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Adoção intuitu personae:

uma análise sob a perspectiva do direito luso-brasileiro

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Agenda 01/01/2016 às 06:12

4. A figura da adoção intuitu personae no direito luso-brasileiro

A expressão intuitu personae deriva do latim e significa “em consideração à pessoa”, “em razão da pessoa”. Portanto, adoção intuitu personae (também chamada de adoção direta) pode ser conceituada como a adoção que ocorre quando os genitores biológicos (ou um deles, na falta do outro), de forma consensual, manifesta interesse em que seu filho seja adotado por pessoa conhecida, direcionada, não se respeitando, nesse caso, a ordem de preferência estabelecida pelo cadastro de adotantes. Tal situação diferencia-se do que acontece na adoção convencional, que segue o rito legal, no qual os pais biológicos devem dar o seu consentimento (caso não lhes tenha sido retirado previamente o poder familiar), mas não escolhem nem ao menos conhecem quem passará a cuidar do seu filho.

Em Portugal, o legislador permitiu a figura da adoção direta apenas na hipótese de adoção de filho de cônjuge ou de unido de fato, tomando-se como objetivo dessa exceção o de se estabelecer vínculos jurídicos entre uma criança e a pessoa com quem o genitor possui um vínculo conjugal (padrasto/madrasta). Trata-se de uma clara tentativa de se acelerar e efetivar a consolidação do núcleo familiar formado.

Essa modalidade de adoção tanto pode ser plena quanto restrita, a depender dos efeitos que se pretendem dar à adoção. Cumpre apenas ressaltar que, se a escolha incidir sobre a adoção plena, não haverá a extinção das relações familiares, conforme está definido no n.º 1 do artigo 1986.º do Código Civil, mas aplicar-se-á o n.º 2 do artigo 1986.º do CC, mantendo-se as relações entre o adotado e o cônjuge do adotante e os respectivos parentes.

Dessa forma, a adoção de filho do cônjuge, em termos jurídicos, é a única que não resulta de uma confiança administrativa, judicial, ou medida de promoção e proteção com vista à adoção (n.º 1 artigo 1980.º do CC), sendo que, a partir da comunicação da intenção de adotar, passa-se diretamente ao período de pré-adopção, com uma duração máxima de 03 (três) meses, em vez dos 06 (seis) meses requeridos na adoção em geral (n.º 1 do artigo 10.º em contraponto com o n.º 1 do artigo 9.º Lei 185/93). É neste período exigido por lei que vai ser elaborado o inquérito exigido no n.º 2 do artigo 1973.º do CC, o qual, além de avaliar a personalidade e saúde do adotante, avalia a eventual educação e situação econômica que o adotante poderá fornecer ao adotado, assim como se os requisitos gerais da adoção estão preenchidos (n.º 1 artigo 1974.º do CC).

No que tange aos limites de idade, aplica-se o que consta do artigo 1979.º, n.º 2, do Código Civil, ou seja, o limite mínimo de 25 (vinte e cinco) anos de idade para o adotante; e não há limite máximo (artigo 1979.º, n.º 5, do Código Civil). Em relação à idade do adotando, a adoção do filho do cônjuge não exige que o menor tenha até 15 (quinze) anos à data da entrada da petição inicial, podendo ter até 18 anos (artigo 1980.º, n.º 2, do Código Civil).

Em relação ao tempo mínimo de casamento, este não é um requisito expressamente exigido para a adoção do filho do cônjuge, no entanto, há uma tendência para o considerar como requisito. Tal exigência centra-se numa necessidade de consolidação da relação conjugal, e é tão exigível aos candidatos que se propõem à adoção, como o deverá ser na adoção do filho do cônjuge; por outro lado, também não será justo haver uma distinção prática entre união de fato e casamento quando tal exigência não é legalmente exigida (artigo 7.º da Lei 7/2001 de 11 de Maio). Isto porque, ao se exigir 02 (dois) anos para se entrar numa situação de união de fato tutelada - n.º 1 artigo 2.º da Lei 6/2001 de 11 Maio, não seria imparcial, por parte das entidades competentes, não exigir, pelo menos, o mesmo número de anos de casamento aos adotantes casados entre si.

