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Suspensão do processo penal: incompatibilidade do art. 366 do CPP

Agenda 21/12/2015 às 11:30

Ainda cabe suspensão do processo e do curso do prazo prescricional previsto no art. 366 do Código de Processo Penal após a edição da Lei n. 11.719/2008?

Os tribunais superiores ainda reconhecem a vigência da suspensão do processo e do curso do prazo prescricional quando o acusado, citado por edital, não comparece, nem constituiu defensor, mesmo após as alterações determinadas pela Lei n. 11.719/2008 (STF: HC 124.681, 1ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio, julg. 24/03/2015, e HC 121.358, 2ª Turma, rel. Min. Gilmar Mendes, julg. 07/10/2014; STJ: REsp 1.389.922, 5ª Turma, rel. Min. Moura Ribeiro, julg. 05/08/2014; e HC 161.635, 6ª Turma, rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julg. 14/05/2013). Tanto que o STJ editou a Súmula n. 415 (DJE 16/12/2009), pressupondo-se que continua vigendo o art. 366 do CPP, mesmo após a Lei 11.719/2008: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”.

No entanto, esses julgados não esclarecem satisfatoriamente as seguintes questões: a) Para fins do art. 366 do CPP, atualmente o acusado é citado para comparecer a qual ato processual? (antes da Lei n. 11.719/2008 era para ser interrogado); b) Qual o termo a quo para esse comparecimento?

Antes da Lei n. 11.719/2008, o primeiro ato envolvendo a defesa era a qualificação e interrogatório do réu (art. 185 do CPP, mesmo com alteração da Lei 10.792/2003). Assim, o denunciado era citado para comparecer em juízo para ser qualificado e interrogado (redação antiga do art. 394 do CPP: “O juiz, ao receber a queixa ou denúncia, designará dia e hora para o interrogatório, ordenando a citação do réu e a notificação do Ministério Público e, se for caso, do querelante ou do assistente.”). Inclusive o mandado de citação devia indicar o juízo e o lugar, o dia e a hora em que o réu deveria comparecer (art. 352, VI, do CPP). Não sendo encontrado, o acusado era citado por edital e, não comparecendo, nem constituindo advogado, justificava-se a suspensão do processo e do curso do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do CPP (alterado pela Lei n. 9.271/1996).

Com a vigência da Lei n. 11.719/2008, o primeiro ato da defesa deixou de ser o interrogatório do acusado e passou a ser a resposta escrita à acusação (art. 396). O art. 394 não faz mais referência ao interrogatório e agora apenas classifica os procedimentos. Dessa forma, os arts. 185 e 352, VI, do CPP perderam sentido, pois o denunciado não é mais citado para comparecer em juízo e ser interrogado, mas para responder à acusação, por advogado.

Mesmo que o “não comparecer” do art. 366 pudesse ser lido como “não apresentar resposta à acusação”, “o prazo para a defesa começará a fluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído”, conforme parágrafo único do art. 396 do CPP.

Então, se o prazo inicia-se apenas com o comparecimento pessoal, não há preclusão pelo simples decurso do prazo do edital, que autorize a suspensão do processo e, principalmente, a do curso prescricional.

Atente-se que o § 4º do art. 363 do CPP dispõe que “comparecendo o acusado citado por edital, em qualquer tempo, o processo observará”, exatamente, “o disposto nos arts. 394 e seguintes” do Código de Processo Penal, que trata do novo procedimento (iniciado com a resposta à acusação, não com interrogatório).

Não se desconhece que o art. 366 teria redação alterada pelo Projeto de Lei que deu origem à Lei n. 11.719/2008 e trataria de motivo de citação editalícia. A suspensão do curso do prazo prescricional seria previsto no art. 363, § 2º, o qual foi vetado, pois não haveria, “concomitantemente, a previsão de suspensão do curso do processo, que existe na atual redação do art. 366 do Código de Processo Penal”. Ou seja, o projeto não fazia referência à suspensão do processo, o que “levaria à tramitação do processo à revelia do acusado, contrariando os ensinamentos da melhor doutrina e jurisprudência processual penal brasileira e atacando frontalmente os princípios constitucionais da proporcionalidade, da ampla defesa e do contraditório”, de acordo com as razões do veto.

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Assim, foram vetadas as alterações do § 2º do art. 363 e do art. 366, “a fim de se assegurar vigência ao comando legal atual, qual seja, a suspensão do processo e do prazo prescricional na hipótese do réu citado por edital que não comparecer e tampouco indicar defensor.” Esse veto presidencial gerou uma desarmonia legislativa. Entretanto, não cabem interpretações destoantes daquilo que foi aprovado em mantido na na lei, sobretudo se causar prejuízo o réu. E a suspensão da prescrição é prejudicial ao acusado.

Embora a intenção fosse manter a suspensão do processo, o procedimento novo vigente determina que o prazo para o acusado citado por edital praticar seu primeiro ato no processo começa de seu comparecimento pessoal. Se o prazo não foi iniciado (com o comparecimento do acusado), evidente que não há termo ad quem e o réu não pode sofrer sanção jurídica desfavorável.

A estrita aplicação da norma legal do parágrafo único do art. 396 do CPP é corolário do princípio constitucional do devido processo legal (art. 5º, LIV), com os tradicionais critérios do “favor rei” e “in dubio pro reo”. Portanto, numa interpretação sistêmica, não seria absurdo nem teratológico afirmar que a reforma promovida pela Lei n. 11.719/2008 tornou a aplicação da regra do art. 366 do Código de Processo Penal incompatível com o disposto no art. 396, parágrafo único, da mesma lei.

Sobre o autor
Augusto Yuzo Jouti

Juiz de Direito - TJBA

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Cuida-se a incompatibilidade do art. 366 com o parágrafo único do art. 396 do CPP.

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