1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Após intensa batalha judicial, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE-226.855-7, que teve como Relator o Min. Moreira Alves (DJU 13-10-2000), entendeu devida a correção dos saldos das contas vinculadas do FGTS pelos percentuais de 16,64% e de 44,08% (chamados expurgos inflacionários), respectivamente, nos períodos de 1º-12-88 a 28-02-89 e durante o mês de abril de 1990.
Como corolário dessa decisão sobreveio a Lei Complementar nº 110/2001, que reconheceu devido o direito assim julgado pelo STF.
Conseqüência da correção dos saldos da conta vinculada do FGTS exsurge o dever jurídico do empregador de efetuar o pagamento das diferenças da multa compensatória de 40% para os ex-empregados, despedidos sem justa causa, nos termos do § 1º do art. 18 da Lei n. 8.036/90. [1]
Sedimentadas essas questões, a polêmica atual diz respeito ao prazo prescricional para o ex-empregado ajuizar ação trabalhista demandando referidas diferenças.
2. CONSIDERAÇÕES ESPECÍFICAS
Pacífico é o entendimento de que quando não satisfeito pelo empregador a complementação dos 40% do FGTS na data do pagamento das verbas rescisórias, tem-se a lesão do direito.
Emerge, então, corrente doutrinária que sugere a persistência desse argumento, mesmo que a correção do saldo da conta vinculada do FGTS (base de cálculo para pagamento da multa compensatória) somente venha a ser garantida posteriormente.
Nesse sentido a doutrina de Gustavo Filipe Barbosa Garcia. Segundo o eminente jurista, "a lesão é o próprio pagamento da indenização a menor, em razão de não se computar na base de cálculo a totalidade da indenização monetária devida. A partir dai, permanecendo o trabalhador inerte, deixará correr a prescrição quanto à exigibilidade da diferença de indenização". [2]
Essa tese não se sustenta, ao meu ver, pelo simples fato de que a lesão não ocorreu quando do término do contrato de trabalho, mas sim, a partir do reconhecimento do direito à correção do saldo da conta vinculada do FGTS.
Vale dizer, o direito às diferenças da multa do FGTS, em face do empregador, depende do reconhecimento do direito (correção do saldo do FGTS) do ex-empregado em face de uma terceira pessoa: a Caixa Econômica Federal.
Somente após o reconhecimento do direito do ex-empregado em face de um terceiro à relação de emprego é que se poderá falar em diferença da multa do FGTS e, em conseqüência, em inadimplemento do empregador.
Sempre que um direito estiver na dependência do reconhecimento de outro direito (do qual decorre) não há fluência do prazo prescricional (CC, art. 199, inc. I). Um "direito subordinado a uma condição suspensiva não é ainda um direito adquirido ao qual corresponda qualquer ação (...), de sorte que não podia haver início da prescrição sem a ação já nascida". [3]
Nem mesmo a circunstância de se admitir a possibilidade de decidir sobre a questão dependente em caráter incidental altera essa assertiva.
Com oportunidade de decidir casos semelhantes assim se pronunciaram o Tribunal Superior do Trabalho e o Superior Tribunal de Justiça:
"Equiparação Salarial – Prescrição – Reclamatória trabalhista proposta pelo paradigma. Enquanto pendente de decisão definitiva, a reclamatória proposta pelo paradigma, não há direito de ação em favor do reclamante, conseqüência de que não houve o início de nenhum prazo prescricional" (TST-RR-304/84.4, 3ª T., Rel. Min. Guimarães Falcão, DJU 10-10-86).
"Prescrição – Marco inicial – equiparação salarial. Consubstanciam elementos da prescrição a existência da ação executável, a passagem do tempo e a inércia do titular da pretensão durante o período assinado em lei. Versando a demanda sobre equiparação salarial e tendo o paradigma logrado melhor salário mediante sentença, somente com o trânsito em julgado desta é que surge no patrimônio do paragonado direito atual a cuja observância está obrigado o empregador" (TST-RR-8630/85.9, 1a T., Rel. Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello, DJU 10-10-86).
"Direito civil. Recurso especial. Prescrição. Condição suspensiva. Código Civil, art. 170, I, Decreto n. 20910/32. Actio nata. Recurso conhecido e provido. I - Não corre prescrição, pendendo condição suspensiva (C.Civil, art. 170, inc. I). II - Só a partir do momento em que foi definido, por decisão judicial, o domínio do imóvel alienado pelo estado, começa a fluir o prazo qüinqüenal (Dec. 20910/32, art. 1) para o comprador exercer o direito de ação buscando ressarcir-se dos prejuízos sofridos. III - Aplicação do princípio da actio nata" (STJ-RESP-3345/GO, 2ª T., Rel. Min. Peçanha Martins, DJU 16-3-92, p. 3082).