Por fim, aplica-se o artigo 1981.º do Código Civil, sendo indispensável o consentimento: a) do cônjuge (no caso, o genitor do adotado); b) do próprio menor, caso este tenha mais de 12 (doze) anos (alínea “b” do n.º 1 do artigo 1981.º do CC); e c) do genitor com o qual se pretende romper os vínculos jurídicos, desde que não tenha havido confiança judicial nem medida de promoção e proteção de confiança à pessoa ou à instituição com vista à futura adoção (alínea “c” do n.º 1 do artigo 1981.º do CC), ou, em alguns casos, dos ascendentes, colaterais até ao 3º grau ou do tutor, na hipótese de um dos genitores ser pré-falecido, e desde que o menor tenha sido entregue a um dos sujeitos acima referidos (alínea “d” artigo 1981.º do CC).

Em termos jurisprudenciais, a questão é tratada com alguma sensibilidade, havendo uma tentativa por parte dos juízes de averiguação do tipo de relação (harmoniosa ou divergente), existente entre o genitor/cônjuge e a família de origem. Um dos exemplos dessa posição é a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa[23], na qual, perante um pedido de adoção do filho do cônjuge, fundado no pré-falecimento do genitor, os desembargadores confirmaram a decisão da 1.ª instância de indeferimento do pedido de adoção plena do menor. A decisão, tendo por base a matéria de fato apresentada, referiu que, no caso em exame, não estava presente nenhuma causa de quebra de vínculos afetivos entre a família do genitor pré-falecido e o menor, mas sim uma relação problemática entre o genitor sobrevivo e a família do pré-falecido.

Em resumo, nos casos em que se prove que há vínculos entre o adotado e a sua família de origem, não deve haver a promoção da adoção plena, mas deve apenas ser decretada a adoção restrita, onde a imposição de um regime partilhado entre a família biológica e adotiva seria a melhor solução para o menor, mesmo que a adoção restrita, de efeitos menos abrangentes que a adoção plena, não promova a estabilidade necessária à criança.

No entanto, nessa hipótese, o prejuízo que tal espécie de adoção, em tese, traria ao menor seria de natureza apenas patrimonial, posto que, embora o adotado não se torne herdeiro legitimário do adotante, a estabilidade afetiva permanece preservada. Este eventual prejuízo, além de não ser um fator a ser levado em conta nos inquéritos realizados nos termos do n.º 2 do artigo 1973.º, nem seja uma das finalidades da adoção, pode ser facilmente contornado através de uma designação testamentária em nome do adotado. Por outro lado, a aplicação, em Portugal, de uma solução inspirada no direito comparado também seria uma mais-valia à adoção do filho do cônjuge, pois proporcionaria a preservação dos vínculos afetivos entre o menor e os ascendentes.

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Por sua vez, no Brasil, com as mudanças trazidas pela Lei n.º 12.010/09, tornou-se extremamente dificultosa a adoção intuitu personae, visto que a norma restringe significativamente os casos em que esta pode ser legalmente reconhecida. Todavia, mais abrangente que o direito português, o direito brasileiro previu 03 (três) exceções que dispensam ensejam o procedimento de adoção direta, nos termos do artigo 50, § 13, do ECA. São elas:

§ 13.  Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando:

I - se tratar de pedido de adoção unilateral;

II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade;

III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei.

A primeira hipótese (inciso I) refere-se à adoção unilateral, aquela prevista no § 1.º do artigo 41 do Estatuto, que ocorre quando um dos cônjuges ou companheiros adota o filho do outro, situação em que, por óbvio, será dispensada a inscrição no CNA, diante do risco de adoção do menor por terceiros estranhos à relação de afetividade previamente consolidada.[24] Esta hipótese equivale à “adoção de filho do cônjuge” acima estudada, prevista no Código Civil de Portugal.

Por sua vez, a segunda exceção (inciso II) trata da hipótese de pedido formulado por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afetividade ou afinidade, hipótese em que a adoção também será intuitu personae (direta), demonstrando, mais uma vez, a prioridade de que goza a família extensa frente à família substituta.

Por derradeiro, a hipótese do inciso III cuida de exceção bastante controversa, qual seja, o pedido formulado por detentor da tutela ou guarda legal de criança maior de 03 (três) anos de idade, desde que haja comprovada construção de vínculos de afetividade e afinidade, sendo, portanto, necessário o cadastramento no caso de crianças na mesma situação, porém com idade inferior a 03 (três) anos. Nessa última hipótese, resta-nos uma pergunta a fazer: qual terá sido o critério utilizado pelo legislador para determinar a idade mínima de 03 (três) anos de idade como limite para a diferenciação de tratamento legal?

