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Denúncia espontânea:

pressupostos de admissibilidade, requisitos de forma e imposibilidade de alteração do instituto pelas entidades tributantes

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Agenda 08/11/2003 às 00:00

3.Regularidade formal

A denúncia espontânea, enquanto ato de declaração de vontade do contribuinte perante a Fazenda Pública, e disciplinada em dispositivo legal próprio do Código Tributário, não possui nenhuma norma cogente a exigir do autodenunciante o preenchimento de maiores formalidades para o exercício do direito que lhe é conferido.

Por outro lado, não é o mero pagamento do tributo antes de qualquer medida fiscalizatória ou procedimento administrativo de apuração da infração cometida que irá livrar o contribuinte das multas punitivas previstas na lei. Isto porque faz-se necessária a tempestiva comunicação à Administração Fazendária competente de que o ato jurídico descrito no art. 138 do CTN foi perpetrado, pois, caso contrário, não surtirá efeito algum, conforme, inclusive, tem enunciado Leandro Paulsen:

A denúncia espontânea deve ser considerada como instituto jurídico tributário. Assim, descabe equipará-la à mera notícia do descumprimento de legislação. Para que ocorra a denúncia espontânea, com o efeito de elisão das penalidades, previsto no art. 138 do CTN, faz-se indispensável que o contribuinte declare a infração cometida e efetue o pagamento imediato do tributo e dos juros moratórios. [22]

A não deixar dúvidas, basilar e bastante elucidativa é a opinião de Luciano Amaro :

A denúncia espontânea de infração não é ato solene, nem a lei exige que ela se faça desta ou daquela forma. A forma irá depender da natureza e dos efeitos da infração. Se, por exemplo, a infração consistiu em que certo contribuinte de um tributo sujeito a "lançamento por homologação" [...] deixou de efetuar o pagamento no prazo legal, o modo de sanar essa infração é comparecer à repartição fiscal (ou aos bancos credenciados para receber e dar quitação do tributo) e quitar seu débito; na própria guia de recolhimento já se indicará que se trata de recolhimento a destempo, e, por isso, os juros de mora devem também ser recolhidos. Não se requerem outras providências burocráticas. [23]

Assim, resta indubitável: malgrado a ausência de regra a prescrever qualquer procedimento formal para a operacionalização da denúncia espontânea, o contribuinte precisará atentar para o fato de que o ato a ser praticado deverá cumprir exatamente o objetivo de elidir a responsabilização tributária, não podendo, portanto, ser executado de modo a não se permitir, v.g., aos agentes fazendários tomar conhecimento da comunicação do pagamento da importância devida, o que somente se torna possível com a formalização da peça denunciatória.

Da mesma forma, e desde que não se configure óbice intrasnponível ao contribuinte, deverá o autodenunciante prestar atenção para a legislação federal ou estadual que estipular alguma regra de competência do órgão administrativo para conhecer da petição, ou que preveja, apenas para exemplificar, uma norma qualquer de recolhimento da dívida por meio de guias especiais.


4.Impossibilidade de mitigação do art. 138 do CTN por lei ordinária ou ato normativo secundário

O art. 138 foi instituído pela Lei nº 5.172/1966, originariamente ordinária, mas recepcionada pela Constituição Federal de 1988 como lei complementar, em função de seu art. 146, inciso III. [24]

Constitui-se em interessante mecanismo de política tributária, pois, com a premiação do devedor que se entrega ao fisco, assumindo e pagando a quantia até então não recolhida aos cofres públicos, permite-se uma rápida recuperação de créditos fiscais até então não transformados em receita, ofertando-se ao infrator, em contrapartida, o benefício da exclusão da responsabilidade pelo ilícito, além da exoneração da multa punitiva correspondente.

Diante de tão importante comando legal, torna-se oportuno questionar: pode a regra-matriz do instituto sofrer alteração substancial promovida pelo legislador ordinário, seja o federal ou o estadual?

Entendemos que, diante do princípio da hierarquia das normas, e sendo a lei complementar superior à lei ordinária – com quorum constitucionalmente qualificado – o dilema queda superado, sendo negativa a única resposta dogmaticamente possível à pergunta formulada.

