Dispõe a Lei nº. 9.307/1996, em seu artigo 4º, que “cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”, podendo as partes inseri-la no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira.
Tem-se, portanto, que a indigitada cláusula regula como deverão as partes atuar para dirimir eventuais conflitos referentes à aplicação de um contrato específico.
Neste ponto é necessário deixar claro que a Cláusula Compromissória é uma das espécies da Convenção Arbitral[1], sendo a outra o Compromisso Arbitral, definido pelo artigo 9º da Lei nº. 9.307/1996[2], que se presta a regular a forma que se resolverá um conflito atual entre as partes.
Imagine-se, pois, que eventual conflito se instaure, preferindo as partes, de forma tácita, não se utilizar da Convenção de Arbitragem, mas provocar o Poder Judiciário sobre o conhecimento da demanda. Diz-se tácita, pois, o Autor, no exemplo citado, ingressou com demanda perante o Judiciário, e o Réu, por sua vez, não contestou o descumprimento da susa-referida cláusula, no momento oportuno. Poderia, dessa forma, o Poder Judiciário, na pessoa do Juiz Togado, independentemente da vontade das partes, extinguir o processo judicial, sob o argumento que deveriam as partes ter buscado a solução de seu conflito pela Convenção de Arbitragem, uma vez que o artigo 301, §4º, do Código de Processo Civil[3] prescreve que, somente, o Compromisso Arbitral não poderá ser conhecido, independentemente, da vontade das partes?
É certo que não!
Com efeito, apesar da regra legal mencionar o Compromisso Arbitral, (aquele firmado, após a existência do conflito), a interpretação deve ser extensiva, teleologicamente orientada, para que, também, a Cláusula Compromissória, que é estabelecida contratualmente, antes da existência da controvérsia, possa, somente, ensejar a extinção do processo, caso arguida em contestação.
Neste mesmo sentido é o posicionamento doutrinário, dentre eles do ilustre Professor Francisco José Cahali[4] afirmando, com propriedade, que “evidencia-se ter a Lei dito menos do que pretendia, referindo-se inadequadamente ao compromisso quando o correto seria convenção; e assim, leia-se no § 4 em exame ‘com exceção à Convenção Arbitral’, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo’, até porque, note-se, sequer foi enumerado o compromisso nos incisos do art. 301 do CPC, mas apenas a convenção de arbitragem (inciso IX)”
Por outro lado, ressalta-se, o Poder Judiciário, somente, poderia conhecer de ofício matérias de Ordem Pública, ou seja, aquelas que exsurgem da relação entre particulares, o que não é o caso em comento.
Neste aspecto, registre-se o entendimento do ilustre Processualista Candido Rangel Dinamarco[5], fazendo eco aos demais doutrinadores, quando afirma: “o juiz togado jamais reconhecerá de ofício a existência de uma convenção de arbitragem com efeito de extinguir sem julgamento de mérito um processo iniciado perante o Poder Judiciário, pois, nada impede que as partes, mesmo com a existência de uma convenção de arbitragem, tenham a ela renunciado e recorrido ao Poder Judiciário por meio de propositura de demanda judicial. A não arguição da preliminar por uma dos signatários da convenção, associada à propositura da demanda perante o Poder Judiciário pelo outro deles, produz no sistema o mesmo efeito de uma renúncia bilateral e explícita à arbitragem.”
Ressalte-se, ainda, que o Novo Código de Processo Civil, em seu artigo 337, inciso X, e parágrafos 5º e 6º[6], sepultando, de vez por todas, interpretações, data venia, equivocadas, determinou que a existência de Convenção Arbitral (seja cláusula compromissória, seja compromisso, portanto, o gênero), somente pode ser suscitada pela parte interessada, como preliminar em Contestação, não podendo em hipótese alguma ser reconhecida “de ofício” pelo Juízo.
Com efeito, invocar (ou não) a existência de Cláusula Compromissória Arbitral, é matéria que se inscreve no direito subjetivo dos litigantes, devendo haver respeito por parte do Poder Judiciário quanto à eventual renúncia tácita de cláusula contratual, sob pena de, assim não ocorrendo, violar garantias pétreas da Constituição Federal e normas infraconstitucionais, tais como o Princípio da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional e o Princípio da Autonomia da Vontade das Partes.
[1] Art. 3º As partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
[2] Art. 9º O compromisso arbitral é a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem de uma ou mais pessoas, podendo ser judicial ou extrajudicial.
[3] Art. 301. Compete-lhe, porém, antes de discutir o mérito, alegar:
(...)
§ 4º Com exceção do compromisso arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo.
[4] Curso de Arbitragem, Ed. RT, 2, pg. 145
[5]A arbitragem na Teoria Geral do Processo, Ed. Malheiros, 2013, pg. 92
[6] Art. 337 - Incumbe ao Réu, antes de discutir o mérito, alegar:
X - Convenção de Arbitragem
§5º - Executados a convenção de arbitragem e a incompetência relativa, o Juiz conhecerá de ofício das matérias enumeradas neste artigo
§ 6º - A ausência de alegação da existência de convenção de arbitragem, na forma prevista neste Capítulo, implica aceitação da jurisdição estatal e renúncia ao Juízo Arbitral.