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Plantas transgênicas.

Marketing e realidades

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Agenda 18/12/2003 às 00:00

V - BONDE DOS TRANSGÊNICOS - É AGORA OU NUNCA

O movimento de açodamento e de inquietações que marcam a chegada das plantas transgênicas no país não constitui comportamento atípico no mundo dos negócios, onde o limite de atitudes das pessoas acha-se delimitado pelas leis, pela concorrência e pela vontade dos consumidores. Diversas estratégias - aquisições, alianças, parcerias com instituições públicas ou privadas, lobby, marketing - procuraram imprimir uma dinâmica sui generis com vistas à imediata liberação das plantas transgênicas para plantio comercial no Brasil. A ansiedade e a vontade de testar imediatamente o mercado brasileiro, ampliando a faixa de domínio geoeconômico da nova tecnologia, justificam todos os meios e métodos para alcançar objetivos comerciais estabelecidos há muito tempo na matriz. O mercado-alvo da vez é o Brasil, como segundo maior produtor de soja do mundo. Obsecadas e determinadas a conquistar, consolidar e expandir um mercado global de transgênicos, estimado em US$ 8 bilhões em 2.005 e em US$ 25 bilhões em 2.010, as empresas líderes no setor travam luta sem tréguas para fincar suas bandeiras comerciais no promissor espaço de agronegócios nacional.

A área cultivada de transgênicos, segundo dados disponíveis para 1998, envolve cerca de 30 milhões de hectares no mundo, dos quais 20,5 milhões de hectares (74% do total) nos Estados Unidos, 5,5 milhões de hectares na Argentina e cerca de 4 milhões de hectares no Canadá. Uma área de lavouras transgênicas dessa magnitude, com grandes produtores de grãos, constitui o principal argumento de que o Brasil, também, deve ingressar decididamente nesse mercado o mais rápido possível, com vistas à competitividade internacional. A Argentina já cultiva transgênicos em cerca de 75% da área de soja em 1998 e os Estados Unidos, em torno de 35%, devendo atingir aproximadamente 70% em 1999. Segundo adeptos dos transgênicos, notadamente de algumas lideranças rurais mais afoitas, qualquer atraso ou demora suplementar nas definições só tendem a agravar as condições competitivas do país, já, que a nova tecnologia possibilita aceso a uma série de vantagens agronômicas, segundo informações correntes. Por isso, não se pode perder o bonde tecnológico; urge tomar as decisões adequadas ao caso brasileiro, sob pena de perder partes substanciais de mercados de commodities. O momento é agora ou nunca, uma vez que mais tarde os mercados estarão plenamente atendidos pelos produtores de commodities transgênicos. Mas será que é isso mesmo?

Quando as questões que envolvem diferentes alternativas são colocadas de forma dual e excludente- do tipo "agora ou nunca, a saúva ou o Brasil, a ferrugem ou o café"- as proposições soam fatalísticas e messiânicas, próprias de carência de pensamento criativo ou coragem de buscar novos horizontes. Um alinhamento automático às causas transgênicas com base em pesquisas, dados, informações e referenciais técnicos do exterior marginaliza considerações das realidades intrínsecas do Brasil, como fatores sócio-econômicos, culturais, ambientais e agronômicos, que não guardam muita correlação com os correspondentes alienígenas. Uma determinada variedade de soja ou milho não é agronomicamente cosmopolita porque, como todo organismo vivo, ela é o resultado da interação entre informações biológicas hereditárias e condições do meio ambiente. Uma soja BR16, por exemplo, não é capaz de vegetar e, principalmente, de expressar todo o seu potencial produtivo e qualitativo em qualquer região do país. Uma variedade de soja de ótimo desempenho no Rio Grande do Sul não vai apresentar o mesmo padrão de desenvolvimento no Mato Grosso ou em Goiás, em razão de diferenças significativas de solo, clima, temperatura, fotoperíodo, altitude e complexas interações abióticas e bióticas.

