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Fóruns de combate aos impactos dos agrotóxicos: instrumentos eficazes na tutela da saúde e da segurança do trabalhador

Agenda 23/09/2015 às 09:14

Em que pese o Brasil ser um dos maiores consumidores de agrotóxico no mundo, pouco se tem tratado sobre a saúde e a segurança do trabalhador que labora com o veneno. Os Fóruns que tratam sobre o tema surgem como um instrumento eficaz de tutela.

Introdução

            A economia brasileira dependente da produção agrícola, a implementação de políticas para a modernização da agricultura e o incentivo governamental para o consumo de agrotóxicos são alguns dos motivos pelos quais o Brasil vem consumindo alto número deste produto. Dados revelam que o consumo de agrotóxico nas lavouras brasileiras aumentou consideravelmente entre os anos de 2002 a 2011. Isso fez com que o país alcançasse a posição de maior consumidor de venenos no ano de 2008[1].

            Ademais, estudos revelam que não existem agrotóxicos não tóxicos, que pouca porcentagem do produto acaba atingido o alvo final[2] e que a exposição ao agrotóxico pode causar efeitos crônicos, tais como câncer, malformação congênita, distúrbio endócrino, neurológico e mental. Além disso, resta evidente que as pessoas mais expostas aos perigos da contaminação pelos agrotóxicos são aquelas que têm contato com eles no campo, ou seja, os trabalhadores que laboram na aplicação, no preparo de caldas, no depósito, nas roçadas e colheitas.

            Apesar de todas estas constatações preocupantes, ainda assim, há um claro paradoxo entre o alto investimento na utilização do produto e a falta de cautela para com a saúde e a segurança do trabalhador.

            Assim, os Fóruns que visam combater os impactos dos agrotóxicos surgem como instrumentos eficazes na tutela da saúde e da segurança do trabalhador. Estes instrumentos funcionam, de forma permanente, como articuladores dos vários esforços iniciados, por órgãos públicos, associações, organizações sociais, instituições acadêmicas, entre outros. Fomentam, também, o debate às novas iniciativas e atuações.

            Os objetivos gerais destes mecanismos e suas atuações concretas envolvem-se, basicamente, com o estímulo do direito à informação sobre agrotóxicos, saúde e meio ambiente, bem como com a promoção da tutela dos bens relacionados ao tema, aqui se incluindo a saúde do trabalhador, do consumidor e meio ambiente, incluído nele o do trabalho. O Fórum Nacional possui, ainda, a função de articular a criação de Fóruns sobre o tema nos Estados ou regiões.

            Dessa forma, estes instrumentos permitem um debate amadurecido sobre os impactos dos agrotóxicos, o que resulta na conscientização sobre o tema, bem como na cobrança para que haja prevenção e combate aos efeitos nocivos destes produtos ao consumidor, ao meio ambiente e, mais ainda, ao trabalhador, um dos maiores vitimados e o objeto central do artigo científico.

Desenvolvimento

            Os dados bibliográficos quanto à utilização de agrotóxicos demonstram o aumento na utilização deste defensivo. A respeito disso, cita-se a divulgação do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola de que, no país, a venda de venenos agrícolas saltou de cerca de US$ 2 bilhões para mais de US$ 7 bilhões, entre 2001 e 2008[3]. Ademais, obteve-se a informação de que o consumo de agrotóxicos e fertilizantes nas lavouras brasileiras, no ano de 2002, foi de 599,5 milhões de litros. Já em 2011, o consumo passou a ser de 852,8 milhões de litros[4]. No tocante ao Estado de Mato Grosso, que é o maior produtor de soja, milho, algodão e bovinos e também o campeão nacional de uso de agrotóxicos nas suas lavouras, estima-se que entre os anos de 2003 a 2012, houve um aumento de 34% no consumo de agrotóxico por hectare plantado. Neste Estado, enquanto em 2003 utilizara-se 8,46 litros de agrotóxicos por hectare plantado, em 2012, utilizou-se 12,8 litros[5]. Ao comparar este consumo de agrotóxico com o número de habitantes, conclui-se que a exposição estimada da população brasileira aos agrotóxicos foi de 5,5 litros/habitante no ano de 2010. Quanto à população de Mato Grosso, ela esteve exposta a 47 litros/habitante, ou seja, oito vezes maior[6].

