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Lei da guarda compartilhada cria maturidade

Agenda 28/12/2015 às 20:39

A lei da guarda compartilhada completa seu primeiro ano de vigência, mas as dúvidas ainda permanecem. O estudo apresenta um panorama geral do tema.

Escrevi, anteriormente, algumas críticas acerca da redação do parágrafo 2º do artigo 1584 em seu inciso II, que fora incluído pela lei 11.698/2008. O artigo em que teci tais críticas (A falaciosa determinação da aplicação da guarda compartilhada, Migalhas, 17 de março de 2014) teve grande repercussão, tendo sido citado em outros artigos e monografias que trataram da lei 13.058/2014.

Pela lei 11.698/2008, não havendo consenso entre os pais, a guarda compartilhada deve, em regra, ser aplicada. Desse entendimento restavam inúmeros problemas sobre os quais já dissertei anteriormente, e nada se dizia acerca do poder familiar, que não se confunde com a guarda.

Todavia, com a inovação da lei 13.058/2014, o parágrafo 2º do artigo 1584, em seu inciso II, foi modificado, passando a ser redigido da seguinte forma:

"Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.".

Na nova redação foi incluído o termo poder familiar, devendo estar ambos os genitores aptos a exercê-lo, podendo, ainda, um dos genitores deixar claro que não anseia compartilhar da guarda, nem mesmo tê-la unilateralmente. É possível que ambos os pais, sejam eles biológicos ou afetivos (por isso evito usar o termo genitores), não estejam aptos a exercer o poder familiar, como expresso na redação oficial, nos casos de extinção, suspensão e perda do mesmo.

Extingue-se o poder familiar pela morte dos pais ou do filho, pela emancipação, pela maioridade e pela adoção, conforme expressa o artigo 1635 do Código Civil, conquanto que a suspensão trata apenas de um afastamento temporário, nos casos de abuso de autoridade, falta aos deveres e ruína aos bens dos filhos, bem como se qualquer um dos pais for condenado por sentença penal irrecorrível com pena que exceda a dois anos de prisão (nesse caso é facilmente visível que o mesmo deve ser suspenso, podendo ser retomado posteriormente ao cumprimento da pena), conforme assevera o artigo 1637 do Código Civil. Por fim, perderá o poder familiar aquele que castigar imoderadamente o filho (não irei adentrar no aspecto subjetivo da moderação, mas todo castigo deve preservar a incolumidade física e psíquica do menor), deixar o filho em abandono, praticar atos contrários à moral e aos bons costumes (outro aspecto subjetivo), conforme narra o artigo 1638 do Código Civil.[1]

Importante realçar que caso algum dos pais incida reiteradamente nas hipóteses de suspensão do poder familiar, poderá perdê-lo; bem como, por decisão judicial, na forma do artigo 1638, o poder familiar poderá ser extinto.[2]

É do poder familiar que decorrem as decisões acerca dos filhos menores, decisões essas que serão compartilhadas em igualdade de condições pelos pais, diferentemente da guarda, que será o dever de cuidado e companhia física que os pais deverão ter pelo menor.[3]

Ou seja, não se confundem a guarda com o poder familiar, todavia, como escrevi anteriormente, dificilmente a guarda compartilhada não terá problemas se não houver o mínimo de consenso entre os pais, agora divorciados. Ora, deverá existir o acordo bilateral no tocante ao dever de cuidado e companhia física em relação ao menor e, para que esse acordo exista, deverá existir o mínimo de confiança por parte dos ex-cônjuges.

Vencida a primeira questão, qual seja, guarda difere do poder familiar, existindo o poder familiar, que é exercido de forma conjunta e igualitária pelos pais, qualquer que seja a modalidade de guarda, para que exista a guarda compartilhada, definida rapidamente como a convivência e o dever de zelo e segurança para com o menor, visando evitar a alienação parental, deverá, sim, existir o mínimo de consenso e de acordo entre os pais.

Outra questão que suscita dúvida e resta em enorme equívoco é dizer que, na guarda compartilhada, a criança passará alguns dias na casa da mãe e outros dias na casa do pai, ou vice-versa. Essa modalidade de guarda é conhecida como guarda individual exercida de maneira alternada, na qual um dos pais tem a guarda por determinado tempo, vindo a ser sucedido pelo outro (caso das chamadas "crianças caramujo", por estarem sempre com uma mochila nas costas, vivendo como nômades). Na guarda compartilhada, que é modalidade de guarda conjunta, há uma alternância, porém, de modo flexível, sem atendimento a um cronograma fixo e rígido, por exemplo, o filho que mora na casa de sua mãe, mas viaja e passa momentos com o seu pai.[4]

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Vencida a segunda questão, ainda resta outro argumento que utilizei no momento da redação da lei anterior, mas que ainda se mantém vivo, qual seja, a questão dos pais virem a residir próximos de si, ou que ao menos estejam e participem da vida dos filhos com certa frequência, pois do poder familiar deriva o dever de cuidado, mas da guarda compartilhada a faculdade do amor, encontrado na convivência física com o menor, assim evitando a alienação parental, o maior argumento de existência da guarda compartilhada.

Por fim, a jurisprudência continua a mostrar-se acertada como no momento do advento da lei anterior, conforme ilustra o recente acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO Ação de regulamentação de guarda e de visitas Tutela antecipada Guarda compartilhada - Existência de animosidade entre os genitores do menor Inviabilidade Visitas Regime provisório razoável e adequado - Ausência de elementos contrários que apontem para o desacerto da decisão agravada Recurso desprovido.”

(TJ/SP, Agravo de Instrumento n. 2089204-02.2015.8.26.0000, 6ª Câmara de Direito Privado, Des. Relator: José Roberto Furquim Cabella. J. 01/09/2015).

No entendimento do presente, a guarda compartilhada pressupõe a perfeita harmonia, consenso e maturidade dos genitores. E, assim, a lei da guarda compartilhada completa o seu primeiro ano de existência, exigindo maturidade da doutrina, da jurisprudência, dos aplicadores do direito e também, quiçá, dos pais.


Notas

[1] SCALQUETTE, Ana Cláudia Silva. Família e Sucessões, 7.ed.,São Paulo: Atlas, 2014, p. 100- 102.

[2] Idem.

[3] SIMÃO, José Fernando.  Artigo publicado na revista eletrônica Conjur sob o título: Sobre a doutrina, guarda compartilhada, poder familiar e as girafas. Publicado em 23 de agosto de 2015. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-ago-23/processo-familiar-doutrina-guarda-compartilhada-girafas.

[4] FUJITA, Jorge Shiguemitsu. Filiação. São Paulo: Atlas, 2009, p. 88-89.

Sobre o autor
Guilherme Oliveira Atencio

Advogado Criminalista e ex-Assessor no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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