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Aspectos jurídicos da caudectomia e os direitos dos animais

Examina-se a proibição da prática mutilante de caudectomia - amputação ou corte da cauda de caninos, felinos e ruminantes - para fins estéticos, tradicionalmente realizada pela medicina veterinária no país.

Um dos temas jurídicos que estão em voga entre os estudiosos do direito no Brasil é o que diz respeito à legalidade da prática de caudectomia pelos profissionais veterinários e os direitos dos animais. A realização do procedimento cirúrgico é algo comum na história, entretanto, o surgimento de leis protetivas aos animas e a Declaração Universal dos Direitos dos Animas, da UNESCO, celebrada na Bélgica em 1978, e subscrito pelo Brasil, proporcionou uma vertiginosa mudança irradiada na Carta da Terra, aprovada na sede da UNESCO, em março de 2000, indicando a proibição de crueldade e sofrimentos físicos de animais, conforme descrito abaixo:

CARTA DA TERRA:

Art.15: Tratar todos os seres vivos com respeito e consideração.

a. Impedir crueldades aos animas mantidos em sociedades humanas e protegê-los de sofrimentos.   

A mudança de comportamento nos países signatários alcançou o Brasil com a publicação pelo Conselho Nacional de Medicina Veterinária (CNMV) da Resolução n°877, de 15 de fevereiro de 2008, da recomendação para que os profissionais da área deixassem de realizar a cirurgia de caudectomia, entretanto, a norma evoluiu para a modificação da resolução, sendo publicada em 10 de maio de 2013, a Resolução n°1027, que proíbe expressamente a prática de caudectomia em caninos e felinos, adequando o dispositivo aos tratados celebrados com a UNESCO e reforçando o art. 255, § 1°, VII, da Constituição Federal de 1988.

RESOLUÇÃO N° 1027, DE 10 DE MAIO DE 2013:

Altera a redação do §1°, artigo 7°, e revoga o §2°, artigo 7°, ambos da Resolução n°877, de 15 de fevereiro de 2008, e revoga o artigo 1° da Resolução n° 793, de 04 de abril de 2005.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA – CFMV -, no uso das atribuições que lhe confere a alínea “f” do art. 16 da Lei n° 5.517, de 23 de outubro de 1968, regulamentada pelo Decreto n° 64, 704, de 17 de junho de 1969,RESOLVE:

Art. 1° Alterar o §1°, artigo 7°, transformando-o em parágrafo único, e revogar o §2°, artigo 7°, ambos da Resolução n° 877, de 2008, publicada no DOU n°54, de 19/3/2008 (Seção 1, pg. 173/174), que passa a vigorar com a seguinte redação:

“Parágrafo único. São considerados procedimentos proibidos na prática médico-veterinária: caudectomia, conchectomia e cordectomia em cães e onicectomia em felinos.”

As modificações realizadas através da nova resolução não alteraram o Art. 5, § 2º, da Resolução n° 877, do Conselho Nacional de Medicina Veterinária, que descreve o procedimento cirúrgico em ruminantes: “São considerados procedimentos proibidos na prática médico-veterinária: castração utilizando anéis de borracha, caudectomia em ruminantes ou qualquer procedimento sem o respeito às normas de antissepsia, profilaxia, anestesia e analgesia previstos no Anexo 01 desta Resolução".

Interessante observar a permanência da possibilidade de caudectomia em ruminantes, não alcançando a alteração da Resolução n° 1027, que apenas indica a proibição aos animais caninos e felinos, sendo também permitido no Anexo 02 da Resolução 877, para ovinos de raças lanadas a caudectomia. Neste contexto, nas zonas rurais em todo o país, rotineiramente são praticadas caudectomia em ruminantes, devido à existência de cauda longa e lanuda, que resulta na fixação de fezes dos animais em suas caudas, atraindo assim moscas e miíases, que podem ser prejudiciais à espécie. Entretanto, a prática é vedada em Resolução e Lei se não observada as normais previstas no Anexo 01 da Resolução n°877.