Nesse passo, concordamos com o labor intelectual de Alexandre Macedo Tavares, para quem somente a instrumentalização da forma como será exercida a denúncia poderá ser alvo de regulação por lei ordinária ou atos normativos secundários:

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[...] a normatização, caso seja levada a termo pelas entidades tributantes, somente será válida caso se limite a dispor sobre a mecânica da execução prática da denúncia espontânea, isto é, sobre aspectos puramente administrativos (v.g., forma de preenchimento da guia de recolhimento do débito autodenunciado; repartição competente para receber a confissão, entre outros), sendo-lhes vedado, por conseguinte, estabelecer limites e condições originariamente inexistentes, isto é, estranhos ao art. 138 do CTN. [25]

Discussão polêmica nesta área é referente à denúncia espontânea de imposto de renda cuja declaração não tenha sido apresentada a tempo.

A Lei nº 8.981/1995, em seu art. 88, prevê, para a falta de apresentação da declaração de rendimentos ou a sua apresentação fora do prazo fixado, a aplicação de multa punitiva.

Contudo, mesmo o contribuinte apresentando a denúncia espontaneamente, isto é, dentro do limite temporal que lhe é conferido por lei, sem qualquer procedimento fiscal específico instaurado, a Fazenda Pública Nacional insiste em impor a punição, sob o argumento de que o atraso na apresentação da declaração não configurava infração tributária albergada pelo art. 138 do CTN, tese esta defendida nos Tribunais.

Por razões arrimadas na tecnologia jurídica (denominação esta muito bem utilizada por Tércio Sampaio Ferraz Junior [26]), somos obrigados a discordar de tal exegese.

Ora, se nem aos entes tributantes, aos quais foi conferida competência constitucional para alteração da legislação fiscal, é permitida a mutação de fundo do instituto da denúncia espontânea, como se aceitar interpretação tão nefasta em desfavor do contribuinte autodenunciante?

No Judiciário, há precedentes jurisprudenciais para os dois lados.

Entendendo que deve ser excluída a multa punitiva, o TRF da 4ª Região, por sua 2ª Turma, já declarou:

EMENTA: MULTA PELO ATRASO NA ENTREGA DA DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. A entrega da declaração do imposto de renda fora do prazo assinalado, mas antes de iniciado qualquer procedimento administrativo no sentido de exigi-la, afasta a obrigação do pagamento da multa, pela ocorrência da denúncia espontânea. (REO nº 97.04011911/RS, Rel. Des. Fed. Jardim de Camargo, j. 08.10.1997, v.u., DJU 03.12.1997) [27]

Perante o STJ, há acórdãos neste mesmo segmento jurisprudencial:

EMENTA: TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – ATRASO NA ENTREGA DA DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS – LEI N. 8.981/91 E ART. 138 DO CTN. 1. A imposição de multa por atraso na entrega da declaração de rendimentos, prevista no art. 88 da Lei 8.981, está em testilha com o art. 138 do CTN. 2. Imposição apenas de juros moratórios àquele que se atrasou no pagamento, com a dispensa de sanção pelo não-cumprimento de obrigação acessória – art. 138 do CTN. 3. Recurso especial conhecido, mas improvido. (REsp nº 246.295/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, j. 04.04.2000, v.u., DJU 12.06.2000)

Entretanto, como alertado anteriormente, esta interpretação não vem sendo aplicada uniformemente, existindo fundadas controvérsias no Judiciário:

EMENTA: TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ENTREGA DA DECLARAÇÃO FORA DO PRAZO. MULTA MORATÓRIA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. O atraso na entrega da declaração do imposto de renda não constitui infração no sentido de ilícito tributário, e, deste modo, sujeito está o contribuinte ao pagamento da multa moratória, prevista em lei (Lei n. 8.981, de 1995, art. 88). (TRF 1ª Região, 3ª Turma, AMS nº 1996.01553355, Rel. Dês. Fed. Tourinho Neto, j. 15.04.1997, v.u., DJU 09.05.1997)

E ainda:

