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A incompletude do critério de miserabilidade para concessão do benefício de prestação continuada contido na Lei Orgânica de Assistência Social

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Agenda 12/02/2016 às 17:27

A Lei Orgânica de Assistência Social estabelece no §3º do artigo 20 o critério objetivo de miserabilidade para deferimento ou indeferimento da concessão do Benefício de Prestação Continuada.

A Lei Orgânica de Assistência Social[1] estabelece no §3º do artigo 20 o critério objetivo de miserabilidade para deferimento ou indeferimento da concessão do Benefício de Prestação Continuada, in verbis:

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

Na esfera administrativa, somente preenchendo tal critério, é que a Autarquia previdenciária entende que o postulante fará jus à concessão do BPC.

Ab initio convém informar que o Supremo Tribunal Federal já se posicionou no sentido de que tais critérios são objetivos, portanto, de cumprimento cumulativo. Nesse sentido, o requerente só terá acesso à prestação assistencial se, e somente se, preencher todos eles simultaneamente.

É no critério da renda mensal familiar em valor inferior a ¼ do salário que está a grande celeuma quando se fala em Benefício de Prestação Continuada. Isso, porque, o legislador infraconstitucional ao definir miseráveis como sendo aqueles que possuem renda per capta familiar abaixo de ¼ do salário mínimo acabou por excluir inúmeras pessoas que em tese fariam jus ao amparo social.

É esse limite da renda per capita em ¼ para aferição do benefício assistencial, que vem sendo ultimamente palco de críticas e debates. Instigado a se posicionar sobre a constitucionalidade da disciplina normativa citada, o Supremo Tribunal Federal, por meio da ADIN nº. 1.232/DF[2], decidiu pela constitucionalidade da norma, in verbis:

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral da República contra o § 3 do art. 20 da Lei 8.742/93, que prevê o limite de ¼ do salário mínimo de renda mensal per capita da família para que esta seja considerada eficaz de prover a manutenção do idoso e do deficiente físico, para efeito de concessão de benefício previsto no art. 203, V, da CF (‘A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: ...V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei’). Refutou-se o argumento de que o dispositivo impugnado inviabilizaria o exercício do direito ao referido benefício, uma vez que o legislador pode estabelecer uma hipótese objetiva para efeito de concessão do benefício previdenciário, não sendo vedada a possibilidade do surgimento de outras hipóteses, também mediante lei. Vencidos, em parte, o Min. Ilmar Galvão, relator, e Néri da Silveira, que emprestavam à norma objeto da causa interpretação conforme a CF, segundo a qual não ficam limitados os meios de prova da condição de miserabilidade da família do necessitado deficiente ou idoso. Adin 1.232- DF, rel. Ilmar Galvão, red. p/acórdão Min. Nelson Jobim, 27.08.98. (Fonte: Informativo STF n. 120, de 24 a 28 de agosto de 1998)

Saliente-se que Leis posteriores a decisão retro mencionada introduzidas no Ordenamento Jurídico pátrio estabeleceu critérios diversos da LOAS no que tange a renda para aferir o critério de miserabilidade. Nesse sentido, merece destaque a Lei  9.533/97[3], in verbis:

Autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro aos Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.

Art. 5º Observadas as condições definidas nos arts. 1º e 2º, e sem prejuízo da diversidade de limites adotados pelos programas municipais, os recursos federais serão destinados exclusivamente a famílias que se enquadrem nos seguintes parâmetros, cumulativamente:

I - renda familiar per capita inferior a meio salário mínimo;

A jurisprudência após a vigência das Leis nº 9.533/97 e nº. 10.689/2003 vem se posicionando no sentido de permitir a comprovação do critério de miserabilidade por outros meios que não somente o critério da renda como se verifica nos julgados abaixo:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº. 8.742, DE 1993 (LOAS). REQUISITOS LEGAIS. PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA OU IDOSA. COMPROVAÇÃO DA IMPOSSIBILIDADE DE PROVER A SUA PRÓPRIA MANUTENÇÃO OU TÊ-LA PROVIDA POR SUA FAMÍLIA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA. CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE. LEIS Nº 9.533/97 E Nº. 10.689/2003. CRITÉRIO MAIS VANTAJOSO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE APÓS PROLAÇÃO DA SENTENÇA.