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            Estudos revelam que não existem agrotóxicos não tóxicos e que apenas 30% destes produtos conseguem atingir o alvo, sendo que o restante acaba se dispersando no solo, no ar, nas plantações vizinhas, nas florestas e, muitas vezes, nas áreas residenciais[7]. No tocante aos malefícios, a situação é preocupante, visto que várias pesquisas demonstram que a exposição ao agrotóxico pode causar efeitos crônicos, tais como câncer, malformação congênita, distúrbio endócrino, neurológico e mental. Quanto ao assunto, há uma avaliação estatística feita na região do Chaco, na Argentina, sobre o aumento de casos de câncer em criança e nascimento de bebês com malformação, justamente no período em que houve aumento considerável do uso de agroquímicos na região. Além disso, há uma pesquisa cearense que demonstra maior incidência de câncer em agricultores atendidos no Instituto do Câncer do Estado do Ceará. Vale ressaltar, também, o episódio do derramamento de endossulfam no Rio Paraíba do Sul, em Resende – RJ, no ano de 2008, que provocou a morte de milhares de toneladas de peixes, desabastecimento de água a mais de 700 mil pessoas e mais de 20 mil pescadores sem poder trabalhar.

            Além disso, cita-se a pesquisa realizada pela Universidade Federal do Ceará, na região do Vale do Jaguaribe, onde há fábrica transnacional de produção de abacaxi. O Estudo revelou que, dentre as amostras de sangue de trabalhadores da fábrica, 53% apresentavam alterações na função hepática. Por fim, explicita-se pesquisa realizada pela Universidade Federal de Mato Grosso e Fundação Oswaldo Cruz, que mediu os efeitos do uso de agrotóxicos nas cidades de Campo Verde e Lucas do Rio Verde. O trabalho encontrou resíduos de agrotóxicos no sangue e na urina de moradores, bem como em poços artesianos e em amostras de ar e de água de chuva coletadas em escolas públicas e no leite materno de mulheres da região[8].

            Apesar de todas essas evidências e da situação preocupante que a envolve, a questão dos impactos do uso do agrotóxico não recebe a mesma atenção governamental, tal qual o investimento na utilização do produto. Os profissionais de saúde, no Brasil, enfrentam muita dificuldade para diagnosticar, registrar e encaminhar pacientes intoxicados por agrotóxicos, pois existem poucos recursos para se constatar, mediante exames, a contaminação pelo produto. Ademais, os órgãos de fiscalização não conseguem cumprir efetivamente o seu papel de monitorar, devido à falta de estrutura e de pessoal[9].

            Como exemplo, citam-se duas situações pesquisadas em momentos distintos em Mato Grosso. Uma em 2005, que levou à conclusão de que a vigilância sanitária animal/vegetal, coordenada pelo INDEA/MT, possuía 1238 funcionários, 242 veículos e escritórios de apoio técnico aos agropecuaristas em todos os municípios do estado. Em contrapartida, a Secretaria de Estado de Saúde (SES) possuía apenas 15 escritórios regionais espalhados por MT, com 18 veículos e 183 funcionários. Ademais, a SES possuía apenas um Centro de referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), na cidade de Cuiabá, com 8 técnicos e um veículo para dar suporte a todo estado[10]. Outra entre 2007 a 2010, responsável pela constatação de que, em Lucas do Rio Verde, a exposição ambiental/ocupacional/alimentar era de 136 litros de agrotóxicos por habitante durante o ano de 2010. Entretanto, não havia programa de vigilância em saúde dos trabalhadores e nem das populações expostas aos agrotóxicos nos serviços de saúde deste município. Ademais, na agricultura, a vigilância se resumia ao uso “correto” de agrotóxicos e recolhimento de embalagens vazias[11].

            Nesse sentido, as atuações perpetradas pelos Fóruns de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, quaisquer que sejam elas, são positivas. Isso porque ao congregar os esforços de vários órgãos públicos, entidades sociais, institutos de pesquisa, entre outros, estes passam a acontecer de forma conjunta, o que torna qualquer atuação mais forte, evidente e proveitosa.

            Estes instrumentos possuem objetivos gerais de atuação e apresentam resultados quanto a isso. A fim de elucidar o tópico, expõe-se que o Fórum Nacional esteve envolvido, por exemplo, na elaboração do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos, no âmbito do Programa Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, que está sob a responsabilidade da Secretaria Geral da Presidência da República. Auxiliou, também, a criação de 8 Fóruns Estaduais sobre o tema e conta com a perspectiva de criação de outros 10 até dezembro de 2014. Explicita-se, também, sobre a solicitação feita ao Banco Central do Brasil (BCB) para que o Fórum Nacional seja admitido como parte interessada na implementação da Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) - pelas instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BCB - e do Plano de Ação do Banco do Brasil e dos principais bancos, públicos e privados, que sejam agentes de repasse do crédito agrícola.

