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Da execução da tutela antecipada

Agenda 29/09/2003 às 00:00

Sumário:I – Introdução. II – A Execução da Tutela Antecipada. III – Conclusões. Bibliografia.


I – INTRODUÇÃO

A escolha do tema que será objeto do presente artigo, execução da tutela antecipada, se deu pelo fato de haver grande dúvida na aplicação do instituto na atualidade, e, principalmente, pelo fato de que na maioria das vezes a tutela antecipada sofre um processo de ordinarização, ou seja, torna-se tão morosa e dificultosa a sua implementação que termina por perder, em muitos casos, a sua natureza acauteladora e urgente.

Em outras palavras, em face de uma herança funesta, temos uma tendência, em nosso sistema judicial, a retardar a efetivação da prestação jurisdicional de urgência, a que resta submetida a vários obstáculos de cunho formal e burocratizantes, retardando injustificadamente o cumprimento da medida.

Ponto fundamental nessa celeuma são os questionamentos sobre a forma em que se deve efetivar a execução da tutela antecipada, os quais sintetizamos nas seguintes indagações: a execução da tutela antecipada se dá sempre na forma da execução provisória? Ou é possível outra forma de efetivação desta medida? Em quais casos o Magistrado poderá adotar outro rito processual para implementar a tutela antecipada concedida ao autor?

Analisaremos em seguida, ainda que de forma breve, o artigo 273, § 3º, c/c artigo 588 do Código de Processo Civil, objetivando estritamente tentar responder os questionamentos acima colocados, de forma a contribuir no desate desse problema, que cerca a implementação da antecipação de tutela no âmbito do processo civil brasileiro.


II – DA EXECUÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA.

Em se tratando de tema novo, como o é o da tutela antecipada, não é de estranhar que a jurisprudência ainda não tenha pacificado entendimento em relação a muitos pontos polêmicos surgidos em alguns poucos anos de aplicação diária do instituto, até porque ainda estamos numa fase "embrionária" dos estudos sobre essa novel figura jurídica.

Especificamente em relação à execução da tutela antecipada, também não encontraremos soluções fáceis para os seus muitos problemas, mormente quando o § 3º do Artigo 273 do Código de Processo Civil dispõe que "a execução da tutela antecipada observará, no que couber, o disposto nos incisos II e III do art. 588", dando margem, portanto, a variadas interpretações, principalmente no que se refere a precisar o que venha a ser a expressão "no que couber".

Após alguma meditação sobre o assunto, resolvemos nos lançar nessa seara, e escrever algumas linhas sobre a matéria, especialmente para elucidar os casos em que a execução da tutela antecipada seguirá o rito comum, assim como aqueles em que ela adotará procedimento diferenciado, especial.

Como têm consignado vários autores de tomo, a tutela antecipada, enquanto instituto que visa abreviar todo o caminho que leva ao provimento final almejado pelo autor, situa-se no limite, na linha divisória situada entre o processo de conhecimento e o de execução. Enfim, a tutela antecipada tem por escopo a realização prévia do direito do autor, concedido através de ato judicial capaz de garantir a efetividade do processo, o seu resultado útil.

Dinamarco [1] nos conta que "no direito moderno, a realidade dos pleitos judiciais e a angústia das longas esperas são fatores de desprestígio do Poder Judiciário (como se a culpa fosse só sua) e de sofrimento pessoal dos que necessitam da tutela jurisdicional". E complementa: "Acelerar os resultados do processo é quase uma obsessão, nas modernas especulações sobre a tutela jurisdicional".

Com efeito, toda a problemática do direito processual civil atual passa pelo esforço de concretizar o direito material objeto da demanda, como forma de garantir-se a efetividade do processo, e a tutela antecipatória se apresenta como resultado desse esforço em busca da utilidade dos provimentos jurisdicionais.

Segundo aduz Ersio Miranda, "O ideal de efetividade é aquele que dá o mais rápido possível àquele que tem um direito exatamente aquilo que ele tem o direito de obter" [2]. E é precisamente sob tal ótica que deve atuar o operador do direito, vislumbrando sempre, quando da apreciação de pedido de tutela antecipatória, a efetividade da medida, e assim, adequá-la ao fim visado pelo autor, tornando-a apta a produzir os efeitos que dela se espera.

