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Plantas transgênicas.

Marketing e realidades

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Agenda 18/12/2003 às 00:00

VII - REFLEXÃO CRÍTICA DE UMA REALIDADE DOS TRANSGÊNICOS

Em um primeiro momento, as plantas transgênicas resplandecem o "glamour high tech" da sagacidade humana como organismos geneticamente modificados sedutoramente superiores às da natureza. Mediante técnicas apropriadas convertem-se possibilidades em realidades e projetos de pesquisas em invejáveis oportunidades de negócios. Gigantes do mundo das ciências da vida e do agronegócio, com faturamentos superiores ao PIB de muitos países, como o Monsanto, Novartis, Agrevo, Rhône-Poulenc, Cargill, DuPont, Zeneca e outros, orquestram o ritmo de desenvolvimento da engenharia genética encetando operações de megafusões e incorporações bilionárias, independentemente de posições nacionalistas, sentimentais ou ideológicas. As iniciativas perseguem focos empresariais precisos em áreas mercadológicas de alta densidade de capital e de retornos a taxas crescentes, decorrentes do domínio de tecnologias de ponta asseguradas por patentes e alianças estratégicas. Tais ações se desenrolam em um cenário de livre mercado global com políticas de investimentos multilaterais e ampla liberdade de movimentos, tanto no comércio como nas alocações financeiras, onde a expressão da vontade dos governos nacionais tem reduzida efetividade prática em conseqüência da supremacia das orientações emanadas em foruns internacionais: OMC - Organização Mundial do Comércio; FMI - Fundo Monetário Internacional; FAO/OMS - órgãos das Nações Unidas para alimentação e agricultura e Organização Mundial da Saúde; BIRD - Banco Mundial; UPOV - União para Proteção das Obtenções Vegetais; Acordos; Convenções e Tratados Internacionais de que o Brasil é signatário. Esse conjunto de marcos institucionais no concerto das relações entre países influencia, por sua vez, o arcabouço jurídico-institucional interno, a exemplo da lei de patentes, lei de cultivares e biossegurança. Em um mundo cibernético desregulamentado onde tudo se processa instantaneamente graças à teleinformática, o País é, ainda, um mero coadjuvante da grande peça econômica que se representa no palco capitalista internacional, dominado por condições concorrenciais ditadas pelas grandes potências-líderes.

A engenharia genética e a tecnologia da informação constituem armas extremamente versáteis de alto impacto no mundo dos negócios. Elas revolucionam conceitos, princípios éticos e filosóficos, referência de valores, competitividade, senso de justiça, liberdade de ação e, principalmente, chances de progresso em uma aldeia econômica homogeneizada que se mostra terrivelmente cruel com os inabilitados para a nova dinâmica internacional do século XXI. O jugo do mercado sem fronteiras conta, como no caso das plantas transgênicas, com expressivos recursos da mídia eletrônica e com a força avassaladora do marketing para granjear mais consumidores e obter crescentes resultados em seus balanços anuais. Mas muitos não compartilham dessa visão mercantilista e consumista dos valores humanos e da própria natureza por opção ao direito inalienável à vida, à livre determinação dos povos, consciência ambiental e preservação da biodiversidade para as futuras gerações.

A odisséia no campo da biotecnologia do século XXI comporta riscos e incertezas inerentes a toda atividade científica e relembra uma peripécia de rafting (canoagem) em rio encachoeirado, cheio de pedras, árvores e montanhas de uma inóspita região. As sensações de liberdade, de perigo consciente e de prazer de dominar as forças das águas revoltas retemperam o espírito irrequieto de homens arrojados permanentemente ligados a desafios. A percepção de liberdade, êxtase em participar de um esporte radical e a ânsia de explorar os limites das maravilhas do mundo são comuns em canoagem, em mergulho submarino em Fernando de Noronha, em um safári na África e, principalmente, nos inebriantes êxitos das descobertas científicas e tecnológicas. Descobrir, inventar, criar, recriar, fazer, conhecer e explicar como as coisas existem ou funcionam, perscrutando o infinitamente pequeno como a molécula de um DNA ou o infinito das galáxias, constituem traços indefectíveis da própria condição humana, mormente dos cientistas. Com a manipulação do DNA, combinando ou recombinando material genético de espécies afins e/ou de espécies diferentes, o homem é capaz de decretar, literalmente, o fim das espécies e criar organismos vivos segundo a sua necessidade e conveniência de uso particular. Uma nova revolução agrícola, de imprevisível impacto sócio-econômico e cultural nos sistemas agroalimentares globalizados, muito mais importante que a revolução verde dos anos 60, tem início efetivo com o advento de plantas transgênicas.

