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Armas de destruição em massa:

análise sobre sua proibição ou permissão de uso pelo direito internacional dos conflitos armados

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Agenda 12/02/2016 às 14:46

Armas de destruição em massa são proibidas pelo direito internacional dos conflitos armados e pelo direito internacional humanitário.

PALAVRAS-CHAVE:Direito Internacional dos Conflitos Armados; Direito Internacional Humanitário; Armas; Armas de Destruição em Massa; Armas Químicas; Armas Biológicas; Armas Nucleares.

Sumário:1. INTRODUÇÃO. 2. ARMAS DE DESTRUIÇÃO EM MASSA. 3. RESTRIÇÕES GENÉRICAS3.1. ARMAS QUE CAUSEM SOFRIMENTO DESNECESSÁRIO. 3.2. ARMAS IRREMEDIAVELMENTE LETAIS. 3.3. ARMAS COM EFEITOS INDISCRIMINADOS. 4. RESTRIÇÕES ESPECÍFICAS.4.1. ARMAS QUÍMICAS.4.1.1. Usos permitidos para as armas químicas.4.2. ARMAS BIOLÓGICAS. 4.3. ARMAS NUCLEARES. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS. 


INTRODUÇÃO

Desde a Declaração de São Petersburgo em 1868, o Direito Internacional dos Conflitos Armados e o Direito Internacional Humanitário têm legislado sobre a proibição de certos tipos de armas, de modo que há consenso que, na guerra, nem tudo é permitido. Isso significa que há certos tipos de armamento cujo emprego é completamente proibido ou bastante limitado. Mais recentemente, o Direito Internacional Humanitário proibiu ou limitou a utilização de armas que ultrapassam certo limite, em especial o das exigências humanitárias face às perdas inúteis, aos males supérfluos e aos sofrimentos excessivos (DEYRA, 2001. p. 72).

Nesse cenário, as armas de destruição em massa merecem um destaque especial, por conta do seu poder de destruição extremo. Trata-se de um termo que foi criado como contraponto às demais armas chamadas de convencionais. A agenda internacional passou a discutir com maior proeminência temas relacionados ao controle/proibição de armas de destruição em massa após o fim da Guerra Fria.

A percepção sobre os riscos relacionados à proliferação de armas de destruição em massa tanto para Estados quanto para atores não estatais cresceu significativamente nos últimos anos (HAK NETO, 2011, p. 13), o que tem tornado o tema ainda mais relevante. O maior temor está no uso desse tipo de armamento por grupos terroristas. Um exemplo do emprego ilegal de armas de destruição em massa, no caso particular, armas químicas, por atores não estatais foi o ataque com gás sarin ocorrido em 20 de março de 1995 no sistema de metrô de Tóquio. Essa ação terrorista resultou em doze mortos e cinquenta intoxicados graves, contabilizando mais de cinco mil vítimas.

O objetivo do presente artigo é responder a seguinte pergunta: “Armas de destruição em massa são proibidas pelo direito internacional dos conflitos armados?”. Para responder esse questionamento, serão analisadas as principais fontes do Direito Internacional entre tratados, convenções e estatutos que versam sobre o tema, além de consulta à literatura especializada, para construir uma opinião fundamentada sobre a permissão, limitação ou proibição do uso de armas de destruição em massa pelo direito internacional dos conflitos armados.

Para atender esse objetivo, este artigo estará estruturado da seguinte forma: Na segunda seção, logo após essa breve introdução, será detalhado o conceito de arma de destruição em massa, explicitando os principais pontos que diferenciam esse tipo de armamento das armas convencionais. Já a terceira seção abordará o tema das restrições genéricas, que limitam a utilização de certos tipos de armas, em função dos seus efeitos. Por sua vez, a quarta seção tratará as restrições específicas aplicadas a armas químicas, biológicas e nucleares. Finalmente, na quinta seção será apresentada a conclusão, onde a pergunta proposta será enfim respondida.


