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Imposto sobre Serviços que incide sobre as empresas que agenciam mão-de-obra temporária exigido com intento confiscatório.

Esta atitude é lícita?

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Agenda 03/01/2004 às 00:00

E. DA TRIBUTAÇÃO EXIGIDA PELO MUNICÍPIO:

O ISSQN relativo ao agenciamento de mão-de-obra temporária, encontra-se devidamente regulamentado nos termos do item nº 83 do artigo 102, do Código Tributário do Município do Recife, que é assegurado constitucionalmente pela competência que fora delegada aos Municípios através do art. 156, III da Carta Magna de 1988.

Todavia, seu teor de regulamentação não condiz com a exação que as empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária estão sendo impostas pelo ente municipal.

Como se sabe, o ISSQN consubstância-se por meio da prestação de um determinado serviço. Entretanto, o Município do Recife está desnaturando o sentido do preço do serviço e extrapolando os limites dos princípios constitucionais tributários que perfazem a sistemática de atuação do referido imposto. Assim, o ISSQN que está sendo exigido das referidas empresas incide da seguinte forma:

DISCRIMINAÇÃO DA FATURA:

- Receita de terceiros (a ser repassada)......................R$ 18.000,00

- Comissão (receita do agenciador).............. ............ R$ 1.000,00

- Encarg. Soc. ref. aos terceiros (a ser repassado)...... R$ 1.000,00

- ISS, com a alíquota de 5%, sobre o total da fatura... R$ 1.000,00

RECEITA DA EMPRESA APÓS A DEDUÇÃO DOS IMPOSTOS

-Receita, após o confisco do ISS. Comissão–ISS=1.000,00 – 1.000,00

-Receita, após o confisco do ISS.............. ............. R$ 0,00

*Valores expostos a título ilustrativo*

Com base nesta demonstração, fica claro quão imensa é a exacerbação a que as agenciadoras estão sendo submetidas, configurando uma evidente ilegalidade, posto que vai de encontro ao que preceitua o art. 9º do Decreto-lei n.º 406/1968, e inconstitucionalidade, pois o Município por tal ato está conseqüentemente, ferindo flagrantemente os Princípios Constitucionais da Vedação ao Confisco e da Capacidade Contributiva.


F. DA ILEGALIDADE ACERCA DO CONCEITO DE PREÇO DO SERVIÇO, SEGUNDO O ART. 115, § 1º DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DO RECIFE:

A hierarquia entre as legislações é expressa através do art. 59 da CF/88, que representa o processo legislativo como um todo:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I – emendas à Constituição;

II – leis complementares;

III – leis ordinárias;

IV – leis delegadas;

V – medidas provisórias;

VI – decretos legislativos;

VII – resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

A situação acima descrita representa a questão do ISSQN que por mandamento do Poder Constituinte a tributação do referido imposto cabe aos Municípios (art. 156, III, CF/88), devendo estes reproduzirem a legislação hierarquicamente superior adaptando-a as suas condições (art. 30, I e II, CF/88), mas sem ferir as demais legislações.

Todavia, não é o que está acontecendo, pois como já fora citado o DL nº 406/68, que estabelece normas gerais acerca do ISSQN, representa e considera que a base de cálculo do dito imposto deve ser calculada de acordo com o preço do serviço, por conseguinte a comissão/taxa de agenciamento que as empresas recebem é que condiz a tal remuneração, enquanto que o Município do Recife estabelece sobremaneira no art. 115, § 1º do CTM acepção contraria, que estrapola nitidamente seus limites de atuação:

Código Tributário Municipal do Recife

"Art. 115 - A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

§ 1º - Considera-se preço do serviço tudo o que for devido, recebido ou não, em conseqüência da sua prestação, a ele se incorporando os valores acrescidos e os encargos de qualquer natureza, ainda que de responsabilidade de terceiros." (grifo nosso)

Assim, fica claro que o Código Tributário Municipal do Recife apresenta em sua reprodução sentido legal-normativo diferenciado do que disciplina o DL nº 406/68, com a redação dada pela Lei Complementar nº 56/87, onde a legislação municipal extrapolou a legislação complementar que regula o ISSQN e dispõe que a base de cálculo deva ser o preço do serviço, que representa como já foi citado o faturamento das agenciadoras, ou seja, apenas uma parte da nota fatura que é englobada ao patrimônio das empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária, e não a fatura em sua totalidade, como quer o legislador municipal.


