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O caso OGX: reflexões sobre alguns aspectos do pleito indenizatório requerido pelos acionistas minoritários em juízo

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Agenda 12/11/2015 às 17:02

Este artigo traz reflexões sobre pleitos indenizatórios de acionistas investidores do mercado secundário.

1. Notas introdutórias. 2. Síntese dos fatos acerca do caso OGX. 3. Fatores que podem influenciar no pleito indenizatório dos acionistas minoritários. 3.1. Exercício de atividade especulativa. 3.2. Influência das agências de rating e das empresas de consultoria técnica no valor da companhia. 3.3. Quantum pleiteado em ação indenizatória. 4. Considerações finais. 5. Bibliografia

1. Notas Introdutórias

O presente estudo analisará algumas questões relevantes acerca do pleito indenizatório movido por parte dos acionistas minoritários da sociedade empresária OGX Petróleo e Gás S/A, em face de seu controlador de fato, o Sr. Eike Fuhrken Batista e outros réus. A ação pleiteia reparação material por alegada depreciação do valor das ações dos autores na companhia, em virtude de supostos ilícitos que teriam sido cometidos pelos gestores da sociedade.

Além do Sr. Eike Batista (controlador do conglomerado EBX), a referida ação foi ajuizada também em face da Comissão de Valores Mobiliários – CVM e do Sr. Eliezer Batista da Silva (este último componente do Conselho de Administração da companhia).

            A sociedade empresária OGX Petróleo e Gás S/A capitaneava o grupo econômico gerido pelo Sr. Eike Batista (Grupo EBX), que teve seu auge nos anos de 2010 e 2011. A partir de 2012 as ações foram submetidas a drásticas desvalorizações em decorrência dos resultados negativos apresentados aos seus acionistas e as repercussões advindas destes resultados. Por fim, as duas principais companhias do grupo (OGX Petróleo e Gás S/A e OSX Brasil S/A) entraram, em 2013, em recuperação judicial.

A ação que constitui o objeto do presente estudo é a que tramita perante a 30ª Vara Federal do Rio de Janeiro, sob o número 0032719-12.2013.4.02.5101. Trata-se de processo que não tramita sob segredo de justiça, sendo público o acesso aos seus autos.

A ação de indenização, patrocinada por uma renomada banca de advogados do Rio de Janeiro, pleiteia que os réus, já citados, promovam o ressarcimento aos autores (acionistas minoritários) os prejuízos advindos, segundo alegam, da má administração e de divulgação de informações falsas ao mercado, o que teria levado à frustração das expectativas quanto ao valor de suas ações.

Sendo vários os aspectos que envolvem o pleito indenizatório dos autores da demanda, este estudo ater-se-á a alguns deles, que são a eventual existência de atividade especulativa, a influência das agências de rating e entidades de consultoria técnica no valor das ações da companhia e o quantum indenizatório almejado pelos autores. Tais fatores, contextualizados pelo juízo da causa, podem influenciar significativamente no julgamento da lide instaurada, especialmente no que tange à apuração e delimitação de responsabilidades e fixação do valor da indenização.

Consideramos de grande relevância a matéria tratada, não só por se tratar do que foi classificado como o maior caso de quebra da América Latina[1], mas também porque trás a luz discussões que carecem de maior e melhor regulamentação no Brasil como a prática de insider trading, a atuação das agências de rating e das empresas de empresas de consultoria técnica de grande porte.

Não se tem a pretensão de esgotar o tema, mas de iniciar um debate sobre até onde as ações judiciais são meios legítimos de obter a reparação justa por dano ou um subterfúgio para anular os riscos atinente ao mercado de capitais.

           

2. Síntese dos fatos acerca do caso OGX

A ascensão e queda do conglomerado empresarial criado e gerido pelo Sr. Eike Fuhrken Batista (Grupo EBX) tornou-se um dos mais notórios casos de crise no mercado de capitais brasileiro.

A sociedade empresária OGX Petróleo e Gás S/A foi criada no ano de 2007. O real controle da sociedade, que fazia parte do conglomerado EBX, era exercido pelo Sr. Eike Batista, através das offshore trading companies que controlava. Também capitaneava o conselho de administração destas sociedades[2].

Naquele mesmo ano, ainda com seu capital fechado, efetuou uma oferta privada de ações a fim de captar recursos para participar da 9ª Rodada de Licitações da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP)[3]. A OGX, então, arrematou 21 (vinte e um) blocos de exploração, utilizando como pagamento os valores auferidos com a captação privada realizada (private placement), que chegou ao montante de 1,3 bilhão de reais. Naquele leilão, arrecadou 75% dos blocos leiloados.

