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Adoção intuitu personae:

uma análise sob a perspectiva do direito luso-brasileiro

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Sugere-se, tanto ao Brasil quanto a Portugal, que, nas hipóteses de guarda de fato e posterior demanda pela adoção intuitu personae, em que ficar claro que os interessados não “compraram” a criança nem cometeram qualquer outro crime, devem poder adotá-la mesmo que não estejam cadastrados.

SUMÁRIO: 1. Introdução: Conceito e história do instituto da adoção. 2. A regulamentação da adoção no Brasil. 3. A regulamentação da adoção em Portugal. 4. A figura da adoção intuitu personae no direito luso-brasileiro. 5. Conclusões.


1. Introdução: Conceito e história do instituto da adoção

O termo adoção é oriundo do vocábulo latim adoptio, cujo significado literal é dar o nome a alguém, com o fito de amparar a pessoa.[1]

Juridicamente, entretanto, o termo adoção assume um sentido muito mais amplo, qual seja, o de estabelecer uma relação fictícia de filiação, que deve satisfazer pressupostos legais para se concretizar e implica em inclusão familiar de pessoa estranha, na posição de filha.

De acordo com Sílvio Rodrigues, adoção é “o ato do adotante pelo qual traz ele, para a sua família e na condição de filho, pessoa que lhe é estranha”.[2] Por sua vez, o também ilustríssimo jurista brasileiro Pontes de Miranda conceitua a adoção como “o ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação de paternidade e filiação”.[3] Ainda, na visão de Clóvis Beviláqua, “a adoção é o ato civil pelo qual alguém aceita um estranho na qualidade de filho”.[4] Trata-se a adoção, portanto, de uma ficção jurídica que permite a criação de laços de parentesco de 1.º grau, em linha reta, entre a pessoa do adotante e a do adotado.[5]

Os primórdios da adoção na história da humanidade remontam à necessidade que tinham as famílias das civilização antigas - a exemplo da egípcia, da grega e da romana - dentro do desenvolvimento político-social na antiguidade clássica, de perpetuarem o culto religioso doméstico entre as gerações.

Assim, as primeiras menções ao instituto da adoção deram-se ainda no Código de Hamurabi, o qual remonta, aproximadamente, entre 1728 e 1686 a.C, passando pelo Código de Manu (ou Leis de Manu), redigido entre os séculos II a.C. e II d.C. - que fixava como pré-requisito para a adoção que o adotado conhecesse os rituais religiosos da família do adotante, sendo que somente seria possível a adoção entre um homem e um rapaz da mesma classe social, exigindo-se deste (adotado) que tivesse todas as qualidades desejadas em um filho. Há, ainda, várias histórias de adoção nos textos da Bíblia - que mencionam, por exemplo, as adoções de Ester por Mardoqueu e de Efraim e Manes por Jacó.

O historiador francês Fustel de Coulanges, em sua grande obra intitulada “A Cidade Antiga”, publicada no ano de 1864, demonstrou que o princípio constitutivo da família na antiguidade clássica não era o afeto, tampouco o parentesco sanguíneo, mas a religião. Segundo leciona Coulanges:

A família antiga é mais uma associação religiosa do que natural, em cada casa das antigas gerações era possível encontrar um altar, onde todos os dias, pela manhã, durante a noite e antes das refeições, se reuniam todos os membros da família para dirigir suas preces.[7]

Unida pela religião, a família era indissolúvel, e seus entes permaneceriam juntos até na morte, tratada por Coulanges como a “segunda existência”. As crenças relativas aos mortos e o culto que lhes era devido constituíram a família antiga e lhe deram a maior parte de suas regras. Destarte, para manter o culto aos seus mortos, em obediência aos preceitos de sua religião, era imperiosa a eternização da entidade familiar. Nesse sentido, o casamento existia apenas com o objetivo de perpetuar a família.[8]

Em casos de esterilidade feminina, constituía direito do marido, entre os povos antigos, o desfazimento do casamento. Por outro lado, caso a esterilidade fosse por parte do marido, um irmão ou parente próximo deveria substituí-lo no ato sexual de concepção, não sendo estendido à mulher o direito ao divórcio. A criança nascida dessa relação seria tida como filha do marido, cabendo-lhe, portanto, o papel de continuar o culto de seu pai quando de sua morte.

Destaque-se, todavia, que o nascimento de uma menina não satisfazia o objetivo do casamento. Com efeito, a filha não podia continuar o culto porque, no dia seguinte ao que se casasse, teria que renunciar à família biológica e ao culto do pai e passaria a pertencer à família e à religião do marido.