ARMAS DE DESTRUIÇÃO EM MASSA

O Código de Inteligência dos EUA define Armas de Destruição em Massa (ADM) em seu artigo 50, como sendo:

Qualquer arma ou artefato destinado a, ou com a capacidade de, causar morte ou danos corporais a um número significativo de pessoas por meio da liberação, disseminação ou impacto de produtos químicos venenosos ou tóxicos, organismos causadores de doenças, radiação ou radioatividade (HAK NETO, 2011, p. 11).

ADM são as armas mais visadas pelo Direito Internacional Humanitário (DIH), justarem por serem as que reconhecidamente mais causam mortes e mutilações em apenas uma utilização (DEYRA, 2001, p. 74). Dentro dessa categoria, a literatura especializada costuma incluir as armas nucleares, químicas e biológicas (HAK NETO, 2011, p. 11).

Juntamente com as armas nucleares e biológicas, as armas químicas formam o grupo das armas não convencionais (ou armas de destruição em massa), que causam um número de baixas muito maiores que as armas convencionais, baseadas em explosivos (SILVA et al, 2012, p. 2083).

Ao definir o termo ADM, reunindo duas características desse tipo de armamento aparentemente opostas, Deyra (2001, p. 73) enuncia um paradoxo, ao propor que ADMs “são tão terríveis, que não podem ser utilizadas”, mas, ao mesmo tempo, “tão fracas, já que só podem provocar o extermínio, não permitindo que se reine sobre os espaços conquistados”. O presente artigo propõe chamar essa relação de Paradoxo de Deyra.

Segundo Deyra (2001, p. 73), “armas de comunicação (manipulação da informação ou chamarizes) e de inteligência artificial (mísseis de cruzeiro, veículos e blindados telecomandados) foram criadas para evitar a armadilha das ADM”. Isso porque garantem uma vantagem militar importante, sem provocar a destruição total do território que está sendo ocupado ou disputado, nem tampouco o extermínio completo da população civil que lá habita.

ADM não se refere a um termo novo. A primeira vez que o termo “Armas de Destruição em Massa” apareceu na mídia foi por intermédio de uma publicação no jornal londrino The Times, em 28 de dezembro de 1937, por ocasião do bombardeio ocorrido na cidade espanhola de Guernica, durante a Guerra Civil espanhola (HAK NETO, 2011, p. 11). A reportagem abordava os efeitos dos bombardeios em Guernica com certo assombro: “Quem pode pensar sem horror do que outra guerra generalizada significaria, travada como seria com todas as novas armas de destruição em massa?" (HAK NETO, 2011, p. 11).

Hoje se sabe, que o tipo de armamento mencionado pela reportagem não era propriamente uma arma de destruição em massa, mas, sim, arma convencional (HAK NETO, 2011, p. 11). Entretanto, o real objetivo era chamar atenção do mundo sobre o progresso que a indústria bélica atingira, bem como a imprevisibilidade de se antever o alcance dessa inovação no futuro (HAK NETO, 2011, p. 11). O jornalista estava perplexo diante do “poder de destruição indiscriminada e em proporções sem antecedentes históricos” que a indústria da guerra havia atingido (HAK NETO, 2011, p. 11).

É bem verdade, que as armas químicas, enquadradas dentro da categoria de ADM, já haviam sido utilizadas na Primeira Guerra Mundial, cerca de vinte anos da reportagem do jornal The Times ser publicada (HAK NETO, 2011, p. 11). Entretanto, apenas com o surgimento e o emprego das armas nucleares ao final da Segunda Guerra Mundial em 1945, “identificou-se a existência de uma nova categoria de armamentos, distintos dos convencionais, capazes de provocar tamanha destruição.” (HAK NETO, 2011, p. 11).


RESTRIÇÕES GENÉRICAS

“Desde a Declaração de São Petersburgo (1868), os Estados adotaram tratados proibindo certos tipos de armas” (DEYRA, 2001, p. 75), de modo que há entendimento de que nem todo tipo de arma é válido e tem uso permitido pelo Direito Internacional dos Conflitos Armados. Essa proibição ou limitação da utilização de certas armas foi implementada por meio de uma abordagem dupla (DEYRA, 2001, p. 74).

