos os princípios de cunho garantista subsistem, isto é, permanecem intactos, sendo muitos, inclusive, enaltecidos. Todos os direitos e garantias fundamentais do acusado, portanto, encontram-se resguardados, deixando as críticas com a possibilidade de inconstitucionalidade, remontas.
Em suma, não se pode, em nenhuma hipótese da legislação infraconstitucional, arguir a inconstitucionalidade do procedimento do interrogatório por videoconferência e a motivação é simples, é devido o resguardo e o respeito a todos os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, todavia, como já dito, se houver a inobservância de algum preceito normativo, ai sim, poder-se-á falar em nulidade do referido ato processual.
4.1.6- Princípio do Devido Processo Legal
O Princípio do devido processo legal encontra-se consagrado expressamente no art. 5º, LIV da Constituição Federal, que preceitua: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Importa em dizer que é assegurada a existência de um regulamento jurídico que garante às partes um processo justo, devendo o processo ter uma tramitação regular, sendo observadas todas as regras e normas estabelecidas em lei, isto é, à luz da constituição.
O referido princípio constitucional visa resguardar todos os direitos fundamentais para a efetividade do processo e da tutela jurisdicional, obviamente, devendo serem observados dois princípios importantes que integram o devido processo legal, quais sejam: o contraditório e a ampla defesa, ou seja, para que o processo tenha efetividade, deve haver a observância destes dois princípios.
Tanto o contraditório quanto a ampla defesa são provenientes do devido processo legal, pois o processo deve ser justo e efetivo, tendo as partes uma paridade quanto ao tratamento com iguais oportunidades diante do juízo.
No âmbito processual penal, o devido processo legal em sua forma técnica é tratado como devido processo penal, expressão que deriva do inglês due process of law, a garantia de que o conteúdo da jurisdicionalidade é a legalidade (nullus actum sine lege), isto é, deve-se seguir a rigor a obediência ao que está previamente estabelecido em lei.
Ao se voltar para o processo criminal propriamente dito, verifica-se que o referido princípio constitucional proíbe, então, que alguém seja acusado por fato que não seja previamente tipificado como ilícito penal (nullum crimen sine lege) ou condenado a uma pena sem prévia cominação legal (nulla poena sine praevia lege), exigindo julgamento por um órgão público (nulla poena sine judicio), em tudo observado aos princípios do contraditório e a ampla defesa, de modo que seja prestado o direito em conformidade com a legislação processual penal.
O devido processo legal é dividido em dois sentidos, quais sejam: o material e o formal. O devido processo legal em sentido material refere-se ao direito das garantias fundamentais do cidadão, evitando com que a atividade Estatal não prejudique ou viole qualquer direito fundamental inerente ao cidadão.
Por outro lado, o devido processo legal formal está diretamente ligado às garantias de natureza processual, isto é, tudo que se refere ao trâmite do processo com relação ao Poder Judiciário. Deve o processo do acusado seguir seu caminho nos moldes constitucionais, sendo-lhe assegurado todos os direitos expressamente previstos em lei.
O princípio constitucional do devido processo penal tem tanta relevância no nosso ordenamento jurídico brasileiro, que já foi tratado inclusive nos tratados internacionais, como por exemplo, na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, dispondo em seu art. 8º e 10, in verbis:
Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela Constituição ou pela lei; e, todo homem tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Não há como não notar que o princípio do devido processo penal deve ser respeitado, sobretudo, os demais princípios que serão, ainda, relatados de forma sintética. No mais, pode-se frisar que os direitos fundamentais devem, ao máximo, serem respeitados sob pena de tornar o ato nulo. Assim, o devido processo penal, busca dar efetividade ao processo do acusado, sendo-lhe assegurando todos os direitos expressos na Constituição.
Antes de se comentar a respeito do interrogatório online de forma precisa concernente ao princípio do devido processo legal (penal), é salutar destacar com relação a este princípio, que o seu conteúdo compreende conforme o entendimento do ilustre Prof. Nery Júnior:
Direito à acusação e ao conhecimento do teor da acusação; direito a um rápido e público julgamento; direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais; direito ao procedimento ao contraditório; direito à plena igualdade entre acusação e defesa; direito de não ser acusado nem condenado com base em provas obtidas ilicitamente; direito à assistência judiciária gratuita; privilégio contra a autoincriminação (JUNIOR apud FIOREZE, 2009, p. 190).
Muito se discutia com relação a inconstitucionalidade do interrogatório online, pois estava sendo legislado por Estados e, por ser matéria processual, cabe a União fazê-lo. Assim, com o advento da Lei nº 11.900/2009 (Lei da Videoconferência), tal ato processual passou a ser tratado por lei federal, não sendo mais levantada qualquer invalidade quanto a sua forma.
Hoje, é plenamente possível a realização do interrogatório por meio de videoconferência, sem que isso acarrete qualquer tipo de violação aos princípios constitucionais, muito pelo contrário, a legislação infraconstitucional atenta e em alguns momentos enaltece alguns.
Diante disso, já se pode perceber que o interrogatório realizado por meio de videoconferência não macula o princípio do devido processo legal (penal), tendo em vista que no próprio texto infraconstitucional, faz-se referência aos princípios constitucionais que devem ser resguardados. Assim, desde que assegurada a observância das disposições legais constantes no corpo da Lei nº 11.900/2009, que acrescentou o § 2º do art. 185 do CPP, verifica-se que não nenhum tipo de ofensa à Constituição, em especial os princípios constitucionais, posto que a lei atenta para os direitos e garantias do réu. Todavia, como já tratado anteriormente, se houver a inobservância por parte do magistrado de modo a prejudicar o réu, o interrogatório deve ser considerado nulo.