Experiências, testes e pesquisas diversas encetadas em condições edafoclimáticas e biológicas tão díspares das do Brasil não constituem argumentos suficientemente convincentes de que o transgênico com fator de resistência ao herbicida (e muito pior no caso a insetos) não oferece nenhum risco à saúde humana ou animal e ao meio ambiente. Mesmo nos Estados Unidos, onde os plantios comerciais de soja começaram, com intensidade efetiva, em 1996, quando foram plantados cerca de 400 mil hectares e tenham atingido cerca de 9 milhões de hectares em 1998, os ajustamentos continuam sendo realizados e aprimorados. Integram esses procedimentos: a dosagem correta de herbicidas apropriados a uma dada configuração de fitotecnia e condições agronômicas; a aplicação combinada de diferentes herbicidas com vistas à eficiência de controle de ervas daninhas, uma vez que uma ou duas espécies em cada grupo de 1.000 espécies de ervas são naturalmente resistentes ao glifosate; a prática de rotação de cultura; a não repetição do mesmo herbicida para a mesma cultura durante longos períodos e a realização de práticas integradas de controle biológico de pragas e moléstias como vetores prováveis de transferência horizontal de genes de resistência ao herbicida.

Dessa forma, como nada disso foi adequadamente pesquisado nas diversas condições territoriais do Brasil, é válido, com muita pertinência, questionar se o bonde dos transgênicos não estaria um pouco adiantado na estação do agronegócio brasileiro. Transplantar modelos exógenos de elevada especificidade biodinâmica entrópica (interação abiótica e biótica, envolvendo solos, biodiversidade, biotas, microorganismos, condições hidrogeológicas etc) não constitui ato de bom senso, racionalmente correto e politicamente satisfatório. Ensaios e pesquisas com material transgênico levados a efeito à revelia de considerações técnicas e científicas ou mesmo legais, que culminaram na destruição policial de campos experimentais de arroz e de soja no Rio Grande do Sul, constituem sinais evidentes de pressa, de displicência e de deliberada omissão ou negligência com assuntos de elevada magnitude para o agronegócio brasileiro, que deve apresentar sustentabilidade econômico-financeira em perfeita harmonia com o meio ambiente. E, ainda, como justificar para a sociedade que um experimento com soja tenha 435 hectares, uma área superior à média da agricultura em muitos Estados, mesmo nos cerrados? Como uma empresa divulga uma meta de comercialização de sementes transgênicas antes do registro oficial no órgão competente e sem a liberação e autorização hábil no Ministério da Agricultura ? Como se justifica um aumento de índice residual de glifosato para soja de 0,2 ppm (parte por milhão), então vigente, para 20 ppm (um aumento de 100 vezes) e posteriormente para 2 ppm, ainda assim cerca de 10 vezes superior ao índice original ?

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Não se toma um bonde sem saber o destino, sem programar a finalidade da viagem, sem examinar outros meios alternativos de locomoção e sem analisar custos e benefícios das diferentes opções existentes. É preciso, ainda, ressaltar que existe o livre arbítrio do passageiro em decidir, pela sua própria vontade ou decisão, se deseja embarcar nessa viagem ou em outro horário.

A questão de perder a chance do momento, de perder o bonde da tecnologia transgênica, não se revela apropriada nos termos colocados por muitas pessoas. Mesmo a questão de produção de commodity tradicional (ou naturalmente obsoleto) não constitui fator de demérito, uma vez que o mercado de grãos, enquanto matéria-prima para a alimentação humana ou arraçoamento animal, encontra-se sob domínio de seleto grupo de empresas de ação global (Cargill/Continental Grain, ADM e Dreyfus), que preocupam os próprios países importadores. Além disso, tem-se a questão delicada do valor agregado das exportações de grãos em mercados largamente dominados pelos países industrializados, que impõem sérias restrições à livre entrada de produtos mais refinados com grau de processamento e que envolvem marketing, embalagem, marca, distribuição e outros procedimentos comerciais que permitem aumentar de 3 a 5 vezes o valor da matéria-prima original. Esses dois aspectos - produtor e exportador de matérias-primas em mercado oligopolizado/cartelizado e globalizado, e capacidade de exportar valor agregado - é que constituem o fulcro do verdadeiro problema do agronegócio brasileiro. A questão transgênica, como a proposta atualmente pelas empresas dominantes, revela-se meramente operacional de como fazer essa tecnologia, quando o essencial reside na definição ou resolução do que fazer com o agronegócio. A preocupação é prioritariamente de ordem estratégica. Por isso, o bonde da história pode não ser a locomoção mais indicada para o agronegócio nacional neste momento.


