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É possível regular a prática do home-office com as normas postas atualmente na legislação trabalhista brasileira?

Agenda 24/01/2016 às 15:42

O trabalho à distância pode ser uma opção com enormes vantagens para empregadores e empregados. O ideal seria ter uma regulamentação específica, pela qual muitas das questões hoje discutidas nos tribunais seriam sanadas.

O presente artigo visa contribuir para um campo de estudos de grande importância que é a regulação de uma prática cada vez mais frequente no âmbito trabalhista brasileiro e mundial: o home office.

No complexo e altamente competitivo ambiente de negócios atual, as empresas estão buscando diferenciais competitivos no modo de atuação de seus funcionários. As organizações globais do mundo atual trazem consigo um ambiente corporativo complexo e dinâmico que não guarda total sincronismo com a legislação trabalhista brasileira.

O trabalho remoto ou home office vem ganhando espaço neste contexto. Refere-se aos empregados que trabalham remotamente em relação aos escritórios de suas respectivas empresas, comunicando-se por correio eletrônico, telefone e “chats on-line” durante o seu horário de trabalho ou ocasionalmente.

Há uma projeção que até 2015 a população mundial de trabalhadores móveis corresponderia a aproximadamente 38% da força de trabalho.

O trabalho a distância está ocorrendo principalmente nos mercados emergentes, que supera o crescimento do trabalho remoto na América do Norte e Europa. Na Índia, aproximadamente metade dos trabalhadores já trabalham remotamente, sem a necessidade de estar fisicamente no escritório durante o horário de trabalho.

A problemática envolve o fato de que, tal prática revela-se como um novo fato na sociedade e, diante deste fato novo, o direito deve atuar regulando-o através da positivação de normas jurídicas que incidam sobre este fato. O direito é posto em razão de fatos relevantes para a sociedade e é posto sempre a posteriori quanto à ocorrência dos fatos sociais. Primeiro existe o fato social para depois o direito atuar e positivar uma norma. Ocorre que a sociedade é fluida e dinâmica, e continuamente novos fatos sociais pressionam as normas postas, exigindo um novo direito posto.

O home office é um destes novos fatos sociais que pressiona o direito a buscar uma atualização ou criação de normas postas com o objetivo do alcance da regulação, desenvolvimento econômico do país e segurança jurídica.

O decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT) é a principal norma jurídica que regula o âmbito trabalhista brasileiro e o seu artigo sexto já foi atualizado em dezembro de 2011 para atender às novas demandas sociais trazidas com o home office e outras avenças.

Não é pretensão deste artigo esgotar o tema ou resolver a questão. O problema que este artigo pretende trazer à tona para discussão é exatamente questionar se o direito posto atualmente é suficiente para regular as possíveis intercorrências que o home-office pode trazer na sua prática diária, nas suas mais diversas manifestações.

Domenico De Masi, sociólogo italiano e autor do famoso livro O Ócio Criativo, sempre defendeu a flexibilização do trabalho e a redução de jornadas como formas de se trabalhar melhor, com mais qualidade. O cientista cita que as tecnologias de informação facilitam o teletrabalho e que, portanto, aqueles empregados, que em face do seu cargo/função podem trabalhar de casa, poderiam faze-lo trazendo como consequência inúmeros benefícios sociais.

O home-office foi incluído na legislação trabalhista brasileira com a atualização do artigo 6° da CLT através da lei 12.551, de 15 de dezembro de 201, a saber:

" Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio."

Conforme literalmente expresso na norma, seu objetivo é o de "equiparar os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados à exercida por meios pessoais e diretos". Ao equiparar essas duas modalidades, conclui-se naturalmente que o home-office é regulado por este instituto.

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A NORMA POSTA GARANTE A REGULAÇÃO?

Aqui começa a nossa indagação: as intercorrências cotidianas trazidas pelo home office estão sendo suficientemente reguladas por esta norma?

Pois bem, a alteração posta pela Lei 12.551/11 ao artigo 6º da CLT não distingue o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, daquele executado no domicílio do empregado, desde que estejam presentes os pressupostos da relação de emprego. O objetivo principal desta alteração era adequar o uso crescente de novas tecnologias nas relações de emprego.

Entretanto, não aborda todas as questões que envolvem o tema, home office, e acabam sendo levadas aos Tribunais, movendo a máquina do Judiciário.

A primeira questão que devemos abordar é quanto à fiscalização da jornada de trabalho. O empregado que trabalha 8 horas diárias, limitado a 44 horas semanais não faz jus a horas extras. Na maioria das vezes essa jornada é controlada pelo empregador através do controle de ponto. No caso do home office, nesta mesma jornada, como pode o empregador fiscalizar?

