5. Conclusões
Ao longo dos anos, a regulamentação da adoção no direito luso-brasileiro sofreu intensas modificações. Atualmente, em Portugal, o instituto segue regramento disposto no Código Civil lusitano. No Brasil, o Código Civil brasileiro limitou-se a regular a adoção de maiores de 18 (dezoito) anos – hipótese não contemplada no direito português – enquanto que a adoção de menores ficou a cargo do Estatuto da Criança e do Adolescente, há alguns anos alterado pela Lei n.° 12.010/09, denominada Lei Nacional de Adoção.
A evolução legislativa em ambos os países, de fato, introduziu diversas mudanças no campo da adoção, contudo, alguns progressos deixaram de ser feitos, a despeito da importância da afetividade e do interesse maior da criança já reconhecida pelas respectivas Constituições e ratificada pelos Tribunais pátrios.
No Brasil, a nova Lei deu preferência desproporcional à manutenção de crianças em situação de risco no seio da família natural, frente à sua colocação em entidade familiar substituta, mantendo a adoção como medida excepcional. É dizer, a Lei de Adoção, que se propõe a facilitar o procedimento de adoção, em lugar de ampliá-la, acabou por relegá-la a segundo plano.
Em verdade, o legislador brasileiro desperdiçou excelente oportunidade de (melhor) regulamentar matérias atualíssimas e de grande importância como a possibilidade de realização da adoção direta em situações de guarda fática com vínculo socioafetivo já consolidado, e a questão da homoparentalidade. Embora a legislação vigente não proíba expressamente tais práticas, tampouco as autoriza, com efeito, a Lei é insatisfatória quanto a questões polêmicas e bastante relevantes.
Conquanto não faça referência à adoção intuitu personae, a nova legislação determinou a obrigatoriedade do respeito aos Cadastros de Adoção, estabelecendo textualmente apenas 03 (três) exceções, constantes no § 13 do artigo 50 do ECA. Excepcionou-se apenas os casos de adoção unilateral; as realizadas pela família extensa; e os casos de menores com mais de 03 (três) anos sob guarda legal.
Sabe-se, entretanto, que a proteção à criança e ao adolescente e a defesa de seus interesses não pode ser sobrepujada pelo formalismo procedimental. Com efeito, os Cadastros de Adotantes garantem a equidade e a lisura do processo de adoção, bem como preparam os adotantes para o recebimento de um filho adotivo, entretanto, a realidade fática de famílias socioafetivas de relações já solidificadas pela convivência não pode ser ignorada.
O sistema jurídico de Portugal, no tema referente à adoção, ainda se mostra bastante incompleto, comparado ao do Brasil, especialmente no que tange à regulamentação de outras hipóteses de adoção direta além da adoção de filho do cônjuge (que agora também é possível entre casais homoafetivos), posto que deixou de prever outras exceções igualmente importantes para a aplicação da adoção intuitu personae, onde o vínculo afetivo deverá sempre prevalecer sobre a letra fria da lei, a fim de se minimizar as consequências da medida de colocação em família substituta.
Por oportuno, é importante deixar claro que não se está defendendo que os cadastros devem ser ignorados. Ao revés, o seu propósito é digno de exaltação, mas as situações fáticas que aparecerem nas realidades de ambos os países devem ser interpretadas em benefício das crianças e dos adolescentes, única e exclusivamente.
No mesmo norte, a jurisprudência consolidada, apesar de nem sempre ser concedida a adoção aos postulantes não inscritos, louvavelmente, sempre envolve discussões sobre a concretização ou não do liame afetivo. E, nos casos em que se entende que o adotando já estava vinculado afetivamente aos seus guardiões de fato, a manutenção dessa situação que o tempo consolidou, com a concessão da adoção aos pais afetivos tem sido a medida que prevalece, por resguardar o melhor interesse da criança envolvida.
Deve-se afastar, portanto, a ideia de que toda a entrega direta de crianças por seus pais biológicos é motivada em contraprestação financeira ou de qualquer outra espécie. A maioria das pessoas recebem diretamente essas crianças de seus genitores porque são por eles escolhidos. Não há nenhuma vedação legal expressa a essa escolha e, se os pais biológicos indicam a família substituta que acolherá o seu filho, estão realizando isso dentro do permitido pelo poder familiar que exercem.
A proposta a que se sugere, tanto para o Direito Brasileiro quanto para o Direito Português é que, nas hipóteses de guarda de fato e posterior demanda pela adoção intuitu personae, em que ficar claro que os interessados na adoção não “compraram” a criança nem cometeram qualquer outro crime, devem eles ter a permissão de adotá-la, em prol do bem estar do adotando, mesmo que não estejam cadastrados. Do contrário, ou seja, demonstrada a má-fé, a criança deverá ser afastada da convivência dos guardiões de fato e ser entregue àquele que constar em primeiro lugar na lista de adotantes. Cada caso deve ser analisado individualmente, verificando-se qual a interpretação que se dará, para que se atenda ao melhor interesse da criança e do adolescente e não ao melhor interesse do cadastro.
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Notas
[1] BORDALLO, Galdino Augusto Coelho – Adoção. In: MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade (Coord.). Curso de direito da criança e do adolescente: aspectos teóricos e práticos. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 259.