Ainda em fase pré-operacional, em julho de 2008, a OGX Petróleo e Gás S/A se abriu ao mercado de ações, através de uma IPO (Initial Public Offering) que foi capaz de captar um montante de 6,7 bilhões de dólares junto a investidores. Recebeu, naquele momento, o título de maior IPO da bolsa brasileira. Seu valor de mercado chegou aos 36 bilhões de reais e passou a ocupar o 12º lugar entre as 20 maiores empresas com ações na Bolsa de Valores[4].

A oferta pública de ações em 2008 tinha como preço inicial o valor de 1.131 reais por ação[5] (valor equivalente a R$ 11,31, eis que foram fragmentadas à fração de 1/100 meses depois). Ou seja, levando-se em consideração à aprovação de fragmentação, tem-se que o valor inicial de lançamento da ação era de R$ 11,31.

Antes da IPO da OGX Petróleo e Gás S/A, foi realizado um estudo de quantificação e viabilidade das reservas arrematadas através da empresa de consultoria DeGolyer & MacNaughton, renomada instituição americana especializada em avaliação de ativos petrolíferos. As informações divulgadas pela OGX, embasadas nestes estudos, indicavam a existência de reservas de petróleo da ordem de 6,7 bilhões de barris[6].

Especialistas da área de mercados, à época da IPO, já alertavam para os riscos atinentes ao mercado de capitais e a possibilidade de não concretização dos resultados esperados. Houve divulgação, pela mídia, de matérias jornalísticas sobre os riscos de IPOs de empresas pré-operacionais, a exemplo da publicada pela revista Veja naquele ano[7].

Observa-se também que os prospectos lançados pela companhia no mercado continham alertas sobre os riscos da atividade de exploração petrolífera e citavam o parecer técnico da DeGolyer & MacNaughton como fundamento das informações ali veiculadas. Interessante dado é que a palavra “risco”, no prospecto de captação, é citada 184 (cento e oitenta e quatro) vezes.[8] [9]

Seguiu-se a este lançamento a publicação de uma série de fatos relevantes (114 entre 2008 a 2013), com grande parte deles (entre 2008 a 2010) divulgando o avanço positivo das campanhas exploratórias. A OGX Petróleo e Gás S/A chegou a alcançar, em 2010, 75 (setenta e cinco) bilhões de reais em capitalização[10].

A argumentação dos acionistas minoritários na peça de ingresso argui que que a divulgação contínua de fatos relevantes “positivos” fazia parte de uma estratégia que objetivada a manutenção, em alto patamar, das cotações das ações.

A partir de 2012, a OGX passou a divulgar novos comunicados ao mercado, noticiando a não concretização das projeções iniciais divulgadas de suas campanhas exploratórias. Naquela oportunidade, foi divulgado ao mercado novo relatório, igualmente confeccionado pela empresa de consultoria DeGolyer & MacNaughton, em que eram revistas as projeções iniciais, com redução em quantidade e qualidade das reservas arrematadas.

Em 26 de junho de 2012, através de comunicado ao mercado[11], a OGX divulgou que a produção de um de seus mais promissores campos de prospecção, o de Tubarão Azul, estava produzido cerca de 5 mil barris diários de petróleo, ou seja, aproximadamente um quarto das projeções iniciais informadas ao mercado. Tal evento desencadeou uma crise de credibilidade em face da OGX, desvalorizando as ações em 40%. Desde então a OGX passou a sofrer outros revezes em suas campanhas exploratórias. Um ano depois do comunicado sobre o campo de Tubarão Azul, em junho de 2013, a companhia anunciou o encerramento definitivo da produção naqueles poços em razão de inviabilidade comercial.

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Desde junho de 2012, as ações da companhia OGX tiveram uma gradual e sistemática redução, chegando quase a zero, hoje (2014) não valendo mais do que alguns centavos. Com isso, a companhia teve praticamente extinto seu acesso a crédito, comprometendo seus pagamentos de curto prazo.

Em outubro de 2013, em razão de sua grave situação financeira, a OGX ingressou com um pedido de recuperação judicial junto à 4ª vara empresarial da comarca do Rio de Janeiro, estando atualmente sob processamento naquele juízo.

A crise no principal empreendimento do grupo econômico EBX repercutiu nas demais sociedades coligadas, provocando o esfacelamento do grupo empresarial. A quase totalidade das sociedades componentes do conglomerado tiveram seus controles e ativos vendidos.

