I - INTRODUÇÃO
A eloqüência do discurso e a retórica das maravilhas das plantas transgênicas para o agronegócio, propaladas aos quatro ventos pelos arautos do livre mercado global, procuram pintar um quadro de "avant-garde" da biotecnologia como um poderoso elixir para os problemas da alimentação e saúde humana. Redução de custos, aumento de produtividade, melhoria do meio ambiente pela diminuição de pesticidas, alimentos saudáveis e nutritivos, plantas multifuncionais de largo espectro de produção em qualquer clima e solo, genética de precisão e outros atributos altamente improváveis em condições naturais entusiasmam os próceres da engenharia genética. Por outro lado, opiniões não tão eufóricas, fundamentadas na precaução, prudência, bom senso, princípios, escala de valores, pragmatismo cartesiano e convicções político-ideológicas contracenam argumentos de que a opção transgênica encontra-se nos albores bruxeleantes de uma nova era com um longo e árduo caminho a percorrer. Trata-se de uma obra que promete grandiosidade e suntuosidade mas, ainda, incipiente, inacabada e carente de grandes investimentos para almejar o status de obra-prima "hors concours". Apesar dos enormes esforços alocados na matéria nos últimos vinte e cinco anos no mundo todo e conquistas fantásticas - plantas resistentes a herbicidas, tomate longa vida, algodão e milho com fator letal a insetos, hortaliças resistentes a enfermidades, por exemplo - o fato concreto é que a tecnologia de plantas transgênicas acha-se mais fortemente carregado de tintas de marketing que suaves pinceladas de realidades objetivas do desenvolvimento do sistema agroindustrial moderno.
É preciso, portanto, escoimar das promessas e esperanças oníricas da engenharia genética a dimensão humana do agronegócio que tem origem no processo agronômico de fazer prosperar a terra, enquanto natureza viva, de forma diuturna e incansável em meio ao sol, poeira, chuva, ventos, pragas, doenças, ervas daninhas, atravessadores, juros, bancos, burocracias governamentais, mão-de-obra, impostos, políticas econômicas desastradas, concorrentes estrangeiros, subsídios e sobretaxas de países industrializados, e outras vicissitudes da arte de sobrevivência nacional. Ressalte-se que nesse cenário da "vida cotidiana como ela é" encontram-se em jogo o emprego, a renda, o bem-estar social, a qualidade de vida, a ética, a eqüidade de oportunidades, o senso de justiça e as perspectivas de desenvolvimento, entre outras realidades da complexa dinâmica do mundo competitivo, obsecado por crescentes performances econômico-financeiras, onde tudo passa a ser acessório, secundário.
II - REDUÇÃO DE CUSTOS
Uma das grandes virtudes das plantas transgênicas resistentes a herbicidas, conforme relatos correntes, diz respeito à redução de custos para os produtores rurais. Apontam vantagens da ordem de 10% a 20% na diminuição de custos no combate a invasoras com herbicidas de pré-emergência e de pós-emergências seletivos. Citam, ainda, que, em 75% dos casos, os agricultores americanos fazem uma única aplicação do herbicida Roundup Ready nas culturas de soja. Isto permite reduzir drasticamente o custo de aquisição e manuseio de diversos herbicidas da sistemática tradicional, por envolver um único produto de fácil manipulação e horas-máquina concentradas, igualmente, em uma única operação. Essas vantagens, colocadas de forma genérica e sem maiores detalhes, seduzem técnicos e agricultores interessados na nova tecnologia, além de ser útil e oportuno para a propaganda dos méritos agronômicos da planta transgênica. Mas, trata-se de uma meia-verdade que não condiz com a realidade do agricultor nem da agricultura, especialmente no conceito de desenvolvimento agroindustrial sustentado.