            No âmbito estadual, cita-se a articulação do Fórum de Pernambuco, em 2010, para a assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta entre o Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco – CEASA/PE, o Ministério Público Estadual, a Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa) e a Agência de Defesa e Fiscalização Agropecuária do Estado de Pernambuco (Adagro), no intuito de se averiguar sobre a utilização de agroquímicos nos produtos que são colocados à venda ao consumidor. Ademais, menciona-se situação vivenciada na Bahia quanto ao uso dos agrotóxicos que contenham a substância denominada de benzoato de emamectina. Neste Estado, houve decisão judicial liminar, em maio de 2013, a qual proibiu a utilização do produto. A ação processual foi proposta pelo Ministério Público da Bahia. Após, em dezembro de 2013, o Fórum Baiano de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos emitiu Nota de Repúdio ao uso da substância. Isso porque a Lei 12.837, de julho de 2013, posterior à liminar, permitiu o uso do benzoato em situações de emergência.

            Vale ressaltar, por fim, a articulação derivada do Fórum Mato-Grossense para a assinatura do Termo de Cooperação Técnica entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). O convênio possibilitará a investigação dos impactos dos agrotóxicos na saúde dos trabalhadores e moradores de algumas cidades localizadas na região da Bacia do Juruena. O projeto de pesquisa será desenvolvido pelo Núcleo de Estudos Ambientais e Sáude do Trabalhador (NEAST) do Instituto de Saúde Coletiva (ISC) e será custeado através de destinações de multas e condenações obtidas, pelo MPT, em ações judiciais.

            Dessa forma, seja através das audiências públicas e da confecção de Nota de Repúdio, seja por meio da propositura de uma Ação Judicial ou, até mesmo, de uma assinatura de Termo de Ajuste de Conduta, todas essas ações derivadas dos Fóruns de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos demonstram que este é um instrumento articulador e eficaz para o debate, prevenção e enfrentamento dos malefícios do citado agroquímico ao consumidor, ao meio ambiente e, mais ainda, ao trabalhador, um dos maiores vitimados e o objeto central do artigo científico.

Referências Bibliográficas

Brasília, Brasil. Regimento Interno do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos: criado em 28 de outubro de 2009. CD-ROM.

Londres, Flavia. Agrotóxico no Brasil: um guia para ação em defesa da vida. 1. Ed., Rio de Janeiro: AS-PTA – Assessoria e Serviços em Agricultura Alternativa, 2011.

Pignati, Wanderlei Antonio. Os riscos, agravos e vigilância em saúde no espaço de desenvolvimento do agronegócio no Mato Grosso. 2007. 114 f. Dissertação (Doutorado em Ciência na área de Saúde Pública) – Escola Nacional de saúde Público Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2007.

Pignati, Wanderlei Antonio, et al. Avaliação da Contaminação Ocupacional, Ambiental e em Alimentos por Agrotóxicos na Bacia do Juruena – MT. 2014. 57 f. Projeto de Pesquisa (Do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador – NEAST do ISC/UFMT para o Ministério Público do Trabalho). Instituto de Saúde Coletiva. Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2014.


[1] Londres, Flavia. Agrotóxico no Brasil: um guia para ação em defesa da vida. 1. Ed., Rio de Janeiro: AS-PTA – Assessoria e Serviços em Agricultura Alternativa, 2011. p. 19.

[2]  Ibidem. p. 23.

[3]      Londres, loc.cit.

[4]  Pignati, Wanderlei Antonio, et al. Avaliação da Contaminação Ocupacional, Ambiental e em Alimentos por Agrotóxicos na Bacia do Juruena – MT. 2014. 57 f. Projeto de Pesquisa (Do Núcleo de Estudos Ambientais e Saúde do Trabalhador – NEAST do ISC/UFMT para o Ministério Público do Trabalho). Instituto de Saúde Coletiva. Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2014. p. 8.

[5]      Londres, op. cit. p. 10.

[6]      Ibidem. p. 10.

[7]      Londres, loc.cit.

[8]      Londres, 2011. p. 54 et.seq.

[9]      Londres, 2011. p. 26 et.seq.

[10]    Pignati, Wanderlei Antonio. Os riscos, agravos e vigilância em saúde no espaço de desenvolvimento do agronegócio no Mato Grosso. 2007. 114 f. Dissertação (Doutorado em Ciência na área de Saúde Pública) – Escola Nacional de saúde Público Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2007. p. 96 et.seq.

[11]    Pignati, 2014. op. cit. p. 27.

Sobre a autora
Ludmila Pereira Araujo

Graduada em Direito pela UFMT; especialista em Processo Civil pela Escola Superior do MPE/MT; Servidora do Ministério Público do Trabalho (MPT);

Informações sobre o texto

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