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A natureza jurídica das deliberações sociais

Agenda 23/02/2016 às 15:14

O quotidiano de uma sociedade é marcado por decisões tomadas pelos seus administradores, pelo conselho, ou, dependendo da matéria a ser tratada, pelos próprios sócios em assembleia. As deliberações sociais, no seu conteúdo, podem ser afetadas pelo voto.

1. Introdução 2. Os órgãos das sociedades comerciais. Classificação 2.1 Os órgãos sociais 2.2 Classificação dos órgãos 2.2.1 Critério de número de titulares 2.2.2 Critério das funções dos órgãos 3. Deliberações sociais 3.1 Generalidades 3.2 Conceito jurídico 4. O Voto 5. Processo deliberativo 5.1 Convocação e funcionamento 5.2 Formas de deliberação 5.2.1 Deliberações tomadas em Assembleia-geral convocada e  deliberações tomadas em assembleia universal 5.2.2 Deliberações unânimes por escrito 6. A natureza jurídica das deliberações sociais 7. Conclusão 8. Referências 9. Bibliografia

1. Introdução


Para quem estuda as Deliberações Sociais, um dos temas de interesse é, sem dúvidas, a “Definição  e  Natureza  Jurídica  das  Deliberações Sociais”.


Trata-se de uma apresentação preambular para o que se pretende, uma vez que qualquer discussão em torno desta matéria passa por se ter bem precisados os conceitos da figura em apreço e a sua natureza jurídica.


A verdade é que a manifestação interna e externa de qualquer sociedade é feita, em última análise, na sequência de deliberações tomadas pelos sócios.  


As deliberações sociais, no seu conteudo, podem ser afectadas pelo voto, ou em violação flagrante da  lei ou dos estatutos, ou ainda pelo exercício abusivo do voto que, deixando de ser usado para o fim destinado, provoca situações concretas em que, contrariando o interesse social, a  sociedade ou um ou mais  sócios  sofrem um dano  injusto ou  ilegal. Tratando-se de  situações ostensivamente  injustas  ou  ilegais,  o  direito  não  pode  consenti-las,  justificando-se  por  isso  necessidade  de  conceber  e  atribuir  os  instrumentos  normativos  para  melhor  acautelar  os interesses em crise.


Sem  ser  precisamente  este  o  objecto  da  apresentação  que  segue,  é  importante,  ainda assim, ter os conceitos rigorosamente aprendidos. E é assim que nos propomos dissertar em torno do que são as diliberações sociais e a sua natureza jurídica, em atenção ao interesse social prosseguido.


Assim,  e  tendo  em  conta  o  âmbito  da  presente  apresentação,  optou-se  por  fazer  uma abordagem eminentemente descritiva assente nas  leis e na doutrina de  interesse. Deste modo, a análise  a  realizar  procurará  em  primeiro  lugar  incidir  na  legislação  e  doutrina  em  causa  e transmitir, muitas das vezes, o ponto de vista do autor. E sempre que possível e adequadamente far-se-á o enquadramento legal necessário à sua cabal compreensão.


Depois,  finalizando,  retiraremos  as  conclusões  mais  significativas  que  decorrem  dos conteudos propostos, destacando, desde já, que o conceito da deliberação social faz apelo aberto
à participação aberta dos sócios na vida da sociedade atentos aos princípios da boa fé, ao dever de lealdade e ao princípio da igualdade de tratamento dos sócios.


Por uma questão de metodologia expositiva, o trabalho é apresentado de modo contínuo observando a enumeração correspondente.
 

2. Os órgãos das sociedades comerciais. Classificação
 
2.1 Os órgãos sociais

 
Os órgãos sociais de uma sociedade constituem as entidades ou núcleos de atribuição de poderes que  integram  a  organização  interna  da  sociedade  e  através  dos  quais  ela  forma,  manifesta  e exerce a sua vontade de pessoa jurídica. Mas, segundo Pedro Maia1, vigora aqui o princípio da tipicidade: os órgãos com poderes deliberativos e força vinculativa são apenas aqueles que a lei prevê e no âmbito das respectivas competências.
 