[2] RODRIGUES, Sílvio – Direito Civil - Volume 6, 27.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 380.
[3] MIRANDA, Pontes de – Tratado de Direito de Família. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Bookseller, V. III, 2001. p. 217.
[4] BEVILÁQUA, Clóvis – Clássicos da Literatura Jurídica: Direito de Família. Rio de Janeiro: Rio, 1976.p. 351.
[5] GOMES, Orlando – Direito de Família. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 369.
[6] SANTOS, Lara Cíntia de O – Adoção: surgimento e sua natureza. Revista Âmbito Jurídico, V. 89, 2011. p. 02-13.
[7] COULANGES, Numa-Denys Fustel de – A Cidade Antiga. Tradução: Frederico Ozanam Pessoa de Barros. São Paulo: EDAMERIS, 1961. Versão para eBook: eBooksBrasil, 2006. p. 56-58.
[8] COULANGES, Numa-Denys Fustel de. Op Cit. p. 69-73.
[9] Ibidem. p. 77.
[10] COULANGES, Numa-Denys Fustel de. Op Cit. p. 57-58.
[11] As Ordenações Filipinas, ou Código Filipino, é uma compilação jurídica que resultou da reforma do código manuelino, por Filipe II de Espanha (Felipe I de Portugal), durante o domínio castelhano. Ao fim da União Ibérica (1580-1640), o Código Filipino foi confirmado para continuar vigendo em Portugal por D. João IV. Embora muito alteradas, as Ordenações Filipinas constituíram a base do direito português até a promulgação dos sucessivos códigos do século XIX, sendo que muitas disposições tiveram vigência no Brasil até o advento do Código Civil de 1916.
[12] PEREIRA, Caio Mário da Silva – Instituições de Direito Civil. Direito de Família. Volume V. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 408-410.
[13] BRAGA, Huggo Henrique Pereira – Direito das Famílias. In: BAPTISTA, Sílvio Neves. Manual de Direito de Família. Recife: Bagaço, 2008. p. 15.
[14] LEITE, Eduardo de Oliveira – Direito de Família. Volume V. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 254.
[15] BASTO, Maria Emília Xavier de – Da Roda dos Expostos à Adopção nos nossos dias. In: Congresso Europeu da Adopção (pp. 21-24). Lisboa: Edição Centro de Estudos Judiciários, 2004. p. 22.
[16] SALVATERRA, Fernanda e VERÍSSIMO, Manuela – A Adopção: o Direito e os afectos. Caracterização das famílias adoptivas do Distrito de Lisboa. In: Análise Psicológica. Volume 26, número 3, 2008. p. 501-517. [Consult. 18 Nov. 2015]. Disponível em http://repositorio.ispa.pt/bitstream/10400.12/73/1/ap_2008_%2026_501.pdf. p. 502
[17] RAMIÃO, Tomé D'almeida – A Adopção. Regime Jurídico Actual. Edição Quid Juris?; Lisboa, 2007. p. 15.
[18] PEDROSO, João e GOMES, Conceição [et al] – Uma reforma da Justiça Civil em avaliação. A Adopção: os bloqueios de um processo administrativo e jurídico complexo. Observatório Permanente da Justiça Portuguesa; Centro de Estudos Sociais; Faculdade de Economia, Universidade de Coimbra, 2002. p. 15.
[19] SALVATERRA, Fernanda e VERÍSSIMO, Manuela – Op. Cit. p. 504.
[20] PEDROSO, João e GOMES, Conceição [et al] – Op. Cit. p. 12.
[21] RAMIÃO, Tomé D'almeida – Op. Cit. p. 17.
[22] Ibidem. p. 17.
[23] Apelação n.º 9459/12.2TBCSC.L1 de 27 de Fevereiro de 2014.
[24] FIGUEIREDO, Luiz Carlos de Barros – Comentários à nova lei nacional da adoção. Lei 12.010 de 2009. Curitiba: Juruá, 2010. p. 53-54.
[25] CARVALHO, Dimas Messias de – Adoção e Guarda. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. p. 22.
[26] BANDEIRA, Marcos – O Cadastro Nacional de Adoção e o princípio da afetividade. Público [Em linha]. (10 Maio 2010). [Consult. 08 Nov. 2015]. Disponível em: www.marcosbandeirablog.blogspot.com/2010/05/o-cadastro-nacional-de-adocao-e-o.html.
[27] A “Adoção à brasileira” ou “adoção à moda brasileira” ocorre quando o homem e/ou a mulher declara, para fins de registro civil, o menor como sendo seu filho biológico sem que isso seja verdade.
[28] BANDEIRA, Marcos – Op. Cit.
[29] Art. 238. Prometer ou efetivar a entrega de filho ou pupilo a terceiro, mediante paga ou recompensa: Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa.
[30] DIAS, Maria Berenice – Adoção e a espera do amor. [Em linha]. Conteúdo Jurídico [Em linha]. Brasília, 01 Jan. 2009. [Consult 10 Nov. 2015]. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.22622.
[31] Código Civil - Art. 1.729. O direito de nomear tutor compete aos pais, em conjunto. Parágrafo único. A nomeação deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico.
[32] DIAS, Maria Berenice - Op. Cit.