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Direito concorrencial e concentração empresarial:

aspectos atuais

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Agenda 14/12/2003 às 00:00

6 ASPECTOS RELEVANTES DA LEI 8.884/94

Com o advento da Lei 8.884/94, também conhecida com lei antitruste, houve uma melhor sistematização da atuação do Estado brasileiro na proteção da ordem econômica e dos princípios constitucionais atinentes, exaltados no artigo 1º da referida lei, haja vista se tratar de norma que além de elencar condutas e procedimentos administrativos, há a sedimentação de uma estrutura administrativa que vise o resguardo da ordem econômica.

Fonseca (2001, p.87) bem exprime este ideal ao afirmar que "a lei antitruste tem como finalidade preservar estes princípios, e principalmente o direito de propriedade e o da livre iniciativa dentro do mercado, sendo este uma conseqüência lógica do primeiro".

Vale ressaltar o parágrafo único do artigo 1º, que confere a titularidade dos direitos tratados pela lei antitruste à coletividade, consagrando assim a importância destes bens jurídicos frente à sociedade e ao consumidor, que está intimamente relacionado ao sadio exercício da concorrência, daí, inclusive, a existência do artigo 12 da referida lei que inclui membro do Ministério Público Federal para oficiar nos processos administrativos. O exercício desta titularidade, administrativamente e em juízo, se dará na forma como previsto na lei 7.347/85 e 8.078/90. Salienta-se que o Ministério Público poderá substituir a procuradoria do CADE na execução de suas decisões e compromissos de cessação.

O artigo 3º transforma o CADE (conselho de defesa econômica em autarquia federal, o referindo como órgão judicante com jurisdição em todo o território nacional. Não se trata de jurisdição estrita, exercida pelo Poder Judiciário e em raras exceções pelo Congresso Nacional, mas sim de espécie de jurisdição administrativa não excluindo a possibilidade de apreciação posterior do Judiciário, e que pelas características que compõem a disciplina da concorrência, e buscando uniformidade de tratamento, abrange todo o território nacional. Assim, o CADE, a teor das competências elencadas no artigo 7º, possui função consultiva, de prevenção e judicante, além de funções administrativas, haja vista ser uma autarquia.

O CADE é composto de um presidente e seis conselheiros, com mandatos bienais, sendo cargo que exige dedicação exclusiva, não se admitindo cumulações, salvo as previstas na Constituição.

Já a SDE (Secretaria de Direito Econômico), órgão da administração direta, mais especificamente do Ministério da Justiça, tem função acessória à funções do CADE, além de exercer funções preventivas, atuando de forma a prevenir ou punir as infrações à ordem econômica, ou ainda, emitindo pareceres relativamente á atos de concentração. Como exemplo, dentre as funções que lhe foram atribuídas pelo artigo 14, se observa que a SDE possui poderes investigativos para a instauração de processo administrativo, ou acompanhar as atividades das pessoas físicas ou jurídicas de modo a prevenir infrações à ordem econômica.

Os artigos 15 ao 19 do Título V da lei em comento, traz disposições dignas de nota que refletem bem a evolução legislativa deste texto. Fica sedimentado um amplo espectro para a aplicação da referida norma, alcançando pessoas físicas ou jurídicas, qualquer entidades ou associações de fato ou de direito, e mais, alcançando até mesmo o até então intangível monopólio legal.

Mais adiante, no artigo 16, fica estabelecida a responsabilidade solidária entre a sociedade empresária e seus dirigentes ou administradores. Tal dispositivo não se confunde com o do artigo 18 que acolhe o dever da desconsideração da personalidade jurídica em caso de abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Tratam-se de critérios propositadamente vagos, requerendo uma participação ativa do aplicador da norma para que se delimite o real alcance da mesma. Ocorrerá também a desconsideração em casos de estado de insolvência ou falência provocado por má-administração. Esta previsão de desconsideração da personalidade jurídica, assim como preceituado no Código de Defesa do Consumidor, muito embora venham com a expressão "pode", não se trata de faculdade mas de dever cogente a sua aplicação, em ocorrendo as hipóteses previstas.