São  estes  os  órgãos  sociais  previstos  no  nosso  ordenamento  jurídico  (artigo  127.º,  n.º  1  do Código  Comercial),  através  dos  quais  as  soaciedades  comerciais  formam  e manifestam  a  sua vontade: (i) a assembleia-geral; (ii) a administração; e (iii) o conselho Fiscal ou Fiscal único.
 
 
2.2 Classificação dos órgãos
 
Há vários tipos de órgãos classificáveis, segundo dois critérios:
 
2.2.1 Critério de número de titulares

  - Órgãos singulares: composto por um só titular;
  -  Órgãos  plurais  ou  colectivos:  composto  por  dois  ou  mais  titulares  (assembleias,
conselhos, etc.).
 
2.2.2 Critério das funções dos órgãos

  - Deliberativos:  são  órgãos  que  formam  a  vontade  da  sociedade,  aprovando  directrizes fundamentais que deverão ser acatadas pelos outros órgãos;
  - De administração  (também chamados executivos ou directivos): são os que praticam os actos materiais ou jurídicos de execução da vontade da sociedade.


  - De  fiscalização ou de controlo: são os que verificam a conformidade da actividade dos outros órgãos com a lei e os estatutos, denunciando as irregularidades que descubram.
 
Os órgãos sociais reconduzem-se a pessoas ou grupos de pessoas que são os titulares dos órgãos (art. 127.º, n.º 2 do Código Comercial).
 
Nos órgãos plurais, podem ainda distinguir-se quanto ao modo de funcionamento:
a)  Sistema  disjuntivo:  quando  cada  um  dos  vários  titulares  pode  exercer  isolada  e independentemente, por si só, as funções dos órgãos.
b) Sistema  colegial  ou  conjuntivo:  quando  os  diversos  titulares  devem  agir  colectivamente, segundo a regra da maioria ou até por unanimidade.
 

3. Deliberações sociais  
 
3.1 Generalidades  

 
O quotidiano de uma sociedade é marcado por decisões tomadas pelos seus administradores, pelo conselho, ou, dependendo da matéria a ser tratada, pelos próprios sócios. Independentemente da via pela qual se obtém a decisão, esta passará a ter influência no desenvolvimento da sociedade, trazendo reflexos às suas actividades habituais. A estas decisões, especialmente àquelas tomadas directamente  pelos  sócios,  e  principalmente  em  reunião  ou  assembleia,  dá-se  o  nome  de deliberações sociais.
 
Etimologicamente, a palavra deliberar, que deriva do latim (libra, æ = balança), exprime a ideia de ponderar, sopesar2. Certamente, a acepção literal do termo não é suficiente para determinar o seu  significado  jurídico,  o  qual  não  se  limita  a  apenas  ponderar  aspectos  relevantes  de  uma sociedade.
 
3.2 Conceito jurídico
 
Em  sentido  jurídico,  a deliberação  é decisão  tomada pelos membros 3  que  fazem parte de uma determinada  sociedade.  Na  doutrina  brasileira,  nas  palavras  de  Alfredo  de  Assis  Gonçalves Neto4,  “a  deliberação  tomada  pela  sociedade,  por  exemplo,  é  o  resultado  do  somatório  das vontades  individuais  de  seus  sócios,  da mesma  forma  que  o  ato  praticado  pela  sociedade,  por intermédio da pessoa natural de qualquer de seus sócios é ato dela e não dele, que simplesmente atua como se fosse a própria sociedade”.
 