A trajetória de declínio do valor das ações da OGX, especialmente entre meados de 2011 e 2013, foi atribuída pelos acionistas minoritários ao controlador Eike Batista. Ao ingressarem em juízo, argumentaram, dentre outras práticas da administração, o exercício de gestão ruinosa, prática de insider trading e violação de outros deveres de administrador. Também responsabilizaram a Comissão de Valores Mobiliários por suposta omissão no caso, além de condutas omissivas dos demais membros do Conselho de Administração da companhia.

Os principais fundamentos legais arguidos pelos acionistas minoritários estão descritos nos artigos 153; art. 155, caput e §1º; art. 157.§4º; art. 158, I e II e art. 159, §7º da Lei n. 6.404/76[12], bem como o artigo 927 do Código Civil[13].

3. Fatores que podem influenciar no julgamento do pleito indenizatório dos acionistas minoritários

3.1 – Exercício de atividade especulativa

Notório que o desenvolvimento econômico de um país depende da expansão contínua de sua produção e que, por sua vez, tem no desenvolvimento do mercado de capitais um primoroso meio de captação de recursos para o desenvolvimento de suas atividades. Neste sentido os professores Nelson Eizirik, Ariádna B. Gaal, Flávia Parente e Marcus de Freitas Henriques[14]:

“A função econômica essencial do mercado de capitais é a de permitir às empresas, mediante a emissão pública de seus valores mobiliários, à captação de recursos não exigíveis para o financiamento de seus projetos de investimento ou mesmo para alongar o prazo de suas dívidas; como não se tratam de empréstimos, a companhia não está obrigada a devolver os recursos aos investidores (exceto no caso de debêntures ou de commercial papers, que também integram o mercado de capitais), mas, isto sim, remunerá-los, sob forma a forma de dividendos, caso apresente lucros em suas demonstrações financeiras. Daí decorre a natureza do mercado de capitais como um mercado “de risco”, uma vez que os investidores não tem qualquer garantia quanto ao retorno de seus investimentos, que dependerá dos resultados do empreendimento econômico desenvolvido pela companhia.”

Para que seja atingida a função do mercado de capitais (financiamento da atividade produtiva), verifica-se que os investidores do mercado primário, como o próprio nome sugere, são os primeiros a por em prática tal intento. Através deles é que, inicialmente, se disponibiliza a transferência de recursos da poupança popular para as entidades emissoras de valores mobiliários. Ou seja, em regra, são estas as pessoas dispostas a investir no empreendimento, a fim de obterem lucro com seu desenvolvimento e serem, de fato, parceiros da empreitada.

Já em relação aos acionistas que ingressam no quadro societário através do mercado secundário, os fins são distintos daqueles do mercado primário[15]:

“Já no mercado secundário, não há ingresso de recursos para as companhias emissoras, inexistindo a emissão de novos títulos. Na realidade, as operações de mercado secundário são realizadas entre os poupadores, sem qualquer vinculação com a companhia que emitiu os valores mobiliários”

Não deixando de reconhecer a importância que os investidores do mercado secundário representam para a liquidez dos valores mobiliários das entidades emissoras, o fato é que, em regra, trata-se de acionistas que confiam na valorização dos títulos para posterior revenda e obtenção de lucro, não tendo, em regra, pretensão de exercer a qualidade de parceiro do negócio.

Por tal motivo, o fator “risco” incorpora o mercado primário e secundário de forma semelhante, mas com distinção de finalidade. Enquanto para o investidor do mercado primário a não confirmação de um resultado representa a frustração de resultados de seu empreendimento, para o investidor do mercado secundário representa a não obtenção de lucro advindo da frustração de sua atividade especulativa. Acreditamos que esta distinção de finalidade é de extrema importância para o julgador ao analisar as circunstâncias de um caso concreto.

A atividade especulativa não está comprometida com o sucesso do empreendimento, mas sim com o lucro momentâneo advindo da lei da oferta e da procura de ações, mesmo que tal lucro em nada se reverta à entidade emissora.

Importa afirmar que não se está a desmerecer o mercado secundário como, já dito alhures, que é importantíssimo para a liquidez dos valores mobiliários lançados no mercado. Mas, contudo, é vital ao julgador contextualizar a demanda a partir das finalidades do investidor frente ao empreendimento, a fim de comedir excessos e delimitar a justa indenização.