EMENTA: TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO – ENTREGA DAS DECLARAÇÕES DE IRPJ COM ATRASO – DENÚNCIA ESPONTÂNEA – INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA – INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO INCISO II DO ARTIGO 88 DA LEI N. 8.981/95 – REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO PROVIDAS. 1. OS IMPETRANTES PRATICARAM UM ILÍCITO ADMINISTRATIVO, OU SEJA, INFRAÇÃO OBJETIVA, QUE É AQUELA QUE NÃO É PRECISO APURAR A VONTADE DO INFRATOR, CONSISTENTE NA ENTREGA DE DECLARAÇÕES DE IRPJ COM ATRASO. HAVENDO O RESULTADO PREVISTO NA DESCRIÇÃO NORMATIVA, QUALQUER QUE SEJA A INTENÇÃO DO AGENTE, DÁ-SE POR CONFIGURADO O ILÍCITO. 2. O SIMPLES FATO DE TEREM TOMADO UMA ATITUDE ESPONTANEAMENTE NÃO SIGNIFICA QUE FICARÃO ILESOS DA INFRAÇÃO COMETIDA. ALÉM DO MAIS, O ARTIGO 138 DO CTN NÃO FAZ QUALQUER REFERÊNCIA À POSSIBILIDADE DA EXCLUSÃO DA MULTA QUE SE DISCUTE NESTES AUTOS, PORQUANTO, DADO O SEU CARÁTER DE INFRAÇÃO FORMAL, ELA SOBREVIVE E SE FUNDAMENTA NO PARÁGRAFO 2º DO ARTIGO 113 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. 3. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO PROVIDAS. (TRF 3ª Região, 3ª Turma, MAS nº 97.030464289, Rel. Des. Fed. Cecília Marcondes, j. 26.05.1999, v.u., DJU 21.07.1999)

Como se observa, o fundamento do julgado repousa na natureza da infração, segundo o órgão julgador, meramente formal, não abarcada pelo benefício do art. 138 do CTN.

Nas 1ª e 2ª Seções do STJ [28] a matéria pacificou-se, sendo atualmente este tribunal contrário à aplicação do CTN, art. 138, à infração decorrente do atraso na entrega da declaração do imposto de renda.

Até mesmo Ministros relutantes em assumir esta corrente, hoje têm adotado o pensamento majoritário. Exemplo disso é a seguinte decisão monocrática, proferida pela Ministra Eliana Calmon, antiga defensora da extensão da denúncia espontânea à entrega em atraso do formulário do IR:

EMENTA: TRIBUTÁRIO – MULTA – IMPOSTO DE RENDA – ATRASO NA ENTREGA DA DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS – LEI N. 8.981/91 – INAPLICABILIDADE DO INSTITUTO DA DENÚNCIA ESPONTÂNEA – PRECEDENTES – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO. (STJ, 2ª Turma, REsp nº 426.991/MG, j. 28.05.2002, DJU 17.06.2002)

EMENTA: TRIBUTÁRIO – MULTA – IMPOSTO DE RENDA – ATRASO NA ENTREGA DA DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS – LEI N. 9.532/97. 1. No julgamento do REsp 250.567/SC, em 29/05/2001, a Primeira Seção entendeu ser devida a multa prevista na Lei 8.981/95, por força do descumprimento de uma obrigação acessória. 2. Aplicação do mesmo raciocínio jurídico em relação a Lei 9.532/97. 3. Recurso especial provido. (STJ, 2ª Turma, REsp n° 410.576/PR, j. 07.05.2002, DJU 24.06.2002)

Na Primeira Turma, todos os julgamentos vêm sendo direcionados no mesmo diapasão:

A entrega da declaração do Imposto de Renda fora do prazo previsto na lei constitui infração formal, não podendo ser tida como pura infração de natureza tributária, apta a atrair o instituto da denúncia espontânea previsto no art. 138 do Código Tributário Nacional. (AGREsp n° 262.295/GO, Rel. Min. Francisco Falcão, j. 07.12.2000, v.u., DJU 16.04.2001)

E mais, em acórdão recente:

O atraso na entrega da declaração do imposto de renda é ato puramente formal, sem qualquer vínculo com o fato gerador do tributo, e como obrigação acessória autônoma não é alcançada pelo art. 138 do CTN, estando o contribuinte sujeito ao pagamento de multa moratória prevista no art. 88 da Lei n° 8.981/95. (REsp n° 396.698/PR, Rel. Min. Luiz Fux, j. 12.03.2002, v.u., DJU 08.04.2002)

Interessante, apenas para melhor ilustrar esta corrente de raciocínio, é o fundamento exposto pelo Ministro José Delgado em trecho de voto proferido nos autos dos Embargos de Divergência no REsp n° 246.295/RS (1ª Seção, j. 18.06.2001, v.u., DJU 20.08.2001):

Penso que a configuração da "denúncia espontânea", como consagrada no art. 138 do CTN, não tem a elasticidade pretendida, deixando impune as infrações administrativas pelo atraso no cumprimento das obrigações fiscais.