Em Portugal, segundo Pedro Maia5, “o conjunto dos sócios – órgão comum a todos os  tipos de sociedade comercial – decide mediante deliberação”. Ainda assim, o mesmo autor afirma que asdeliberações assim consideradas não são somente aquelas tomadas em assembleia ou reunião desócios, e que “por ser assim, o Código também apelida de deliberações aquelas decisões tomadassem reunião de sócios, como é o caso das “deliberações unânimes por escrito e das deliberaçõespor  voto  escrito.  Ponto  é  que,  mais  uma  vez  o  dizemos,  se  trate  de  decisões  imputáveis  aoconjunto dos sócios, ou seja, ao órgão colectividade dos sócios”.
 
Para  Pinto  Furtado6,  “a  deliberação  é  reportada  a  um  ente  colectivo,  cumprindo  deste modoidentificá-la, numa primeira aproximação, como constituindo uma declaração colectiva.”

Carlos  Olavo7 situa-se  na  mesma  linha  conceptual,  pois  para  si  “as  deliberações  sociaisconsistem no  resultado  da vontade dos  titulares  dos órgãos da pessoa  colectiva,  em  termos deserem  a  esta  normativamente  imputáveis”,  são,  portanto,  a materialização  da  vontade  de  umasociedade, não só a nível interno, mas também perante terceiros. Além disso, segundo o mesmoautor, essa vontade forma-se através de declarações singulares dos sócios, expressas pelos seusvotos,  tomando  a  deliberação  um  determinado  sentido,  que  representa  a  posição  unitária  dasociedade. No  fundo,  como  também  sintetiza  Pedro Maia,  as  deliberações  são  “por  um  lado, actos dos sócios, por outro são actos da sociedade.”  

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Essa  declaração  colectiva  é  frequentemente  definida  pela  doutrina  como  uma  declaração  devontade, que é certamente a definição mais corrente do termo, porém não a única.  
 
A deliberação social pode ser compreendida, portanto, como uma decisão  internamente  tomadapela  sociedade,  que  pretende  estabelecer  directrizes,  regras  de  conduta,  determinar,  alterar  oucorroborar actos praticados pela própria sociedade, pelo que deverá ser externada para que possasurtir os efeitos desejados. Neste sentido, “como a pessoa jurídica não tem existência física quelhe  permita  agir  no  mundo  exterior,  é  preciso  que  sirva  de  pessoas  naturais  para  produzir  aexteriorização dos seus actos e manifestações”8. Não obstante a existência do administrador, aíse  insere a necessidade da presença dos  sócios, determinando as directrizes a  serem  adoptadaspor  esta  pessoa  jurídica  da  qual  fazem  parte. De  toda  forma,  os  sócios  agem  como  peças  quecompõem a estrutura societária, pelo que é perfeitamente admissível que o direito construa uma vontade colegial tendo por sujeito efectivo o próprio ente colectivo em cujo seio se gerou atravésde um processo para o efeito estabelecido.


Percebe-se  que,  para  que  esta  vontade,  tida  como  colegial,  porém  da  própria  sociedade,  sejaválida  perante  o  mundo  exterior,  é  essencial  que  os  sócios  a  manifestem  e  concretizem. Fundamental  é,  portanto,  a  participação  dos  sócios  nos  procedimentos  deliberativos,  queculminam na expressão da vontade da sociedade como um todo.  
 
A legislação nacional estabelece a obrigatoriedade da participação dos sócios na deliberação dedeterminadas  matérias,  pelo  que  para  estas  não  é  suficiente  apenas  a  decisão  do  órgão administrador  da  sociedade. Conforme  Pedro Maia9,  “não  se  pretende  sustentar  que  os  sóciosdetêm todos os poderes sociais, mas apenas que as mais importantes e decisivas matérias na vidada sociedade foram, em regra, inscritas na sua esfera de competência”, pelo que se transfere aossócios o dever de determinar a posição a ser adoptada frente a determinadas situações previstasna legislação ou nos actos societários da sociedade.  