Nesse contexto, é justamente do dever de perpetuar o culto doméstico que surge a adoção no direito antigo, assim no dizer de Fustel de Coulanges:

A mesma religião que obrigava o homem a se casar, que concedia o divórcio em caso de esterilidade, e que, em caso de impotência ou morte prematura, substituía o marido por um parente, oferecia ainda à família um último recurso para escapar à tão temida desgraça da extinção: esse recurso consistiria no direito de adotar.[9]

É mister destacar que, tendo a adoção apenas a função de evitar a extinção da família, só era permitida àqueles que não tinham filhos homens.

No que tange aos vínculos entre o filho adotivo e sua família biológica, estes eram quebrados, estando o filho impedido de retornar à sua família natural. A adoção correspondia, na família natural, à emancipação, cuja finalidade principal era a renúncia ao culto da família onde nascera, pelo filho. Sendo assim, o filho emancipado não mais era membro da família biológica, nem pela religião, nem pelo direito.

Dentro da nova família, o filho adotivo não era discriminado, ao contrário, era recebido com uma cerimônia de inserção ao culto doméstico, a partir da qual se iniciava a verdadeira filiação. A respeito disso, destaca-se a seguinte passagem:

O filho não será mais considerado filho pela família se renunciar ao culto, ou for emancipado; o filho adotivo, pelo contrário, será considerado filho verdadeiro, porque se não possui vínculos de sangue, tem algo melhor, que é a comunhão do culto; o legatário que se negar a adotar o culto dessa família não terá direito à sucessão; enfim, o parentesco e o direito à herança, serão regulamentados, não pelo nascimento, mas pelos direitos de participação no culto, de acordo com o que a religião estabeleceu.[10]

Observa-se, portanto, que a adoção surgiu como meio de satisfazer aos interesses das famílias sem filhos, e apesar de ter como base motivos religiosos, não tinha qualquer relação com solidariedade ou questões afetivas. Não havia a preocupação com o bem-estar do adotando, mas apenas com a perpetuação da família.


2. A regulamentação da adoção no Brasil

No Brasil, o instituto da adoção foi introduzido a partir das Ordenações Filipinas,[11] de forma bastante superficial, tendo sua sistematização ocorrido apenas com a promulgação da Lei n.° 3.071, em 1° de janeiro de 1916, o Código Civil Brasileiro.

No intuito de regular e mesmo facilitar a prática da adoção no país, o legislador do Código Civil de 1916, paradoxalmente, findou por estabelecer normas e requisitos bastante restritivos, destacando-se, por exemplo, que apenas tinham capacidade de adotar os maiores de 50 (cinquenta) anos de idade e sem prole legítima ou legitimada, podendo-se observar de pronto o caráter de mero substituto da filiação biológica que lhe foi atribuído.

Embora sem embasamento religioso, a exemplo do que ocorria nas gerações antigas, a adoção, no Brasil, do mesmo modo, funcionava como um meio egoístico de suprir lacunas em famílias que já não poderiam mais gerar seus próprios descendentes, servindo, muitas vezes, como solução para questões de ordem sucessória, o que demonstra sua faceta também patrimonial.

Conforme observado, vigia no país a sociedade matrimonializada, de modo que o pedido de adoção só poderia ser concedido a duas pessoas, se casadas. A adoção individual, entretanto, era possível e, embora ocorresse principalmente em casos de viuvez, tal possibilidade já representou certo avanço legislativo, numa época em que a família tinha como berço apenas o casamento.

No que tange à adoção de menor ou interdito, ressalta-se duas particularidades: a) não se poderia adotar sem o consentimento da pessoa debaixo de cuja guarda estivesse o adotando menor ou interdito; b) nesta modalidade de adoção, o adotado poderia desligar-se da adoção no ano seguinte em que cessasse a interdição ou menoridade, ou seja, o vínculo da adoção poderia ser dissolvido se as duas partes, adotante e adotado, anuíssem, bem como nos casos em que o adotado cometesse ato de ingratidão contra o adotante.

Nota-se, assim, que, na regulamentação da adoção pelo Código Civil de 1916, o ato de adotar poderia ser facilmente desfeito. Ora, admitir a dissolução da adoção é tomá-la por mero ato jurídico, desconsiderando-se a afetividade e as relações de parentesco envolvidas, como se pais e filhos pudessem simplesmente desistir dos vínculos que lhes unem e apagar qualquer resquício de uma relação de filiação.