A redução de custo no controle de ervas daninhas com a planta transgênica em relação à planta convencional não se resume a herbicidas e gastos com suas aplicações. Para ser efetiva e metodologicamente consistente com os gastos, a análise comparativa deve levar em conta o custo combinado "semente de soja + herbicidas" nas alternativas de cultivo tradicional e cultivo de soja RR. O emprego simultâneo dos dois insumos (semente e herbicida) constitui exigência técnica, pois a soja RR foi especialmente aprimorada ou travestida para cumprir a missão de resistência ao herbicida RR. Trata-se de caso de bens conjuntos ou complementares que são interdependentes e relacionados na sua gênese de agronegócios.
A planta geneticamente modificada vai afetar em graus significativos as vendas de herbicidas e, por conseqüência, os resultados financeiros das empresas envolvidas. Essa "perda" relativa vai ser compensada, pelo menos na fase de acomodação e consolidação de mercado, pelo incremento no valor comercial das sementes engenheiradas. Uma empresa de engenharia genética, por exemplo, dificilmente venderá um "herbicida-cúmplice" (que é distinto do usualmente existente) por um preço inferior ao atualmente praticado, nem venderá a semente com fator de resistência pelo mesmo preço da semente convencional. Os bilhões de dólares investidos na biotecnologia e na aquisição de companhias de sementes precisam apresentar retornos econômico-financeiros a uma taxa compatível com as expectativas dos acionistas. E a receita operacional deve originar-se da venda casada "semente-cúmplice" mais" herbicida-alvo", com a semente desempenhando o papel de carro-madrinha do "gran prix" transgênico.
Um raciocínio tecnicamente correto, politicamente transparente e comercialmente franco deve computar o custo da semente e o custo de controle das ervas daninhas. Tome-se, por exemplo, a semente de soja tradicional variando, conforme cultivares e ciclos, entre R$ 25,00 a R$ 35,00 para 60 kg, em média, necessária para um hectare, e um custo de controle de ervas daninhas na cultura de soja em plantio direto, nos cerrados, em torno de US$ 40/ha com herbicidas de pré-emergência e pós-emergência seletivos. E compare-se, com base em informações de assistência técnica e de empresas de insumos, com a semente de soja RR estimada entre RS$ 50,00 a RS$ 70,00 por hectare, conforme variedades e ciclos, e o custo do controle de ervas com o herbicida RR balizado, preliminarmente, em torno de US$ 20/ha, com margens de US$ 5/ha para mais ou para menos, para duas aplicações em sistema de plantio direto com produtores eficientes. O custo combinado sementes + herbicidas resulta, a grosso modo e conforme estimativas preliminares, a título de exemplo, em uma média de custos na faixa de US$ 55 a US$ 70/ha, para as duas alternativas consideradas - soja convencional e soja RR. É bom atentar para o fato de que em algumas configurações agronômicas a tecnologia transgênica pode sair significativamente mais cara que a tecnologia convencional, se considerada a semente RR superior a RS$ 60,00 a saca de 50 kg, obviamente muito acima do preço de referência estimado em torno de RS$ 45,00/saca.
Na prática, em condições de campo, a utilização do herbicida Roundup envolve uma série de condições de uso que podem influir na avaliação de custos, tais como:
a) cultivo precedente ou precursor, com ênfase para o problema da soca ou restos (perdas) de colheita, plantio direto irrigado e alternâncias culturas de verão e culturas de inverno ou safrinhas;
b) população, grau de infestação e biologia das plantas daninhas;
c) qualidade da água (pH, pureza, fontes), que pode exigir de um litro a cinco litros de Roundup por hectare em função da característica dessecante do glifosate;
d) sistema de plantio convencional ou plantio direto e renovação de pastagens degradadas (sério problema do Centro-Oeste);
e) custo total do serviço de controle de ervas (suprimento de água, trator, pulverizador, mão-de-obra etc.);
f) necessidade de considerar o ano-agrícola e não simplesmente uma única safra de soja, tendo em vista o uso de, no mínimo, dois tipos distintos de herbicidas, em conseqüência da rotação de culturas (safras de verão e safras de inverno ou sequências com irrigação) e problemas de socas da soja RR, que vão exigir, obrigatoriamente, um outro herbicida.
