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Configuração da união estável: requisitos objetivos e subjetivos

Agenda 28/12/2015 às 08:21

A família continua a ser a base absoluta da sociedade, contando com a especial proteção do Estado, que deve defendê-la, já que também se molda na organização familiar. Daí a necessidade dos requisitos para a configuração da união estável.

1  Configuração da união estável requisitos objetivos e subjetivos

1.1 Requisitos Objetivos

Conforme esclarece Maria Helena Diniz, para que se configure a relação concubinária, é mister a presença dos seguintes elementos essenciais: 1) ausência de matrimônio civil válido e de impedimento matrimonial entre os conviventes (excepcionado o inciso Vl do art. 1521); 2) notoriedade de afeições recíprocas; 3) honorabilidade, reclamando uma união respeitável entre os parceiros; 4) fidelidade ou lealdade entre os amantes; 5) coabitação, uma vez que o concubinato deve ter a aparência de casamento, com ressalva à Súmula 382 ; 6) a colaboração da mulher no sustento do lar. [1]

Veremos mais detidamente alguns desses requisitos, pois os elementos caracterizadores não são imutáveis, sofrendo influencia da evolução das relações sociais.

1.2 Ausência de impedimentos matrimoniais

Guilherme Calmon apresenta um importante questionamento relativo ao impedimento matrimonial, tendo como ápice a situação das pessoas separadas de fato. Tal questionamento coloca-se, frente à parte final do art.226, 3º, da Constituição, que dispõe sobre a conversão da união estável em casamento. Como poderiam as pessoas casadas, mas separadas de fato, viver uma união estável, já que impossível a conversão desta união em casamento?

Rodrigo Pereira da Cunha com perfeição esclarece que “o novo código civil veio sepultar de vez esta divergência. O 1º do art. 1.723 operou uma revolução, pois reconheceu expressamente que as pessoas casadas, mas separadas de fato, poderão constituir uma união estável” [2], in verbis:

1º. A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso Vl no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

Cumpre ainda mencionar o art.1.727 do novo Código civil, que assim dispôs:

Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

Assim, o legislador faz a distinção entre união estável e concubinato, coincidindo este último como o conceito de concubinato adulterino. Tal distinção faz-se necessária, lembra Rodrigo da Cunha Pereira, para a aplicação correta das medidas e consequências jurídicas de cada instituto, sendo que a união estável buscará seus efeitos no campo do direito de família, e o concubinato no campo dos direitos das obrigações.

Esta foi a intenção do legislador, afirma o autor citado; contudo, a expressão  “impedidos de casar” não traduziu o espírito e o sentido deste. Os separados de fato e judicialmente, conforme exposto, são impedidos de se casar, porém, são livres para vivenciar uma união estável.

1.3 Comunhão de vida

Guilherme Calmon aponta três aspectos da comunhão de vida: “a) físico, representado[1] pelo debito conjugal; b) econômico, ou seja, vida em comum para a prosperidade; c) espacial, a saber, a habitação comum, o lar conjugal.” [3] 

Com relação à convivência dos companheiros sob o mesmo teto, o autor reconhece como regra a coabitação, implicando no exercício dos direito e deveres inerentes à união estável, dentro do contexto da solidariedade, afeição e respeito.

Divergente é o defendido por Rodrigo da Cunha Pereira, que considera “que o conceito de comunidade ou comunhão de vida tem sofrido profundas mudanças na contemporaneidade. A tendência parece ser mesmo a de dispensar a convivência sob o mesmo teto para a integração do concubinato.” [4] 

Semelhante é a opinião de Marco Aurélio Viana, que não inclui a noção de comunidade de vida no conceito de união estável, para evitar o prejuízo das relações que se desenvolvem sob tetos diferentes, considerando assim a comunidade de vida como traço revelador. [5]

Com efeito, a súmula 382 do supremo Tribunal Federal dispõe que “a vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato.”

1.4 Lapso temporal de convivência

Conforme se pode observar, a Lei nº 8.971/94, que primeiro tratou do companheirismo, impunha um interstício mínimo de 5 anos de convivência contínua e estável para sua caracterização. Mas o que vai ditar a estabilidade da união não é necessariamente o tempo ou a quantidade de noites que o casal passa junto, nem a quantidade de relações sexuais que mantenha. Sob tal ótica foi suprimida a exigência dos cinco anos de convivência pela Lei nº 9.278/96. Em seu lugar figurou a necessidade de comprovação de "convivência duradoura, pública e contínua" entre o homem e a mulher.

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Quando tal disposição começava a se delinear, veio o Projeto do Código Civil falar novamente na exigência dos cinco anos, o que foi corrigido a tempo, antes de sua publicação e vigência, suprimindo-se aquela previsão.