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Há regras que restringem um tipo específico de armas, como aquelas que se aplicam especificamente a armas químicas, biológicas e nucleares, que compõem as armas de destruição em massa. Essas restrições serão abordadas na seção 4 do presente artigo. Já as restrições genéricas visam limitar ou proibir a utilização de alguns tipos de armas, em função dos seus efeitos (DEYRA, 2001, p. 74).

As restrições genéricas proíbem armas que causam sofrimento desnecessário aos combatentes, armas irremediavelmente letais, bem como armas com efeitos indiscriminados. As restrições genéricas serão analisadas nos subitens a seguir.


ARMAS QUE CAUSEM SOFRIMENTO DESNECESSÁRIO

O Direito Internacional proíbe o uso de armas que aumentam o sofrimento dos combatentes, sem aumentar proporcionalmente a vantagem militar auferida. Trata-se de uma aplicação do princípio da proporcionalidade, de modo que as lesões ou sofrimento gerados devem ser proporcionais à vantagem militar antecipada (DINSTEIN, 2010, p. 59). Por mais que seja difícil admitir, uma arma não será banida simplesmente por causar grande sofrimento. “A arma será proibida apenas se causar lesões ou sofrimentos que possam ser evitados, dadas as restrições militares da situação” (DINSTEIN, 2010, p. 59).

O preâmbulo da Declaração de São Petersburgo (1868) estabeleceu o princípio de que as armas que causam sofrimento desnecessário são proibidas, pois, o objetivo da guerra é incapacitar os combatentes inimigos para o combate e não matá-los ou causar sofrimento desnecessário (DINSTEIN, 2010, p. 57-58).

Considerando: Que o progresso da civilização tem o efeito de aliviar o quanto for possível as calamidades da guerra; Que o único objetivo legítimo que os Estados devem buscar realizar durante a guerra é enfraquecer as forças militares do inimigo; Que para esse propósito é suficiente incapacitar (para o combate) o maior número possível de homens; Que este objetivo será excedido com o emprego de armas que agravam inutilmente o sofrimento de homens incapacitados, ou que levem à sua morte inevitável; Que o emprego desse tipo de arma, dessa forma, é contrário às leis da humanidade (DINSTEIN, 2010, p. 57).

O principal conceito encerrado no preâmbulo da Convenção de São Petersburgo é que a morte dos combatentes inimigos não é o objetivo, sendo suficiente deixá-los fora de combate (DINSTEIN, 2010, p. 58). Deyra ( 2001, p. 75) reitera essa opinião ao afirmar que “o objetivo da guerra é enfraquecer o inimigo, e não de fazê-lo sofrer além do suficiente para atingir o objetivo”.

Além do pioneirismo da Declaração de São Petersburgo, outras convenções, tratados, acordos e demais fontes do Direito Internacional ratificam a ideia de que armas que causam sofrimento desnecessário são proibidas. Os principais serão elencados a seguir, em ordem cronológica.

A Convenção de Haia (1899), artigo 23, item e, estabelece que é proibido “empregar armas, projéteis ou material cuja natureza levar a causar lesões supérfluas”. De maneira similar, a Convenção de Haia (1907) proíbe “empregar armas, projéteis ou material calculado para causar sofrimento desnecessário”. Já o Protocolo Adicional I (1977), artigo 35, § 2 veda “o emprego de armas, projéteis e materiais e métodos de guerra cuja natureza levar a causar lesões supérfluas ou sofrimento desnecessário” (DINSTEIN, 2010, p. 58).

Segundo o Preâmbulo da Convenção sobre Proibições ou Restrições ao Emprego de Certas Armas Convencionais, que Podem Ser Consideradas como Excessivamente Lesivas ou Geradoras de Efeitos Indiscriminados, conhecida como Convenção sobre Certas Armas Convencionais de Genebra (1980):

Fundamentando-se no princípio do Direito Internacional segundo o qual o direito das partes em um conflito armado de escolher métodos e meios de guerra não é ilimitado, e no princípio que proíbe o emprego em conflitos armados de armas, projéteis e material e métodos de guerra cuja natureza leva a causar lesões supérfluas ou sofrimento desnecessário (BRASIL, 1998).