São solidários, ainda, os integrante de grupo econômico, de fato ou de direito, ressaltando que a responsabilidade estatuída na lei antitruste não exclui a responsabilização na esfera cível ou criminal.

Como já dito antes, os artigos 20 e 21 estabelecem conjuntamente as infrações, sendo que as tipificações deste último somente serão puníveis se enquadradas nos critérios do artigo 20. Como se verá adiante em capítulo próprio, o legislador estabeleceu ainda, critérios de controle dos atos submetidos à apreciação do CADE.

Pois bem. Uma vez tipificadas as condutas, há a fixação das penas cabíveis, que poderão ser de multa entre um a trinta por cento do faturamento bruto da empresa. No caso de se punir o administrador, ainda que indiretamente, caberá multa de dez a cinqüenta por cento da penalidade imposta a empresa. Já no caso de pessoas em geral, às quais é impossível aferir o faturamento bruto, aplicar-se-á multa entre seis mil e seis milhões de UFIR’s, ou índice superveniente.

Sem prejuízo destas penalidades, poderão ainda ser aplicadas medidas restritivas de cunho administrativo, além de publicações consecutivas da decisão na imprensa, ou a necessária cisão da sociedade, venda de ativos, transferência do controle acionário dentre outras imposições que visam a eliminar a respectiva infração à ordem econômica.

Em caso de eventual ação judicial, não há a suspensão de eventual procedimento administrativo já instaurado, ou a instaurar. Neste ponto, a lei antitruste demonstra mais uma vez a afinidade dos bens tutelados, com aqueles objeto da lei 8.78/90, ao fazer expressa remissão á aplicação do artigo 82 do CDC, que elenca os legitimados a ingressar em juízo, sem excluir o próprio prejudicado.

A Lei 8.884/94, mais uma vez explicitando sua polivalência, pormenoriza o procedimento administrativo de competência do CADE, mas com participação ativa da SDE desde a fase investigatória. Assim, há a normatização tanto da fase investigatória preliminar, quanto da postulatória e cognitiva do procedimento, bem como da fase decisória e seu conteúdo, além da possibilidade de aplicações de medidas preventivas (cuja natureza é essencialmente cautelar) e compromissos de cessação da prática em análise (sem que disso resulte confissão da ilicitude), ou ainda compromissos de desempenho.

Insta ressaltar que as decisões do plenário do CADE possuem natureza de título executivo extrajudicial (artigo 60), o que não exclui a possibilidade de, frustrada as medidas coercitivas daquela autarquia, se pleitear ao Judiciário o cumprimento da decisão, permitindo-se a intervenção na empresa para que se almeje tal fim. Outra importante disposição processual vem insculpida no artigo 68, onde se confere à execução de decisão do CADE caráter preferencial sobre as demais espécies de ação, salvo habeas corpus e mandado de segurança.

Assim, a Lei 8.884/94 ao passo que reestrutura o CADE, tipifica conduta anticoncorrenciais, e estipula critérios de análise e punibilidade dos atos, tem uma índole protetiva ao adequado funcionamento do mercado, servindo como instrumento do Estado numa atuação de mínima intervenção no intuito de evitar abuso de poder econômico.


7 FORMAS DE CONTROLE DOS ATOS

É impossível se aventar uma legislação que almeje reprimir o abuso do poder econômico, protegendo a concorrência, sem que haja mecanismos de controle dos atos potencialmente geradores de determinada lesão jurídica. E sendo assim, é que a lei 8.884/94 cria conceitos e toda uma estrutura administrativa estatal visando a defesa da ordem econômica e repressão do abuso de poder econômico, ao passo em que estabelece tipificação de condutas, normas procedimentais, critérios de avaliação, dentre outras disposições.