4. O Voto
 
Estabelece  o  artigo  104.º,  n.º  1,  al.  b)  do  Código  Comercial  que  todo  o  sócio  tem  direito  aparticipar nas deliberações de sócios, sem prejuízo das restrições previstas na lei. Daqui decorreque  as  deliberações  das  assembleias  gerais  são  tomadas  por  votos  dos  sócios  que  nelasparticipam,  e  que  assim  vem  consagrado  o  direito  de  voto  como  direito  corporativo  geralinderrogável e, em princípio, irrenunciável que lhes atribui o dispositivo em apreço.

 
Segundo  Pupo  Correia10 ,  o  voto  em  si  próprio  constitui  uma  manifestação  ou  declaração  devontade do sócio, que se conjuga com outras declarações de vontade homólogas para a formaçãode um acto colectivo: a deliberação social.
 
Quando  concebemos  os  fundamentos  subjacentes  ao  exercício  do  direito  de  voto  pelos associados,  pensamos  num  exercício  autónomo  e  fruto  de  uma  vontade  delimitadora  dosentimento que o  titular do direito de voto  terá no momento do  seu exercício efectivo. O vototransparece  uma  vontade  autónoma  e  intrínseca,  que  irá  contribuir  para  a  formação  de  uma vontade colectiva, a designada deliberação.
 
É extremamente  relevante a participação directa dos sócios no processo de  tomada de decisõesda sociedade. Por participação directa deve-se compreender a participação da pessoa do sócio, enão  apenas  sua  actuação  por  meio  de  procuração,  o  que  possibilita  que  outro  sócio,  ou  umrepresentante  legal,  aja  em nome do outorgante  e possa manifestar  a  sua vontade, mesmo nãoestando ele presente. 

Um  dos  principais  motivos  pelos  quais  se  afirma  que  a  participação  da  pessoa  do  sócio  é importante  diz  respeito  à  doutrina  de  Pedro Maia  de  que  “as  deliberações  vinculam  todos  ossócios, ainda que ausentes ou dissidentes”. Assim, por mais que o  sócio não compareça a umaassembleia de  sócios pessoalmente,  todas  as decisões  tomadas vincularão  este  sócio, de  formaque  ele  também  será  responsável pelas consequências  advindas  da  deliberação  tomada. Destaforma, preenchidos  todos os requisitos  legais de convocação e quorum de deliberação, nenhumsócio  poderá  se  eximir  da  responsabilidade  decorrente  de  actos  aprovados  em  assembleia alegando que não participou do processo deliberativo que autorizou a prática de  tais actos pela sociedade.  
 
As deliberações devem ser  tomadas nos  limites da  lei e do contrato social. Pedro Maia diz que “as deliberações que infrinjam o contrato ou a lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que a aprovaram”.  Isso  significa  que  os  sócios  não  podem  tomar  qualquer  decisão  que  contrarie  as previsões legais ou o disposto no contrato social, sob pena de responderem até mesmo com seus próprios bens, caso o património da sociedade não seja suficiente, por qualquer prejuízo causado em virtude da deliberação que aprovaram.

5. Processo deliberativo  
 
A Assembleia-geral é o órgão supremo das sociedades, que tem poderes inclusive para modificar os estatutos, verificados certos pressupostos. Todavia, é um órgão deliberativo, competindo as funções  executivas  e  de  representação  externa  ao  órgão  da  administração.  Pode  ainda  reunir extraordinariamente  sempre  que  seja  convocada  por  quem  de  direito  para  deliberar  sobre matérias da sua competência e que constem da respectiva convocatória.
 
Apesar de a deliberação ser, em princípio e normalmente, um acto colegial, pode ocorrer que o órgão se encontre episodicamente reduzido a uma só pessoa. Segundo Pupo Correia11, “nem por isso a declaração da vontade por ela emitida deixará de ser havida como uma deliberação social, se os demais pressupostos da sua existência estiverem reunidos.”
 