O argumento de que a soja RR diminuirá sensivelmente as despesas com herbicidas precisa ser ponderado no sistema de produção de uma determinada exploração (plantio convencional, plantio direto, irrigação, escala de cultura, planejamento de rotações etc.) e, principalmente, no contexto de resultados operacionais de um ano-agrícola, envolvendo toda a planilha de despesas, inclusive custos financeiros e reposição de investimentos, como em qualquer outra atividade econômica. A influência da despesa "semente + herbicida" no cômputo geral de gastos na propriedade confere uma avaliação privada das vantagens da tecnologia transgênica. Mas, para uma análise econômica dos seus efeitos na sociedade, isto não é suficiente, em face das suas implicações em termos de custo-benefício. A tecnologia de resistência endógena ou geneticamente modificada vai, lastreada em correlações e inferências de experiências históricas de inovações tecnológicas, acarretar uma mudança em todo o sistema de produção, propiciada pela praticidade do método (aplicação em qualquer estágio da planta, com grande faixa de condição climática, ganho de tempo, economia de máquinas e mão-de-obra) que, por sua vez, termina por afetar a escala operacional da exploração agrícola com novos sistemas de mecanização e práticas de fitotecnia de melhor desempenho. Em agricultura, quando se muda significativamente uma determinada tecnologia - como a dos transgênicos - muda-se, invariavelmente, todo o sistema de produção, com a readequação de processos, máquinas e equipamentos, técnicas de plantio, programação de culturas, escala de operações, modelos de gestão, necessidades de investimentos complementares e novas necessidades de mão-de-obra. E essas mudanças culminam repercutindo no nível de preços, emprego e renda, tanto da agricultura como da própria economia do país. É o que ocorreu com o soja e com as tecnologias, biológica e mecânica, que acenderam os holofotes da agricultura de exportação; com a cana-de-açúcar com o proálcool, que alterou todo o sistema de produção agrícola e agroindustrial, tornando a atividade sucro-alcoleira nacional a mais competitiva do mundo; com a introdução do pivô central e outros sistemas de irrigação, que permitem a produção agrícola ao longo do ano sem sobressaltos de abastecimento, principalmente do problemático feijão; com a tecnologia do café irrigado superadensado, que altera a organização da produção da cultura na propriedade; com a plasticultura; com a hidroponia; com a tecnologia de aplicação de defensivos agrícolas por empresas especializadas. Assim, fica evidente que uma análise parcial (ou cross-section) da redução de custos defendida pelos transgênicos não tem sustentabilidade técnica diante de uma metodologia de avaliação econômica, privada ou social, que leve em devida conta a lógica do processo de desenvolvimento nacional no contexto mundial.
III - AUMENTO DE PRODUTIVIDADE
Durante os debates e reuniões que ocorrem ultimamente com razoável freqüência em várias instituições nacionais disseminou-se a idéia de que a soja RR contribui significativamente para o aumento da produtividade das lavouras. Como as informações não são, na maioria das vezes, suficientemente esclarecedoras quanto a minúcias técnicas de eficiência e eficácia de combate a ervas daninhas e capacidade de resposta agronômica de variedades, fica a impressão geral de que a produtividade seja um atributo natural da soja RR. Isto deriva do pressuposto de que a soja RR, ao facilitar o controle das invasoras, apresenta níveis de produtividade superiores às variedades convencionais. Sabe-se, no entanto, que existem no mercado diversas maneiras de manter uma cultura livre da concorrência de pragas e que elas atendem às distintas necessidades e condições financeiras dos produtores, tais como: capina mecânica, capinas manuais, gradagem, herbicidas de pré-emergência, herbicidas de pós-emergência, filmes plásticos etc. Todos os métodos envolvem em proporções variadas, materiais, mão-de-obra, produtos acessórios, como veículos ou coadjuvantes técnicos, tempo, equipamentos e máquinas apropriadas, conhecimentos e outros itens que levam a resultados concretos em termos de custos e obtenção de culturas com alto padrão de desenvolvimento agronômico. Além disso, lavouras limpas facilitam e permitem maximizar a operacionalização das colheitadeiras, pela ausência de embuchamento, velocidade uniforme de colheita, ausência de paradas freqüentes para limpeza de componentes, eficiência na eliminação de impurezas de grãos etc.