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Tanto a Secretaria de Direito Econômico (SDE), quanto o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), ambos vinculados ao Ministério da Justiça, desempenham papéis de primeira grandeza no âmbito da prevenção do abuso de poder econômico e defesa da concorrência. A SDE possui dentre outras competências as de fiscalização, investigação e de opinião ao CADE. Já à esta última autarquia, compete o processamento e julgamento administrativo decidindo sobre a existência de infração à ordem econômica, determinar providências destinadas à cessação da infração, aprovar termos de compromissos de desempenho, dentre as demais competências elencadas no artigo 7º da Lei 8.884/94.

Com vistas ao desempenho de seu papel, é que o CADE regulamentou os procedimentos para controle de atos, assim como previsto no artigo 54, pela Resolução 01/94, 05/96 e Portaria 05/96.

O artigo 54 da supra citada lei, obriga que os atos que, sob qualquer forma, possam limitar ou prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercado relevante de bens e serviços, deverão ser objeto de apreciação do CADE. Esta disposição surge como uma barreira imposta pelo Estado neo-liberal, em exercício de seu poder de polícia, de modo a resguardar os princípios constitucionais elencados no artigo 170 e aqueles do artigo 1º da Lei 8.884/94. A instauração do processo no CADE se dá com o lastro dos pareceres técnicos da SEAE e da SDE, que obviamente não vinculam a decisão final a ser tomada.

O parágrafo primeiro do artigo 54 da lei antitruste elenca, em quatro incisos, a situação em que o CADE poderá autorizar o ato referido no caput. No entanto, no parágrafo segundo, abre-se uma exceção à cumulatividade do parágrafo primeiro, ao se possibilitar a aprovação do ato com a ocorrência de somente três dos quatro incisos, desde que o ato seja relevante à economia nacional e ao bem comum, e desde que não implique em prejuízo ao consumidor ou usuário final.

O controle dos atos poderá ser prévio à sua celebração, ou posterior, conforme o parágrafo 3º do referenciado artigo 54. Muito embora antes de realizado o ato, via de regra, ele ainda não produza efeitos práticos e concretos, realiza-se a devida avaliação do mercado relevante e das prováveis conseqüências daquele ato, visando com tal preventividade evitar danos de difícil reparação, ao passo, que eventualmente se possibilita a legitimação do ato mediante adequações, imposições de medidas preventivas, ou compromissos de desempenho.

Klajmic (1998, p.90) oportunamente resume a avaliação realizada pelo CADE dizendo que:

Ao examinar os atos que lhe são submetidos, o CADE poderá entendê-los como:

a) Não restritivos à concorrência, e de submissão não obrigatória;

b) Não restritivos à concorrência, e de submissão obrigatória pelos parâmetros legais do §3.º;

c) Restritivos à concorrência, e não autorizáveis face à inexistência das condições do §1.º;

d) Restritivos à concorrência, e autorizáveis pela presença das condições do § 1.º

Um ponto que se observa no sistema de controle dos atos que potencialmente possam significar afronta à ordem econômica, é que um controle prévio por meio de comunicação compulsória do ato a ser realizado. Ou seja, para que tais atos se aperfeiçoem não é condição de validade a prévia ciência do CADE ou SDE.

Destarte, o que comumente ocorre é a apreciação dos órgãos governamentais após a realização do negócio, cabendo a aplicação de suspensão do negócio, medidas preventivas ou compromissos de desempenho, o que pode resultar em prejuízos não só para as partes diretamente envolvidas na operação, mas como também para a própria concorrência, consumidor, trabalhadores e credores. Ao contrário, nos Estados Unidos existe esta obrigatoriedade que gera menos repercussões internas e externas à operação. Assim, toda operação de fusão ou incorporação lá realizada dever ser previamente noticiada e aprovada pelos órgãos governamentais competentes.

