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União estável: um novo conceito de família

Agenda 22/12/2015 às 13:19

O legislador constitucional deu a oportunidade de muitas famílias constituídas à margem do direito, merecerem o mesmo respeito antes admitido apenas ao casamento.

1 UNIÃO ESTÁVEL: um novo conceito de família

1.1 Considerações gerais

O Direito de Família, ao receber o influxo do Direito Constitucional, foi alvo de uma profunda transformação. Assim, desde a nova Constituição Brasileira, em 1988, ocorreu, no âmbito do direito de família uma constitucionalização das relações familiares, o que leva a estudar uma nova conformação nessa área jurídica, em especial, uma breve análise do reconhecimento como entidade familiar àquelas não fundadas no casamento.

O art. 226 da Constituição Federal trouxe o reconhecimento de entidades familiares não instituídas pelo matrimônio. Sendo assim, além da família oriunda do casamento, passou-se a admitir a união estável como entidade familiar e o Estado legou proteção também a família monoparental.

A união estável, novo nome que ganhou o concubinato, que antes da Constituição Federal não surtia efeitos no âmbito do direito familiar, e sim, no direito obrigacional, passou a ter o privilégio de "ter sua conversão em casamento facilitada". Ou seja, a partir da abertura que a Constituição trouxe, além da evolução legislativa e jurisprudencial acabou por demonstrar que o concubinato, desde que não concorra com o casamento, passou a ser reconhecido como relação válida, produzindo efeitos jurídicos independentemente do direito obrigacional. [1]

Houve portanto uma grande evolução no direito de família, tendo o atual texto constitucional retirado a união estável do limbo da sociedade de fato, para dar-lhe o status de entidade familiar. O triângulo: pai-mãe-filhos, muda de conformação. No mesmo sentido, a adoção de uma criança é permitida aos solteiros, sendo reconhecido também como família.

Assim, a família é um fato natural, o casamento é uma convenção social. Nessa nova paisagem, não mais se distingue a família pela existência do matrimônio, solenidade que deixou de ser seu único traço diferencial.

 1.2 A nova concepção de família

A família brasileira sofreu grandes modificações após a Constituição Federal de 1988 e ao reconhecer a união estável como família legítima, o legislador constitucional deu a oportunidade de muitas famílias constituídas à margem do direito, merecerem o mesmo respeito antes admitido apenas ao casamento. Contudo, muitas são as divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema e neste sentido, o Novo Código Civil contribuirá, sem dúvida nenhuma, no abrandamento dessas dúvidas, posto que cria um capítulo próprio e específico ao tratamento e regulamentação da união estável, distinto do casamento. [2]

Com isso, as relações estáveis entre um homem e uma mulher passaram a ter caráter de legitimidade ao lado da família legítima, como entidade familiar. Como a união estável é uma situação que em vários aspectos se equipara ao casamento, não haveria mais como se continuar sendo representada por uma relação condenável, sem que se ferissem os direitos inerentes à pessoa dos próprios conviventes.

Quanto a Constituição, que reconhece a união estável como entidade familiar e recomenda que ela recebe a proteção do Estado, portanto de seus Poderes, inclusive e, principalmente do Judiciário, não reclama nenhuma complementação, que se requer apenas é a facilitação da conversão da união estável em casamento, que é um outro problema que pertine ao relacionamento externo da entidade familiar e não à sua interioridade.

O judiciário que deve à luz de cada caso concreto, agindo com Justiça e considerar os partícipes de uma união estável como marido e mulher, ou seja, interpretar os direitos e os deveres reconhecidos a eles, na redação do vetusto Código Civil, como também conferidos aos companheiros, posto que hoje são assim considerados e aceitos os que se uniram com laços mais estreitos e sólidos que aqueles feitos com papel.

Afinal de contas, o Direito destina-se a disciplinar as relações humanas, para o convívio harmônico e para o bem-estar do homem, como de resto todas as coisas que a ele se dirigem. Nada tem valor se não estiver em função do ser humano. Na verdade, o universo só tem sentido para o homem, porque os bens e as coisas existem para satisfazer as necessidades. Assim, também as regras que deve ter como foco principal o fato social.

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Como podemos perceber do texto constitucional vigente, o conceito de família foi completamente alterado. Nesse sentido, a família continua a ser a base absoluta da sociedade, contando com a especial proteção do Estado, que deve defendê-la, já que também se molda na organização familiar.

