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Prisão:falência da função social

Agenda 21/11/2015 às 00:16

O presente artigo faz uma análise do sistema penitenciário sob a ótica dos princípios e garantias fundamentais, levando em consideração a aplicabilidade das penas em sua plenitude e a função social precípua de assegurar garantias de ressocialização.

Resumo: O presente artigo faz uma análise do sistema penitenciário sob a ótica dos princípios e garantias fundamentais, levando em consideração a aplicabilidade das penas em sua plenitude, bem como a função social precípua de assegurar garantias de ressocialização ao apenado. Em contrapartida, constata-se o fracasso em consequência da falência do sistema prisional, que não se dá pela inexistência de legislação, mas, sim, pela inaplicabilidade das normas existentes e inobservância dos princípios e tratados ratificados, tendo em vista também, a falta de fiscalização na destinação de verbas, tal como na constituição de políticas públicas que viabilize a reinserção de egressos do sistema prisional na vida em sociedade.

Palavras chave: Função social do sistema carcerário; garantias fundamentais; princípios da dignidade humana; humanidade das penas; presunção de inocência; presos provisórios; falência do sistema prisional.

Introdução

A prisão surgiu como um instrumento substitutivo da pena de morte, das torturas, das prisões perpétuas, acompanhada de medidas de controle, repressão e readaptação, com o objetivo de assegurar aos presos o respeito à integridade física e moral, conforme preceitua o art. 5 º, XLIX, da Carta Magna.

Art. 5º XLIX: “é assegurado aos presos o repeito à integridade física e moral”.

Porém, não tem sido cumprida a função frente ao sistematizado aparelho jurídico-político voltado à pluralidade dos diferentes interesses sociais, bem como o da população carcerária.

 A ressocialização do apenado no processo de ideologia do sistema carcerário que se inicia com a privação de liberdade, objetiva prevenir o crime e orientar o retorno a convivência em sociedade. Em contrapartida, coisifica o homem e o torna instrumento de um sistema prisional dotado de delinquência, haja vista a técnica utilizada na reeducação e prevenção das condutas ilícitas não ser eficaz pra assegurar a assistência material, a saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, conforme dispõe o Artigo 11 da Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984.  Em detrimento da supressão de tais assistências, o caráter humanitário da pena se procrastinou em um aglomerado de muros e grades, positivando, sobretudo a autotutela.

Falência da Função Social do Sistema Carcerário

 A falta de reconhecimento da ineficácia do sistema prisional evidencia a inaplicabilidade das normas vigentes e o desrespeito à dignidade humana, concebida como algo intrínseco a natureza humana, irrenunciável e inviolável.

A dificuldade de executar a função social do sistema carcerário constata-se não só na supressão dos Direitos Fundamentais garantidos pela Constituição, tampouco no descumprimento da Lei De Execuções Penais, violações aos Princípios Basilares do Direito, bem como nos Tratados, Pactos e Convenções. Não existe a indigência única, o que ocorre é um conjunto de iniquidades, ou seja, é o reconhecimento de normalidade das ações e omissões perniciosas frente ao sistema carcerário, constituída pelo contingenciamento do fundo penitenciário que de forma asseverativa contribui para a estagnação da ressocialização, institucionalizando a ilegalidade jurídica no sistema, sendo esse, o principal óbice para que o sujeito seja tratado como um “fim em sim mesmo” insuscetível de coisificação, conforme conceituou Kant.

A autonomia dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, conceituada por Montesquieu, na obra O Espírito das Leis, estabelece que os três poderes sejam independentes, mas harmônicos entre si. Essa divisão foi consolidada pela Constituição Federal no seu art. 2º que:

Art 2º: “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

.  Com a devida vênia, em analogia a situação critica do sistema carcerário e a divisão adotada pelos três poderes, atribui-se o que está previsto no espírito da norma do artigo 18, inciso II do Código Penal Brasileiro, a saber:

Art.18º “culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”.

Isto é, atribuir para cada poder sua respectiva culpa, seja por imprudência do Executivo no contingenciamento das verbas para o devido cuidado na manutenção da estrutura prisional; Negligência do Legislativo a cerca do mal que deveria prever que por imprevidência, sujeita os apenados a condições de higiene e saúde sub-humana; por Imperícia do Judiciário que em consequência da morosidade dos julgamentos dos presos provisórios acarreta em superlotação carcerária, assim como na falta de técnicas necessária dos agentes repressivos cuja ausência culmina danos ou ilícitos penais advenientes.

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Além do exposto, o cumprimento da pena se dá não só com privação da liberdade, mas, sim, com a omissão do Estado na prestação das garantias individuais, submetendo os detentos por ricochete a um bis in idem, violando não só a constituição em seu art 1º, inciso III que tem como fundamento do Estado Democrático de Direito a Dignidade da Pessoa Humana; art. 5º, Inciso XLVII, alíneas “b”, “c” e “e”, que são taxativas em não permitir prisão perpétua, trabalhos forçados e cruéis; a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), que dispôs sobre a liberdade, equidade e dignidade no artigo 1º; O principio da presunção de inocência preceituado também no artigo 5º, inciso XLVI da Carta Magna.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;

b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados;

d) de banimento;

e) cruéis;               

Art.1º “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”

Art.5º, inciso XLVI “ninguém será culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”.

Posto que, não é essa realidade normativa que se constata. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tem 715 mil presos e 32% deles aguardam julgamento, dividindo cela com aqueles que a sentença já transitou em julgado por crimes mais graves.