As  deliberações  sociais,  com  efeito,  resultam  de  um  processo  formativo  que  exige  como pressuposto  que  a  assembleia  tenha  sido  regularmente  convocada  e  tenha  funcionado regularmente.  
 
5.1 Convocação e funcionamento
 
A  convocatória  deve  conter  obrigatoriamente  as  menções  referidas  no  art.  134.º  do  Código Comercial.
 
A ordem do dia deve mencionar claramente o assunto sobre o qual se vai deliberar (art. 134.º, n.º 1, al. d) do Código Comercial).  

A  Assembleia-geral  poderá  no  entanto  deliberar  sobre  questões  incidentais,  que  decorre directamente da ordem de trabalhos, como é o caso da destituição e da acção de responsabilidadecontra os administradores (art. 132.º, n.º 2 do Código Comercial).
 
A Assembleia-geral deve reunir-se na sede social, salvo se quem convocou a Assembleia-geral escolher outro local, dentro da área da sede, por falta de condições adequadas das instalações dasociedade (art. 134.º, n.º 3 do Código Comercial).
 
5.2 Formas de deliberação
 
É certo que o conjunto dos  sócios – órgãos comuns a  todos os  tipos de  sociedade comercial – decide mediante “deliberação”.
 
O Código Comercialercial também apelida de deliberação aquelas decisões tomadas sem reunião de sócios, como é o caso das “deliberações unânimes por escrito”  (art. 128.º, n.º 4 do Código Comercialercial).

5.2.1  Deliberações  tomadas  em  Assembleia-geral  convocada  e  deliberações  tomadas  em
assembleia universal

 
As deliberações tomadas em Assembleia-geral convocada têm um ponto em comum com aquelas tomadas em assembleia universal: ambas resultam de uma reunião de sócios. Mas distinguem-seumas das outras quanto a um aspecto do seu procedimento: ao invés das primeiras, as segundassão adoptadas numa assembleia que não foi procedida de um acto de convocação dirigido a todosos sócios, mas que todos estiveram presentes e, além disso, em que todos manifestaram vontadede que a assembleia se constituísse e deliberasse sobre determinado assento (art. 128.º, n.º 4 do Código Comercial).
 
Só ocorre uma assembleia universal mediante a verificação cumulativa de três pressupostos:
1) Presença de todos os sócios;
2) Assentimento de todos os sócios em que a assembleia se constitua;
3) Vontade  também  unânime  de  que  a  assembleia  a  constituir  delibere  sobre  determinado
assunto.
 
Uma  vez  constituída  validamente  a  assembleia universal,  esta  se  rege  pelos mesmos  preceitos legais e contratuais relativos ao funcionamento das Assembleias-gerais convocadas.
 
5.2.2 Deliberações unânimes por escrito
 
Estas,  não  são  adoptadas  em  assembleia  dos  sócios.  A  derrogação  ao  chamado  “método  de assembleia”  justifica-se  aqui  com  a  desnecessidade  ou  inutilidade  de  tal  método  quando  ossócios tenham uma opinião unânime.
 
Os  sócios não podem votar quando  relativamente à matéria de deliberação  se encontrem numa situação de conflito de interesses com a sociedade (art. 131.º do Código Comercial).
 
As deliberações sociais seja qual for o modo como foram tomadas, têm de ser vertidas para um documento escrito sob pena de não poderem ser provadas (art. 147.º Código Comercial) – a acta.
 
 
6. A natureza jurídica das deliberações sociais
 
Quando  se  fala  da  natureza  jurídica  das  deliberações  sociais  fala-se  da  natureza  jurídica  do interesse subjacente ao acto da deliberação, ou seja, do interesse social.  
 
Acerca  desta matéria,  observam-se  duas  principais  correntes,  das  quais  a  doutrina  portuguesa possui o maior número de adeptos. A primeira qualifica a deliberação como um negócio jurídico da  sociedade,  e  a  segunda  considera  a  deliberação  como  uma  categoria  sui  generis,  porcompreender aspectos peculiares que a excluem de qualquer outra forma de classificação. 