A grande modificação foi a dissociação do casamento como única forma de constituição de família legítima, passando-se a considerar também como entidade familiar a relação extramatrimonial estável, entre um homem e uma mulher, que antes era tida como amoral e pecaminosa, além daquela formada por qualquer dos genitores e seus descendentes, a família monoparental. [3]

Essas mudanças constitucionais, sem dúvida, alteraram substancialmente a história traçada pelo Código Civil para a família brasileira, e a Constituição de 1988 só veio, na verdade, abraçar uma situação de fato já existente e que não era, todavia, reconhecida juridicamente.

Como nos ensinam José Lamartine Corrêa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz, não podemos falar mais em uma forma exclusiva de família, e, sim, tratar da matéria no plural. Portanto, de acordo com a legislação constitucional em vigor, a família de fato e a família calcada no casamento são compatíveis e não concorrentes. Além disso, ambas merecem a mesma proteção por parte do Estado.

Com o disciplinamento da "União Estável", como forma de constituição familiar, nosso ordenamento abriu ensejo a uma nova era de direitos da personalidade, reafirmando a dignidade da pessoa humana como valor fonte. Tudo passa a convergir para a pessoa, que é a razão de ser do próprio Direito.

Nesse sentido, a família moderna além de ser mais liberal é também mais justa, contudo essas modificações ainda geram dúvidas, ocasionando discussões doutrinárias e jurisprudenciais.

O século XX, no entanto, foi o século em que houve grandes realizações que refletiram imensamente na sociedade. Nessa conjuntura, fixou-se os ideais de respeito à dignidade da pessoa humana, que no direito de família manifestou-se através da legitimação dos filhos havidos fora do casamento, da maior liberdade dada à mulher e, mais importante para o presente estudo, a elevação da união estável ao nível de entidade familiar. O grande instrumento propiciador dessa evolução foi, sem dúvida, a Constituição Federal de 1988 que desestabilizou a estrutura liberal, patrimonialista e obsoleta da legislação civil, mas até então reinante. Desviou-se da família o enfoque patrimonializado, concentrando-a sob o aspecto da pessoa humana.

A forma legal de se constituir família é através do casamento válido. Entretanto, considerando que o conceito de família é muito amplo para ficar restrito ao casamento, não se pode negar à união estável esse caráter, muito embora dotado de peculiaridades que acabaram por incluí-la no rol de proteção do Estado não como família propriamente dita, mas como entidade familiar, da qual surgem efeitos jurídicos tais como o direito a alimentos.

Hegel, em Filosofia do Direito dizia ser o casamento "a união moral do sentimento, no amor e confiança recíprocos, que faz de duas pessoas uma só". O casamento deixou de ser um instituto preordenado à reprodução, para se constituir essencialmente em espaço de companheirismo e de camaradagem, e, como diz Alice Ross, o sexo recreativo se impôs sobre o reprodutivo.

Sem dúvida, hoje, o modelo de família que prevalece é o eudemonista, ou seja, aquele pelo qual cada um busca na própria família, ou por meio dela, a sua própria realização, seu próprio bem-estar.

Seguindo esta tendência das relações familiares, que já evoluiu a ponto de dar à união estável, desde que reconhecida, os mesmos efeitos do casamento civil, além de dar um novo conceito ou concepção ao matrimônio, o próximo passo a ser dado é o reconhecimento da união entre homossexuais. Talvez esta seja a barreira mais eminente a ser superada pelo direito de família, já que o próprio texto constitucional reconhece, para efeitos de tutela familiar, somente aquela formada por pessoas de sexos diferentes.

Há portanto, que se fazer uma releitura do modelo patriarcal do Código Civil para aplicabilidade do direito, sem medo nenhum de enxergar o novo. É preciso desmistificar a concepção de que a família só se constitui a partir do casamento civilmente celebrado.

Neste tempo em que até o milênio muda, muda a família, mudam as pessoas que a compõe, mudam seus motivos, que passam a ser de meramente procriativos, à união de pessoas por afeto e amor, fato este que a torna um reduto com enormes possibilidades da concretização de projetos e da conquista da felicidade.


REFERÊNCIAS

[1] LOBÔ, Paulo Luiz Neto. Entidade familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Revista Brasileira de Direito de Família. n.º 12, jan.fev.mar.2002.

[2] VELOSO, Zeno. Do direito sucessório dos companheiros. In: DIAS, Maria Berenice; PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo Código civil. 1. ed.,  Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

[3] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 4. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 1997.

Sobre o autor
Cleber Augusto de Matos

Advogado e Doutorando em Direito Público

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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