SUPERVENIENTE ALTERAÇÃO DA SITUAÇÃO FÁTICA. DETERMINAÇÃO DE OPÇÃO PELO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. CONCESSÃO EX OFFICIO. POSSIBILIDADE. 1. As Leis nº 9.533/97 e nº. 10.689/2003, cujos beneficiários devem possuir renda mensal familiar inferior a ½ salário mínimo, estabeleceram critério mais vantajoso para análise objetiva da miserabilidade. Deve ser estabelecido igual tratamento jurídico no que concerne à verificação da miserabilidade para a concessão de benefício assistencial, a fim de se evitar distorções que conduzam a situações desprovidas de razoabilidade. Assim, deve ser considerada incapaz de prover a manutenção de pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ½ salário mínimo. 2. O fato da renda familiar per capita ser superior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo não impede que outros fatores sejam considerados para a avaliação das condições de sobrevivência da parte autora e de sua família, fazendo com que a prova da miserabilidade necessária à concessão do benefício assistencial seja mais elástica. 3. A concessão administrativa de pensão por morte, por fato superveniente, após a prolação de sentença que julgou procedente o pedido de benefício assistencial ao idoso, por tratar-se de benefícios diversos, ainda que inacumuláveis, não implica em perda do objeto da presente demanda nem a improcedência do pedido, cabendo à parte autora, no entanto, em momento oportuno, a opção pelo benefício que lhe seja mais vantajoso, compensadas as parcelas eventualmente recebidas. 4. "Apesar de faltante o requerimento expresso da parte autora à concessão da tutela antecipada, deve ser mantido o benefício já implantado, eis que de acordo com as premissas da recente Resolução PRESI nº. 600-04, de 06 de março de 2008" (AC nº. 2008.01.99.001666-0/MT, Relatora Desembargadora Federal Neuza Alves, Segunda Turma, julgada, à unanimidade, em 21/05/2008). 5. Apelação do INSS parcialmente provida, conforme item 3.  

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 Infere-se pelos julgados correlacionados acima que o modo como vem sendo aplicada a Lei nº 8.742/93 faz com que a mesma deixe de cumprir o seu papel social de beneficiar os hipossuficientes, aqui declarados em estado de miserabilidade.

Um dos paradigmas que vem norteando decisões dos Tribunais no sentido de mitigar o critério de miserabilidade de ¼ do salário mínimo estabelecido pelo legislador infraconstitucional na Lei Orgânica da Assistência Social é o princípio da dignidade da pessoa humana que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[4] estabelece logo no artigo 1º que:

TÍTULO I

Dos Princípios Fundamentais

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania;

II - a cidadania

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Conforme preleciona Alexandre de Moraes:[5]

a dignidade da pessoa humana concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas. Esse fundamento afasta a ideia de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

A dignidade da pessoa humana é um que valor que pertence a todo e qualquer ser humano, devendo ser nacional e universalmente respeitado como afirma a Declaração Universal dos Direitos dos Homens de 1948 ao proclamar que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.

O princípio da dignidade da pessoa humana presente na CF de 1988 deve ser observado também pelas legislações infraconstitucionais, sob pena da declaração de inconstitucionalidade das mesmas.

Nesse sentido, Alexandre de Moraes[6] afirma:

a despeito do caráter compromissório da Constituição, pode ser dito que o princípio em questão é o que confere unidade de sentido e valor ao sistema constitucional, que repousa na ideia de respeito irrestrito ao ser humano, razão última do Direito e do Estado.

Por seu turno, Flávia Piovesan[7] corrobora:

a dignidade da pessoa humana está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro.

Embora haja uma preocupação significativa com os direitos fundamentais no Brasil e com a valorização da dignidade da pessoa humana, na medida em que estão tutelados e declarados no Texto Constitucional, infelizmente observa-se a violação contínua dos referidos direitos e o aviltamento da dignidade humana.

Ademais o que se procura com o Benefício de Prestação Continuada assegurado no texto constitucional e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social é garantir o mínimo existencial aquelas pessoas que preencham os requisitos exigidos pela Lei.

Celso Antonio Pacheco Fiorillo[8], adotando a expressão piso vital mínimo, explana:

“Uma vida com dignidade reclama a satisfação dos valores (mínimos) fundamentais descritos no art. 6º da Constituição Federal, de forma a exigir do Estado que sejam assegurados, mediante o recolhimento dos tributos, educação, saúde, trabalho, moradia, segurança, lazer, entre outros direitos básicos indispensáveis ao desfrute de uma vida digna” (FIORILLO, 2007, p. 67-68).

Para Paulo Gilberto Cogo Leivas[9], a mais completa definição de mínimo existencial foi formulada por Corinna Treisch:

“O mínimo existencial é a parte do consumo corrente de cada ser humano, seja criança ou adulto, que é necessário para a conservação de uma vida humana digna, o que compreende a existência de vida física, como a alimentação, vestuário, moradia, assistência de saúde, etc. (mínimo existencial físico) e a necessidade espiritual-cultural, como educação, sociabilidade, etc.” (LEIVAS, 2006, p. 135)

O que se procura com o mínimo existencial é viabilizar a efetividade dos direitos fundamentais sociais, principalmente os elencados no artigo 6º da Constituição Federal, eis que estão, especialmente, ligados aos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade.