No concernente à formação da família, é de ressalte que o parentesco resultante da adoção limitava-se a adotante e adotado, salvo quanto a impedimentos matrimoniais, numa situação oposta à atual legislação brasileira, a qual estende o parentesco da família socioafetiva consolidada pela adoção aos mesmos graus existentes na família biológica, igualando-as (art. 1.521 do Código Civil de 2002).

Em relação à família natural, mantinham-se os direitos e deveres de pais e filhos, extinguindo-se apenas o pátrio poder (hoje denominado poder familiar), o qual era transferido aos pais adotivos. Destarte, depreende-se que, embora inserto em novo círculo familiar, o filho por adoção continuava vinculado à família biológica, situação que apenas dificultava a concretização e as próprias relações de adoção, muitas vezes desestimulando-a, haja vista que os pais adotivos teriam de conviver com o “fantasma” dos pais biológicos sempre por perto.

É de fácil observação que o instituto da adoção regulamentado pelo Código Civil de 1916 visava, sobretudo, aos interesses dos adotantes, atendendo a seus anseios de ter um filho, sem deixar de proteger os direitos dos filhos biológicos, caso existissem. Deste modo, o legislador acabou por relegar a segundo plano a questão afetiva envolvida, bem como os direitos e interesses dos filhos por adoção.

Posteriormente, como a promulgação da Lei n.º 3.133, em 08 de maio de 1957, foram alterados os requisitos indispensáveis à concretização da adoção, de modo que a idade mínima do adotante foi diminuída de 50 (cinquenta) para 30 (trinta) anos e a diferença de idade entre adotante e adotado, de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis) anos. Se, por um lado, a adoção foi facilitada, por outro, a lei passou a exigir, injustificadamente, que os adotantes fossem casados há, pelo menos, 05 (cinco) anos, o que não era necessário na redação original do Código de 1916.

A Lei n.º 3.133/57 manteve a possibilidade de dissolução da adoção, que poderia se dar por vontade do adotado, no ano seguinte em este que atingisse a maioridade, bem como pelo mútuo consentimento das partes envolvidas, ou nos casos em que se admitia a deserdação.

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Aos filhos adotados e naturais eram concedidos praticamente os mesmos direitos, exceto quanto ao que se trata de sucessão hereditária, visto que o adotado tinha direito apenas à metade do quinhão que herdariam os filhos biológicos, caso estes últimos fossem nascidos depois da adoção. Acrescente-se, numa disposição ainda mais arbitrária, que, se ao tempo da adoção os adotantes já tivessem filhos biológicos, o filho adotivo nada receberia.

Em 02 de junho de 1965, entrou em vigor a Lei n.º 4.655, a qual introduziu no Brasil a figura da “legitimação adotiva”, uma espécie de ficção jurídica através da qual o filho adotivo gozava da condição de legitimidade, isto é, o status dado ao filho concebido na constância do casamento. A possibilidade de elevação do filho adotivo ao patamar do legítimo causou forte mal estar na sociedade matrimonialista da época, razão pela qual houve forte tendência à modificação da nomenclatura estabelecida.

Assim, em 1979, devido à alteração pela Lei n.° 6.697, que introduziu o Código de Menores, o novel instituto passou a vigorar sob a denominação de adoção plena, de modo que passaram a existir duas formas de adoção: a tradicional, prevista pelo Código Civil, qual seja, a adoção simples, e a adoção plena, disciplinada pela nova legislação.[12]

Como é cediço, em 05 de outubro de 1988, foi promulgada a Constituição da República, a qual não deixou de abordar textualmente a importância e o dever da família, além de promover avanços no terreno da adoção, determinando a equiparação dos direitos de filhos adotados e biológicos, bem como vedou qualquer designação discriminatória relativa à filiação, numa visão bastante diferente da estabelecida pelo Código Civil de 1916. Assim dispõe o artigo 227 da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (grifou-se)

A Constituição Federal de 1988 veio equalizar o instituto da adoção no Brasil, conferindo aos filhos adotados os mesmos direitos e qualificações dos filhos biológicos, integrando, de fato, a filiação civil ao seio da família, sem discriminações de qualquer ordem. Afinal, acolher alguém como filho não é atribuir-lhe tratamento distinto do dado aos filhos consanguíneos, mas tê-lo como igual.

Destarte, observa-se que a Constituição Federal buscou, enfim, defender com primazia o interesse do menor, e nessa seara, a adoção finalmente ganhou contornos de instituto de proteção à criança e ao adolescente.