A finalidade de obtenção de lucro, sem comprometimento da transferência de recursos da poupança popular à atividade produtiva, interfere na visão que este tipo de investidor tem do empreendimento e de seus gestores. Empiricamente, constata-se que há por parte da atividade especulativa uma tendência a se priorizar a satisfação momentânea em detrimento do investimento de longo prazo. No caso de empreendimentos arriscados, complexos e de longo prazo, como no caso da atividade petrolífera, a visão de lucro certo, rápido e garantido destoa da realidade da atividade. O julgador, portanto, deve analisar de forma cautelosa o pleito indenizatório, a fim de que reconheça os limites do que é justo e discerni-lo do que é ignorância proposital do risco.

3.2 - Influência das agências de rating e das empresas de consultoria técnica no valor da companhia

As agências de rating, também denominadas agência de classificação de risco, se originaram nos Estados Unidos no início do século XX, com o objetivo de oferecer aos investidores a análise profissional de títulos ofertados ao mercado, para fins de apuração da qualidade do investimento[16].

São instituições que, hoje, exercem significativa influência na tomada de decisões pelos vários agentes de mercado, tendo como características marcantes em sua atuação, além do grau de influência, a grande concentração de mercado nesta atividade.

Assinala Carla de Oliveira Frazão Soares[17]:

“Cabe destacar que um rating não configura, geralmente, uma recomendação de investimento em relação a dado produto. De acordo com a agência Standard & Poor´s, “um rating é a opinião da S&P’s da condição geral de cumprimento da obrigação pelo devedor, ou sua capacidade em relação a um produto específico ou outra obrigação financeira, baseada em fatores de risco.” Para a agência Moody’s seria uma opinião sobre a habilidade futura e obrigação jurídica de um emitente realizar os pagamentos do principal e juros de um título de renda fixa no prazo acordado.

Deste modo, um rating é específico para uma emissão ou o título ou papel que está sendo avaliado, não sendo nem uma avaliação genérica nem uma avaliação global do risco de crédito associado a todas as dívidas contraídas pelo emissor.”

Dada a natureza jurídica de suas avaliações (muitas vezes classificadas como opinativas), constata-se que tais instituições tem, ao logo da história, passado ao largo das grandes crises econômicas, no que tange à sua responsabilização civil decorrente de seus pareceres.

Não obstante a análise das condutas adotadas pelos administradores da companhia (e que devem ser minuciosamente analisadas pelo julgador da demanda), não se pode deixar de constatar a notória a influência das agências de rating e das prestadoras de consultoria técnica (no caso, a DeGolyer & MacNaughton) na valorização das ações ofertadas ao mercado pela OGX.

A agência Fitch, que já tinha classificado as ações da OGX como “A” em 2010, ainda no início de 2013, mantinha sua classificação das ações da companhia como “B”, não obstante a OGX estar na iminência de um pedido de recuperação judicial, conforme amplamente noticiado pela mídia[18].

O mesmo grau de influência dá-se por meio das entidades de consultoria técnica que, neste caso, foram decisivas na opção de compra na IPO da OGX pelos investidores. No caso analisado, foram, inclusive, nominalmente citadas no prospecto de captação, com a citação de dados estatísticos que podem ter passado pelo crivo de sua chancela.

Não se pode negar que tais entidades (agências de rating e prestadoras de consultoria) influenciaram determinantemente o investidor, razão pela qual é razoável que, nas apurações de responsabilidades, suas condutas devam ser objeto de ponderação pelo juízo da causa. No caso analisado, há um contexto de administração de riscos e as informações emitidas por estas entidades gozam de significativa relevância.

Há possibilidade, em nosso ordenamento, de enquadramento criminal dos responsáveis pelas agências de rating em condutas apuradas como ilícitas[19], bem como sua responsabilização reflexa no âmbito civil (art. 8º, III, da Lei n.º 6.385/76[20]). Porém, na prática, esta legislação ainda se mostra tímida e os precedentes jurisprudenciais são praticamente inexistentes.

Não se pretende aqui, em hipótese alguma, excluir a responsabilidade dos gestores de sociedade, mas sim destacar a relevância de outros fatores interferem no preço das ações. Muitas vezes os valores mobiliários são supervalorizados e permitir o pagamento de indenização com base em preço irreal configura, sem sobra de dúvida, enriquecimento sem causa.

Por fim, é imprescindível constatar que o país carece de uma regulamentação legal, específica e eficiente, no que tange ao exercício da atividade de avaliação de riscos, que leve em consideração a competência e capacidade destas agências e quais seriam suas responsabilidades ante eventuais erros de avaliação.