Sabe-se que a consolidação de vínculos de afetividade é decorrente da convivência e da construção de laços afetivos mútuos, que acabam por unir pais e filhos; e decerto, não possui tempo determinado para ser caracterizada. Imperioso destacar, portanto que o legislador utilizou-se de critério puramente arbitrário, tendo estabelecido aleatoriamente a idade de 03 (três) anos como o marco em que se consolidam os laços de afetividade entre adotante e adotando em convivência familiar.

Em verdade, observa-se que a referida disposição legal termina por violar o princípio do melhor interesse da criança, posto que não há estudos psicológicos aptos a comprovar que, em idade inferior a 03 (três) anos, a criança não pode estar plenamente integrada à família do pretendente, estando ausentes os vínculos de afinidade e afetividade paterno-filial.[25]

O objetivo do legislador foi evitar a comercialização de menores, bem como as adoções prontas, casos em que a genitora entrega diretamente o filho a terceiros; ou que pessoas vejam pela televisão, por exemplo, notícias de crianças abandonadas pelos pais biológicos, e entusiasmadas, num afã de solidariedade, procurem a Vara da Infância com pretensão de adotar determinada criança, burlando a fila do cadastro e prejudicando os interesses legítimos daqueles que estão cadastrados à espera de uma criança ou adolescente.[26]

Ocorre que existe uma grande diferença entre a entrega de crianças para adoção mediante paga e o recebimento dos menores diretamente dos genitores, por escolha própria desses últimos, em razão de acreditarem ser uma boa família para os filhos que não poderão criar.

A preocupação da nova Lei de Adoção em impedir a adoção intuitu personae tem ocasionado o retardo na adoção das crianças de idade inferior a 03 (três) anos já sob guarda legal, posto que os pretendentes serão obrigados a esperar até que seja configurada a exceção constante no inciso I, § 13, do artigo 50 do ECA, e ainda mais grave, será um estímulo à realização da prática conhecida como “adoção à brasileira”[27].

Ressalte-se, outrossim, ser requisito para a configuração da exceção do inciso III a tutela ou guarda legal da criança ou do adolescente, é dizer, casos de crianças que já estão com 05 (cinco), 10 (dez) ou 15 (quinze) anos e foram acolhidas por famílias afetivas, as quais lhe proporcionam a plenitude dos direitos fundamentais à convivência familiar, à integridade física e moral, à saúde, à educação, ao lazer, mas estão apenas sob a guarda fática, não estão amparados pela exceção legalmente estabelecida.

Como bem pronunciou o Juiz da Vara da Infância e Juventude e Professor da Universidade Estadual de Santa Catarina, Marcos Bandeira:

Vários desses casos foram movidos simplesmente pelo espírito de amor e solidariedade, em outras palavras, pela afetividade, e mesmo que tenha havido alguma irregularidade na forma como foi obtida a guarda de fato da criança, o prolongado tempo de convívio familiar já fez surgir uma nova realidade, que não deve ser ignorada pelo Direito.[28]           

Não se está aqui defendendo o tipo previsto no artigo e 238 do ECA[29], o qual, acredita-se, merece ser devidamente coibido, entretanto, não é possível olvidar-se dos casos em que a genitora em ato misto de desespero e amor renuncia a seu filho, entregando-o a determinada pessoa que saiba ou acredite que poderá criá-lo com amor, assegurando ao filho biológico uma vida melhor do que a que poderia oferecê-lo.

Será que os pais socioafetivos que possuem apenas a guarda de fato de suas crianças, ou aqueles que as receberam diretamente dos pais biológicos, e já tendo vínculos de afetividade consolidados pelo tempo terão de entregar seus filhos a instituições de acolhimento para que seja obedecida cegamente a ordem dos cadastros? Por que razão pode-se acreditar ser legítimo negar-lhes o direito de regularizarem uma situação já consolidada pelo tempo, cuja realidade fática, muitas vezes, caracteriza a posse de estado de filho? É justo retirar essas crianças já abandonadas uma vez dos braços de quem as acolheu?