Pupo  Correia12  distingue  ente  teorias  institucionais  e  teorias  contratualistas.  As  teorias institucionais  colocam  a  sede do  interesse  social no próprio  ente  societário,  como  empresa ou pessoa colectiva, ou instituição, abstraindo, por conseguinte, das relações individuais dos sócios;a esta luz, o voto apareceria não como um dever subjectivo e sim como o poder dever dos sócios dirigido à  formação da vontade da  sociedade. Por  seu  turno, as  teorias contratualistas  têm em conta  o  interesse  comum  dos  sócios  enquanto  tais.  O  voto  constitui  um  direito  subjectivoatribuído  a  cada  um  dos  sócios  como meio  para  exprimirem  o  seu  ponto  de  vista  acerca  do interesse comum e, desse modo, contribuírem para a formação e identificação do interesse social.   
 
A  ideia de que o negócio  jurídico “deliberação  social” é próprio da  sociedade, porém  formado pela  declaração  de  vontade  de  seus  sócios  é  comummente  aceite13,  sendo  que  a  partir  dessa classificação  restringe-se  apenas  ao  instituto  da  deliberação  em  si,  tratando  os  votos  que  a integram como “declarações de vontade dos sócios”
 
A  este  propósito,  a  moderna  doutrina  brasileira  tem  estado  a  desenvolver  uma  tese  nova,passando  a  tratar  as  deliberações  sociais  como  uma  categoria  sui  generis. Neste  sentido, LuísBrito  Correia14  informa  que  “as  deliberações  sociais  podem,  pois,  ser  negócios  jurídicos  oumeras  declarações  negociais  (componentes  de  outros  negócios  jurídicos)  singulares  (eunilaterais) ou plurilaterais. No entanto têm uma natureza sui generis, constituindo uma categoriaprópria,  que  a  distingue  tanto  dos  (demais)  negócios  jurídicos  unilaterais,  como  dos  (demais)negócios jurídicos plurilaterais”.
 
O  principal  argumento  utilizado  para  desconstruir  as  afirmações  utilizadas  pela  corrente  do negócio jurídico decorre directamente do facto de que as deliberações sociais não compreendemapenas  declarações  de  vontade,  podendo  também  representar  declarações  de  ciência  ousentimento, conforme já analisado. Partindo-se do pressuposto de que a manifestação de vontadeé  requisito  essencial  à  formação  de  um  negócio  jurídico  e  que  ela  não  está  necessariamentepresente nas declarações de ciência ou sentimento expressas pela sociedade, “a qualificação da deliberação  da  sociedade  como  um  negócio  jurídico  ficará  logo  prejudicada,  evidentemente,quanto à que não integre uma declaração de vontade.” Em suma, as deliberações sociais devemser compreendidas como uma categoria sui generis apta a produzir efeitos. Ela deve, assim, ser entendida como a declaração juridicamente imputável a uma pessoa colectiva ou, globalmente, aum  grupo  não  dotado  de  personalidade  jurídica,  formada mediante  o  concurso  dos  sujeitos  de direito  que  os  compõem  e moldada  pela  fusão  das  declarações  individuais  por  eles  emitidas(votos)  que,  no mínimo,  integrem  o  núcleo mais  numeroso  de  declarações  de  sentido  idêntico validamente exprimidas.

Em  qualquer  dos  casos,  em  atenção  ao  postulado  no  nosso  regime  jurídico,  destas  posições,somos de que o direito do voto apresenta-se sempre como um direito subjectivo dos sócios, com especial destaque e enfoque para o poder da vontade do sócio no seu exercício. Aliás, assente na definição de Gomes da Silva, citado por Pupo Correia, sobre o que é o direito subjectivo vemosque este consiste na afectação  jurídica de um bem à  realização de um ou mais  fins de pessoas individualmente  consideradas.  O  direito  do  voto  deve  ser  considerado  como  um  direito subjectivo, podendo mais especificadamente identificar-se no conceito de direito potestativo. No âmbito do direito de voto potestativo conferido  ao  sócio, este poderá decidir atendendo  a uma opção dúplice, ou seja, tem a possibilidade de votar ou não, tal como, no que concerne a escolha da direcção a prosseguir pela emissão do seu voto, da forma que melhor lhe parecer.  
 