É dever do magistrado ter a noção de que a tutela antecipada não se apresenta, materialmente, de uma única forma, com contornos bem definidos, como um objeto de fácil determinação e delimitação. Não é ela, na prática, um objeto de fácil observação, com contornos nítidos e claros. É, na verdade, um instituto com múltiplas facetas, de forma que a sua "efetivação", ou "execução" se apresentará também de múltiplas formas, não havendo um rito específico e genérico a ser adotado no momento da sua implementação.

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Conforme preleciona Dinamarco, "a lei não especifica o modo de conceder a antecipação de tutela, com o que deixa um leque indefinido de possibilidades à disposição do Juiz segundo as peculiaridades do caso" [3].

Veja-se, por exemplo, o caso da consignação em pagamento, onde o réu poderia pleitear em antecipação de tutela o levantamento imediato do valor depositado pelo autor nos casos em que a lei o permite. Não há, nesse caso, a necessidade de qualquer meio subrrogatório, bastando-se à medida antecipatória a simples autorização judicial.

Em outras situações, no entanto, haverá a necessidade da emissão de um provimento jurisdicional que possa dar ensejo à execução forçada, como, por exemplo, o pagamento provisório de pensão mensal em ação indenizatória.

Portanto, tal qual o próprio pedido inicial, do qual é dependente, a tutela antecipada pode ter natureza constitutiva, declaratória, mandamental, ou, até mesmo, executória, amoldando-se às peculiaridades de cada demanda. E a execução de tal medida também poderá adotar variadas formas, de acordo com a natureza do provimento judicial postulado, o qual guarda total adequação com o direito material objeto da discussão.

Veja-se o exemplo de uma ação em que o autor, sócio de determina empresa, pugna pela suspensão provisória das atividades entidade, com o encerramento e bloqueio do uso das máquinas. Observe-se que o provimento almejado é de caráter constitutivo (ou desconstitutivo, para ser mais exato), que é a dissolução da sociedade, com o fim das suas atividades. E a tutela antecipatória busca justamente a efetivação precária de tal provimento, ou seja, a suspensão provisória das atividades da empresa, o que demanda efetivação específica, de acordo com a sua natureza. No presente caso, mandamental.

Em se tratando, portanto, de uma medida que visa garantir a efetividade do exercício do direito cujo titular postula em juízo, não se pode impor ritos estanques, devendo-se proceder à sua efetivação de forma individualizada, auscultando-se os meandros do caso concreto.

E assim também entende José Roberto dos Santos Bedaque, em sua magistral obra "Direito e Processo", quando afirma que "A efetividade do processo encontra limitação natural na liberdade jurídica do réu, que não pode sofrer sacrifício desnecessário. Por isso, conforme bem elaborada construção doutrinária, a concessão de cautelar antecipatória será proibida, obrigatória ou simplesmente permitida em função da natureza do direito objeto da tutela. Quando sua satisfação pela via específica puder ser feita, ou quando a substituição pela via subsidiária da reparação em dinheiro for possível (direito alienável), veda-se a antecipação. Se a satisfação específica somente pode ocorrer mediante a tutela cautelar, ainda que indenizáveis os danos (direito inalienável), ou se a satisfação pela via subsidiária for faticamente impossível, a antecipação torna-se obrigatória. Caso a satisfação específica somente seja possível em tempo inferior ao necessário para o desenvolvimento do processo e a via subsidiária seja difícil, a tutela antecipatória é permitida" [4].

Retornemos aos questionamentos iniciais: a execução da tutela antecipada concedida no bojo do processo deve se dar nos próprios autos, mediante expedição de simples ordem judicial; ou seria necessária a instauração de um processo executório, nos moldes previstos pelo Art. 588 do Código de Processo Civil?

Em primeiro lugar, é indispensável, dentro do espírito já esposado nas linhas anteriores, e que é amplamente recepcionado pela moderna doutrina processual pátria, que o operador do direito defina qual é a natureza da medida antecipatória concedida ao autor, se condenatória, constitutiva, declaratória ou simplesmente mandamental. Tal definição é condicionante à posterior opção por dado rito executório para dar cumprimento à medida antecipatória.

Sendo mandamental a medida antecipatória, se aplicaria procedimento similar ao do Mandado de Segurança, ou seja, o imediato cumprimento da ordem, independentemente da formação de correspondente processo de execução? Sim. Esta nos parece que seria a atitude correta, pelo fato de constituir-se a tutela antecipatória, em alguns casos, em medida que muito se assemelha às medidas liminares, sendo espécie de tal gênero, ou seja, é ela também uma forma de medida liminar.