Um determinado sistema de controle de ervas daninhas incorre em um certo montante de despesas para se lograr um dado nível de eficiência de resultados (grau de reinfestação, espécies recalcitrantes, rebrotas, falhas operacionais). Em outras palavras, o que difere um método de controle para outro é o custo envolvido e a sua praticidade em termos de escala do empreendimento agrícola. Um método (capina manual, mulching, lâmina plástica) pode ser perfeitamente adequado para pequenas áreas, mas totalmente improcedente para dimensões maiores. Mas, em termos de eficiência relativa (controle total de invasoras e resposta produtiva), uma lavoura livre de pragas com capina mecânica vai apresentar a mesma produtividade que outra conduzida com herbicidas em igualdade de condições (solo, época de plantio, adubação, densidade, controle de pragas e moléstias etc). O método de controle de invasoras não consegue, por si só, aumentar o potencial produtivo de uma planta. A quantidade de colheita obtida de uma mesma variedade em igualdade de condições não pode apresentar diferenças estatísticas significativas conforme métodos distintos de controle de ervas daninhas tecnicamente conduzidos, uma vez que o potencial genético é o mesmo.
A produtividade ou rendimento por hectare de uma planta decorre de uma conjugação de diversos fatores intrínsecos ou genéticos da própria planta em meio apropriado ao seu franco desenvolvimento. A produtividade, agronomicamente, resulta de um efeito poligênico, da interação de vários genes que, estrategicamente aprimorados e combinados em um dado germoplasma, permitem elevados índices de desempenho. De uma forma geral, uma planta altamente produtiva apresenta as seguintes características, nos cerrados:
a) resistência a estresse hídrico, tolerando níveis aceitáveis de insuficiência (ou excesso) hídrica, como veranicos de certa intensidade;
b) resposta a fotoperíodos, maximizando a capacidade fotossintética do seu ciclo vegetativo em período de intensa luminosidade, como no verão;
c) tolerância à toxidade de certos elementos minerais, como alumínio, ou a acidez crítica de certas áreas;
d) capacidade de resposta eficiente a fertilizantes ou a micronutrientes;
e) adequada arquitetura, com vistas à eficiência na captação de luz e potencial produtivo em termos de perfilhamento, ramificação, inserção de vagens etc;
f) grau de adaptabilidade às variações de amplitudes térmicas, tanto de máximas como de mínimas, e a outras características sazonais;
g) resistência a pragas e moléstias, como, por exemplo, nematóides de cisto, cancro da haste, percevejos, lagartas etc;
h) resistência a acamamentos ou tombamentos e quebras de ramos ou perfilhos;
i) outras qualidades agronômicas superiores: ciclo da planta, rapidez de desenvolvimento, capacidade regenerativa a extresse físico, uniformidade de maturação, resistência mecânica na colheita, características dos grãos etc.