Também o Supremo Tribunal Federal já enfrentou questão idêntica, assim decidindo:
"Acidente do trabalho – Prescrição. Tratando-se de moléstia atípica, em que o nexo de causalidade só veio a ser apurado em juízo, o prazo de prescrição não começa a correr da data do afastamento para tratamento de saúde. Recurso extraordinário não conhecido" (STF-RE-85335-SP, 2ª T., Rel. Min. Cordeiro Guerra, DJU 19-5-78).
No voto vencedor do referido julgamento proferido pela Corte Maior, ressaltou o Min. Moreira Alves que, "se o nexo de causalidade vem a ser apurado em Juízo, a meu ver só a partir daí é que se pode contar o fluxo do prazo de dois anos. Se se tratasse de doença típica, o início do fluxo resultaria do simples afastamento, porque o nexo de causalidade, decorrendo da própria tipicidade da doença, não há que se provar".
Especificamente no caso em exame, o reconhecimento do direito à correção do saldo da conta vinculada do FGTS pelos percentuais dos chamados expurgos inflacionários, anteriormente à edição da Lei n. 110/2001, somente ocorria em favor daqueles que obtinham ganho de causa nas ações que ajuizavam perante a Justiça Federal em face da Caixa Econômica Federal.
O trânsito em julgado destas, então, deflagrava a contagem do prazo prescricional para o ex-empregado reclamar diferenças da multa de 40% do FGTS em face de seu ex-empregador (regra da actio nata).
Nesse sentido recentemente decidiu o Tribunal Superior do Trabalho:
"Expurgo inflacionário. Diferenças do saldo da conta vinculada. Reflexos na multa rescisória. (...) 2. Prescrição. Contagem a partir do trânsito em julgado da decisão que determinou a retificação do saldo da conta vinculada. Inexistência de violação do art. 7º, XXIX, da CF/88" (TST-RR-82997/2003-900-04-00.0, 2ª T., Rel. Juiz Convocado, Samuel Corrêa Leite, DJU 13-6-2003). [4]
A Lei Complementar nº 110/2001, entretanto, inseriu um grão de sal ao assunto, exigindo criatividade dos operadores do direito.
Antes dela havia apenas um direito subjetivo da parte, porém, inexigível, uma vez que não existia, no ordenamento positivo, disposição que assegurasse a pretensão.
Necessitava a parte, então, de ajuizar ação perante a Justiça Federal e, logrando êxito em apontar e provar as diferenças a menor, assegurado estaria a o direito de postular na esfera trabalhista os consectários daí advindos.
Referida Lei Complementar, todavia, autorizou a Caixa Econômica Federal a creditar nas contas vinculadas do FGTS, a expensas do próprio Fundo, o complemento de atualização monetária resultante da aplicação, cumulativa, dos percentuais de dezesseis inteiros e sessenta e quatro centésimos por cento e de quarenta e quatro inteiros e oito décimos por cento, sobre os saldos das contas mantidas, respectivamente, no período de 1º de dezembro de 1988 a 28 de fevereiro de 1989 e durante o mês de abril de 1990, desde que o titular da conta vinculada firme o Termo de Adesão de que trata esta Lei Complementar (art. 4º, caput e inc. I).
Ao dispor que os trabalhadores que firmarem termo de adesão terão corrigidos os saldos das contas vinculadas do FGTS, a Lei Complementar, na verdade, reconheceu o direito in genere de todos os trabalhadores à atualização de suas contas.
A literalidade da norma citada deve ser interpretada com acuidade.
Seu texto, teleologicamente, não afirma que somente os que firmarem termo de adesão têm direito à correção do saldo de suas contas vinculadas. Diz, sim, que todos os trabalhadores têm esse direito. Entretanto, a Caixa Econômica Federal somente fará o depósito da quantia devida àqueles que firmarem o termo de adesão, aos quais, desde logo, será disponibilizada a quantia a que têm direito (art. 8º).
Assim, após o advento da mencionada Lei complementar nº 110/2001, o ajuizamento de ação trabalhista, visando o pagamento das diferenças da indenização compensatória de 40% do FGTS, relativamente às correções dos expurgos inflacionários, não mais depende de ajuizamento de ação do ex-empregado em face da CEF perante a Justiça Federal Comum. [5]
Isso importa afirmar, então, que a data da publicação da Lei Complementar nº 110/2001 (30-6-2001) fixa o marco do prazo prescricional para o ex-empregado reclamar diferenças da multa de 40% do FGTS em face de seu ex-empregador (regra da actio nata), salvo na hipótese em que referido prazo já se encontrava em curso (prazo iniciado com o trânsito em julgado de ações ajuizadas perante a Justiça Federal em face da Caixa Econômica Federal).
Nesse sentido o entendimento da 3ª Turma do TRT/SC (RO-V-00777-2002-043-12-00-7): "o prazo prescricional para o empregado ingressar em juízo, reivindicando as diferenças do FGTS, é de dois anos da data de vigência da Lei Complementar nº 110/2001".