Considerando o parágrafo segundo do artigo 54, que determina que os atos suspeitos devam ser levados à apreciação da autarquia num prazo de 15 dias úteis [4] após a sua realização. Este prazo, segundo a Resolução 15/1998 do CADE, começa a fluir após a celebração do primeiro ato vinculativo firmado entre os agentes econômicos. O CADE já decidiu, em um julgamento que demonstra certa vacilação quanto á aplicabilidade do prazo do art. 54, no Ato de Concentração 119/97, que a data da realização da operação é aquela a partir da efetivação da obrigação entre os contratantes, não se suspendendo por eventual recesso do CADE.

Temos, então, que no Brasil o controle pode ser prévio ou posterior. No caso de não apresentação do ato, pelas partes envolvidas, no prazo legal de 15 dias será aplicada multa entre 60 mil e 6 milhões de UFIR’s, sem prejuízo da abertura do processo administrativo para a análise da legalidade do ato.

O Tribunal Regional da 1ª Região, em julgamento de mandado de segurança AMS 1999.34.00.029156-5 /DF, manifestou entendimento de que a aplicação da multa, em seu patamar mínimo dispensa justificativa, sendo consectário lógico da intempestividade da apresentação do ato. No entanto, quanto à aplicação de multa superior aos 60 mil UFIR’s mínimos, trata-se de ato inafastavelmente vinculado que deve ser devidamente fundamentado, no que concerne ao valor atribuído.

Ora, considerando a natureza da tutela jurídica da Lei 8.884/94, além de ser de titularidade da coletividade, entendemos, data venia, que tal decisão é de certa forma incorreta, já que se há a necessidade de se fundamentar pela a aplicação de multa superior ao mínimo legal, há também que se fundamentar pela não aplicação de um valor superior, na exata proporção de que o interesse é coletivo, da sociedade, em que haja o correto apenamento em razão da natureza, da repercussão e da gravidade do ato em análise, bem como diante das razões da intempestividade e das circunstâncias pessoais dos agentes econômicos envolvidos (como reincidência, dentre outros).

Assim, uma dada operação de fusão ou incorporação pode ser levada a cabo sem prévia comunicação ao CADE, e somente após a realização do ato, vir a ser instaurado o devido procedimento administrativo, e a partir daí, dependendo do caso, serem adotadas medidas de cunho cautelar que em alguns casos pode inviabilizar o negócio. Este duplo momento em que é possível a apreciação é objeto de críticas à legislação antitruste brasileira, segundo as quais, a ausência da necessária aprovação prévia dificulta a proteção da concorrência, posto que invariavelmente se abre a possibilidade de se concretizar o dano para somente depois vetar a operação.

Cite-se como exemplo o caso Chocolates Garoto / Nestlé, que encontra-se em situação de indefinição, sob apreciação do CADE e das medidas preventivas determinadas por esta autarquia, como por exemplo, a manutenção do parque industrial, quadro funcional, nível de produção, etc.

De toda sorte, é evidente que o controle prévio por meio de comunicação compulsória da operação concentracionista a ser realizada, torna-se um fator que dificulta determinada operação que beira à ilicitude, eis que a comunicação simultânea ao ato ou mesmo alguns dias após, já é suficiente para desencadear danos. Resulta-se, assim, num maior interesse do desenvolvimento individual de cada sociedade empresária, beneficiando o mercado concorrencial, sujeitando-o menos às infrações.

Caso ocorra a análise posterior e haja a reprovação da operação pretendida, o efeito desta decisão do CADE retroagirá à data da realização. Salienta-se que o CADE tem o prazo de 60 dias para decidir, prazo que poderá ser suspenso caso esta autarquia, a SDE ou a SEAE, venham a solicitar esclarecimentos ou exigir documentos que sejam necessários. Caso não seja o processo apreciado no prazo o ato será aprovado.

O próprio artigo 56 da Lei 8.884/94, ao dispor sobre as condições em que serão arquivados os atos relativos à constituição, fusão, incorporação, ou agrupamento de empresas, elenca uma série de exigências, sem no entanto, condicionar o arquivamento à prévia autorização do CADE, em razão deste sistema adotado de controle prévio ou posterior.