Ademais, a inexistência da presença de caudectomia no Anexo 01 da Resolução n°877, responsável por indicar os procedimentos cirúrgicos em animais de produção, possibilita margem para dúvida entre os veterinários no caso de animais ruminantes, entretanto, algo se encontra claro, a realização para fins estéticos está solidamente vedada. Já nos casos em que a caudectomia seja necessária para o bem-estar do animal, o procedimento deve ser permitido, sendo recomendado que o profissional da área busque autorização do Conselho Nacional de Medicina Veterinária para a prática da cirurgia.

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Outro fator deve ser observado, a caudectomia também é costumeiramente praticada para a facilitação de monta pelos machos ruminantes, mutilando as caudas das fêmeas. Para esse procedimento cirúrgico é utilizado o anel de borracha e o ferro quente durante a cirurgia, causando dor extrema e mudança comportamental nos animais, descartada a anestesia por muitos criadores devido aos elevados custos. Atualmente, ambos os procedimentos já se encontram em desuso em diversos países, que utilizam formas menos invasivas para facilitar a procriação da espécie e evitar a proliferação de moscas e miíases que podem acarretar em doenças ao animal.

A nova resolução publicada pelo Conselho Nacional de Medicina Veterinária no Diário Oficial da União - DOU não aborda a possibilidade da realização do procedimento cirúrgico no caso do animal apresentar alguma patologia, indicando apenas a vedação da prática para fins estéticos, permitindo, desta forma, o procedimento nos casos em que o animal corra perigo na sua integridade física, necessitando uma intervenção cirúrgica. Importante ressaltar que a proibição da caudectomia também ocorre através de leis Estaduais ampliando o alcance da Resolução n° 1027. Por exemplo, o Estado do Rio de Janeiro, através da Lei nº 6753 de 15 de abril de 2014, proíbe a realização da caudectomia e obriga os consultórios, clínicas e hospitais veterinários a afixar, na sala de recepção, cartaz indicando a proibição.

LEI Nº 6753 DE 15 DE ABRIL DE 2014:

Art. 2º Acrescente-se o art. 1-A à Lei nº 5048, de 21 de junho de 2007:

“Art.: 1-A Ficam os consultórios veterinários, clínicas veterinárias e hospitais veterinários obrigados a afixar, na sala de recepção, cartaz, com os seguintes dizeres: "É terminantemente proibida a prática, pelos médicos veterinários, da cirurgia de cordoblastia, cordotomia ou cordectomia, caudectomia, ergotectomia, conchectomia e onicoplastia.”

 A vedação da cirurgia para fins estéticos acarreta sanções aos seus praticantes, que poderão ter os seus registros do Conselho Nacional de Medicina Veterinária – CNMV suspensos, impedindo o exercício profissional. Outro fator fundamental para coibir a conduta lesiva e a Lei 9.605, de 13 de fevereiro de 1998, que criminalizou condutas nocivas contra os animas, que anteriormente eram tratados apenas como contravenções penais, conforme descreve o dispositivo legal: “Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: pena - detenção, de três meses a um ano, e multa”, responsabilizando criminalmente os autores dessa mutilação.

Infelizmente, as evoluções das normais legais em nosso país não acompanharam a documentação padrão de diferentes raças disponibilizadas pela Confederação Brasileira de Cinófila - CBKC, segundo o padrão oficial da raça American Pit Bull Terrier, por exemplo, as orelhas deverão seguir a seguinte característica: “Orelhas: são inseridas altas e podem ou não ser operadas, sem preferência. Se forem deixadas natural, semi-eretas ou em rosa são preferíveis. Orelhas pontiagudas, achatadas (deitadas) no crânio ou largas não são desejáveis”.  Nos casos em que o pavilhão auricular do animal é operado, líquidos podem penetrar com maior facilidade no canal auditivo, prejudicando sua saúde, portanto, uma entidade referência como a Confederação Brasileira de Cinófila deve brevemente atualizar suas documentações para que a prática, vedada em lei, caia em desuso no país, indicando a proibição da operação. 