O legislador parece ter se esquecido dos princípios básicos, norteadores do Direito de Família, como o do melhor interesse da criança e o da dignidade humana. É de grande clareza que o melhor para essas crianças é serem adotadas como filhas daqueles que já tem sido seus pais, se por dois anos apenas, ou através da mera guarda fática, não fará qualquer diferença para esses pequenos que somente querem receber o amor de quem os acolheu como filhos. Retirá-los de seus lares e colocá-los (ou recolocá-los) em instituições de acolhimento, na fila de adoção, para que tentem novamente a sorte e mais uma vez sejam inseridos em uma família, quebrando os laços afetivos já construídos é crueldade gratuita.

Admite-se que os Cadastros de Adoção foram criados com vistas a organizar e agilizar o procedimento da adoção, devendo ser respeitados para garantir a isonomia entre os pretendentes, obedecendo-se a uma fila criada por ordem de inscrição, bem como das preferências estabelecidas nos perfis traçados pelos interessados.

Nesse viés é compreensível a intenção do legislador ao restringir a capacidade de adotar aos inscritos no Cadastro Nacional de Adoção, consideradas as exceções estabelecidas na nova redação do artigo 50, § 13 do ECA. De fato, permitir indistintamente a prática da adoção direta seria fechar os olhos para a burla do CNA, consentindo que crianças fossem adotadas por vias distintas, em prejuízo dos pretendentes que optaram por seguir a lei e já estão regularmente inscritos nos Cadastros.

Repise-se, ainda, como ponto a favor da proibição da adoção direta, a inibição da lamentável prática da venda de crianças, sobretudo de bebês, os mais procurados pelos adotantes e mais difíceis de serem conseguidos, para famílias que já não suportam aguardar na fila dos Cadastros de Adoção. As vendas ocorrem, em sua maioria, dentro das maternidades, locais a que muitas famílias ainda recorrem em busca de crianças, mormente sob o argumento de que pelas vias judiciais o procedimento de adoção é muito custoso. Ante a ilicitude da prática, o Estado é incapaz de exercer qualquer fiscalização sobre a situação da criança inserida em família substituta.

Por outro lado, não se pode esquecer dos casos, infelizmente, quase que diariamente noticiados, de recém-nascidos abandonados, envoltos em sacolas plásticas e jogados no lixo, como um resto de qualquer coisa sem serventia, ou lançados em rios dentro de cestinhos, expostos ao sol, à chuva, ao frio, e até mesmo enterrados por suas próprias mães em terrenos baldios apenas com a cabecinha para fora da terra, como que para evitar uma morte por asfixia.

Trata-se de mulheres desesperadas, em situação de desamparo total, sem qualquer apoio psicológico que diante de uma gravidez indesejada ou da falta de condições de criar seus filhos, preferem abandoná-los a sua própria sorte a entregá-los à Justiça ou ao Conselho Tutelar por medo de serem presas, e não por pura maldade como se pode, em princípio, imaginar.

O medo dessas mulheres é fruto da ignorância e, portanto, de responsabilidade estatal. Não há campanhas para o esclarecimento de que entregar um filho em adoção não constitui conduta criminosa, crime é o abandono de incapaz praticado por elas em razão da falta de orientação e do medo. Não se pretende a realização de campanhas de incentivo à entrega de crianças para adoção, mas sim que sejam campanhas explicativas e hábeis a demonstrar a licitude do ato de doação de um filho para adoção e os locais em que se pode fazê-lo, com o fim de evitar episódios trágicos como os supracitados.

Ora, não há razão para que não seja deferida a adoção de uma criança pela pessoa que a encontrou abandonada em uma lata de lixo, ou mesmo na porta de casa, "quem encontra assim uma criança, acaba acreditando que foi Deus que a colocou em seu caminho, pois, se não a tivesse achado, provavelmente ela teria morrido".59 Em casos como estes, não há como exigir dessas pessoas o prévio cadastramento em listas de adoção, uma vez que se trata de pessoas que nunca pensaram em adotar até o momento em que encontraram essa determinada criança.

