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O novo perfil jurídico da associação e da fundação no Código Civil de 2002

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Agenda 08/11/2003 às 00:00

8 - Conclusão

Após o alinhamento das modificações trazidas pelo novo Código Civil, referentemente às associações e fundações, pretendemos, ainda que brevemente, apresentar as principais inquietações da comunidade, especialmente a jurídica, sobre os seguintes aspectos específicos.

No âmbito das associações, pode-se dizer que a parte final do art. 53, onde aparece a expressão "fins não econômicos", tem sido a mais atacada pelos comentadores da nova lei.

Talvez, definir "fins não econômicos" seja o maior problema. Segundo entendem alguns, tal expressão deve ser entendida como "fins não lucrativos", o que significaria não estarem as associações impedidas de praticar atividades econômicas que garantam a sustentabilidade da entidade.

Como exemplo disso, podem ser citadas atividades como a venda de camisetas, promoções internas, dentre outros, cuja receita fosse reinvestidas na própria associação. Não haveria, então, o objetivo de auferir lucro com as ditas atividades.

Para Sílvio Venosa, "devemos entender que a associação de fins não lucrativos é aquela não destinada a preencher fim econômico para os associados, e, ao contrário, terá fins lucrativos a sociedade que proporciona lucro a seus membros. Assim, se a associação visa tão-somente o aumento patrimonial da própria pessoa jurídica, como um clube recreativo, por exemplo, não deve ser encarada como tendo intuito de lucro. Diferente deve ser o entendimento no tocante à sociedade civil de profissionais liberais, em que o intuito de lucro para os membros é evidente." [15]

Ao nosso sentir, parece assistir razão aos que assim defendem a interpretação da norma. Imaginemos, por hipótese, que a aplicação da dita norma impeça um clube recreativo de promover bailes, shows, etc., dentro de suas dependências, a fim de arrecadar fundos para realização de obras de melhoria para os associados. Seria, no mínimo, um absurdo, sobretudo se considerarmos que os maiores beneficiados com a atividade serão os próprios associados.

No âmbito das fundações, não há a menor dúvida de que a maior preocupação dos especialistas diz respeito ao parágrafo único do art. 62, que acabou restringindo a possibilidade de criação das fundações para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência.

De fato, à luz do que está consignado no referido artigo, não será permitido a entidades que visem, por exemplo, a defesa do meio ambiente, a proteção dos direitos humanos, a pesquisa científica, dentre outros, constituir-se na forma de fundação. Seria-lhes permitido apenas, a teor do novo regramento das pessoas jurídicas de direito privado, constituir-se como uma associação civil.

Segundo matéria publicada no Jornal Valor Econômico [16], assinada por Daniela Christóvão, a restrição imposta pela nova lei no artigo ora debatido é tão grave que, se o Código Civil vigorasse como tal desde 1916, o país não poderia contar com fundações de relevante função pública, como as fundações ambientais e as mantenedoras diversas instituições de ensino.

Ainda, há especial preocupação do Terceiro Setor, em relação a esta modificação da lei. Nas palavras do assessor jurídico do Grupo de Instituições Fundações e Empresas (GIFE), Eduardo Szazi, "atualmente, o interesse público ultrapassa as finalidades religiosas, morais, culturais e de assistência, estendendo-se para campos como o meio ambiente, pesquisa científica, direitos humanos, desenvolvimento econômico e combate à pobreza, entre outras, tal como previstas na Lei 9.790/99, de 23 de março de 1999." [17]

Com efeito, o artigo 62 pode representar um desestímulo à formação de novas fundações. Indivíduos e empresas poderão ter frustradas a intenção de criar uma fundação com os propósitos que gostariam. Nesse sentido, adverte Alexandre Ciconello, advogado da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (ABONG): "Pessoas que gostariam que sua herança fosse destinada a uma instituição de proteção ao meio ambiente, por exemplo, podem desistir de expressar esse desejo no testamento, por não terem certeza se a fundação poderá ser criada ou se será feita com os propósitos que gostariam." [18]

Afora o aspecto da "restrição" da norma, deve também ser considerado que a nova regra dá às fundações uma classificação bastante genérica, isto é, abre-se a oportunidade para um sem número de interpretações acerca do que seria "fim moral", "fim cultural", dentre os outros objetos traçados pelo parágrafo único do art. 62.

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A fim de exemplificar as possíveis discussões acerca da mens legis da norma em comento, o consultor jurídico Paulo Haus Martins faz a seguinte provocação: "Cultural é tudo. Uma boa justificativa encaixa qualquer projeto na classificação cultural" [19]

Para o ex-assessor do MEC e professor da Fundação Universidade Rio Grande, Sérgio Campello, "as fundações estão num beco sem saída. Caso se transformem em sociedade, uma das formas de se adequar à nova legislação, elas teriam seu patrimônio incorporado por outra fundação, de acordo com o artigo 69 do atual Código." [20]

8.1 - Opinião crítica

Pelo pouco aqui exposto, é possível antever as muitas discussões que se abrirão em torno das regras do artigo 53 e 62, parágrafo único, do Novo Código Civil.