Por sua vez, o Estatuto do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII), artigo 3, item a, estabelece que “o emprego de armas calculadas para causar sofrimento desnecessário é considerado violação das leis e costumes da guerra, dando origem a responsabilidade penal individual” (DINSTEIN, 2010, p. 58).

Já o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998), artigo 8, § 2, item b, subitem xx, afirma que é considerado violação graves das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais no âmbito do direito internacional:

Utilizar armas, projéteis; materiais e métodos de combate que, pela sua própria natureza, causem ferimentos supérfluos ou sofrimentos desnecessários ou que surtam efeitos indiscriminados, em violação do direito internacional aplicável aos conflitos armados (BRASIL, 2002).

Finalmente, o Parecer Consultivo sobre a licitude da ameaça ou da utilização da arma nuclear da Corte Internacional de Justiça (CIJ) de 1996 estabelece que qualquer arma que infrinja um dos princípios cardeais do Direito Internacional Humanitário (DIH) é proibida (ICJ, 1996). O primeiro desses princípios versa sobre a capacidade de distinguir entre combatentes e civis (DINSTEIN, 2010, p; 56), sobre o qual a CIJ assevera: “Os Estados nunca devem fazer dos civis objetos de ataque e nunca devem, consequentemente, utilizar armas que são incapazes de distinguir entre alvos militares e civis” (ICJ, 1996).

Finalmente, o segundo dos princípios diz respeito ao sofrimento desnecessário que causam aos combatentes (DINSTEIN, 2010, p; 56), restrição genérica ora analisada. Sobre esse princípio, adverte a CIJ:

Conforme o segundo princípio, é proibido causar sofrimento desnecessários aos combatentes; é também proibido utilizar armas que causem-nos tais danos ou agravem inutilmente seu sofrimento. Em aplicação ao segundo princípio, os Estados não têm liberdade ilimitada de escolher seus métodos de combate (ICJ, 1996).

ARMAS IRREMEDIAVELMENTE LETAIS

Armas irremediavelmente letais são aquelas cuja eficácia ultrapassa o objetivo militar, tornando a morte do combatente inimigo inevitável, pois aniquilam quaisquer chances de sobrevivência da população que se encontra na área de ação dessas armas (DEYRA, 2001, p. 74). Tal é o caso das armas nucleares, das bombas por depressão e dos gases asfixiantes (que é um tipo de arma química).

ARMAS COM EFEITOS INDISCRIMINADOS

Por essa restrição genérica, são proibidas armas com efeitos indiscriminados, ou seja, armas que “não podem ser direcionadas contra objetivos militares precisos” (DEYRA, 2001, p. 75). Como exemplo de armas que se enquadram nessa situação, a literatura costuma elencar as armas nucleares e as armas biológicas.

A proibição destas armas não é mencionada expressamente. Mas, pode ser admitida a partir da leitura combinada de duas regras do Protocolo Adicional I (1977) da Convenção de Genebra:

Artigo 48: De forma a assegurar o respeito e a proteção da população civil e dos bens de caráter civil, as Partes no conflito devem sempre fazer a distinção entre população civil e combatentes, assim como entre bens de carácter civil e objetivos militares, devendo, portanto, dirigir as suas operações unicamente contra objetivos militares (BRASIL, 1993).

Artigo 51, § 4: Os ataques indiscriminados são proibidos. Pela expressão ‘ataques indiscriminados’ designam-se: a) Os ataques não dirigidos contra um objetivo militar determinado; b) Os ataques em que sejam utilizados métodos ou meios de combate que não possam ser dirigidos contra um objetivo militar determinado; ou c) Os ataques em que sejam utilizados métodos ou meios de combate cujos efeitos não possam ser limitados, como prescrito pelo presente Protocolo; e que consequentemente são, em cada um desses casos, próprios para atingir indistintamente objetivos militares e pessoas civis ou bens de carácter civil (BRASIL, 1993).

RESTRIÇÕES ESPECÍFICAS

Como as restrições genéricas são bastante imprecisas, desde a Declaração de São Petersburgo, os Estados adotaram restrições específicas, por meio de tratados proibindo certos tipos de armas (DEYRA, 2001, p. 76).