Ademais, embora não se tenha dado espaço para abordar mais princípios que tenham relação com o interrogatório, podem-se tecer resumidamente alguns. Quanto ao princípio da publicidade, o interrogatório online não o viola, tendo em vista que o interrogatório deve ser praticado em local em que possa comparecer qualquer pessoa do povo para fiscalizá-lo. Com a moderna tecnologia milhares de pessoas podem assistir o ato simultaneamente, além do que, com o sistema de videoconferência o réu poderá acompanhar a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento de que tratam os arts. 400, 411 e 531 do CPP, consoante art. 185, § 4º do CPP (com redação dada pela Lei nº 11.900/2009).
Em se tratando do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88), tem-se que nada mais é do que o conjunto dos direitos e garantias inerentes ao cidadão, no sentido de efetivar a dignidade do ser humano. Por mais que seja conferido o Estado, diante do seu poder de Império, o exercício do jus puniendi, em busca da paz e da segurança da sociedade, deve garantir ao máximo as garantias que são conferidas ao acusado enquanto ser humano. Em que pese a conduta ilícita que o acusado tenha cometido, deve o Estado trata-lo com dignidade.
O interrogatório por videoconferência, por sua vez, caminha de mãos dadas com o princípio da dignidade da pessoa humana, posto que evita com que os presos sejam transportados até o prédio forense em condições subumanas, jogados uns sobre os outros como animais selvagens.
O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana tem forte ligação com o acesso à Justiça, e o interrogatório online assegura tal acesso e permite com que os réus exerçam sua ampla defesa em juízo de forma rápida e segura. Sendo assim, por ser a dignidade da pessoa humana o valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, verifica-se que não há qualquer tipo de violação aos direitos do réu.
CONCLUSÃO
Por fim, concluo dizendo que o interrogatório ora relatado é inteiramente constitucional, ressaltando a garantia da visão, comunicação e audição das partes o que torna impossível alegar alguma ofensa ou violação aos princípios constitucionais, vez que no interrogatório por videoconferência há interação imediata entre o magistrado e o acusado, o interrogatório online continua sendo o mesmo, isto é, o jogo de perguntas e respostas continua subsistindo, a transmissibilidade de áudio e imagem em tempo real permite tal interação sem nenhum prejuízo na comunicação.
Diante disso, quanto à legislação infraconstitucional, não há nada que contrarie os preceitos constitucionais a ponto de anulá-lo ou torna-lo nulo, com fulcro no art. 563 do CPP, “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”, ora, estar nos conformes, o interrogatório, não trazendo prejuízo para nenhuma das partes.
O legislador infraconstitucional muito se preocupou com a possível invalidação do ato, por isso se precaveu e buscou respeitar a legislação constitucional.
Obsta denotar que no que concerne a Lei nº 11.900/2009, os preceitos normativos constitucionais são resguardados, podendo ser dito com bastante veemência que o referido ato processual está à luz da Constituição Federal, todavia, se houver a inobservância de um dos dispositivos infraconstitucionais, ai sim, poderá considerar o ato inconstitucional. Mas quanto ao conteúdo normativo, não há o que se falar do ponto de vista formal.
Diante dos inúmeros pontos favoráveis ao uso do interrogatório por videoconferência, destacaram-se economia e celeridade processual, segurança, eficácia, desburocratização do acesso ao Judiciário, dentre outros mais detalhados no corpo do presente trabalho.
Observou-se que a informática se faz bastante presente na operacionalização do Poder Judiciário, sendo imprescindível para concretizar a tutela jurisdicional, vez que se encontra do início ao fim nos trâmites processuais, sendo incontestável sua colaboração para a eficiência da jurisdição.
Assim, constatou-se que os recursos tecnológicos que a videoconferência oferece à sociedade em geral, trouxe para o processo penal brasileiro a desburocratização do Poder Judiciário, além de ser uma medida que proporciona economia ao Erário público, podendo este investir em outros ramos da administração pública, contribuiu para o aumento da segurança tanto do réu preso, como dos agentes do Estado que são encarregados de transportá-los, bem como toda a sociedade.
Desde o advento da Lei nº 11.900/2009, fez com que deixasse de subsistir a crítica referente a ausência de amparo legal para a utilização do interrogatório online, passando este recurso a ser usado sob o manto da legalidade.
Verificou-se também que o procedimento do interrogatório online do réu preso em nada viola os preceitos normativos constitucionais, sobretudo, o contraditório, ampla defesa, devido processo legal, publicidade, dignidade da pessoa humana, juiz natural, salvo se houver inobservância de algum dispositivo, ferindo por consequência, a Constituição.
No que se refere ao Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Declaração de Direitos Humanos, foi afastada a questão no sentido de não admitir a presença virtual do acusado perante o seu juiz natural, já que na época de suas elaborações, não havia, ainda, o uso da internet.
Registrou-se com bastante clareza e atenção, que o referido ato processual também não viola o direito de entrevista do réu, até porque a legislação infraconstitucional assegurou canais telefônicos reservados para a comunicação entre o defensor que está no presídio e o outro presente na sala de audiência do prédio forense, e entre este e o preso.
Quanto às prerrogativas do réu de exercer sua autodefesa e apresentar sua defesa técnica, concluiu-se que em nada foi desrespeitado, podendo o réu exercer a ampla defesa em sua plenitude sem nenhuma objeção concernente ao comando infraconstitucional.
Ante o exposto, conclui durante todo o estudo que o interrogatório online surgiu como uma forma de tornar mais eficiente o procedimento processual, resguardando ao extremo todos os seus direitos e garantias asseguradas pela Constituição Federal.
Sendo assim, considerando que não restou constatada qualquer afronta ou violação direta dos princípios constitucionais já mencionados, entendo ser imperioso reconhecer a viabilidade, bem como a constitucionalidade do referido procedimento processual.
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