Do lançamento comercial de variedades e cultivares geneticamente modificadas, fruto do domínio da engenharia genética, surge, agora, um momento de reflexão, de ponderação e de avaliação crítica do emprego generalizado desse trunfo tecnológico. Questionamentos de ordem ética, religiosa, econômica, social, política, legal, sanitária e ecológica evidenciam o caráter polêmico das manipulações genéticas alterando o curso normal da natureza, mesmo considerando as melhores intenções das descobertas científicas. Artefatos nucleares de destruição de massa, armas biológicas fatais, armas químicas, bombas e mísseis a laser, GPS para guidagem de mísseis intercontinentais de longo alcance, e outros, são exemplos dos perniciosos desvios das conquistas tecnológicas. Assim, temas como o neodarwinismo, reducionismo, o que é a vida, biotecnologia para quê, a lógica da vida, brincando de Deus, franksteinização da natureza, produzir alimentos para quem, público-alvo dos produtores de plantas transgênicas, impacto no emprego rural das novas tecnologias, riscos à saúde humana e ao meio ambiente, poluição e erosão genética, redução da biodiversidade, níveis mínimos da biossegurança, cartéis e monopólios, bancos de germoplamas privados, globalização genética, o gene como moeda de valor do agronegócio, privatização e patenteamento de genes, e tantos outros, procuram contrapor argumentos em defesa de pontos de vista ou pareceres conclusivos de uma dada posição. Conhecer o universo das colocações multifacetadas sobre as plantas transgênicas, separando marketing e realidades, constitui necessidade e importância estratégica para o desenvolvimento de uma consciência crítica embasada em conhecimentos técnicos. Saber decidir e saber conviver em um mundo complexo significa também dispor de consciência crítica das idéias dominantes, contradições, esperanças, fantasias, dúvidas e realidades intrínsecas das plantas transgênicas.

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A planta transgênica não constitui panacéia para a agricultura, nem se resume a uma variável tecnológica de produção que se esgota por si só. Ela se integra sistematicamente a um conjunto de tecnologias e políticas econômicas que, se devidamente coordenadas e sistematizadas pela ação diligente do homem, têm o poder de alcançar objetivos de desenvolvimento em escala, rapidez, eficiência e abrangência democrática de uma forma nunca antes registrada na história da própria humanidade. Uma compreensão crítica e pragmática da engenharia genética do DNA recombinante vis-à-vis da realidade brasileira revela-se oportuna e necessária para um adequado posicionamento institucional na formulação de políticas públicas consentâneas com os desafios do País na economia mundial do limiar de um novo século.


VIII - CONCLUSÃO

A moda atual no agronegócio e na alimentação humana é a planta transgênica. Muito se tem propalado e abominado as virtudes e contingências, positivas ou negativas, de suas implicações na sociedade. As maravilhas fantásticas da biotecnologia, fortemente impulsionadas pelo marketing, devem ser racionalmente cotejadas com a dura realidade da economia de um país de contrastes, de assimetrias sociais gritantes, detentor da maior biodiversidade e do maior potencial agrícola do mundo. O Brasil é um grande ator na cena do agribusiness mundial e desempenha seu papel no turbilhão da globalização e da virtualização avassaladora das redes digitais. Estimular um pouco a consciência crítica das pessoas, perscrutar um olhar reflexivo sobre a dinâmica do desenvolvimento e levantar questões práticas de políticas públicas, foram os objetivos deste documento. Tem caráter, forçosamente, preliminar em função da precariedade das informações de campo disponíveis até o momento.

Muito do que se tem noticiado sobre os transgênicos deve ser relativizado à exata dimensão dos fatos como a questão da redução dos custos, aumento da produtividade, tecnologia de precisão, única forma de reduzir o problema da fome e do bonde da história. O mundo, globalmente, nunca produziu tanto alimento como atualmente, com muitos produtos registrando as menores cotações dos últimos 23 anos. Um mercado pletórico e práticas protecionistas dos países desenvolvidos levam à formulação de questões como: produzir alimentos para quê, para quem, com que níveis de remuneração e a que custos? A produção de alimentos não é um ato de caridade ou causa humanitária. A produção agrícola é essencialmente mercantilista, baseada em resultados práticos vis-à-vis de alternativas alocativas de renda e emprego. O poder aquisitivo da população estribado em uma justa distribuição da riqueza nacional respalda a afluência de um mercado que, por sua vez, determina o ritmo de progresso da agricultura. São as condições vigentes nos mercados consumidores que moldam a dinâmica da sustentabilidade econômico-financeira da produção agropecuária, sabidamente sazonal, intensiva em capital e tecnologia, subordinada aos caprichos da natureza e dependente dos humores das políticas econômicas de governos locais e das conveniências internacionais. É esse, de forma muito sintética, o contexto de ações das plantas transgênicas.