Esta  é,  de  resto,  a  posição  com  a  qual mais  nos  identificamos. A  ser  assim,  o  direito  de  voto deverá  estar  na  parte  aplicável  disciplinado  pelos  arts.  217.º  e  segs.  do  C.  Civil,  quanto  aosrequisitos  dos  negócios  jurídicos,  designadamente  a  liberdade  de  celebração  e  de  estipulação. Ainda assim, é certo, as deliberações sociais são dotadas de características singulares, próprias,que  as  distinguem  dos  típicos  negócios  jurídicos,  tal  como  regulados  no Código Civil,  e  isto “porque  na  deliberação  social  não  há  partes”,  não  há  interesses  contraditórios,  mas  sim  umsentido único, obtido por votação. Tal como qualquer declaração jurídica tendente à produção de determinados efeitos, a de liberação está  sujeita a um complexo processo  formativo, no qual  se descortinam vários elementos, sujeitos e vontades. 

7. Conclusão  
 
Embora  se  afigure  pacífico  na  doutrina  a  definição  do  que  sejam  as  deliberações  sociais,  já  o mesmo não se diz da aferição da sua natureza júridica.
 
Na falta de melhor doutrina nacional e com o inevitável recurso às discussões travadas no direito comparado, nomeadamente no direito português e no direito brasileiro, cujos  traços  identitários com  o  nosso  são  deveras  evidentes,  há,  ainda  assim,  uma  dissonância muito  grande  entre  os principais tratadistas quando o assunto é indicar a natureza jurídica desta figura.
 
Os brasileiros com um enfoque ligado a um mundo desenvolvido, atento ao mercado dos futuros– em que a percepção ou o “sentir” dos sócios sobre a viabilidade de certo negócio pode terminara  sua  volição  na  declaração  de  vontade  –  estatuem  as  deliberações  sociais  como  um  negócio jurídico suis generis.
 
 Ainda  assim,  dúvidas  nos  assistem  sobre  a  colocação  brasileira.  Não  nos  parece  que  a representação  das  declarações  de  ciência  ou  sentimento,  conforme  expendido  na  doutrinabrasileira, vá só por si descaraterizar o que seja um negócio jurídico. Em última análise, qualquernegócio  jurídico  tem  insíto  em  si uma declaração de vontade que  é determinada nas mais das vezes por alguma ciência ou sentimento do declarante.
 
Mais acertada é, a nossa ver, a teoria expendida por Pupo Correia de definir a natureza jurídica das deliberações sociais como um um negócio jurídico. Se as deliberações sociais consistem noresultado  da  vontade  dos  titulares  dos  órgãos  da  pessoa  colectiva,  em  termos  de  serem  a  estanormativamente imputáveis, são, portanto, a materialização da vontade de uma sociedade, não só a  nível  interno, mas  também  perante  terceiros. Além  disso,  essa  vontade  forma-se  através  de declarações  singulares  dos  sócios,  expressas  pelos  seus  votos,  tomando  a  deliberação  um determinado sentido, que representa a posição unitária da sociedade.
 
No  fundo,  como bem  sintetiza Pedro de Vasconcelos, as deliberações  são  “por um  lado, actos dos sócios, por outro são actos da sociedade”. Desta forma, as deliberações sociais são dotadas de características singulares, próprias, que as distingue dos  típicos negócios  jurídicos,  tal comoregulados no Código Civil, e isto “porque na deliberação social não há partes”, não há interesses contraditórios, mas sim um sentido único, obtido por votação. 