Para Paulo Gilberto Cogo[10]:

“O conceito de mínimo existencial, do mínimo necessário e indispensável, do mínimo último, aponta para uma obrigação mínima do poder público, desde logo sindicável, tudo para evitar que o ser humano perca sua condição de humanidade, possibilidade sempre presente quando o cidadão, por falta de emprego, de saúde, de previdência, de educação, de lazer, de assistência, vê confiscados seus desejos, vê combalida sua vontade, vê destruída sua autonomia, resultando num ente perdido num cipoal das contingências, que fica à mercê das forças terríveis do destino” (CLÈVE, 2003, p. 27).

Verifica-se que o principio da dignidade da pessoa humana está entrelaçado de forma intrínseca com  à noção de mínimo existencial. Ao Estado cabe o ônus imputado pelo Constituinte Originário de implementar e fazer concretizar direitos que são essenciais para que o ser humano tenha uma vida digna, especialmente o direito a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e a infância, e a assistência aos desamparados.

Nesse sentido, caso o Estado, que é responsável pela implementação dos direitos fundamentais sociais, que são essenciais para que os seres humanos usufruam de um padrão mínimo de dignidade, não cumpra com a sua obrigação constitucional, é permitido ao Poder Judiciário atuar e conferir a proteção ao indivíduo.

O art. 203 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 garante, no inciso V, o Benefício de Prestação Continuada aos idosos e portadores com deficiência incapacitados para a vida independente e que não possuam meios para prover a própria subsistência, nem de tê-la provida por sua família.

Contudo, o constituinte originário legou ao legislador infraconstitucional a regulamentação do dispositivo constitucional cabendo a este delimitar os critérios para concessão do Benefício de Prestação Continuada.

Neste interim, o legislador infraconstitucional editou a Lei Orgânica da Assistência Social, Lei nº 8.743/93 que em seu parágrafo 3º estabelece que considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).

Atualmente, os idosos com idade igual ou inferior a 65 (sessenta e cinco) anos e as pessoas com deficiência que não possuam meios de prover a própria subsistência têm direito ao benefício.

A renda per capita da família do pleiteante do benefício de Prestação Continuada tem que ser inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, para restar provado o requisito da hipossuficiência do pleiteante do benefício assistencial.

Há inúmeras discussões doutrinárias e jurisprudenciais a respeito da constitucionalidade ou inconstitucionalidade do critério estabelecido pelo legislador infraconstitucional no que diz respeito ao critério da renda estabelecida em ¼ do salário mínimo.

  Assim, o Supremo foi instado a se manifestar através da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn nº 1.231-1/DF), objetivando dirimir as dúvidas quanto a constitucionalidade da norma elencada na LOAS.

O Supremo Tribunal Federal se manifestou então pela constitucionalidade da Lei nº 8.742/93 questionada, quanto ao critério de miserabilidade, o que possibilitou ainda mais deliberações sobre o tema.

Embora o Supremo Tribunal federal já tenha se posicionado a respeito da constitucionalidade do critério da renda per capta de ¼ do salário mínimo, cumpre frisar, que tal controle de constitucionalidade fora feita de maneira abstrata, o que possibilita que outros tribunais tenham entendimento diverso do firmado pelo Supremo.

A Constituição Federal de 1988 é a norma suprema do Ordenamento Jurídico Brasileiro. Toda e qualquer norma infraconstitucional deve ser interpretada conforme a Constituição Federal, caso contrário, esta lei estará fadada à inconstitucionalidade, devendo ser afastada do ordenamento jurídico, por afetar o Estado Democrático Social e de Direito.  

Ao interpretar o texto Constitucional deve ser feito uma abordagem sistêmica dela. Entende-se que por força de diversos princípios expressos e implícitos, sobretudo, o principio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República Federativa do Brasil contido no texto constitucional denegar o Benefício de Prestação Continuada a alguém tão somente porque ultrapassa o critério da renda per capta de ¼ do salário mínimo é não garantir o mínimo existencial.

Conclui-se afirmando peremptoriamente que referida exigência não se coaduna com o fundamento da dignidade da pessoa humana, haja vista, que não se mostra suficiente para assegurar um mínimo de existência digna para o cidadão brasileiro hipossuficiente.

Sobre o autor
Eduardo Martins de Miranda

Fundado em agosto de 2012, o escritório Dr. Eduardo Martins de Miranda, Advocacia e Consultoria Jurídica, vem ganhando prestígio e credibilidade por seu trabalho, pautado na ética, no comprometimento profissional buscando atender de forma incondicional as necessidades dos clientes. Prima pela excelência do trabalho com foco em qualidade e resultado. <br>Especialista em Gestão Social: Políticas Públicas, Redes e Defesa de Direitos;<br>Especialista em Direito Previdenciário;<br>Especialista em Direito Eleitoral.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo elaborado como requisito para titulação de Especialista em Direito Previdenciário.

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