A falta de uma atualização dos padrões de raças pela Confederação Brasileira de Cinófila, órgão responsável por indicar as regras e normas para criação, registro e emissão de pedigrees de raças de cães no país, é a possibilidade de animais com as orelhas mutiladas poderem participar de competições em eventos promovidos pela entidade podem incentivar uma conduta por parte dos criadores e veterinários vedada em normas legais. Animais como Doberman, Pit Bull, Boxer, dentre outros, ainda hoje sofrem com procedimentos estéticos que prejudicam sua comunicação com outros animais justificados por um “embelezamento” da raça, sendo um motivo torpe, que deve ser desencorajado por toda a sociedade.

Ante o exposto, podemos concluir que a prática da caudectomia pode provocar lesões físicas irreparáveis e desnecessárias aos animais, devendo ser duramente combatida, protegendo o animal contra maus-tratos e crueldades. A evolução da sociedade criou regras rígidas de proteção aos animais, indicando normas legais que abordam punições contra quem maltratar animais, sendo, inclusive, consolidado entendimento pelo Supremo Tribunal Federal – STF de que o caráter “cultural” não justifica maus-tratos contra os animais, harmonizando os preceitos constitucionais presentes, proibindo a crueldade contra qualquer raça de animal sendo necessária uma mudança conceitual sobre estética e beleza para que esta prática seja descartada.


Bibliografia:

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Organização de Alexandre de Moraes. 16. Ed. São Paulo: Atlas, 2000.

BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Disponível em: http://www.apasfa.org/leis/9605.shtml. Acessado em: 18 de outubro de 2015.

CARTA DA TERRA. 1992. Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/carta-da-terra. Acessado em: 22 de novembro de 2015.

CFMV. Resolução n°877, de 15 de fevereiro de 2008, dispõe sobre os procedimentos cirúrgicos em animais de produção e em animais silvestres; e cirurgias mutilantes em pequenos animais e dá outras providências. Disponível em: http://portal.cfmv.gov.br/portal/legislacao. Acessado em: 20 de novembro de 2015.

CFMV. Resolução n°1027, de 10 de maio de 2013, Altera a redação do §1°, artigo 7°, e revoga o §2°, artigo 7°, ambos da Resolução n°877, de 15 de fevereiro de 2008, e revoga o artigo 1° da Resolução n° 793, de 4 de abril de 2005.

Disponível em: http://portal.cfmv.gov.br/portal/legislacao. Acessado em: 20 de novembro de 2015.

RIO DE JANEIRO. Lei nº 6753 de 15 de abril de 2014, proíbe a prática de cirurgias em cães e gatos e da outras providencias. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, 16 de abril de 2014.

UNESCO. (1978). Declaração Universal dos Direitos dos Animas, Conferência. Bélgica.

Confederação Brasileira de Cinófila – CBKC. Manual padrão CBKC NR03 – padrão oficial da Raça American Pit Bull Terrier, pg. 05. Disponível em: http://www.cbkc.org/padroes/grupo11.html. Acessado em: 24 de novembro de 2015.

Sobre os autores
Guilherme José Pereira

Advogado, Graduado em Direito pela Universidade Santa Úrsula (USU-RJ), Graduado em Publicidade e Propaganda pela UniverCidade, Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pela Universidade Candido Mendes (UCAM-RJ), Especialista em Direito Imobiliário pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), Conselheiro Esportivo Interestadual da Federação Cearense Desportiva de Airsoft - FCDA e Membro colaborador da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/Campinas.Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/1576859405197724

Isadora Inez Nogueira Metello

Estudante do 2° Período de Medicina Veterinária na Universidade Anhanguera-Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Guilherme José; METELLO, Isadora Inez Nogueira. Aspectos jurídicos da caudectomia e os direitos dos animais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5257, 22 nov. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45011. Acesso em: 22 dez. 2024.

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