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Estatuto do Idoso: real proteção aos direitos da melhor idade?

Agenda 01/11/2003 às 00:00

Criado com o objetivo de garantir dignidade ao idoso foi aprovado, após longos 6 anos de espera, o Estatuto do Idoso pelo Senado Federal, devendo ser sancionado pelo Presidente da República em 1º de outubro, data em que se comemora o Dia Internacional do Idoso. Recebido com festa porém com os pés no chão pelas entidades de classe dos idosos, que através desta produção legislativa demonstraram que também tem poder político e lobby suficiente para aprovar uma lei, aguardam a aplicabilidade da lei e sua repercussão.

Já no nascedouro legislativo gerou inúmeras discussões, porém estas foram superadas após longo trâmite legislativo, como se a matéria não fosse de urgência. Vivemos num país onde o idoso não é respeitado, sendo tratado como cidadão de segunda espécie, ficando marginalizado e flagrantemente desrespeitado em razão do seu declínio de vigor físico, próprio da idade.

O tratamento degradante não parte apenas da sociedade, mas do próprio Estado, que discute formas de faze-lo contribuir mesmo aposentado para a Previdência Social, que lhe impõe aposentadoria ínfima, que lhe presta um serviço de saúde precário e que não se preocupa em adotar políticas públicas que os beneficie. Diante de todos esses maus-tratos surge o paliativo, o Estatuto do Idoso, justamente quando a urgência em reduzir o déficit da previdência propõe reduções nos benefícios, já minúsculos para a maioria da população em geral.

A Constituição Federal no art. 230. em si já era o suficiente para garantir a proteção ao idoso, porque assegura "a sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida". O dever de assegurar a participação comunitária, a defesa da dignidade, o bem-estar e o direito à vida, pertence à família, a sociedade e ao Estado, sendo portanto dever de todos. Toda vez que precisamos de leis para efetivar direitos constitucionais é sinal que não os respeitamos e, por conseguinte estamos um passo atrás do espírito constitucional.

Nossa sociedade ainda não evoluiu o suficiente para alcançar a importância dos idosos e o compromisso social em propiciar a eles um envelhecimento digno, porque eles formaram a sociedade em que vivemos, estabeleceram padrões sociais, construíram o conhecimento que hoje adquirimos e mais, nós somos sua extensão genética, sua continuação, portanto parte deles.

Dignidade é o grau de respeitabilidade que um ser humano merece, o que difere de caridade, de solidariedade e de assistência que trazem em si um conteúdo pejorativo de hipossuficiência, de impossibilidade de sobrevivência independente. Precisamos lutar para que os idosos sejam dignos e assim tratados por todos.

Os idosos já estão reunindo-se em sindicatos, formando grupos e organizações não governamentais para unidos e organizados poderem fazer valer seus direitos e formar a consciência cidadã de que dignidade é o que buscam, além de provar a toda a sociedade que ainda fazem parte dela e que tem muito a contribuir para o seu pleno desenvolvimento.

A velhice não torna um ser humano menos cidadão que outro, ou menos importante para a sociedade, a experiência galgada pela vivência é algo que não se aprende nos bancos universitários, algo que não se alcança com o vigor físico. Garantir dignidade aos idosos é ao menos tempo humanístico e egoístico. Humanístico porque a humanidade tem muito a aprender com eles e necessita de sua experiência e egoístico porque só assim poderemos garantir dignidade para nós mesmos, porque os sobreviventes à adolescência certamente irão tornar-se idosos e, é este nosso futuro.

O Estatuto do Idoso que deverá ser sancionado pelo presidente Lula em 1º de Outubro próximo, com 118 artigos em seu bojo, trazendo algumas novidades almejadas há tempos pela sociedade, como o sistema de cotas de 3% das moradias construídas com recursos federais para facilitar o acesso à moradia condigna ao idoso, salário mínimo mensal aos cidadãos com mais 65 anos de idade, dois anos a menos que os 67 anos completos exigidos pela Lei Orgânica da Assistência Social, garantia de reajuste do benefício sempre que o salário mínimo for reajustado, sem entretanto a ele vincular-se, haja vista proibição constitucional.