G. DOS VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE:

Neste tópico se evidenciará a inconstitucionalidade referente à incidência do ISSQN como um todo. Assim, far-se-á menção tanto quanto a necessidade de Lei Complementar para solucionar conflitos de competência tributária, como também a questão da exorbitante atuação do ente municipal ao ferir os Princípios Constitucionais Tributários.

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Assim sendo, deslinda-se.

G.1. DA NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA SOLUCIONAR CONFLITOS DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA:

No tópico anterior fora descrito que a ilegalidade acerca da legislação municipal consubstância a exação que as empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária estão sendo submetidas, pois é exposta de forma clara no § 1º do art. 115 do CTM do Recife.

A partir desta ilegalidade vê-se que o legislador municipal atuou também de forma inconstitucional, posto que não poderia de forma alguma estabelecer por via de Lei Municipal (art. 115, § 1°, do CTM do Recife) limites de atuação que não foram previstos no Decreto-lei nº 406/68, tendo em vista que o referido decreto atua na esfera federal e porta-se imediatamente de forma superior, com relação a hierarquia, cabendo as limitações quanto a esfera de atuação, apenas a Lei Complementar, onde esta acepção é assegurada constitucionalmente através do disposto no art. 146 na Carta Magna de 1988, como está abaixo transcrito:

"Art. 146. Cabe à lei complementar:

I-dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II-regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III-estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;" (grifos nossos)

Portanto, a inconstitucionalidade aqui posta está clara, através da transcrição deste dispositivo, configurando mais um motivo para que se contenha de forma expressa a atuação do Município, pois este está agindo em desconformidade com os preceitos assegurados pela Lei Maior.

Diante disso, é notória a inconstitucionalidade e a ilegalidade disposta no art. 115, § 1º, do CTM do Recife, a que o Município está submetendo as agenciadoras de mão-de-obra temporária.

G.2. NO MOMENTO DA EXAÇÃO O IMPETRADO ATUA INCONSTITUCIONALMENTE POR NÃO LEVAR EM CONSIDERAÇÃO OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS:

Quanto a atuação do fisco municipal pode-se ver que a inconstitucionalidade já foi posta desde o momento da edição e vigência do supratranscrito dispositivo da lei municipal. Assim, conseqüentemente, esta cobrança também põe-se de forma inconstitucional dada a exação que as empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária estão sendo submetidas ferir também os Princípios da Capacidade Contributiva (Art. 145, §1º, CF/88), da Isonomia (Art. 150,II, CTN) e da Vedação ao Confisco (art. 150, IV, CF/88).

No concernente ao Princípio da Capacidade Contributiva (Art. 145, §1º, CF/88), o contribuinte deve ter condições econômicas de contribuir, e o valor monetário por este desprendido deve estar adequado a sua situação econômica, e neste caso também, encontrando-se tal valor condicionado a prestação do serviço, deve então, a tributação referente ao mesmo, ser estipulada na base do que está sendo satisfeito, ou seja, o preço do serviço, o que não ocorre de pronto.

Ademais, fere assim, além do Princípio já citado, o Princípio da Isonomia Tributária (Art. 150,II, c/c 5º, I da CF/88), haja vista que o Município está destoando o direcionamento da exigibilidade do tributo, tratando erroneamente e desigualmente as agenciadoras, posto que estas possuem regulamentação peculiar própria - Lei n.º 6.019, de 03 de janeiro de 1974 e o Decreto n.º 73.841, de 13 de março de 1974 - o que a difere dos demais tipos de prestadoras de serviços, sendo exigido dela uma tributação como se fosse tercerizadora de mão-de-obra e não agenciadora de mão-de-obra temporária, como esta verdadeiramente é.