Fonseca (2001, p.290), na condição de ex-Conselheiro do CADE, acentua que este prazo é de difícil cumprimento, o que é de fácil percepção. Entendemos que andou mal o legislador ao estipular um prazo tão exíguo, sob pena de aprovação do ato, para julgamento dos casos, se considerarmos a complexidade multidisciplinar que envolve a matéria, bem como o cultural acúmulo de processos, pelo aumento de demanda, que ocorre no Brasil há muito tempo, seja em julgamentos administrativos ou em julgamentos judiciais. Esta crítica merece a devida ênfase, já que se trata de direitos que dizem respeito à coletividade, mesmo considerando que a eternização da apreciação é também nociva à segurança jurídica e a livre iniciativa, temos que seria de melhor técnica a possibilidade de prorrogação ou um prazo mais elástico.

Com vistas à evitar estes danos decorrentes do tempo no processo, é que existem as medidas preventivas e a APRO que serão analisadas mais adiante.

Ao final do processo administrativo, caso venha a ser detectada a infração à ordem econômica, fica o responsável sujeito às penas tipificadas no artigo 23 e 24 da lei 8.884/94, valendo guisar, no entanto, que o artigo 23, bem como o artigo 24, é de aplicabilidade mais direcionada aos casos de práticas previstas no artigo 21. No âmbito da análise de atos de concentração, especialmente fusão e incorporação, a penas do artigo 24 se enquadram melhor ao caso, ressaltando o inciso V que determina a "cisão de sociedade, transferência do controle societário, venda de ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem econômica".

A Lei 10.149/00, instituiu o acordo de leniência, que estimula a iniciativa do agente econômico, em prática ofensiva aos ditames competitivos, em se apresentar espontaneamente ao CADE, possibilitando assim a redução de eventual penalidade a ser aplicada.

7.1 O COMPROMISSO DE DESEMPENHO

Pois bem. Em caso de eventual aprovação do ato pelo CADE, com base no artigo 58, estabelecer-se-ão os termos do compromisso de desempenho, visando assegurar as condições previstas no parágrafo primeiro do artigo 54. Assim sendo, o compromisso de desempenho se revela como um instrumento posto ao Estado de garantir que determinado ato concentracionista, por vezes de legalidade fronteiriça, se estabilize dentro dos parâmetros desejados.

O termo de compromisso deverá levar em consideração o grau de exposição do mercado em questão à influência e competição internacional, visando assim, proteger a industria nacional, assim entendido como preservar, no mínimo, a igualdade de condições, e nunca resultar em desequilíbrio favorável ao empreendimento estrangeiro. O termo de compromisso deverá, também, privilegiar a preservação dos níveis de emprego, como fruto dos princípios elencados na Constituição Federal, em seu artigo 170, VIII, que exalta o pleno emprego. Ao final do parágrafo primeiro, do artigo 58, o legislador acrescentou aos pontos retro citados, a expressão "outras circunstâncias relevantes", que em sua abstração deve ser entendida como privilegiadora de direitos como o dos consumidores, meio ambiente e demais que girem em torno do bem comum.

Como consequência lógica da imposição de metas e objetivos previstos no parágrafo primeiro, há a necessidade de se fixar os respectivos critérios quantitativos e qualitativos, possibilitando o estabelecimento de prazos para o cumprimento do termo. Deverá, portanto, o CADE acompanhar de perto a atividade da sociedade oriunda da fusão ou da sociedade incorporadora de modo a evitar o descumprimento do termo de compromisso, o que poderá gerar multa diária, que tem sido imposta na quantia de 5 mil UFIR’s. Como exemplo podemos citar o caso Ambev que resultou em um compromisso de desempenho (analisado no ponto seguinte, bem como no anexo).

7.2 O ARTIGO 54, §3º DA LEI 8.884/94 E AS FUSÕES E INCORPORAÇÕES

Uma vez realizada a comunicação dos atos ao CADE, abre-se um procedimento administrativo que visa a respectiva análise para aprovação ou veto. Conforme já acentuado em linhas anteriores, os parágrafos primeiro e segundo apresentam condições para que o ato em apreciação possa ser autorizado, sendo, na verdade, exceções abertas pelo legislador, que se sustentam no princípio da livre iniciativa.