Além dos benefícios citados, ainda abarca em seu texto a determinação de adequação das empresas prestadoras de serviço para abrigar pelo menos 20% do seu quadro com pessoas maiores de 45 anos, a obrigação do poder público em fornecer medicamentos e instrumentos de reabilitação e tratamento, a vedação de reajustes discriminatórios em razão da mudança de faixa etária pelos planos de saúde, além de prever vagas em transporte coletivo gratuitas, dentre muitas outras novidades que irão beneficiar os idosos.

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A grande questão é se o novo texto de lei será capaz de modificar a visão da sociedade em relação ao idoso e se irá frutificar a idéia de que idoso também é cidadão. Nossa história já demonstrou que leis não são capazes sozinhas de modificar o ser humano, mas o ser humano é capaz de modificar-se, imprimindo novos valores e transformando-os em leis. Estamos portanto no curso inverso, aguardando que a lei modifique a sociedade.

O papel dos idosos então é potencializar o movimento iniciado, continuar cobrando atitudes da sociedade e do Estado, afim de que com a educação escolar sejam imbuídos no ensino os valores de dignidade e respeito ao idoso, e não só a ele, aos deficientes, aos negros, e a toda forma de vida humana. A educação é o ponto chave de modificação da sociedade e é através dela, e não de leis que iremos fazer valer a dignidade dos idosos.

A realidade de desrespeito chega a causar espanto, porque muito se fala em direitos do idoso, porém a prática desses direitos é bem diferente. Podemos citar como exemplo o direito a transporte coletivo gratuito, onde motoristas de empresas de ônibus simplesmente não param no ponto quando observam um idoso à espera, para impedir que o serviço seja gratuito para ele, deixando-o horas no ponto. E mesmo quando o ônibus para no ponto, o idoso tem imensa dificuldade em nele subir, porque os degraus são demasiadamente altos até mesmo para as pessoas mais novas.

Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que 64% dos idosos sustentam a casa em que vivem ou contribuem de forma significativa para a manutenção da família, deixando claro que o idoso é fator de equilíbrio social e de manutenção da família condignamente.

O Estatuto do Idoso não trouxe somente benefícios, causando celeuma no tratamento dado ao agressor do idoso. No momento em que explodem em todo país denúncias de maus-tratos e abusos de todo o tipo contra os idosos, e até a novela Mulheres Apaixonadas da Rede Globo demonstra a situação vexatória do idoso mal tratado por familiar, esperava-se que a legislação endurecesse. Ocorre justamente o contrário, pelo que a nova lei demonstra em seu texto.

O Estatuto do Idoso amplia o tempo de benefício de cumprir a sanção penal fora da prisão para penas de até 4 anos, antes somente para penas de 1 ano, benefício oriundo do art. 94. do Estatuto em questão. Isso não irá certamente inflamar os agressores, porém em médio prazo trará a sensação de impunidade aos agressores, podendo até mesmo servir de estímulo a violências por represálias, já que prevê a utilização da lei 9.099/95 (Juizados Especiais) para os agressores com pena inferior a 4 anos, trazendo o benefício da transação penal, e o termo circunstanciado, tendo o agredido que sair da delegacia acompanhado do agressor, caso semelhante aos procedimentos da delegacia da mulher.

E não é apenas a aplicação da Lei 9099/95 que traz inquietude jurídica, também o caso dos planos de saúde, que ainda será objeto de inúmeras discussões em nossos tribunais, caso o Presidente da República não exerça o seu poder de veto na situação do art. 94. e seu poder-dever de vigilância da Constituição Federal no tocante aos planos de saúde. Certamente a pressão política dos grandes planos de saúde irá fazer todo tipo de sacrifício para impedir que a lei vede reajustes em razão da mudança de faixa etária, ou então encontrarão uma saída jurídica (legal porém ilegítima) para o benefício legal, como muitas vezes ocorre quando um setor economicamente forte é lesado.