A Estrutura Prisional Sobre a Ótica de Foucault e o Sistema Adotado

O princípio da humanidade da pena tem por objetivo impedir o sofrimento excessivo do apenado e fomentar sua inserção social, bem como assegurar ao sistema, o tratamento com técnicas repressivas, atribuindo um olhar humanitário, conforme dispõe o supracitado dispositivo do art.5º, incisos  XLVII e XLIX da Constituição Federal, mas que encontra sua base no exposto do art. 5º, inciso III, da Carta magna:

Art 5º, inciso III “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

No entanto, não é essa a realidade concedida pelo sistema carcerário no cumprimento de uma penalidade justa, conforme sentenciou o Estado-Juiz. Todavia, o poder punitivo lesiona a condição física e psíquica dos apenados, positivando um bis in idem oculto, opondo-se aos princípios e artigos em questão, confrontando diretamente o que está prescrito na Lei de Execuções Penais que expõe como motivos de sua criação: prevenir e reprimir delitos. De forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometa a dignidade.

Segundo Foucault, com a superação do suplicio nos corpos dos condenados, passou-se para uma disciplina que os torna “dóceis e úteis”, no qual o papel técnico e positivo da prisão seria o de realizar transformações nos criminosos e para isso recorreu aos seguintes esquemas: 1 – isolamento individual e hierarquia (celas) 2 – o trabalho obrigatório (oficina) 3- cura e normalização do preso (hospital). Esses esquemas correspondem respectivamente aos modelos político-moral, econômico, técnico-médico, que são técnicas disciplinares que diferenciam a prisão moderna, da simples privação de liberdade. Sendo esse o suporte disciplinar em relação ao jurídico, que se passou a chamar “penitenciário” (Foucault, 1986 220/221).

Percebe-se que o requisito de classificação, individualização das penas pela gravidade do fato delituoso ou as condições do agente, viabiliza o inicio da execução da pena com disciplina e trabalhos obrigatórios, de modo que cada sentenciado corresponda ao tratamento com trabalho penitenciário.

A Vigência das Normas x Realidade Carcerária

A Lei de Execuções Penais no dispositivo do art 3º assegura ao condenado e apenado todos os direitos não atingidos pela lei. Regulando as diferentes situações pessoais, dispondo que “a mulher será recolhida a estabelecimento próprio e adequado a sua condição pessoal”, “o preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado", “o preso primário cumprirá a pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes” (arts. 82, § 1º, e 84, § 1º).

A violação da regra sobre a capacidade de lotação que preceitua o art. 85, colabora para o defasamento da função social da prisão, o que torna o sistema carcerário um paradoxo aos princípios basilares que orientam na aplicação e cumprimento da pena. É de conhecimento publico que os prisioneiros convivem em celas superlotadas com criminosos ocasionais, de escassa ou nenhuma periculosidade, revelando  ociosidade da ressocialização.

Dentre as mazelas e dificuldades encontradas no sistema prisional, a consequência mais grave está na violação da liberdade sexual, que consta no rol dos crimes hediondos, dentre outros, quais sejam,  prática de tortura, homicídio, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo. Contudo, aquele, positivado nos que foram vencidos pela força de um ou mais agressores, devido a superlotação das celas, infringindo o dispositivo do art. 88 da Lei de Execução Penal, parágrafo único, alíneas “a” e “b” que traz os requisitos básicos da unidade celular, ou seja, que o condenado seja alojado em cela individual.

Considerações Finais

Com a finalidade de melhor apurar o sistema carcerário e determinar os limites de cumprimento da pena, de forma a propiciar ao apenado garantias e direitos fundamentais assegurados nos princípios, na constituição, organismos internacionais, bem como na norma complementar, entende-se que a situação atual não se dá pela inexistência de legislação que regulamente a situação carcerária no Brasil, mas, sim, pela inobservância e inaplicabilidade da lei, tal como na falta de fiscalização que impede a humanização e viabiliza a segregação, afastando-o da possibilidade de reinserção ao convívio social e integrando-o à violência contínua.

Por fim, não resta duvidas que a falta de políticas pública e o preconceito da sociedade são fatores que também contribuem na inserção ou permanecia no crime organizado, haja vista que o fracasso na função social do sistema carcerário, que se iniciam com a supressão das garantias fundamentais, garantias estas, asseguradas mesmo que de forma mitigada pelo crime organizado, comina no cometimento de novo delito, antes mesmo de transcorrido o prazo de 5 (cinco) anos, ocorrendo assim, o instituto da reincidência.

Bibliografias:

 Foucault, Michel. Vigiar e punir nascimento da prisão, Petrópolis, Vozes. 1986.

Piovesan, Flávia. Temas de direitos humanos, Max Limonad. 2003.

KANT, Imanueal. A metafísica dos costumes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005.

DEZEN Gabriel Junior. Constituição Federal em esquemas. 4º Ed.Brasilia: Vestcon, 2013

ANGHER, Anne Joyce (Org.). Vade Mecum acadêmico de direito Rideel. 18.ed. São Paulo: Riddel 2014.

http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/viewFile/1387/1074 Acesso em 21 out.2015.

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http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8275 -Acesso em: 19 out. 2015.

http://g1.globo.com/profissao-reporter/noticia/2015/07/presos-que-aguardam-julgamento-representam-32-dos-detidos-no-pais.html Acesso em: 23 out. 2015.

Sobre a autora
Nailane

Graduanda do Curso de Direito da Faculdade de Ilhéus-CESUPI.<br>Email: nlom.nai@gmail.com

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O Objetivo do artigo é apontar a ineficácia do sistema prisional no âmbito da representatividade omissa dos 3(três) poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário, que consequentemente ocasiona a falência da função social.

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