Diante disso, a mencionada desigualdade acarreta exacerbação no momento da cobrança do ISSQN, ferindo assim igualmente o Princípio da Vedação ao Confisco (art. 150, IV, CF/88). Tendo em vista que a exigência do dito imposto está pondo-se com intuito confiscatório, chegando em certos casos, as empresas ao invés de ter crédito passar a ter débito, o que não é possível, nem tão pouco permitido. Posto que, o Princípio em causa proíbe a incidência de tributos com intento confiscatório, o qual essecialmente tem nesta proibição o meio de inibir a exacerbada atuação do ente tributante.

Por assim dizer, o Município ao exceder a cobrança do dito imposto, afronta literalmente a capacidade de contribuir que é inerente ao contribuinte, estando esta demonstrada a partir do desenvolvimento das atividades desempenhadas pelas mencionadas empresas, como fulcra o disposto no Relatório do Exmo. Sr. Ministro Luiz Fux, relator do julgamento do Recurso Especial nº 411.580, datado de 16.12.2002, abaixo transcrito:

" É inquestionável que o serviço prestado pela recorrente tem a natureza de ''agenciamento'', modalidade cuja remuneração usual é a comissão ou taxa de corretagem. Há inseparável correlação entre esses institutos: remuneração e remuneração do serviço, indicando a lógica decorrência que relaciona comissão do serviço.

No agenciamento, há uma intermediação, hipótese em que o agenciador atua como ''ponto de encontro'' entre as partes. Cabe a ele funcionando como ''ponto de encontro'' entre as partes. Cabe a ele, funcionando como uma espécie de corretor, aproximar o interessado em obter determinado bem ou serviço ao fornecedor do bem ou serviço desejado. O interessado, quando procura o agenciador, quer adquirir duas valias distintas e bem definidas:

a) do fornecedor, deseja um determinado bem ou serviço; e

b) do agenciador, deseja que ele localize o fornecedor do bem ou serviço.

Cada valia por ele adquirida, é paga de forma distinta. No caso em exame, ao trabalhador que lhe fornece labor de que necessita, há o pagamento de uma remuneração equivalente ao salário pago a trabalhadores similares da mesma empresa. Ao agenciador, o que se paga é uma comissão por haver encontrado e disponibilizado o trabalhador desejado.

O que se entende é que o venerando acórdão deveria ter reconhecido essa diferença e decretar que o preço do serviço do agenciador é a comissão que ele recebe, nada mais do que ela." (Grifos nossos)

Desta feita, observa-se que várias são as atividades prestadas pelas agenciadoras de mão-de-obra temporária, contudo sua remuneração pela prestação de serviços (comissão), se fixa apenas no serviço prestado pelas referidas empresas, que engloba todas as funções por ela desempenhadas.

Ocorre que, como já é sabido, o Município está exigindo o ISSQN incidente tanto sobre a comissão/taxa de agenciamento das empresas quanto sobre os rendimentos auferidos pelos trabalhadores e seus encargos sociais, que lhes são integralmente repassados. Tal fato vem a descaracterizar o imposto e sua base de cálculo, posto que como já fora dito " a base de cálculo do imposto é o preço do serviço", e como neste caso a inobservância desta regra é explícita e o que gera é a demasia na cobrança de imposto, fazendo com que tais empresas encontrem-se impossibilitadas de fazer sua entrega (pagamento), uma vez que o mesmo passa a ser creditado de forma exacerbada, estando portanto, o princípio da capacidade contributiva expressamente violado.

Sendo assim, a capacidade de contribuir, que é inerente ao contribuinte, apresenta-se na situação em comento de forma difusa, posto que os tributos deveriam ser cobrados de acordo com as condições econômicas do contribuinte.

Não se pode, contudo, confundir a capacidade econômica com a capacidade contributiva, porém em algumas situações estas apresentam-se intimamente ligadas.