O principal argumento para a manutenção dos reajustes em razão da faixa etária é que caso seja vedada, implicará no aumento para todas as faixas etárias, ocasionando um reajuste em todos os planos, o que lesaria a população que deles faz uso. Esse artifício faz com que os vilões sejam os idosos, e os coloca em posição de lesadores do plano, o que não é verdadeiro. Esse argumento tem a finalidade de colocar a população contra os idosos, fortificando a discriminação.

Outro setor potencialmente atingido pelo Estatuto do Idoso é o de transportes, que terá que propiciar transporte intermunicipal e interestadual gratuitamente, que também poderá utilizar-se do argumento de que para arcar com estes custos terá que reajustar o valor da passagem, o que atingirá todos os consumidores do serviço. O transporte coletivo urbano já era previsto ser gratuito aos idosos com 65 anos, passará a ser garantido aos idosos com 60 anos em diante e deixa de ser regulamentado por Lei Municipal, como era anteriormente ao Estatuto do Idoso.

Dentre as medidas de reinserção do idoso na sociedade como cidadão, também é amparado no texto de lei a reserva de espaço na programação televisiva e cultural em geral para programas que visem educar e entreter o idoso, bem como a população em geral através da inserção nas escolas públicas de disciplinas que visem formar cidadãos conscientes e zelosos pela dignidade do idoso. Além disso, a meia-entrada também é garantida aos idosos em espetáculos culturais, de lazer e de esporte.

O Estatuto do Idoso vem em boa hora, porque estimativas demonstram que em 2020 estaremos na 6ª posição dentre os países com maior número de idosos, tendo mais de 30 milhões de idosos em nossa sociedade. Esses dados demonstram a necessidade de se regulamentar e efetivar os direitos existentes dos idosos de forma a propiciar uma existência digna.

O idoso não pode continuar na posição de maior abandonado em nossa sociedade, apenas como merecedor de pena e assistencialismo por parte do Estado. Até então só tínhamos a lei 8.842/94 que traçava apenas diretrizes de política em relação ao idoso, deixando muito a ser regulamentado. Necessidade esta atendida pelo Estatuto do Idoso recém-aprovado no Senado Federal.

A função principal do Estatuto do Idoso é funcionar como carta de direitos, fornecendo meios de controle do Poder Público em relação ao melhor tratamento do idoso e verdadeira educação cidadã, no tocante ao respeito e à luta pela dignidade das pessoas com idade mais avançada em nosso país.

Como instrumento de cidadania e pontapé inicial de formação consciente da dignidade dos cidadãos de idade avançada, o Estatuto do Idoso irá marcar a história jurídica de nosso país, porém devemos zelar para que o marco seja também histórico-social, no sentido de que os idosos alcancem a posição de cidadão efetivo na sociedade, galgando o lugar de respeito e dignidade que merecem por serem os formadores de nossa sociedade, porque o que o idoso realmente quer é participar ativamente da sociedade.

Sobre a autora
Dayse Coelho de Almeida

Professora do Curso de Direito da Universidade Federal de Sergipe - UFS e do Curso de Direito da Faculdade de Sergipe – FaSe, advogada cível e trabalhista do escritório Almeida, Araújo e Menezes Advogados Associados - ALMARME, Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, pós-graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Cândido Mendes – UCAM/RJ. Coautora dos livros: Relação de Trabalho: Fundamentos Interpretativos para a Nova Competência da Justiça do Trabalho, LTr, 2005 e 2006; Direito Público: Direito Constitucional, Direito Administrativo e Direito Tributário, PUC Minas, 2006 e Roda Mundo 2006, Editora Ottoni, 2006. Membro do Instituto de Hermenêutica Jurídica – IHJ, da Associação Brasileira de Advogados – ABA e do Instituto Nacional de Estudos Jurídicos – INEJUR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Dayse Coelho. Estatuto do Idoso: real proteção aos direitos da melhor idade?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 122, 1 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4402. Acesso em: 22 dez. 2024.

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