Parece-nos, portanto, evidente que a execução da tutela antecipada, quando encarna provimento de natureza mandamental, seria realizada nos próprios autos principais, e não mediante expedição de Carta de Sentença, ou formação de autos apartados. Há autores que vão ainda além, e acham que inclusive a execução de tutela que implique em subrrogação deva também ser feita nos autos principais. Veja-se, a propósito, o que diz o preclaro Professor Luiz Guilherme Marinoni:

"A fase de atuação do provimento antecipatório sumário não se separa – ou se destaca – do processo de conhecimento; ela se insere no próprio processo de conhecimento.

A situação é similar à do processo cautelar. Ora, segundo a opinião majoritária da doutrina italiana – que é, inclusive, idêntica àquela que Liebman revelou em famoso e já distante ensaio publicado na Rivista di Diritto Processuale – na tutela cautelar não se pode distinguir uma fase de cognição de uma outra fase de execução" [5].

Outros autores, entre os quais citamos Calmon de Passos, preferem ver a tutela antecipada como medida a ser implementada mediante procedimento autônomo de execução provisória [6]. Entretanto, o entendimento que nos parece mais correto é o que considera plenamente viável a execução da tutela antecipatória em caráter mandamental nos autos principais, como decorrência da conclusão de que não constitui a implementação da medida procedimento distinto do processo de conhecimento, sendo deste mero apêndice. Conforme ensina Marinoni, "não é possível, em vista das peculiaridades da atuação do provimento antecipatório sumário, o uso dos embargos do executado. No caso da atuação da tutela desbordar dos limites fixados pela decisão sumária, o réu poderá, através de petição simples, requerer ao juiz a revogação ou a modificação da tutela" [7].

Em se tratando de provimento de natureza mandamental, naturalmente que não lhe seria aplicável o procedimento do artigo 588, que diz mais respeito à antecipação do pagamento de soma em dinheiro.

Outrossim, em se tratando de procedimento diverso, como o de pagamento de soma em dinheiro acima citado, entendemos que é perfeitamente cabível a execução provisória, nos moldes preconizados pelo artigo 588 do CPC. Veja-se, por exemplo, o caso da tutela antecipada concedida no próprio bojo da sentença, cuja apelação não terá efeito suspensivo. Executar-se-á de imediato, mediante a extração de autos suplementares. "É claro que somente o caso concreto dirá da necessidade, eventualmente, da execução provisória não se processar nos próprios autos, o que é a regra, mais ocorreria se a antecipação de tutela fosse deferida pela Superior Instância" [8].

Com efeito, razão assiste à corrente que entende pela ausência de qualquer óbice à execução da tutela antecipatória no bojo dos autos principais.

E a justificativa é patente: a demora do procedimento executório é por demais inaceitável quando se trata de tutela antecipada, onde a efetividade do provimento pleiteado pelo autor deve ser resguardada de imediato.

Para rematar, calha trazer à baila os ensinamentos do processualista Luiz Guilherme Marinoni, o qual, acerca da expressão no que couber, e da flexibilidade do Magistrado na fixação do rito procedimental para a efetivação da tutela antecipada, teceu os seguintes comentários:

"O art. 273 afirma que a "execução" da tutela antecipada observará, "no que couber", o disposto nos incisos II e III do art. 588. O inciso II do art. 588 diz que a execução provisória "não abrange os atos que importem alienação do domínio, nem permite, sem caução idônea, o levantamento de depósito em dinheiro", ao passo que, de acordo com o inciso III do mesmo artigo, a execução provisória "fica sem efeito, sobrevindo sentença que modifique ou anule a que foi objeto da execução, restituindo-se as coisas no estado anterior.