8. Referências:

1 Apud. Coutinho de Abreu, Estudo de Direito das Sociedades, 5ª edição, Coimbra, Almedina, 2002, p. 171.

2 Neste sentido, Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 27ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2006, p. 425.

3 Sobre o tema, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Estudo de Direito das Sociedades, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, p. 171, admite que a deliberação possa decorrer da declaração de vontade de um sócio apenas, afastando-se da doutrina que entende não haver deliberação em decisões tomadas por apenas um sócio.

4 Alfredo de Assis Gonçalves Neto, Lições de Direito Societário: regime vigente e inovações do novo Código Civil, 2ª edição, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2004, p 27.

5 Apud. Coutinho de Abreu, Estudo de Direito das Sociedades, op. cit., pp. 171-172.

6 Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2001, p. 392.

7 in    Impugnação   Das   Deliberações   Sociais, Colectânea   de    Jurisprudência,   Ano   XIII, 1988,  tomo  III, Coimbra, 1988, p. 21

8 Alfredo de Assis Gonçalves Neto, Lições de Direito Societário: regime vigente e inovações do novo Código Civil, op. cit., p. 27

9  In Coutinho de Abreu, Estudo de Direito das Sociedades, op. cit., p. 172

10 In Direito Comercial, 6ª edição, Ediforum, Lisboa, 1999, p. 561

11  In Direito Comercial, op. cit., p. 561.

12  In Direito Comercial, op. Cit., p. 560.

13  Para Coutinho de Abreu: as deliberações são em regra, negócios  jurídicos: actos constituídos por uma ou mais declarações de  vontade: os votos. No mesmo  sentido, Pedro Maia  sustenta a  ideia de que  “a deliberação é um  negócio jurídico da sociedade, e não dos sócios” e os votos constituem declarações de vontade dos sócios.

 14 Direito Comercial, 3º vol., AAFDL, 1992, p. 117

9. Bibliografia
 
ABREU, Jorge Coutinho de, Estudo de Direito das Sociedades, 5ª edição, Coimbra, Almedina,2002
 
CORREIA, Luis Brito, Direito Comercial, 3º vol., AAFDL, Lisboa, 1992
 
CORREIA, Miguel Pupo, Direito Comercial, 6ª edição, Ediforum, Lisboa, 1999
 
MAIA, Pedro, Impugnação  Das  Deliberações  Sociais, Colectânea  de  Jurisprudência,  Ano  XIII, 1988, tomo III, Coimbra, 1988
 
NETO, Alfredo de Assis Gonçalves, Lições de Direito Societário: regime vigente e inovações donovo Código Civil, 2ª edição, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2004
 
Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 27ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2006 

SAMO, Saturnino, Colectânea de Direito Comercial, CFJJ, Maputo, 2005

Sobre o autor
Carlos Pedro Mondlane

Juiz de Direito e docente universitário. Presidente do Tribunal de Polìcia da Cidade de Maputo. Presidente da União Internacional dos Juízes da CPLP. Membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial. Formador no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ). Pós Doutorando em Direitos Humanos, Saúde e Justiça pela Universidade de Coimbra. Doutorado em Direito Privado pela Universidade Católica de Moçambique e Universidade Nova de Lisboa. Mestrado em Direito pela Universidade Católica de Moçambique. Licenciado em Direito pela Universidade Eduardo Mondlane. Prelector e autor de livros e artigos jurídicos publicados em revistas de especialidade. Autor, entre outros, de:- Comentário da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (Coord. Pinto de Albuquerque), Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, Anotada e Comentada- Código de Processo Civil, Anotado e Comentado- Colectânea dos 15 Anos da Lei de Terras: Venda de Terra em Moçambique: Mito ou Realidade?- Manual Prático dos Direitos Humanos - Constituição de Moçambique Anotada (no prelo)

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