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto podemos concluir, então, que:
a) todos os trabalhadores têm direito à correção dos saldos das contas vinculadas do FGTS pelos percentuais de 16,64% e de 44,08%, respectivamente, nos períodos de 1º-12-88 a 28-02-89 e durante o mês de abril de 1990.
b) como corolário do direito à correção do saldo das contas vinculadas do FGTS emerge o direito dos trabalhadores despedidos sem justa causa ao pagamento das diferenças da multa compensatória de 40% de que trata o § 1º do art. 18 da Lei n. 8.036/90.
c) o prazo prescricional para o ex-empregado ajuizar ação trabalhista demandando diferenças da multa compensatória de 40% somente passa a fluir a partir do reconhecimento do direito à correção do saldo da conta vinculada do FGTS (CC, art. 199, inc. I).
d) o reconhecimento do direito à correção do saldo da conta vinculada do FGTS pelos percentuais dos chamados expurgos inflacionários, anteriormente à edição da Lei n. 110/2001, somente ocorria em favor daqueles que obtinham ganho de causa nas ações que ajuizavam perante a Justiça Federal em face da Caixa Econômica Federal. O trânsito em julgado destas, então, deflagrava a contagem do prazo prescricional para o ex-empregado reclamar diferenças da multa de 40% do FGTS em face de seu ex-empregador (regra da actio nata).
e) a Lei Complementar nº 110/2001, em seu sentido teleológico, afirmou que todos os trabalhadores têm direito a correção dos saldos das contas vinculadas do FGTS pelos percentuais dos expurgos inflacionários. A data de sua publicação, portanto (30-6-2001), fixa o marco do prazo prescricional para o ex-empregado reclamar diferenças da multa de 40% do FGTS em face de seu ex-empregador (regra da actio nata), salvo na hipótese em que referido prazo já se encontrava em curso (prazo iniciado com o trânsito em julgado de ações ajuizadas perante a Justiça Federal em face da Caixa Econômica Federal).
Nota
01. FGTS. INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA DE 40%. CÁLCULO. EXPURGO INFLACIONÁRIO. COMSIDERAÇÃO DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA DO SALDO DA CONTA VINCULADA. Uma vez que o Excelso Supremo Tribunal Federal considerou as diferenças resultantes do chamado expurgo inflacionário direito adquirido dos empregados, consectária é a atualização dos saldos pelo Gestor, assim como a complementação da indenização compensatória pelo empregador, ante os claros termos do § 1º do art. 18 da Lei nº 8036/90 (TST-RR-605-2002-105-03-00, 2ª T., Rel. Juiz Convocado Samuel Corrêa Leite, DJU 30-5-2003).
02. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. FGTS – Planos econômicos – Complemento de atualização monetária – Diferença de indenização compensatória de 40%: justiça competente, legitimidade ad causam e prazo prescricional. Porto Alegre, Revista Síntese Trabalhista, nº 167, mai./2003, p.19.
03. SANTOS, J. M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado. 10. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, sd., v. III, p. 414.
04. É do seguinte teor o voto do Juiz Relator: "A reclamatória tem por objeto a condenação do Reclamado ao pagamento de diferenças da multa rescisória. Tais diferenças seriam devidas em face da retificação da atualização monetária do saldo da conta vinculada, determinada à CEF por decisão da Justiça Federal, posterior à rescisão.
O Eg. Regional emitiu tese no sentido de que o prazo prescricional começa a correr do trânsito em julgado da decisão da Justiça Federal, que determinara a correção do saldo da conta vinculada, não a partir do término do contrato de trabalho.
Alegando que a reclamatória está inteiramente prescrita, o Reclamado aponta violação do art. do art. 7º, XXIX, da Constituição e contrariedade ao Enunciado 362.
A decisão recorrida revela coerente raciocínio jurídico, tendo em vista o fato de que à época da rescisão ainda não havia saldo corrigido, que constitui a situação jurígena geradora da actio nata, e que só se consolidou com o trânsito em julgado da decisão judicial que determinou a retificação.
Diante disso, não vislumbro como extrair violação direta do preceito constitucional.
O Enunciado 362 não trata da hipótese em debate, que por sua vez não diz respeito a pedido de diferenças pelo não-recolhimento das contribuições fundiárias."
05. Foi esclarecedor o que defenderam, em artigo publicado sobre o tema, os juízes do TRT da 9ª Região Nacif Alcure Neto e Luiz Eduardo Gunther ao manifestarem que: "a adesão prevista no art. 4º, inc. I da Lei Complementar n. 110 não se traduz em conditio sine qua non para o exercício da pretensão de direito material do trabalhador sendo suficiente, para tal desiderato, que o autor tenha sido empregado e beneficiário do FGTS ao tempo dos plano econômicos geradores das diferenças" (ALCURE NETO, Nacif. GUNTHER, Luiz Eduardo. Multa do FGTS: diferenças dos planos econômicos. Internet-lex).