Se há um aumento significativo de produtividade e redução de custos igualmente importante, por que uma agricultura tão brilhante como a americana precisa de subsídios e mecanismos de proteção à produção agrícola e de incentivo à exportação, estimados em torno de US$ 69 bilhões (editorial Estado de São Paulo, 18 de abril de 1999)? O certo é que, mesmo com tecnologias de alto impacto como as transgênicas, a agricultura americana não consegue manter uma razoável sustentabilidade econômica sem o apoio expressivo de recursos governamentais. Para a safra 1999, somente a política de preços mínimos (loan prices) vai exigir um subsídio superior a US$ 5 bilhões, em função das baixas cotações dos produtos agrícolas. Nota-se, assim, que o livre mercado que exalta a eqüidade de oportunidades econômicas e as regras eqüânimes de práticas comerciais não passa de uma retórica, de um discurso político de países hegemônicos que insistem em pautar suas ações segundo interesses conjunturais próprios.

Mas, afinal, qual o trunfo real das plantas transgênicas de resistência aos herbicidas, considerando-se a redução de custos ao longo do ano agrícola e não somente em uma única safra? A resposta a essa questão e também ao aumento de produtividade, que é falsa, prende-se ao argumento de conveniência prática, independentemente de despesas diretas, de elevação de desembolsos financeiros imediatos. O raciocínio é o mesmo das lojas de conveniência, lojas 24 horas, delivery e outros sistemas de satisfação das necessidades dos clientes. O que importa é a praticidade, aliando comodidade e funcionalidade de um estilo de vida moderno, onde se procura a maximização de tempo e a otimização de alternativas de satisfação pessoal. Mesmo pagando mais caro, o consumidor vai exigir produtos e serviços de alta praticidade e economia de tempo. Os argumentos que corroboram essa idéia são inúmeros: comida pronta congelada, pratos dietéticos balanceados que só precisam de aquecimento, hortaliças fresch cut prontas para salada temperada, carne maturada ou temperada para churrascos, frangos e peixes com cortes especiais prontos para assar ou servir, sopas e massas de rápida preparação, e assim por diante. Até nas máquinas e equipamentos agrícolas esse fenômeno guarda o mesmo sentido e abrangência: praticidade, funcionalidade, facilidade de manutenção e manuseio, desempenho operacional, rapidez de trabalho etc. Apesar de serem expressivamente mais caros que os modelos anteriores, os agricultores vão procurar atualizar o parque de máquinas e equipamentos, como ocorreu no Agrishow 99 de Ribeirão Preto, ocasião em que colheitadeiras simples foram vendidas por cerca de R$ 190.000,00 (cerca de 13.500 sacas de soja), quando a correspondente em dezembro de 1998 era encontrada por cerca de R$ 130.000,00 (ou cerca de 10.500 sacas de soja). A significativa diferença nas relações de trocas (sacas necessárias para o equipamento) em reais deve-se à queda nas cotações internacionais e à desvalorização cambial, uma vez que o valor em dólar sofreu um reajuste de, aproximadamente, 15%. As máquinas de maior valor, que custavam em 1998 em torno de R$ 200.000,00, pularam para cerca de R$ 350.000,00. Mas, mesmo assim, esses equipamentos continuarão a ser comercializados simplesmente porque, sobretudo os modelos recentes, são mais práticos e funcionais, apresentam maior capacidade de operação, reduzem perdas na colheita etc. A praticidade e a comodidade representam tempo, dinheiro e, principalmente, custos de oportunidades nas decisões empresariais e pessoais. O investimento não é resultado, apenas, de um cálculo de viabilidade econômico-financeira restrita, de custos e benefícios da máquina em si. A decisão é fruto também de custos de oportunidades para o agricultor e para a propriedade ao longo de um determinado período. Portanto, horizonte de tempo, necessidade, oportunidade e estratégia operacional é que definem o investimento.