VI - ENGENHARIA GENÉTICA É UMA TECNOLOGIA DE PRECISÃO

Muito se tem discutido sobre o caráter determinístico da engenharia genética durante os depoimentos das audiências públicas na Câmara dos Deputados em novembro de 1998 e em princípios de maio de 1999. De uma maneira geral, as alterações do material genético podem ser causadas por mutações e fenômenos deliberados, como a recombinação gênica, fluxo gênico e oscilação gênica. Com a chamada engenharia genética, tem-se a possibilidade prática de fazer uma sorte de "cirurgia molecular" nos constituintes biológicos da hereditariedade das espécies através da manipulação do DNA, alterando, controlando e transferindo informações genéticas dos sistemas vivos. Através de enzimas específicos, técnicas apropriadas e instrumentos de alta precisão, é possível cortar, quebrar, ligar, religar, inserir e reinserir segmentos ou fragmentos de moléculas de DNA, provocando, conscientemente, alterações bioquímicas no curso natural da genética. A pesquisa genômica, com auxílio de poderosos instrumentos modernos como microscópios eletrônicos, de transmissão e de varredura, que fornecem uma visão de alta resolução de átomos ligados em moléculas, e a mais avançada tecnologia de computação, reunindo tanto cientistas como técnicas de informática cada vez mais sofisticadas, procura seqüenciar e mapear todos os genomas de interesse da humanidade. Animais, plantas, microorganismos, insetos, protozoários e demais seres vivos constituem alvos da análise genômica, sendo o do genoma humano o de maior complexidade pelo número de genes e bases envolvidos (cerca de 100.000 genes e mais de 3 bilhões de nucleotídeos). Surgem, assim, termos estranhos à população, como marcadores moleculares baseados em microssatélites (ou análise de seqüências simples repetitivas), técnicas de mapeamento genético para programas de melhoramento tipo AFLP (polimorfismo no tamanho de fragmentos ampliados) ou RFLP (polimorfismo no tamanho de fragmentos restritos), avaliação de diversas moléculas obtidas e testadas em suas potenciais aplicações pelo screening, impressões digitais de material genético (fingerprint de DNA), desdobramento ou divisão de moléculas (gene splitting), avaliação de determinados genes de interesse nos cromossomos (cariotipagem) através de genes marcadores identificados de soja ou milho, para efeito de acompanhamento de suas características, entre outras, do dinâmico campo de pesquisas biotecnológicas. O envolvimento de diversos especialistas das áreas de bioquímica, biofísica, genética, microbiologia, ecologia, biologia molecular, matemática e ciência da computação, mostra que a engenharia genética constitui uma tecnologia complexa, onde a genética convencional passa a ser comparada a um teco-teco diante de uma nave interplanetária. Para muitos, a engenharia genética moderna é determinística, muito diferente da genética clássica que é probabilística, rudimentar e muito demorada. No entanto, apesar de todos os avanços e os recursos disponíveis da bioinformática, a engenharia genética ainda resta expressivamente estocástica, probabilística, sem lograr uma alta margem de precisão. Pode-se afirmar, no máximo, que se trata de primórdio de uma nova era de profundas metamorfoses, de incrível impacto na humanidade. A realidade é que a engenharia genética não atende, ainda, aos requisitos básicos de uma ciência exata fundamentada em cálculos pontuais e precisos a um dado nível de segurança estatisticamente confiável. Dos cerca de 50.000 genes do genoma da soja, muito resta a fazer em termos de seqüenciamento (ordem das bases químicas que constituem o código genético da soja) e mapeamento (descobrir todos os genes do DNA, sua localização, seus componentes, funções e demais atributos) dos seus constituintes genéticos. Pouco se sabe do efeito posicional de um dado gene na famosa dupla hélice da soja ou milho nem as interrelações específicas que se estabelecem entre os genes, afetando funções ou caracteres vitais de desempenho agronômico, nem mesmo com o recurso de marcadores genéticos. Sabe-se que, dos 20 cromossomos de cada metade do material genético da soja, foi possível identificar apenas certos genes de expressão agronômica relevante para produtividade e resposta eficiente às condições ambientais ou a fatores bióticos (pragas e moléstias). Esses genes foram identificados, isolados e monitorados nos diversos experimentos realizados em melhoramento de soja ao longo dos últimos anos. A análise genômica funcional, que se assemelha a avaliação do ecossistema dos genes, faculta ao homem o conhecimento das funções dos diferentes genes, interdependências, efeitos conjuntos ou combinados, seqüência, localização e demais características do material hereditário de um ser vivo. O estágio atual de recursos tecnológicos, embora notável, não permite intervenções cirúrgicas de DNA absolutamente confiáveis do ponto de vista de resultados esperados e efetivamente alcançados.