Por outro lado, a planta transgênica resistente ao herbicida, no caso a soja RR, foi especialmente manipulada para dispor de resistência ao herbicida RR. Sua grande virtude ou trunfo mercadológico, nas condições e propostas técnicas apresentadas, prende-se ao gene de tolerância ao herbicida RR, que não interfere em nenhuma outra característica da planta. Não há, conforme relatos a respeito, efeitos pleiotrópicos, isto é, o gene de tolerância ao herbicida não exerce influência em outros genes responsáveis pelas características diferentes das variedades convencionais. Por isso, as características de cor, textura, teor de proteína, composição de aminoácidos e outros não são alteradas na soja RR. Em conseqüência, não é de bom alvitre divulgar que a soja RR aumenta a produtividade das culturas por controlar as ervas daninhas, porque a soja geneticamente modificada não foi aprimorada para aumentar a produtividade (que é resultado de um efeito poligênico), mas tão-somente para conferir resistência ao herbicida RR. Ressalte-se, ainda, que o gene do fator de resistência ao herbicida é introduzido em qualquer variedade ou cultivar de soja de reconhecido sucesso comercial em uma dada região, apenas agregando às características pré-existentes um atributo complementar de herbicida RR. Portanto, qualquer informação de aumento de produtividade da soja RR assemelha-se mais a uma força de expressão ou de marketing tendencioso, uma vez que a realidade dos fatos mostra que produtividade não é qualidade ou característica intrínseca da soja engenheirada.
IV - ENGENHARIA GENÉTICA COMO ÚNICA FORMA DE RESOLVER O PROBLEMA DA FOME
Um dos argumentos utilizados na defesa da importância dos transgênicos concerne à idéia de que essa tecnologia constitui a única forma de resolver o problema da fome no mundo. Estima-se que a população mundial passe dos cerca de 6 bilhões de habitantes atuais para aproximadamente 9 bilhões em 2.020, 75% dos quais vivendo em países em desenvolvimento. O solo agricultável vai progressivamente diminuindo à medida em que cresce a população e as exigências urbano-industriais - represas, estradas, núcleos urbanos, ferrovias, pólos industriais etc. - além de significativas baixas de fertilidade natural causadas pela erosão, salinização, usos inadequados, imperícias ambientais e, principalmente, disponibilidades hídricas de qualidade. O aumento da população, variável dinâmica, pressiona uma natureza finita que se encolhe diuturna e implacavelmente, tornando latente a fatalidade inexorável da teoria malthusiana. Diante do desafio da produção alimentar, o trunfo biotecnológico, notadamente através da engenharia genética, revela-se arma de inestimável valor. Muitos acreditam que só a tecnologia, como sempre tem ocorrido na história da humanidade, possa equacionar, com razoáveis níveis de confiabilidade, o dilema de suprimentos agroalimentares de um mundo faminto e, ao mesmo tempo, gerador de montanhas de resíduos de toda ordem em escala crescente. As tecnologias convencionais de melhoramento genético, controle de pragas e moléstias, de aumento da produção e produtividade, de equacionamento de problemas agronômicos de adaptabilidade a condições bióticas e abióticas, de disponibilidade de produtos ricos em elementos essenciais à vida, entre outras, não serão capazes de oferecer respostas eficazes à altura das necessidades concretas da humanidade.
No entanto, uma breve análise da história da alimentação e da agricultura mundial mostra-nos que a solução da fome do mundo não depende apenas do equacionamento da oferta satisfatória de alimentos. Em todos os países o suprimento alimentar é equacionado pelas forças de mercado, sob uma relativa supervisão do poder público - vigilância sanitária, defesa do consumidor, licenças ambientais, fiscalizações, políticas econômicas etc. - onde interagem produtores, consumidores, distribuidores, processadores, vendedores e instâncias reguladoras que a teoria econômica convencionou chamar de sistemas agroindustriais.