É por essas razões que a tecnologia da engenharia genética tende a afetar todo o sistema de produção e a escala de valores da cultura agroindustrial à semelhança do advento de herbicidas há cerca de 25-30 anos, quando essa inovação permitiu uma acentuada mecanização nas lavouras, ampliando a área de cultivo com um menor contingente de mão-de-obra. É só imaginar o trabalho, mecânico e manual, de controle de ervas nas lavouras de milho, soja, feijão ou algodão, por exemplo, quando o tamanho de uma plantação era determinado, em grande parte, pela capacidade de mantê-la livre da concorrência de pragas. A tecnologia transgênica pode favorecer o aumento da escala de produção em decorrência da criação de condições operacionais mais propícias a novas máquinas (trator/colheitadeiras) de maior desempenho, do emprego de novas variedades com arquitetura maximizadora de fotossíntese, da possibilidade de aumentar a área média de cultivo das lavouras, e da necessidade de reprogramar investimentos e instalações, entre outras mudanças adaptativas. As plantas transgênicas podem, a exemplo de outras inovações históricas, causar um sério impacto nos sistemas de produção atuais, uma vez que, invariavelmente, toda inovação tecnológica de impacto tende a alterar todo um sistema agrícola vigente. É o que ocorre quando se introduz a irrigação por pivô central, se usa a técnica do café superadensado, se usa a plasticultura ou se faz plantio direto. A mudança de padrão tecnológico significa, igualmente, mudança nos padrões gerenciais e na cultura empresarial do produtor rural. O acesso a uma nova tecnologia pode significar, também e infelizmente, o acesso a um nível de incompetência gerencial e técnica, fatal em muitos empreendimentos no agronegócio moderno.

Quando as questões relativas à biossegurança, especialmente no tocante a riscos à saúde humana e animal e ao meio ambiente, forem devidamente equacionadas e cientificamente calibradas às necessidades dos produtores e consumidores, as plantas transgênicas tenderão, portanto, a revolucionar a agricultura de forma mais contundente que a própria revolução verde dos anos 60. Mas, no longo prazo, prevalece a lei do retorno à média, isto é, um nível de equilíbrio e de ajustamento de variações biológicas e sócio-econômicas. É por isso que os monopólios não são eternos, nem mesmo a virulência altamente letal do HIV que tende a sofrer metamorfoses adaptativas em função dos mecanismos evolutivos do próprio vírus e dos avanços da ciência e medicina. Particularmente à agricultura, o retorno à média da sustentabilidade econômico-financeira da atividade produtiva dar-se-á no contexto dos padrões de desenvolvimento do País. Nele, somente os mais dinâmicos, integrados de alguma forma com a geração de valor agregado têm alguma chance de sobrevivência empresarial. O retorno à média pode ser acelerado com os mecanismos de autocontrole ou autoregulação presentes em qualquer atividade econômica em uma dada sociedade, através de políticas distributivas de renda, combate ou restrição ao abuso de poder econômico, grau de conscientização e exercício de cidadania, existência de leis e instituições públicas eficazes, nível educacional e cultural do povo, vontade e determinação política, abrangência efetiva de justiça e igualdade de oportunidades econômicas. Em suma, liberdade competitiva e responsabilidade social em um ambiente jurídico-institucional consentâneo com a democracia e a livre determinação dos povos.

Por último, a engenharia genética que permite a obtenção de plantas transgênicas não constitui a panacéia da agricultura e da alimentação mundial. Sozinha, sua capacidade resolutiva de desafios é limitada. Mas o processo de congregar cientistas de várias áreas profissionais relacionadas com a ciência da vida e com a informática e com o imprescindível desenvolvimento de aparelhos e instrumentos de alta precisão tem muito a contribuir para o progresso e bem-estar do mundo. Modelos computacionais complexos e computadores ultra sofisticados precisam ser continuamente aprimorados para viabilizar o seqüenciamento de bilhões de nucleotídeos presentes em um DNA de um genoma determinado e para fazer o mapeamento genômico para conhecer o ecossistema dos genes, identificando interrelações, funções e demais atributos genéticos. Uma auto-estrada de conhecimento e de possibilidades práticas descortina-se à frente das pessoas e da sociedade. Mas é só o princípio de um mega investimento. Desenvolvê-lo significa determinação, ousadia, objetividade, bom senso, ética e um misto de aventura meticulosamente calculada, onde riscos e incertezas possam ser minimizados. O progresso da nave da engenharia genética será tripulado, então, pela criatividade, sagacidade e capacidade de gerenciar conhecimentos complexos de ciências da vida, tendo como auxiliares diretos instrumentos, técnicas, modelos e processos interrelacionados de pesquisa e desenvolvimento. Com um detalhe: a nave-mãe que dá retaguarda e suporte logístico à nave da engenharia genética chama-se Terra.

Sobre o autor
Alberto Nobuoki Momma

Economista e Engenheiro Agrônomo; Doutor em Desenvolvimento Agrícola

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOMMA, Alberto Nobuoki. Plantas transgênicas.: Marketing e realidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 165, 18 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4681. Acesso em: 23 dez. 2024.

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