ARMAS QUÍMICAS

A Convenção Internacional de Paris sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso de Armas Químicas e sobre a Destruição das Armas Químicas Existentes no Mundo (1993) proibiu a concepção, produção, armazenamento e utilização de armas químicas em quaisquer circunstâncias, além de recomendar sua destruição (BRASIL, 1999).

Essa mesma convenção estabelece o conceito de arma química em seu artigo 2, § 2 (BRASIL, 1999). O termo armas químicas designa conjunta ou separadamente as substâncias químicas tóxicas ou seus precursores. Substância química tóxica diz respeito a “toda substância química que, por sua ação química sobre os processos vitais, possa causar morte, incapacidade temporária ou lesões permanentes a seres humanos ou animais” (BRASIL, 1999).

Ainda em 1899, a Declaração de Haia (IV, 2) já proibia o emprego de gases asfixiantes ou venenosos (arma química, conforme a definição apresentada): “em qualquer guerra entre as potências signatárias, as partes abstêm-se de utilizar projéteis cujo único objetivo seja a difusão de gases asfixiantes ou deletérios."

A guerra química moderna surge na Primeira Guerra Mundial, para superar a luta nas trincheiras, derrotando o inimigo por meio do emprego de gases venenosos. Durante esse conflito, houve emprego maciço de armas químicas (DEINSTEIN, 2010, p. 73). A principal substância utilizada foi o gás mostarda, capaz de queimar a pele e produzir danos graves ao pulmão, quando aspirado (TUBINO, 2014).

O Tratado de Paz de Versalhes (1919), celebrado com a Alemanha ao fim da Primeira Guerra Mundial, estabelece em seu artigo 171 que a utilização de gases asfixiantes, venenosos ou outros gases e líquidos, materiais ou dispositivos análogos é proibida. Sendo assim, o desenvolvimento e a importação desse tipo de material pela Alemanha estavam proibidos. Proibições semelhantes foram acordadas nos tratados de paz celebrados com Áustria, Bulgária, Hungria e Turquia (DEINSTEIN, 2010, p. 74).

É interessante destacar que a definição de arma química apresentada na Convenção de Paris de 1993 desconsidera agentes herbicidas (DEINSTEIN, 2010, p. 75). Já a Organização Mundial de Saúde (OMS) apresenta uma definição mais ampla, que apresenta arma química como sendo substâncias empregadas em guerra por causa dos efeitos tóxicos provocados em homens, animais e plantas (SILVA et al, 2012, p. 2083). Se o conceito de arma química for ampliado, passaria a incluir o herbicida Agente Laranja, utilizado pelos EUA na Guerra do Vietnã.

O Tratado de Washington sobre o Uso de Submarinos e Gases Nocivos na Guerra (1922), artigo 5, também proíbe o uso de armas químicas:

O uso na guerra de gases asfixiantes, tóxicos ou outros gases, e todos os líquidos, materiais ou equipamentos análogos, tendo sido justamente condenado pela opinião geral do mundo civilizado, e a proibição de tal utilização foi declarada em tratados de que a maioria das potências civilizadas são partes (DEINSTEIN, 2010, p. 74).

As potências signatárias, a fim de que esta proibição seja universalmente aceita como parte do direito internacional, vinculada igualmente à consciência e à prática de nações, declaram sua concordância com essa proibição, concordam em ficar vinculados assim entre si e convidam todas as outras nações civilizadas a também aderir (DEINSTEIN, 2010, p. 74).

O Protocolo de Genebra sobre Proibição do Emprego na Guerra de Gases Asfixiantes, Tóxicos ou Similares e de Meios Bacteriológicos de Guerra (1925) proibiu gases asfixiantes, tóxicos ou similares e de todos os líquidos, matérias ou processos análogos (DEINSTEIN, 2010, p. 74).

Segundo Deinstein (2010, p. 74-75), “o que foi estabelecido no Protocolo de Genebra está consolidado como costume internacional”. Isso não significa que o uso de gases como arma tenha desaparecido na prática. Um exemplo disso é o emprego do gás mostarda pelo Iraque na Guerra Irã-Iraque na década de 1980. Os iraquianos usaram armas químicas contra o inimigo nesse conflito e voltaram a usá-las posteriormente, em 1991, contra aldeias curdas do norte do país.