Observa-se, outrossim, que a Constituição garantiu à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar e comunitária. Da mesma forma, em virtude dessa nova visão constitucional, leis especiais foram editadas de modo a garantir a consecução dos novos direitos, entre estas leis, a de maior relevo é a Lei n.º 8.069, de 13 de julho de 1990 – o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).[13]

A partir da vigência do ECA, os processos de adoção foram efetivamente facilitados. O Estatuto pôs em evidência os interesses do adotando, visando a assegurar o seu bem estar, conforme seu artigo 43, que reza que “a adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.

Com efeito, de uma proposta egoística, que centrava nos pais o interesse maior do instituto, o ECA resgatou não só o melhor interesse do menor – o seu direito a um lar e à afetividade dos pais adotantes - mas também o caráter filantrópico da adoção, que não mais se reduz ao interesse exclusivo dos pais adotantes, mas tenta solucionar um problema social de dimensões incontroláveis no Brasil, que é a questão do menor abandonado.[14]

A Lei n.° 8.069/90 passou a regular a adoção dos menores de 18 (dezoito) anos, assegurando-lhes todos os direitos dos filhos biológicos, inclusive os sucessórios, ao passo que a adoção dos maiores de 18 (dezoito) anos permaneceu regulada pelo Código Civil de 1916.

Inicialmente, só podiam adotar, no regime do ECA, pessoas maiores de 21 (vinte e um) anos, porém, em se tratando de adoção requerida por cônjuges ou companheiros, admitia-se que apenas um deles tivesse 21 (vinte e um) anos. Até que o Novo Código Civil, promulgado em 2002, embora mantendo as duas hipóteses, reduziu o limite de idade para 18 (dezoito) anos, conservando, ainda, a necessidade de que o adotante fosse pelo menos 16 (dezesseis) anos mais velho que o adotado.

Foi a partir de 2002, com a promulgação do Novo Código Civil, o qual introduziu algumas modificações na figura adoção, que se passou a exigir sentença para a constituição da adoção, não se admitindo mais a adoção por meio de escritura pública, conforme dispunha o Antigo Código Civil de 1916. Tal medida é bastante conveniente, haja vista que a intervenção do Poder Público (com a participação direta do Ministério Público) assegura a legalidade de sua celebração. Destaque-se, ainda, que a legislação civil estabeleceu regulamentação única e realização por processo judicial para adoção de maiores e menores de dezoito anos, persistindo apenas algumas peculiaridades quanto ao último caso.

Atualmente, segundo o ECA, podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil, sendo dispensável para a hipótese de adoção conjunta que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável. A nova Lei Nacional de Adoção - Lei n.º 12.010/2009 - introduziu alteração no Estatuto da Criança do Adolescente, de modo a permitir a adoção conjunta realizada por ex-cônjuges, ou ex-companheiros, desde que comprovada a afinidade e a afetividade, observado o melhor interesse da criança ou adolescente.

O Estatuto exige a anuência do cônjuge ou companheiro do adotante nos casos em que aquele não seja também adotante, considerando-se indispensável sua concordância para a concessão da adoção.

Por outro lado, embora seja também relevante a concordância dos pais biológicos, esta não constitui requisito essencial ao acolhimento do pedido de adoção, desde que sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do poder familiar, por meio de decisão judicial, cabendo ao juiz da Vara da Infância e da Juventude sopesar o melhor interesse da criança.

Como já dito, a adoção sempre é realizada através de processo judicial, e como tal, seus efeitos passam a valer a partir do trânsito em julgado da sentença, salvo em caso de falecimento do adotante durante o processo, hipótese em que os efeitos da sentença retroagem à data do falecimento. Esta é a denominada adoção post mortem.

Uma vez concluído o processo de adoção, ela será irrefutável, a não ser em caso de maus tratos pelos pais. Nessa hipótese, assim como ocorreria com os pais biológicos, os pais adotivos perdem o poder familiar (como dito, por meio de processo judicial) e o Estado se responsabiliza pela guarda dos filhos, encaminhando-os a uma instituição para menores desamparados até definir sua situação, ou colocando-os sob a guarda de um parente que tenha condições de acolhê-los (família extensa ou ampliada).

Hodiernamente, a adoção é medida irreversível, não havendo qualquer possibilidade de ser restabelecida a relação familiar biológica, conforme preceitua o artigo 49 do ECA. Nem a morte dos adotantes é capaz de restabelecer o poder familiar dos pais naturais.