O processo de inserção de caracteres de interesse em uma planta (resistência a herbicida ou fator letal a insetos), se efetiva através da biobalística. Trata-se de um método de bombardeamento de genes para dentro da célula desejada, junto com partículas de ouro ou tungstênio, que se integram ao genoma da planta. A eficiência desse método atinge 20% para a soja. No caso do algodão, obtém-se uma variedade para cada cem tentativas de transformação genética, conforme relatos do Cenargen (Genebio março/99). Apesar dessa margem de eventos desejáveis, não é possível, hoje, saber a exata localização dos fragmentos ou segmentos de DNA no genoma da planta-alvo. Isto evidencia o caráter estocástico da engenharia genética e o longo caminho que se deve percorrer para realmente melhorar a "pontaria" da artilharia biotecnológica.

Um trabalho de seqüenciamento de genes de relevante impacto técnico e científico é o que está sendo ultimado em São Paulo com a bactéria Xylella fastidiosa, causadora do amarelinho (clorose variegada de citros), moléstia que contamina cerca de um terço dos laranjais paulistas, causando significativos prejuízos à economia cítrícola. Congregando cientistas de institutos de pesquisa, fundações e universidades, com diversos laboratórios interligados via Internet a uma central de processamento, procura-se, desde o final de 1997, descobrir a seqüência dos cerca de 2.000 genes do genoma da bactéria. Depois dessa complexa operação multiinstitucional e multidisciplinar, espera-se realizar um outro trabalho, igualmente complexo, de mapeamento de todos os genes, identificando aqueles que escrevem a receita das proteínas prejudiciais à lavoura citrícola. Do conhecimento da estrutura do genoma da Xylella e das funções dos seus genes torna-se possível estabelecer um programa de ações de expressiva capacidade resolutiva graças à possibilidade de intervenções precisas em fatores, elementos e mecanismos bioquímicos da moléstia do amarelinho. Outros trabalhos semelhantes, destinados ao combate do tradicional nefasto cancro cítrico e ao melhoramento das características agronômicas da cana-de-açúcar estão em curso de desenvolvimento no Estado. O interessante a observar nessa estratégia de trabalhos reside no desenvolvimento pari e passu da ciência e tecnologia, aprimorando conceitos, teorias, questionamentos, linhas de pesquisas, metodologias, aparelhagens e instrumentos, técnicas laboratoriais, modelos e técnicas computacionais, gerenciamento de equipes, interligação de laboratórios virtuais e gerenciamento de recursos humanos, materiais e financeiros, entre outras iniciativas. Trata-se de um programa exemplar de pesquisa e desenvolvimento com efeitos multiplicadores não só para ciência e tecnologia, mas para toda a sociedade em termos de impacto na cadeia de agronegócios do País. É um grande início de um destino que a criatividade e a determinação das pessoas envolvidas saberão definir.

Sobre o autor
Alberto Nobuoki Momma

Economista e Engenheiro Agrônomo; Doutor em Desenvolvimento Agrícola

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOMMA, Alberto Nobuoki. Plantas transgênicas.: Marketing e realidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 165, 18 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4681. Acesso em: 23 nov. 2024.

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