Atualmente, pela regra do artigo 1.723 do novo Código Civil, é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família, sem que seja exigido qualquer prazo de convivência pré-estabelecido.

Duradoura é a que se prolonga no tempo. Pública, a que se revela ao grupo social abertamente. Contínua, a que não sofre interrupções, enquanto durar, ou, se as sofre que não sejam suficientemente numerosas ou prolongadas a ponto de desnaturar o caráter de relação estável.

Pode-se, então, retomar os questionamentos que já se formulava antes do Código Civil de 2002, após a regulamentação da matéria pela Lei nº 9.278/96: quanto de convivência é preciso para que uma união seja considerada estável e duradoura? Os mesmos cinco anos? Ou poder-se-ia falar em quatro anos, três anos e meio, dois, um ano? A se admitir que um ano é tempo de convivência duradoura, não bastariam onze meses e meio, dez meses, ou quem sabe oito?

Ao que parece, o legislador deixou um amplo espectro de liberdade para o juiz interpretar a norma na sua atividade judicante. Isso porém pode gerar outro problema, que é a desigualdade, caso nossos tribunais confiram tratamento não-isonômico à matéria, valorando subjetivamente cada caso. O que para um juiz é tempo insuficiente, para outro pode ser mais que suficiente ou vice-versa. E não é difícil imaginar situações em que um curto espaço de tempo seja invocado para fins de reconhecimento da união estável, especialmente em caso de morte de algum dos companheiros ou mesmo no rompimento da relação afetiva, quando adquiridos bens na sua constância. Haverá de prevalecer o bom senso e a força do conjunto de provas produzido em cada caso concreto.


2 Requisitos Subjetivos

2.1 Convivência more uxório

A convivência more uxório constitui um elemento anímico que revela a intenção dos companheiros de viverem como se casados fossem, o que implica no tratamento respeitoso, carinhoso, compreensível e afetuoso de forma recíproca. Tal intenção deve ser exteriorizada, possibilitando que a relação seja conhecida por todos aqueles que participam do circulo de convivência dos companheiros.

Em decorrência do animus dos companheiros de manterem a comunhão de vida, Guilherme Calmon afirma “os deveres pessoais de coabitação, de auxilio moral e material, de fidelidade se exteriorizam em similitude com os deveres matrimoniais.” [6] 

2.2 Affectio maritallis: o animus de constituir família

Como requisito subjetivo, a affectio maritalis representa a intenção dos companheiros de se unirem para formarem e manterem uma família, bem como o conjunto de sentimentos nobres que cercam esta união, como o amor, carinho, afeto, respeito mútuo, constituindo estes a base da constituição e manutenção da família.

Portanto, vislumbra-se que a affectio maritalis engloba tanto o elemento anímico, constituído pelo conjunto de sentimentos nobres que se exteriorizam de forma recíproca, como também o objetivo de constituir uma família.

Guilherme Calmon lembra que o tratamento existente entre os partícipes de uma união extramatrimonial, como se casados fossem, não implica na conclusão necessária da existência deste conjunto de sentimentos nobres, por isso a necessidade de se falar da affectio maritalis. [7]

Por fim, atenta o autor para o estreito vinculo existente entre a convivência more uxório e a affectio maritalis, haja vista que a convivência entre os companheiros, como se casados fossem, pressupõe uma comunhão de vida, baseada na reciprocidade dos sentimentos nobres revelados quotidianamente, bem como na exteriorização de condutas de auxilio material e moral.

Neste contexto, a união estável, ganhou espaço e foi abordada no Titulo III do Livro do Direito de Família, nos arts. 1723 a 1727. Não obstante as falhas técnicas, esta iniciativa do legislador ganhou mais aplausos por parte dos doutrinadores do que reprovações. O mesmo pôde ser observado com relação a notável perda de direitos dos companheiros na sucessão (art. 1790), que obteve mais criticas do que votos a favor.

Assim foi que a concepção de família fundada no afeto, na cumplicidade, no amor e respeito mútuo, na qual se valoriza muito mais a dignidade dos seus integrantes, prevaleceu sobre a concepção formal de família, fundada exclusivamente no casamento.


REFERÊNCIAS

[1] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 19. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004.

[2] [4]  PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união estável. 8. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2012.

[3] [6] [7] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. O companheirismo: uma espécie de família. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

[5] VIANA, Marco Aurélio S. Da união estável. São Paulo: Saraiva, 2000.

Sobre o autor
Cleber Augusto de Matos

Advogado e Doutorando em Direito Público

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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