Finalmente, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998), artigo 8, § 2, item b, subitem xviii, considera como violação grave das leis e costumes aplicáveis em conflitos armados internacionais, no âmbito do direito internacional, “utilizar gases asfixiantes, tóxicos ou outros gases ou qualquer líquido, material ou dispositivo análogo” (BRASIL, 2002).

Usos permitidos para as armas químicas

Substâncias químicas não letais como o gás lacrimogêneo, estão incluídas na definição de armas químicas da Convenção de Paris de 1993, uma vez que causam capacidade temporária (DEINSTEIN, 2010. P.75).

Segundo artigo 2, § 9, item d dessa convenção, armas químicas podem ser utilizadas para “a manutenção da ordem, incluindo a repressão interna de distúrbios” (BRASIL, 1999). Conforme artigo 1, § 5, os Estados signatários “se comprometem a não usar agentes de repressão de distúrbios como método de guerra” (BRASIL, 1999). “Em tempos de guerra, podem ser utilizadas como agentes de controle em campos de prisioneiros de guerra e prisões militares” (DEINSTEIN, 2010, p.76).

ARMAS BIOLÓGICAS

Armas biológicas são artefatos especialmente projetados para difundir uma contaminação por meio de vírus ou bactérias (agentes biológicos vivos), infectando grande número de pessoas. Conforme o agente utilizado, a transmissão pode ocorrer também de indivíduo para indivíduo, causando uma epidemia e aumentando seu efeito devastador (JOKURA, 2005).

Os primeiros registros da utilização de agentes biológicos como armas de guerra datam do século XIV, quando os exércitos utilizavam cadáveres em decomposição para contaminar as reservas de água ou lançavam corpos de vítimas de varíola em território inimigo (JOKURA, 2005).

Atualmente, o Antraz é a arma biológica com maior potencial de destruição. Um ataque biológico com cem quilogramas de antraz poderia matar até três milhões de pessoas. Apenas para efeitos de comparação, uma tonelada de gás sarin (arma química) causaria cerca de oito mil mortos (JOKURA, 2005).

Armas biológicas e químicas compartilham muitas características: causam mortes em massa, preservam a infraestrutura física e podem ser espalhadas sem explosões (JOKURA, 2005). Da mesma maneira que as armas químicas, as armas biológicas também são proibidas pelo Direito Internacional dos Conflitos Armados. O mesmo Protocolo de Genebra sobre Proibição do Emprego na Guerra de Gases Asfixiantes, Tóxicos ou Similares e de Meios Bacteriológicos de Guerra (1925), citado na seção anterior por proibir armas químicas, também proíbe o emprego de meios bacteriológicos de guerra (DEINSTEIN, 2010, p. 74).

Também há uma convenção que proibiu especificamente o uso de armas biológicas. Trata-se da Convenção das Nações Unidas de Londres, Moscou e Washington sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas Bacteriológicas (Biológicas) e à Base de Toxinas e sua Destruição (1972) que propõem:

Nunca, em qualquer circunstância, desenvolver, produzir, estocar ou de outra maneira adquirir e reter armas biológicas projetadas para serem utilizadas em propósitos hostis ou em conflito armado e destruir (ou direcionar para fins pacíficos) e não transferir armas (DEINSTEIN, 2010, p. 76).

ARMAS NUCLEARES

Armas nucleares são artefatos de guerra cuja ação é baseada na fissão ou fusão de átomos de certos elementos químicos radioativos, ou seja, que emitem partículas ou radiação eletromagnética. A característica mais marcante dessas armas de destruição em massa é a sua capacidade de concentrar grande quantidade de energia em pequenos volumes. Quando toda essa energia é liberada simultaneamente, os efeitos são devastadores. A capacidade de uma arma nuclear é medida em quilotons e megatons. Apenas para efeitos de comparação, um quiloton equivale à explosão de mil toneladas do explosivo TNT (nitroglicerina).