Embora não esteja expressa no ECA, a relação de parentesco do adotado estende-se para todos os parentes do adotante, sendo obrigatória a alteração do sobrenome do adotado e a lavratura de registro civil em que se faça constar os nomes dos adotantes como pais e de seus ascendentes de primeiro grau como avós do adotando. A nova redação do Estatuto, conferida pela Lei n.° 12.010/09, permite ainda a alteração do prenome da criança ou do adolescente, a pedido do adotante.

Por fim, é importante ressaltar que todo candidato à adoção deve estar previamente inscrito no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), órgão criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que tem como escopo auxiliar os juízes das Varas da Infância e da Juventude na condução dos procedimentos de adoção, por meio do mapeamento de informações unificadas de todo o território nacional, aumentando, assim, a celeridade dos processos de adoção, viabilizando, também, a implantação de políticas públicas na área. De acordo com o artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, o pedido de habilitação no cadastro deve ser feito judicialmente, o qual será decidido por sentença pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude da Comarca em que reside o candidato. Do indeferimento do pedido, cabe recurso (art. 198 do ECA).

Uma crítica que não podemos deixar de fazer é que alguns doutrinadores e operadores do Direito estão elevando a inclusão do nome do adotante no CNA ao status de condição da ação de adoção e, mais do que isso, passaram a considerá-la princípio absoluto, buscando, assim, uma interpretação literal, formal e neutra, tentando abstrair da decisão do juiz qualquer carga axiológica no caso concreto.

Em relação à adoção por casais homossexuais, não há permissivo na legislação brasileira, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) já consolidou entendimento jurisprudencial acerca da sua possibilidade, independentemente da idade da criança (RE 846.102, publicado em 18 de março de 2015). É que, nos autos do processo supra referido, a tese do Ministério Público do Estado Paraná (MP/PR) era o de só se permitir a adoção por casais gays de crianças com 12 (doze) ou mais anos, hipótese em que a criança deveria opinar e expressar seu consentimento sobre a adoção.

A Lei n.° 12.010/2009, que alterou substancialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente, apesar do codinome pelo qual ficou conhecida (“Nova Lei de Adoção”), infelizmente, não trouxe para o indigitado instituto apenas progressos, pois muitas foram as oportunidades desperdiçadas pelo legislador de aperfeiçoar e expandir a prática da adoção. Por outro lado, é imperativo ressaltar que alguns avanços foram trazidos pela Nova Lei de Adoção, destacando-se, por exemplo, a disposição legal que visa a assegurar a forma de amparo às mães e gestantes que manifestarem interesse em entregar seus filhos à adoção, sendo-lhes garantida assistência psicológica a ser oferecida pelo Poder Público.

O legislador da Lei n.° 12.010/09, numa demonstração de respeito às diferenças, manifestou, outrossim, preocupação com a criança indígena ou proveniente de comunidade quilombola, de modo que o acolhimento e a colocação em família substituta, nesses casos, deverão respeitar sua identidade social e cultural, os seus costumes e tradições, bem como suas instituições. Garantiu-se, ainda, a manutenção dos laços fraternais a partir da previsão que estabelece a impossibilidade de separação de grupos de irmãos levados à guarda, tutela ou adoção, ressalvando-se a comprovada existência de risco que justifique o rompimento definitivo dos vínculos entre os irmãos.

Todavia, após seis longos anos de tramitação da nova Lei Nacional de Adoção, o silêncio acerca de questões de grande importância como a adoção homoparental e a necessidade do deferimento de adoção intuitu personae em casos de relações familiares já consolidadas, bem como a preferência exacerbada dada à família natural, colocando a adoção na posição de medida excepcionalíssima, demonstram a insuficiência e o atraso da nova legislação.

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Sobre o autor
André Augusto Duarte Monção

Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pelo Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Católica SC e pela Faculdade Brasileira de Tributação - FBT/INEJE. MBA em Compliance e Gestão de Riscos (com ênfase em Governança e Inovação) pela Faculdade Pólis Civitas. Especialista em Arbitragem, Conciliação e Mediação pela Faculdade de Minas - FACUMINAS. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale - FALEG. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife - FDR da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Auditor do Tribunal Pleno do STJD de Skateboarding. Auditor da Comissão Disciplinar do STJD da CBVD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo - IBDD. Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da UFMG (GEDD UFMG). Autor do livro "Mediação e Arbitragem aplicadas ao desporto e o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), publicado pela Editora Dialética no ano de 2022.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONÇÃO, André Augusto Duarte. Adoção intuitu personae:: uma análise sob a perspectiva do direito luso-brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4566, 1 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45563. Acesso em: 19 abr. 2024.

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