As Guidelines americanas tem sido largamente utilizadas no Brasil como técnica de análise dos atos de concentração, sendo suas diretrizes baseadas em: definição do mercado relevante; identificação dos agentes deste mercado; cálculo e avaliação das participações de mercado e o grau de concentração; análise dos possíveis efeitos anticoncorrenciais da operação; possibilidades de entrada neste mercado; análise das eficiências.

De modo a criar um norte a ser seguido nos julgamentos, o parágrafo terceiro do artigo 54 traz a seguinte redação:

§3º Incluem-se nos atos de que trata o caput aqueles que visem a qualquer forma de concentração econômica, seja através de fusão ou incorporação de empresas, constituição de sociedade para exercer o controle de empresas ou qualquer forma de agrupamento societário, que implique participação de empresa ou grupo de empresas resultante em 20% (vinte por cento) de um mercado relevante, ou em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a R$400.000.000,00 (quatrocentos milhões de reais).

O referido dispositivo, tem caráter ampliativo em relação ao disposto no caput do artigo 54, sem no entanto se sobrepor às exceções elencadas nos parágrafos primeiro e segundo, abarcando as situações que resultem em nocivo poder de mercado. Como já adiantado anteriormente, traz o critério quantitativo e qualitativo para aferição da concentração do mercado, na medida que traz índices percentuais e de valor pecuniário do que seria um mercado nocivamente concentrado, e qualifica como ato passível de prejudicar a concorrência aquele que revestido em concentração de empresas.

Proença (2001, p. 106) oportunamente conceitua o poder de mercado (ou posição dominante) como a "aptidão que tem o agente econômico de, buscando o aumento da lucratividade, reduzir a produção abaixo dos níveis competitivos e, em consequência, aumentar ou manter os preços acima daqueles níveis". Ou seja, determinado agente que goza desta posição, tem mecanismos de reduzir a sua produção em momentos estrategicamente definidos, de modo a reduzir a oferta e ocasionar a elevação de preços, o que além de poder prejudicar os demais agentes, resulta em comprometimento do mercado de consumo.

A realização de fusões e incorporações, em atenção ao princípio da livre iniciativa, sempre terá ao seu fundo a busca da maximização das eficiências da atividade econômica desenvolvida, não perdendo de vista que um dos objetivos principais de uma empresa é o lucro. E neste compasso, a fusão e a incorporação serão lícitas e legítimas na medida em que não atentem ao abuso de poder econômico, com eliminação da concorrência.

Em alguns casos específicos, porém, é natural e inevitável a ocorrência de concentração de mercado por causa de fatores diversos, como o grau tecnológico da atividade, fontes de insumo, etc, além do próprio mercado consumidor às vezes ser restrito. E como consectário racional, temos que os critérios da legislação antitruste para a aferição de qual nível de poder de mercado seria nocivo tem caráter de presunção relativa, na medida em que não se pode utilizar um mecanismo de avaliação engessado numa economia dinâmica, exaltando-se aí o princípio da regra da razão. Fonseca (2001, p.289) confirma que "tais parâmetros não têm um valor absoluto, mas meramente indicativo".

Por isso é que se pacificou o entendimento de que os critérios elencados no parágrafo terceiro não são rígidos, podendo ser ampliados ou restringidos de acordo com o caso vertente.

Assim, como bem acentuou Bulgarelli (2000, p.198), citando Haussiaux, via de regra existem motivos determinantes que impulsionam a efetivação de uma operação de fusão, como aumento da dimensão da empresa e absorção de clientela, novos equipamentos, e como meio de supressão da concorrência, considerando como valor da empresa absorvida não somente o valor do ativos e patrimônio físico, mas também considerando-se a "o ganho decorrente da posição dominante que a incorporante terá com a supressão da concorrente".