“Armas nucleares não são expressamente proibidas. No entanto, são fundamentalmente ilícitas face aos efeitos que produzem” (DEYRA, 2001, p. 78). “Não há um tratado banindo o uso de armas nucleares, a exemplo do que acontece com as armas químicas e biológicas” (DEINSTEIN, 2010, p. 77).

O Parecer Consultivo sobre a licitude da ameaça ou da utilização da arma nuclear (ICJ, 1996) reconhece as lacunas existentes no ordenamento jurídico vigente que omiti a proibição expressa do uso de ADM, em especial das nucleares (MARTINS, 2012). “A arma nuclear é potencialmente perigosa para a civilização e para o ecossistema (DEYRA, 2001, p. 78)”.

A ameaça ou utilização da arma nuclear contrariam a dois princípios cardeais do DIH que, desde o princípio, proibiam a utilização de certos tipos de armas por conta de seu efeito indiscriminado em combatentes e civis ou por conta do sofrimento desnecessário que causam aos combatentes (DINSTEIN, 2010, p; 56):

“Os Estados nunca devem fazer dos civis, objeto de ataque e nunca devem, consequentemente. usar armas que são incapazes de distinguir entre alvos militares e civis” (ICJ, 1996). “Armas nucleares, por sua natureza são indiscriminadas, uma vez que seus efeitos são na maioria das vezes incontroláveis e não podem ser restringidos” (DEINSTEIN, 2010, p. 77). “É proibido causar sofrimento desnecessário aos combatentes” (ICJ, 1996). “Com a utilização de armas nucleares, tal sofrimento está implícito” (DEYRA, 2001, p. 79).

No contexto dos princípios mencionados, a CIJ citou ainda a Cláusula Martens (DINSTEIN, 2010, p. 56) que Pode ser encontrada no Preâmbulo da Convenção de Haia II (1899) e IV(1907), além de uma versão moderna encontrada no Protocolo Adicional I (1977) (DINSTEIN, 2010, p. 56). Faz-se uma clara alusão ao direito costumeiro e aos princípios da CIJ que devem prevalecer, enquanto não houver proibição ou liberação expressas da utilização de armas nucleares (DINSTEIN, 2010, p. 56).

Segundo o Protocolo Adicional I de 1977:

Em casos não cobertos por este Protocolo ou por outros acordos internacionais, civis e combatentes permanece sob a proteção e autoridade dos princípios do direito internacional derivados do costume estabelecido, dos princípios de humanidade e dos ditados da consciência pública (BRASIL, 1993).

A CIJ identifica ainda um terceiro princípio fundamental do DIH chamado princípio da neutralidade:

Os efeitos de armas devem estar contidos aos territórios dos Estados beligerantes. Esse princípio reforça a proibição de armas biológicas e outras armas, como as nucleares, que não respeitam as fronteiras dos países neutros (ICJ, 1996).

O Parecer Consultivo sobre a licitude da ameaça ou da utilização da arma nuclear (ICJ, 1996) conclui que é ilícita a ameaça ou o uso da força por meio de armas nucleares, que será contrária, inclusive, a dispositivos da Carta das Nações Unidas.

Ressalta, ainda, determinação do art. 6º do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares: os Estados devem seguir uma conduta baseada na boa-fé para prosseguir o processo de desarmamento nuclear, bem como, em incentivar e fortalecer o sistema internacional de fiscalização e controle nuclear.

“Não se pode concluir de forma definitiva que a ameaça ou a utilização da arma nuclear seriam lícitas ou ilícitas em uma situação extrema de legítima defesa, na qual estaria em causa a própria sobrevivência de um Estado” (DEYRA, 2001, p. 79)

Sobre o autor
Giordano Alan Barbosa Sereno

Pesquisador-Tecnologista em Informações e Avaliações Educacionais no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Bacharel em Ciência da Computação no Centro Universitário de Brasília (UNICEUB). Especialista em Engenharia de Software pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Mestre em Gestão do Conhecimento e Tecnologia da Informação pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Acadêmico de Direito pela Universidade de Brasília (UnB)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SERENO, Giordano Alan Barbosa. Armas de destruição em massa:: análise sobre sua proibição ou permissão de uso pelo direito internacional dos conflitos armados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4608, 12 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46400. Acesso em: 15 nov. 2024.

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