O fator técnico, a exemplo da tecnologia dos transgênicos, responde por apenas uma parte do complexo dilema da organização de uma produção que é função, como ensinado nos manuais de microeconomia, de terra, capital, mão-de-obra e tecnologia. E a oferta de um bem ou serviço no mercado é uma função de quantidades disponíveis em um certo período de tempo de um dado produto entre produtos similares substitutos ou a ele relacionados, de preços dos insumos e de preços dos produtos pertinentes praticados no comércio. Essa oferta precisa ser confrontada com a demanda, uma equação que contempla consumidores, renda disponível e preços, de tal forma que se encontre uma quantidade e um preço que satisfaçam compradores e vendedores interessados em um dado bem de um mercado específico em um momento preciso. Interessa, por exemplo, o mercado físico da soja tipo superior no Centro-Oeste, no dia 15 de maio de 1999, a R$ 15,00 a saca, pagamento à vista e entrega imediata. Produto, tempo, localidade, consumidor, vendedor, preço, condições de pagamento e entrega, constituem variáveis-chave de qualquer produto alimentar e resultam de fenômenos como consumo, investimento, elasticidade-renda ou elasticidade-preço, população-alvo, concorrência e políticas macroeconômicas.
O problema da fome não se resume, portanto, à produção de alimentos enquanto fluxo de um processo sócio-econômico. A fome resulta de inadequação no funcionamento geral de políticas econômicas que não conseguem equacionar, no tempo e no espaço, as questões de renda, emprego e estabilidade monetária. O mercado de produtos agroalimentares, em qualquer país do mundo, funciona segundo as regras de uma economia de livre iniciativa, onde a rentabilidade relativa das atividades orienta o processo alocativo de recursos produtivos. Por essas razões, não se produz de forma sustentável ou economicamente viável um bem ou serviço que não atenda às exigências de rentabilidade privada no contexto de outras opções factíveis nas mesmas condições pelos distintos agentes econômicos presentes em uma economia. Diante desse fato, um dos grandes problemas da agricultura mundial consiste em convencer os agricultores de que a alternativa "produtor agrícola" ainda é interessante e que pode atender às suas expectativas de renda, apesar de outras oportunidades no comércio, na indústria ou simplesmente como especulador financeiro. Não se produzem alimentos pensando em saciar a fome das pessoas, mas como atividade econômica sustentável que permita uma remuneração capaz de satisfazer às necessidades das pessoas diretamente concernentes. Na ausência de retornos compatíveis com os investimentos e recursos alocados na produção agrícola, os produtores, como agentes econômicos racionais e pragmáticos, deslocam-se para outros afazeres mais promissores no país ou no mundo. A produção de alimentos é, portanto, um problema de vontades individuais, de políticas públicas, de concertações internacionais, de existência de alternativas técnicas e econômicas viáveis, de poder aquisitivo e da dinâmica empresarial possível no País. É por isso que a fome ou a subnutrição em camadas carentes ainda não foi devidamente solucionada no mundo.
Nessas condições, a planta transgênica não vai resolver o problema da fome, nem atenuar o desnível tecnológico entre estratos de produtores. Pelo contrário, o transgênico pode agravar ainda mais a competitividade de muitos produtores, que ficarão totalmente dependentes de suprimentos de insumos técnicos (sementes e defensivos) de reduzidíssimo grupo de fornecedores em um mercado totalmente monopolizado ou cartelizado, se providências de controle ou regulamentação social não forem eficazes. Ressalte-se, ainda, que o nível de preços finais de um produto agrícola não resulta somente de um melhoramento em ganhos de produtividade da agricultura. O preço final resulta de um somatório de eventos em toda a cadeia de agronegócios, isto é, de todos os aperfeiçoamentos possíveis à montante e à juzante da agricultura. A melhoria e uma maior disponibilidade de infra-estrutura econômica, como pesquisa, assistência técnica, energia elétrica, estradas, hidrovias, ferrovias, portos, telefonia e outros, repercutem diretamente na redução de preços, com aumentos significativos na competitividade dos produtos. Uma política tributária e cambial em um contexto de estabilidade econômica pode influir significativamente nos níveis da competitividade dos produtos agrícolas de forma mais representativa que uma expressiva melhoria tecnológica tomada isoladamente. A melhoria relativa da agricultura não decorre, portanto, somente de resultados na tecnologia agronômica como dos transgênicos, mas, de toda a cadeia do agronegócio no tempo e no espaço.