Qualquer pessoa física ou jurídica é dotada de capacidade econômica, pois esta corresponde a faculdade que cada um tem de administrar e empregar seus recursos financeiros, enquanto que só é dotado de capacidade contributiva o contribuinte, que se supõe sujeito objetivo da relação jurídica-tributária que o impõe ao ônus fiscal. Todavia, muitas vezes o contribuinte encontra-se circundado de capacidade contributiva, mas não de capacidade econômica ex.: "mendigo" que recebe como herança uma casa, nela vive, não tendo condições de pagar o IPTU.

No exemplo citado o "mendigo" encontra-se enquadrado como contribuinte do IPTU, porém não possui recursos econômicos de contribuir, tornando-se automaticamente um sonegador. Além de que o sentido expresso na Carta Magna é que o ato tributário compreende depreendimento econômico por parte do contribuinte e quando este não o faz pode estar sujeito a ato fiscal.

No concernente as empresas agenciadoras este depreendimento deve ser computado a partir dos serviços sobre os quais elas estão determinadas, dando a elas tratamento isonômico, igualando-as as demais agenciadoras de mão-de-obra temporária e não enquadrando-as como uma tercerizadora de mão-de-obra, já que o serviço por estas prestado não caracteriza tercerização, mas sim a real prestação de serviços de agenciamento.

Ademais, através da supracitada prestação é que as empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária recebem sua remuneração, não podendo o ISSQN vir a incidir sobre valores monetários que apenas tramitam sob sua responsabilidade, posto que estes não são considerados como valores agregados a sua carga patrimonial e sim excessos a que as referidas empresas encontram-se submetidas, os quais são automaticamente transferidos aos terceiros-trabalhadores temporários.

Devido a essa explicíta exacerbação vê-se a clara violação do Princípio da Capacidade Contributiva que está atrelado tanto ao Princípio da Isonomia Tributária, tratando iguais (empresas agenciadoras - agenciadora de mão-de-obra temporária) como desiguais (empresas agenciadoras – tercerizadora de mão-de-obra), quanto ao poder confiscatório do Estado, que é taxativamente vedado na Constituição Federal de 1988 no artigo 150, IV. Pois o efeito que se vê supracitado atua em forma de cadeia, onde o primeiro conduz ao segundo, e consequentemente, ao terceiro.

Minunciosamente falando, tem-se que a exação imposta as empresas em questão representa o quanto o Município está extrapolando seus poderes atuando, como o caso em voga, de forma confiscatória.

Acontece que, no momento em que as agenciadoras cumprem a obrigação a que estão sendo submetidas, qual seja, pagar imposto excessivo, o Município ao ver-se respaldado pelo § 1º do art. 115 do CTM, entende estar atuando em conformidade com a Lei Maior.

Contudo, como já foi visto, este parágrafo contraria flagrantemente a idéia de preço do serviço que vem demonstrada no art. 9º do DL nº 406/68, assim, no momento em que o Município excede-se na cobrança, porta-se de forma inconstitucional. Tendo em vista que descumpre os princípios da capacidade contributiva, e o da isonomia tributária.

Conseqüentemente, a ilegalidade e a inconstitucionalide real da cobrança, dão direito premente de restituição por parte das empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária ofendidas, lesadas, extorquidas por ato excessivo do ente municipal.

Sobre as autoras
Cinthia Filizola

Consultora Jurídica do Escritório Audiplan – Advocacia de Empresas Manuel Cavalcante & Rita Cavalcante S/C

Paula Vilela

Consultora Jurídica do Escritório Audiplan – Advocacia de Empresas Manuel Cavalcante & Rita Cavalcante S/C

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILIZOLA, Cinthia; VILELA, Paula. Imposto sobre Serviços que incide sobre as empresas que agenciam mão-de-obra temporária exigido com intento confiscatório.: Esta atitude é lícita?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 181, 3 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4630. Acesso em: 19 mai. 2024.

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