Ocorre que muitos juízes da Infância e da Juventude não concedem essa forma de adoção, por entenderem que, por não estar expressamente autorizada pela Lei n.° 12.010/09, que alterou o ECA, trata-se de modalidade ilegal. Desse modo, como afirma Maria Berenice Dias, “simplesmente a entregam para o primeiro da lista e mandam o interessado habilitar-se e esperar a sua vez para adotar a criança que oportunamente lhe será indicada”. O óbvio parece não ser enxergado, ora, o desejo desses interessados não é de adotar qualquer criança, mas aquela que encontrou como sendo um desígnio dos céus e pegou no colo, o que encheu sua vida de significado.[30]

Repise-se, outrossim, as circunstâncias de tamanho desespero, capazes de ensejar casos tão chocantes de abandono de menores quanto os que se tem notícia na televisão e nos jornais, em que muitas mães, por amor, recorrem a famílias conhecidas, que sabem, desejam ter um filho, ou mesmo a famílias vizinhas, amigas, acreditando se tratar de famílias em boas condições, não apenas financeiras, de criar seu filho recém-nascido.

É incompreensível que o Judiciário queira negar aos pais biológicos o direito de escolher a quem desejam entregar seus filhos em adoção, se dentro do melhor interesse da criança, a pessoa escolhida for considerada idônea. Se é garantido aos pais, eleger quem será o tutor de seus filhos após sua morte,[31] não é justificável a negativa dessa prerrogativa em caso de adoção. Contudo, nem nesses casos, a adoção direta vem sendo admitida, “mesmo que a mãe entregue o filho a quem lhe aprouver, o Ministério Público ingressa com pedido de busca e apreensão, e a criança acaba sendo institucionalizada. Lá permanece até findar o processo de destituição do poder familiar”.[32] Só depois a criança é entregue em adoção ao primeiro inscrito da lista, cujas preferências traçadas no perfil, quando da inscrição no Cadastro, estejam de acordo com suas características.

O fato é que se criou uma verdadeira idolatria pelo CNA, de modo que não se admite a sua transgressão, esquecendo-se, assim, o escopo do ECA e da própria LNA, qual seja, a proteção e a defesa do melhor interesse da criança e do adolescente. Portanto, o que deveria ser um simples mecanismo agilizador do procedimento de adoção, transformou-se em um fim em si mesmo, e em vez de um meio libertário, passou a ser um fator inibitório e limitativo da adoção.

A verdade é que crianças que estavam sob guarda legal ou estágio de convivência, durante processos de adoção, foram arrancadas dos braços dos pais que as receberem, depois de meses e até anos de convivência, através de inúmeros mandados de busca e apreensão expedidos pela Justiça após a promulgação da Lei n.° 12.010/09. De maneira pouco sensível, o Ministério Público de muitos estados da Federação, bem como os juízes da Infância têm entendido ser obrigatória a observância do cadastramento.

É certo que o Estado e o Poder Judiciário não podem ignorar as ocorrências em que entidades familiares acolhem em seu seio crianças deixadas em suas portas ou entregues pela própria genitora, criando-as e amando-as como filhas. Ainda que essas crianças devessem ter sido entregues a instituições estatais ou judiciais responsáveis pelo acolhimento de menores doados para adoção, os casos práticos, todavia, diferem do ideal pregado pela teoria legal e necessitam de resolução.

Saliente-se que é papel do juiz, como verdadeiro intérprete da lei, sopesar o melhor interesse da criança ou adolescente e tomar, em cada caso concreto que lhe for submetido, a decisão que for mais justa. Sabe-se que para a realização da justiça, o aspecto formal não deve nunca sobrepujar o aspecto material.

Sobre o autor
André Augusto Duarte Monção

Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL. Especialista em Gestão do Esporte e Direito Desportivo pelo Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Católica SC e pela Faculdade Brasileira de Tributação - FBT/INEJE. MBA em Compliance e Gestão de Riscos (com ênfase em Governança e Inovação) pela Faculdade Pólis Civitas. Especialista em Arbitragem, Conciliação e Mediação pela Faculdade de Minas - FACUMINAS. Especialista em Direito Empresarial pela Faculdade Legale - FALEG. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau - UNINASSAU. Graduado pela Faculdade de Direito do Recife - FDR da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Auditor do Tribunal Pleno do STJD de Skateboarding. Auditor da Comissão Disciplinar do STJD da CBVD. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo - IBDD. Membro do Grupo de Estudos em Direito Desportivo da UFMG (GEDD UFMG). Autor do livro "Mediação e Arbitragem aplicadas ao desporto e o Tribunal Arbitral do Esporte (TAS/CAS), publicado pela Editora Dialética no ano de 2022.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MONÇÃO, André Augusto Duarte. Adoção intuitu personae:: uma análise sob a perspectiva do direito luso-brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4566, 1 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45563. Acesso em: 18 mai. 2024.

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