A extemporaneidade na entrega da declaração do imposto de renda é considerada como sendo o descumprimento, no prazo fixado pela norma, de uma atividade fiscal exigida do contribuinte. É regra de conduta formal que não se confunde com o não pagamento do tributo, nem com as multas decorrentes por tal procedimento.

A responsabilidade de que trata o art. 138, do CTN, é de pura natureza tributária e tem sua vinculação voltada para as obrigações principais e acessórias àquelas vinculadas.

As denominadas obrigações acessórias autônomas não estão alcançadas pelo art. 138, do CTN. Elas se impõem como normas necessárias para que possa ser exercida a atividade administrativa fiscalizadora do tributo, sem qualquer laço com os efeitos de qualquer fato gerador do mesmo.

A multa aplicada é em decorrência do poder de polícia exercido pela administração pelo não cumprimento de regra de conduta imposta a uma determinada categoria de contribuinte.

Particularmente, e apenas reforçando ideal transcrito linhas atrás, somos contrários à tese de que o art. 138 do CTN não teria abrangido as infrações meramente formais, concernentes, por exemplo, à entrega em atraso da declaração do imposto de renda.

O legislador, pelo menos essa é a conclusão que retiramos da redação do mencionado artigo legal, não fez qualquer opção entre os tipos de infração existentes - meramente formais, substanciais, ou, ainda, como preferem alguns, infrações praticadas em função do descumprimento de obrigações acessórias autônomas. [29]

Deste modo, estamos com a porção da doutrina, bem como da resistente jurisprudência minoritária, que não vislumbra no art. 138 do CTN qualquer distinção entre infrações tributárias substanciais e formais.

Hugo de Brito Machado, quanto a este aspecto, é enfático, ao afirmar:

Como a lei diz que a denúncia há de ser acompanhada, se for o caso, do pagamento do tributo devido, resta induvidoso que a exclusão da responsabilidade tanto se refere a infrações das quais decorra o não pagamento do tributo como as infrações meramente formais, vale dizer, infrações das quais não decorra o não pagamento do tributo. Inadimplemento de obrigações tributárias meramente acessórias.

O cumprimento de uma obrigação acessória fora do prazo legal configura nitidamente uma forma de denúncia espontânea da infração, e afasta, portanto, a responsabilidade do sujeito passivo. Assim, se alguém faz a sua declaração de rendimentos fora do prazo legal, mas o faz espontaneamente, porque antes de qualquer procedimento fiscal, nenhuma penalidade é cabível. Lei ordinária que estabelece o contrário é desprovida de validade, porque conflitante com o art. 138 do Código Tributário Nacional. [30]

Nesse pórtico, nada obstante entendermos cientificamente correta a classificação doutrinária entre infrações a obrigações tributárias e infrações a simples deveres instrumentais ou formais, segundo classificação de Paulo de Barros Carvalho, temos que tal divisão não foi absorvida pelo art. 138 do CTN que, ao prever a excludente de responsabilidade pela denúncia espontânea de infração, quis englobar todas as espécies de ilícitos tributário-administrativos, sendo, a título conclusivo, inadmissível qualquer alteração do instituto senão pela via adequada (lei complementar), não podendo o aplicador das normas, ou mesmo as entidades tributantes, criar obstáculos à fruição do direito de autodenunciação do contribuinte.

Sobre o autor
Felipe Luiz Machado Barros

assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROS, Felipe Luiz Machado. Denúncia espontânea:: pressupostos de admissibilidade, requisitos de forma e imposibilidade de alteração do instituto pelas entidades tributantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 125, 8 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4358. Acesso em: 5 nov. 2024.

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