3.3 – Quantum pleiteado em ação indenizatória

A doutrina e a jurisprudência reconhecem o direito do acionista a utilizar-se da via judicial, a fim de pleitear o ressarcimento pela depreciação de suas ações por conduta ilícita dos administradores. Neste sentido Modesto Carvalhosa[21]:

“É admissível a ação individual quando o administrador causa prejuízo ao acionista em termos de depreciação do valor de suas ações.”

Conforme citado alhures, o valor inicial das ações da OGX em sua IPO era de 11,31 reais (2008), chegando ao ápice de R$ 23,27 em 15 de outubro de 2010.

No caso analisado, o pedido formulado pelos acionistas minoritários que se sentiram prejudicados tinha uma peculiaridade: o quantum pleiteado na ação judicial tinha por base os valores que as ações da OGX atingiram em 2010. Ou seja, o valor de referência que arguem para serem indenizados são aqueles em que a companhia atingiu seus melhores preços no mercado de capitais (cerca de R$ 23,00). Em 2010, as ações gozavam de alto prestígio, especialmente junto às agências de classificação de risco.

Ocorre que, por terem ingressado no quadro social da companhia através de aquisições no mercado secundário, muitos acionistas minoritários pagaram por suas ações valores bem inferiores aos R$ 23,00. Alguns autores da demanda analisada pagaram menos de 5 reais por ação.

Logo, deve ser analisado pelo julgador se há uma razoabilidade no pedido indenizatório, que deve ser estudado com bastante cautela. Os acionistas minoritários, in casu, galgaram essa condição através de atuação no mercado secundário, ou seja, em regra, estavam interessados no lucro obtido por aposta na valorização das ações que adquiriram com baixo valor. Tanto é verdade que alguns deles adquiriram suas ações por valores inferiores a 5 reais, menos da metade do valor ofertado na IPO de 2008.

Seria razoável, no contexto apresentado, remunerar os acionistas pelo valor de alta, pelo simples fato de atuação temerária dos administradores, sem que se leve em consideração outros fatores, como a atuação das agências de rating, por exemplo? Até que ponto as informações disponíveis aos investidores de mercado secundário realmente estavam equivocadas? A aquisição de uma ação por valor inferior a metade de seu recente IPO não sinaliza o exercício de uma atividade especulativa, já que, se estavam tão desvalorizadas, já não eram consequência dos resultados negativos da companhia?

É de extrema relevância diferenciar o que é responsabilização de em face de prejuízos experimentados pelo investidor parceiro em razão de conduta dos administradores (mais evidente em relação aos acionistas vindos do mercado primário), do que é tentativa de supressão de riscos pela via judicial. Essa ponderação deve fazer parte dos critérios utilizados pelo julgador ao analisar o caso concreto, uma vez que, em se tratando de pleito indenizatório, a culpa concorrente pode ser causa de redução e equacionamento de responsabilidades. Neste sentido as lições de Sérgio Cavalieri Filho[22]:

“Havendo culpa concorrente, a doutrina e jurisprudência recomendam dividir a indenização, não necessariamente pela metade, como querem alguns, mas proporcionalmente ao grau de culpabilidade de cada um dos envolvidos. Esta é a lição de Cunha Gonçalves, citada por Sílvio Rodrigues: `A melhor doutrina é a que propõe a partilha dos prejuízos: em partes iguais, se forem iguais as culpas ou não for possível provar o grau de culpabilidade de cada um dos co-autores: em partes proporcionais aos graus de culpas, quando estas forem desiguais. Note-se que a gravidade da culpa deve ser apreciada objetivamente, isto é, segundo  grau de causalidade do acto de cada um. Tem-se objetado contra esta solução que ´de cada culpa podem resultar efeitos mui diversos, razão por que não se deve atender à diversa gravidade das culpas´; mas é evidente que a reparação não pode ser dividida com justiça sem se ponderar essa diversidade.

O mestre Aguiar Dias endossa esse entendimento ao declarar, expressamente:`Quanto aos demais domínios da responsabilidade civil, a culpa da vítima, quando concorre para a produção do dano, influi na indenização, contribuindo para a repartição proporcional dos prejuízos.(Da responsabilidade Civil, 5º ed., v.II/314, n.221).

Agora, no Código Civil, temos regra expressa sobre a matéria. Seu art. 945 esposou esse entendimento, ao dispor:`Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano`.”