Particularmente, entendemos que as ditas regras representam um retrocesso à legislação pertinente modificada.

No caso das associações, s. m. j., não há porquê impedir possam as mesmas desempenhar atividades não-lucrativas, em que a receita auferida é revertida para o próprio benefício da entidade, sem distribuição de lucros.

Quanto às fundações, parece-nos que a restrição pretendida pelo parágrafo único do art. 62 não subsistirá na prática. Cremos que muitas justificativas apresentadas com objetivos diversos daqueles alinhados na norma poderão ser compreendidas no âmbito dos genéricos conceitos de fins "religiosos", "morais", "culturais", ou de "assistência". Por outro lado, parece-nos um "atraso" tolher a vontade de pessoas que queiram contribuir para o interesse da coletividade, pelo só fato de seus propósitos não estarem consagrados na referida norma.

Por fim, apenas a título de ilustração, fazemos transcrever dois enunciados aprovados pela Jornada de Direito Civil promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal [21], afetos ao parágrafo único do artigo 62 supra comentado, e que estão a indicar uma vontade de que os objetivos da fundação possam ser não apenas aqueles constantes, expressamente, do texto legal:

"Enunciado 8 - Art. 62, parágrafo único: a constituição de fundação para fins científicos, educacionais ou de promoção do meio ambiente está compreendida no CC, art. 62, parágrafo único."

"Enunciado 9 - Art. 62, parágrafo único: o art. 62, parágrafo único, deve ser interpretado de modo a excluir apenas as fundações de fins lucrativos."

Resta-nos, então, aguardar as manifestações do Poder competente acerca dos anseios da comunidade, sobre a modificação desses dispositivos legais, sendo importante ressaltar que diversos requerimentos, nesse sentido, já estão sendo enviados ao Congresso Nacional, pelos mais diversos setores da sociedade.


Notas

01. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 18ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2002, v. 1, p. 206.

02. LOURES, José Costa; GUIMARÃES, Taís Maria Loures D. Novo Código Civil comentado. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2002, p. 28.

03. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Parte Geral. 2ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002, p. 256.

04. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1996, v. I, p. 223.

05. Clóvis Beviláqua apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1996, v. I, p. 226.

06. Op. Cit., p. 36.

07. Op. cit., p. 228.

08. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. Op. cit, p. 234.

09. DE PAGE. Traité de droit civil belge, v. 1, n. 511; Ruggiero e Maroi, Instituzioni di diritto privatto, § 44; Caio M. S. Pereira, p. 303; apud DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 249.

10. Op. cit., p. 28

11. "A Organização de Pessoas Jurídicas no Novo Código Civil e as Relações de Trabalho na Legislação Brasileira." Disponível em < http://www.ceris.org.br/textos/org.pj.no.ncc.asp> . Acesso em 28 abr. 2003

12. Op. cit., p. 35

13. in Comentários ao art. 1.204, Forense: 1983, v. X, n. 169, p. 247.

14. "Art. 29. A minoria vencida na modificação dos estatutos poderá, dentro em 1 (um) ano, promover-lhe a nulidade, recorrendo ao juiz competente, salvo o direito de terceiros."

15. Ob. cit., p. 277.

16. "Fundações querem mudar nova lei" Disponível em:

< http://www.intelligentiajuridica.com.br/propostas/proposta5.html> . Acesso em 28 abr. 2003.

17. Idem, ibidem.

18. "Novo Código Civil: mudanças que afetam o terceiro setor" Disponível em:

< http://www.uol.com.br/aprendiz/guiadeempregos/terceiro/noticias/ge240702.htm#1> . Acesso em 26 abr. 2003.

19. Idem, ibidem.

20. Código Civil ameaça fundações de apoio." Disponível em:

< http://www.folhadirigida.com.br/educação/FdgDetNotCodCiv2003_10_23_htm> . Acesso em 26 abr. 2003.

21. Enunciados publicados pela Escola Judicial Des. Edésio Fernandes no Jornal "Minas Gerais" de 08 de fevereiro de 2003.

Sobre o autor
Homero Francisco Tavares Júnior

Mestre em Direito pela UFMG. Pós-graduado em Direito Notarial e Registral pela Faculdade Milton Campos. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Minas Gerais. Professor de Direito Processual Civil do Centro Universitário UNA, em Belo Horizonte. Assessor do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TAVARES JÚNIOR, Homero Francisco. O novo perfil jurídico da associação e da fundação no Código Civil de 2002. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 125, 8 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4480. Acesso em: 22 nov. 2024.

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