A exceção prevista no artigo 62, inciso I, da CLT não depende apenas do exercício de trabalho externo, mas também da impossibilidade de controle de horário pelo empregador. A questão é controvertida, porém parte da jurisprudência entende que, quando o empregado trabalha em home office, por escolha do empregador, e existem outros empregados trabalhando nas mesmas condições, porém, no interior da empresa, se ambos excedem a jornada de trabalho, recebem as horas extras. Contudo, apenas quando for inteiramente impossível o controle da jornada, estará afastado o direito ao pagamento de horas extraordinárias, em razão da liberdade do empregado de dispor do seu próprio tempo.

Entretanto, a grande maioria dos magistrados segue a linha da aplicabilidade do art. 62, I, da CLT, afastando o pagamento de horas extras.

Há casos em que a empresa fornece a sua própria tecnologia, obrigando o empregado a ficar online durante 8 horas diárias. Pergunta-se: neste caso, havendo excedência da jornada de trabalho padrão, o trabalhador faz jus às horas extraordinárias? Se nos valermos do raciocínio dos ilustres magistrados, sim, desde que não enquadrado o trabalhador em nenhum inciso do artigo 62 da CLT, visto que, no caso apresentado, há uma fiscalização por parte da empresa.

No caso da empresa não fiscalizar a jornada de trabalho, mas a produtividade do empregado, configura-se hora extra? Teoricamente, não, pois controla-se aqui a produção. Apenas se exceder os limites legais é que poderão ser discutidas possíveis horas extraordinárias.

A segunda questão é com relação aos materiais utilizados para acesso remoto e trabalhos na residência do empregado, o home office. Equipamentos como celular, tablet, computadores, internet, luz, material de escritório, são algumas das despesas que a empresa, ora empregador, transfere para o empregado, sem qualquer legislação que o obrigue a fornecer ou ao menos indenizar. Inclusive, isso tem sido motivo para diversas demandas judiciais no âmbito trabalhista. O entendimento majoritário dos tribunais sobre esta questão é pela não indenização destes equipamentos.

Nesse contexto, podemos suscitar inúmeras outras dúvidas que surgem e ainda surgirão com o passar do tempo. Sem dúvida, o modelo de trabalho home office é um avanço. Isso porque ambas as partes, empregado e empregador, ganham com esse sistema.

Do lado do empregador, o fato do empregado trabalhar de sua residência e poder administrar seu tempo, gera maior produtividade. Os custos também são menores, com redução de espaço, instalações, equipamentos, mobiliários. A empresa gasta menos. Entretanto, tal modelo tem riscos, principalmente da empresa ter que pagar em juízo o que economizou durante a vigência do contrato de trabalho do empregado. Isso devido à falta de regulamentação.

Já do lado do empregado, as vantagens são maiores, por exemplo, ter maior autonomia na administração de seu tempo; e não gasta tempo com deslocamento, o que em uma cidade grande pode representar até 4 horas perdidas por dia. Consequentemente, o estresse é menor, melhor qualidade de vida, gerando o que a empresa mais deseja, maior produtividade. Por outro lado, também, é o empregado que tem mais desvantagens. Na maioria das vezes, o empregado tem que arcar com as despesas maiores de internet e luz, devido ao uso excessivo, sem qualquer indenização por parte da empresa. Esse ônus acabou invertendo-se para o trabalhador. Há, ainda, o isolamento social, que acaba se tornando inevitável.

Desta forma, pesando os prós e contras em uma balança, é importante que as partes tenham bom senso, e o ideal seria ter uma regulamentação, pela qual muitas das questões hoje discutidas nos Tribunais seriam sanadas. O Brasil precisa construir essa cultura inovadora. São poucos os que conseguem se adaptar a esse modelo, sem o objetivo de “levar vantagem”.

É ponto pacífico que o home-office é uma realidade que traz o benefício de contribuir para o desenvolvimento econômico da empresa e do pais. É um modelo de trabalho que contribui inclusive para a preservação do meio ambiente. No que tange à regulação desta prática, o problema desse estudo é que ele suscita mais questões do que responde. O que se busca, em verdade, é levar à reflexão.

Sobre a autora
Rita de Marchi

Advogada-sócia do R DE MARCHI - Sociedade de Advogados Especialista em Direito de Família e das Sucessões e Direito do Consumidor Mediadora e Conciliadora Privada

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCHI, Rita. É possível regular a prática do home-office com as normas postas atualmente na legislação trabalhista brasileira?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4589, 24 jan. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45780. Acesso em: 22 dez. 2024.

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