Ninguém pode se escusar ao cumprimento da lei, sob a alegação de desconhece-la. Este é um princípio do Estado de Direito que visa assegurar harmonia social e o cumprimento efetivo das normas. Para que aludido princípio constitua uma garantia democrática, parte-se do pressuposto de ter sido oportunizado ao povo o acesso ao conteúdo das leis, mediante a sua ampla publicidade.
Não se está referindo aqui apenas às leis aprovadas pelos parlamentos. A referência é a todo e qualquer ato normativo que defina procedimentos, afetando obrigações e direitos.
No contexto atual, como se sabe, o conhecimento real das normas é algo nitidamente falacioso. A ideia de que todos conhecem as normas vigentes tornou-se utópica, mormente quando o ordenamento jurídico é integrado por mais de 17 tipos de atos normativos, como, por exemplo, portarias, resoluções, NRs, NBRs, etc.
Nas áreas do Direito Ambiental, Tributário, dentre outros, ninguém mais acredita deter o conhecimento de todas as normas, mesmo que opere suas atividades amparado em softwares (ou coisa que o valha), que atualize as informações diariamente.
Além das inúmeras normas publicadas em diários e sites na internet, há algo ainda mais inquietante e, a nosso sentir, absurdo, que é o acesso obrigatoriamente oneroso às normas técnicas brasileiras (NBRs) editadas pela ABNT.
Em outras palavras, para se ter conhecimento do inteiro teor de normas técnicas, o cidadão deve previamente pagar para obter cópia de seu conteúdo. Trata-se de algo inconcebível à luz do princípio da inescusabilidade do conhecimento das leis, da publicidade e da função estatal de legislar. Isso porque, se ninguém pode alegar o desconhecimento de uma lei, deve-se assegurar, no mínimo, a sua publicidade e o acesso ao seu conteúdo.
As normas técnicas brasileiras (NBRs) apresentam hoje relevante função para o sistema jurídico, integrando leis e atos regulamentares. Em determinadas situações, a desobediência às suas regras ocasiona ao autor da conduta a responsabilização pessoal pelos danos causados, além de obstar o ingresso do produto no mercado.
As referências às NBRs são feitas, por exemplo, no Código de Defesa do Consumidor (lei nº 8.078/92) , na Lei de Licitações (lei nº 8.666/93), Resoluções do CONATRAN, dentre outras, influenciando em garantias como a livre iniciativa e concorrência.
À época da defesa de nossa dissertação de Mestrado junto a Faculdade de Direito da UFMG, já apontávamos violação à Constituição de 1988 com referência à essa matéria. À medida que o acesso às normas técnicas somente é franqueado àqueles que suportem o preço cobrado pela entidade que as editar, pergunta-se: existe publicidade formal ou material em leis integradas pelas NBrs? A toda evidência, não se pode conferir eficácia a uma norma sem que o seu conteúdo tenha sido integralmente publicado e tenha sido permitido o acesso ao seu teor.
Ninguém questiona a competência ou defende a gratuidade dos serviços e estudos elaborados pela entidade que edite as normas técnicas. Todavia, os ônus hão de ser suportados diretamente pelo Estado, que detém o domínio da função normativa. Suportados os ônus pelo Estado, publicado e franqueado o acesso ao seu conteúdo, bem como respeitados os demais requisitos materiais e formais, perfeitamente possível que integrem a ordem jurídica. Enquanto isso não ocorrer, muitos podem e devem ser os questionamentos sobre a validade de sua força normativa.