Justamente porque é possível que o Juiz, em casos excepcionais, provoque um risco de prejuízo irreversível ao réu é que o § 3º do art. 273 afirma que a execução da tutela observará, no que couber, os incisos II e III do art. 588. De fato, se entendermos que, por exemplo, o inciso III jamais poderá deixar de ser observado, a tutela antecipatória nunca poderá provocar prejuízos irreversíveis. Ora, como já demonstrou Ovídio Batista da Silva, escrevendo após a reforma do Código, o art. 273 não pode impedir a antecipação apenas porque a tutela pode provocar prejuízos irreversíveis. Disse o professor: ‘casos há, de urgência urgentíssima, em que o julgador é posto ante a alternativa entre prover ou perecer o direito que, no momento, apresente-se apenas como provável, ou confortado com prova de simples verossimilhança. Em tais casos, se o índice de plausibilidade do direito for suficientemente consistente aos olhos do julgador – entre permitir sua irremediável destruição ou tutelá-lo como simples aparência -, esta última solução torna-se perfeitamente legítima. O que, em tais casos especialíssimos, não se mostrará legítimo será o Estado recusar-se a tutelar o direito verossímil, sujeitando seu titular a percorrer as agruras do procedimento ordinário, para depois, na sentença final, reconhecer a existência apenas teórica de um direito definitivamente destruído pela sua completa inocuidade prática’ " [9].

Com efeito, a tutela antecipada é instituto absolutamente distinto de qualquer outro, e merece tratamento também diferenciado. E é verificando a natureza do provimento antecipatório concedido no caso concreto que encontraremos a saída para tal labirinto, na medida em que facilmente se percebe o caráter também instrumental das medidas executórias em relação ao direito material em discussão no processo principal.


III - CONCLUSÕES

Conclui-se, portanto, que:

a) a execução da tutela antecipada é um procedimento atípico, que nem sempre poderá ser realizado de acordo com regras pré-constituídas e desconectadas do direito material objeto da lide;

b) ao Magistrado fora concedido grande poder nesta seara, visando dar-lhe flexibilidade na sua atuação como garante da prestação jurisdicional.

c) a solução a ser adotada em cada caso concreto sempre dependerá da natureza do provimento antecipatório almejado, se declaratório, condenatório, constitutivo ou mandamental, bem como da natureza peculiar de cada postulação engendrada pela parte demandante.

d) por fim, chegamos ao entendimento de que a tutela antecipada será executada, ou efetivada, na maioria das vezes, nos próprios autos principais, sem necessidade de procedimento autônomo para tanto, o que não exclui que em algumas situações especiais surja a necessidade de instauração de processo executório autônomo, como na sentença que concede a tutela antecipada no seu próprio bojo, ou nos casos em que se concede a antecipação de pagamento de verbas pecuniárias, cuja natureza subrrogatória da sua implementação impõe a adoção subsidiária do rito inerente à execução provisória.


NOTAS

01. Cândido Rangel DINAMARCO. A Reforma do Código de Processo Civil. 5ª ed., São Paulo: Malheiros. p. 140.

02. In. Jus Navigandi. <http:www.jus.com.br/artigos/878 .

03. In. A Reforma do Código de Processo Civil. p. 143.

04. José Roberto dos Santos BEDAQUE. Direito e Processo. 2ª ed., São Paulo: Malheiros. p. 119.

05. Luiz Guilherme MARINONI. A Antecipação da Tutela. 6ª Ed., São Paulo: Malheiros. 2000. p. 188.

06. J.J. CALMON DE PASSOS. Inovações no Código de Processo Civil. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense. 1995.

07. Ob. Cit. p. 188.

08. Carlos Roberto FERES. Antecipação da Tutela Jurisdicional. São Paulo: Saraiva. 1999. p. 62.

09. Ob. Cit. p. 189.


BIBLIOGRAFIA

-BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo. 2ª ed., São Paulo: Malheiros. 2001.

-CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Inovações no Código de Processo Civil. 2ª ed., Rio de Janeiro: Forense. 1995.

-DINAMARCO, Cândido Rangel. A Reforma do Código de Processo Civil. 5ª ed., São Paulo: Malheiros.

-FERES, Carlos Roberto. Antecipação da Tutela Jurisdicional. São Paulo: Saraiva. 1999.

-Luiz Guilherme MARINONI. A Antecipação da Tutela. 6ª Ed., São Paulo: Malheiros. 2000.

-MIRANDA, Ersio. Execução da Tutela Antecipada. Jus Navigandi. www.jus.com.br/878 .

Sobre o autor
Marcos Luiz da Silva

Advogado da União em Teresina (PI). Professor efetivo da Universidade Estadual do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Marcos Luiz. Da execução da tutela antecipada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 88, 29 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4345. Acesso em: 23 dez. 2024.

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