Em casos similares, é importante que o valor da responsabilização tenha por finalidade recompor eventual prejuízo decorrente de questão que fuja a normalidade, não se podendo admitir que uma ação judicial supra o risco característico do mercado de capitais. Tal lógica, inclusive, pode também ser aplicada à relação mantida entre o investidor e o banco de investimento: uma coisa é o banco fazer um investimento sem a autorização do cliente, a outra é recomendar um investimento que, posteriormente se mostrou não rentável.

4. Considerações finais

Podemos concluir que é garantido aos acionistas minoritários o ajuizamento de ação indenizatória em face dos administradores de companhias, ante a gestão ruinosa praticada por estes, que impliquem em desvalorização do valor de suas ações, bem como em face de divulgação de informações falsas ao mercado. Este pleito é garantido tanto aos investidores do mercado primário quanto do secundário, eis que ambos exercem papéis importantes no desenvolvimento do mercado de capitais.

O julgador, nestes casos, tem a delicada missão conciliar o pleito do investidor às circunstâncias que levaram à desvalorização dos valores mobiliários adquiridos, contextualizando todos os fatores que, interna ou externamente à companhia, de alguma forma, possam ter influenciando negativamente no preço dos valores mobiliários emitidos. Neste caso, a avaliação das condutas das entidades de consultoria técnica e das agências de rating ganham particular importância, especialmente se tratando de sociedades empresariais pré-operacionais.

Não se pretende excluir a responsabilidade dos administradores, fartamente prevista e reconhecida pela doutrina e jurisprudência, mas sim refletir se os agentes de mercado envolvidos e os acionistas detinham ou não informações que possibilitassem a avaliação de riscos da atividade desempenhada pela companhia.

Há uma carência de legislação específica e eficiente no Brasil, no que tange ao exercício de atividade de avaliação de riscos, quer em face das agências de rating, quer em face das entidades de consultoria técnica. A ausência é danosa, eis que essas entidades, hoje, são decisivas na aquisição de valores mobiliários pelos investidores.

O Poder Judiciário, por sua vez, não pode ser utilizado como via para supressão do risco (característico do mercado de capitais), propiciando a “valorização de ações em juízo”, à margem da análise de outros fatores, externos à companhia, que influenciam no preço de mercado dos valores mobiliários. Permitir tal intento garantiria o enriquecimento sem causa dos pleiteantes deste tipo de indenização.

Este é o grande desafio: equacionar a justa indenização e os riscos do negócio.

5. Bibliografia

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<http://www.itaubba.com.br/arquivos/portugues/pdf/prospectos/Oferta%20de%20A%C3%A7%C3%B5es%20da%20OGX%20Petr%C3%B3leo%20e%20G%C3%A1s%20Participa%C3%A7%C3%B5es%20S.A.%20-%20Prospecto%20Definitivo.pdf>, acesso 15 Ago 2014.

<http://www.ogx.com.br/conteudo_pti.asp?idioma=0&tipo=51040&conta=45&id=190430>, acesso em 11 Ago. 2011.

CARVALHOSA, Modesto. Comentários à Lei de Sociedades Anônimas. v.3.4ª ed.. São Paulo: Saraiva, 2009. p.391

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 6º edição. Ed. Malheiros. São Paulo, 2005. p. 68

EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado de Capitais – regime jurídico. 3.ed. revisada e ampliada. – Rio de Janeiro: Revovar, 2011. p.8.

MAIA, Felipe Fernandes Ribeiro; MENEZES, Eduardo Augusto Caixeta. Agência de Classificação de Risco: Rating, Mercado de Capitais e Responsabilidade Civil – Sociedade Anônima e Mercado de Capitais – Estudos em homenagem ao Prof. Osmar Brina Correa-Lima, p. 289

SOARES, Carla de Almeida Frazão. Da possibilidade de regulação das agências de rating no Brasil. Trabalho de conclusão de curso (Especialização). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2005.

Sobre o autor
Arthur José Ramos Gasperoni

Graduado em Direito pela Universidade Federal de Ouro Preto (2000). Mestrando em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito Milton Campos (previsão de término 2015). Experiência como coordenador de departamento jurídico de empresas, consultor e advogado. Atualmente é Sócio Diretor do escritório de advocacia Vilela & Vilela Advogados Associados, que atua na área de empresarial. Professor universitário, substituto na Faculdade de Direito Milton Campos e Faculdade Minas Gerais (FAMIG), com atuação em bancas e aulas.

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