Esta importante observação, com base na regra da razão, inexoravelmente nos leva á impossibilidade de se basear o controle da legalidade de uma fusão ou incorporação com base em critérios rígidos. Aliás, neste sentido mostra-se o quão importante é a avaliação técnica da SDE e SEAE, e do próprio CADE no julgamento, de modo a fornecer dados reais do mercado relevante, e as implicações diretas e indiretas da operação societária a ser realizada. Um exemplo disso é o fato de que, tanto em caso de incorporação ou de fusão, a lei não determina que haja um levantamento de balanço especial, pois o balanço normal do exercício não reflete a situação verdadeira das sociedades envolvidas.

Mostra-se, portanto, quase que essencial a utilização, pelo Plenário do CADE, da faculdade prevista no §8º do artigo 54, da lei antitruste, pois a suspensão do prazo de deliberação para esclarecimentos e requisição de documentos, acaba por ser instrumento de importante valia á melhor instrução do processo administrativo

Neste sentido, o protocolo previsto no artigo 224 da Lei 6404/76, que possui uma índole pré-contratual entre as sociedades envolvidas, como documento de embasamento inicial na análise da operação, eis que necessariamente deve incluir dados relativos aos critérios de avaliação do patrimônio líquido, tornando-se possível um confronto de dados por eventual auditoria, se for necessário. O próprio artigo 7º da lei antitruste, nos incisos IX e XI, confere competência ao Plenário de requisitar informações a qualquer pessoa ou entidade de direito público ou privado, ou ainda, contratar a realização de estudos técnicos, cujos honorários recairão sobre a sociedade empresária em caso de punição.

Registra-se, ainda, a impropriedade legislativa ao se incluir na lei 6404/76 a disciplina da fusão, incorporação e cisão de sociedades, que são institutos que abarcam qualquer tipo societário, o que justifica uma tratativa em diploma apartado, e não inserta num texto específico de sociedades anônimas.

O caso Ambev (vide trecho da decisão final, e gráficos no anexo), que foi submetido à apreciação do CADE em meados de 1999, é bem exemplificativo do tema aqui tratado. Tratava-se de uma fusão operada entre a Antarctica e a Brahma, resultando na Ambev, que lhes sucederam em todas as suas obrigações a teor do artigo 228 da Lei 6.406/76. Considerando que a fusão geraria a concentração de 72% do mercado de cerveja no Brasil, e 40% do mercado de bebidas em geral, o SEAE emitiu parecer propondo a alienação da Skol, que integrava a Brahma, enquanto a SDE entendeu pela venda dos ativos da Brahma, Skol ou Antarctica.

Ao final o CADE aprovou a fusão sem qualquer restrição no mercado relevante de águas engarrafadas e refrigerantes, enquanto no do mercado de cerveja houve a realização de um compromisso de desempenho com a determinação de diversas restrições, dentre elas a alienação da marca Bavaria, com a transferência dos respectivos contratos de fornecimento e distribuição e alienação de unidade fabril em cada uma das cinco regiões, promover programa de treinamento e recolocação de funcionários. O referido termo de compromisso tem a duração de 5 anos, com aplicação de multa diária de 5 mil UFIR’s em caso de descumprimento [5].

Esta fusão, resultante no natalício da Ambev, teve grande importância no direito concorrencial no Brasil, sendo exemplo vivo da aplicação da norma e evolução das instituições de proteção da concorrência. Emerge o prisma multifacetário da análise antitruste, devendo as atenções se voltar aos diversos campos sensíveis ao ato a ser realizado, como o nível de emprego, as relações de consumo, a livre concorrência e a preservação da livre iniciativa, com o fortalecimento do empreendimento nacional, cada vez mais expostos ao mercado internacional e de blocos econômicos.

Sobre o autor
Vinicius Marins

acadêmico de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINS, Vinicius. Direito concorrencial e concentração empresarial:: aspectos atuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 161, 14 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4566. Acesso em: 23 dez. 2024.

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