O abandono de emprego veio a se tornar uma situação bastante delicada para os empregadores de maneira geral. A conduta é prevista no artigo 482, alínea “i”, da CLT:
“Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:
(...)
i) abandono de emprego.”
Para que o abandono de emprego esteja configurado, dois requisitos devem ser observados pelo empregador: o requisito objetivo, ou seja, a efetiva ausência do trabalhador pelo prazo igual ou superior a 30 (trinta) dias seguidos; e o requisito subjetivo, é dizer, a constatação de animus de abandonar o emprego, a efetiva intenção ou disposição do funcionário de não mais retomar ao seu posto de trabalho. O requisito objetivo pode ser mitigado, caso haja prova inequívoca da real intenção do empregado em abandonar o emprego, como, por exemplo, quando passa a trabalhar, mesmo antes de completado os 30 dias, em outro local no mesmo horário da atividade anterior.
É importante que o empregador tenha extrema cautela ao efetivar o desligamento de um funcionário em virtude do abandono de emprego. Como todo motivo que enseja a justa causa, este deve ser robustamente comprovado, tarefa esta que compete ao empregador. Não se admite, em nosso atual sistema jurídico-normativo, que recaia sobre o empregado a incumbência de demonstrar a inexistência dos motivos que ensejaram a penalidade. Dessa forma, se sugere, especificamente no caso de possível abandono de emprego, que o empregador, antes de tomar conhecimento do ajuizamento de eventual ação, envie ao empregado carta com AR – aviso de recebimento, convocando-o para retomar suas atividades. Após a confirmação do recebimento da carta pelo trabalhador teria início o prefalado prazo de 30 dias. Tal procedimento traz mais segurança à empresa, fortalecendo a comprovação do animus de abandono, caso não haja nenhuma resposta do funcionário.
Com relação ao requisito subjetivo, se o empregado deixar de comparecer ao trabalho por dias consecutivos, sem qualquer justificativa, subentende-se a sua real intenção de não mais desenvolver a atividade que lhe cabia naquela empresa. Na grande maioria das vezes em que isso ocorre, o empregado realmente tem a efetiva intenção de abandonar o seu posto de trabalho, dando ensejo ao rompimento do contrato. No entanto, estamos a tratar de uma presunção juris tantum, sendo certo que, havendo prova em contrário por parte do empregado, torna-se possível demonstrar a ausência do animus de abandono.
No tocante ao requisito objetivo, que, em tese, seria de simples entendimento e aplicação, estão surgindo algumas controvérsias quanto à sua interpretação. Não há dúvida de que o empregador deve comprovar a efetiva ausência (injustificada) do empregado pelo período igual ou superior a 30 (trinta) dias consecutivos. Tal ausência é facilmente comprovada por meio do registro documental das faltas, procedimento este comum em qualquer empresa. A problemática surge quando o empregado, antes de integralizado o prazo de 30 (trinta) dias de ausência, ingressa com reclamação trabalhista em face do seu empregador e este não toma conhecimento da lide.
Diante dessa situação, surge uma indagação importante: completado os 30 (trinta) dias de ausência do empregado, sem que o empregador tenha tomado conhecimento da demanda (reclamação trabalhista) já ajuizada, será legítimo o desligamento por justo motivo (abandono de emprego)? Entendemos que sim. Ora, ainda que supostamente o empregado tenha demandado a empresa pleiteando a rescisão indireta do contrato de trabalho, ou mesmo sob outro argumento, é certo que ambos os requisitos para a configuração do abandono de emprego restaram configurados: efetiva ausência injustificada por período igual ou superior a 30 (trinta) dias e animus de abandono. Tudo isso, obviamente, levando-se em conta o desconhecimento da demanda por parte do empregador. Existe manifestação jurisdicional que corrobora com tal entendimento:
“ABANDONO DE EMPREGO. AUSÊNCIA POR MAIS DE TRINTA DIAS. CHAMAMENTO AO TRABALHO COMPROVADO. DESATENDIMENTO INJUSTIFICADO PELO EMPREGADO. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. O envio comprovado de telegramas ao reclamante, convocando-o para o trabalho, antes da ciência do ajuizamento da ação, após 42 faltas consecutivas, faz prova do animus abandonandi (elemento subjetivo). Com efeito, a ausência prolongada, que veio a completar mais de trinta dias (elemento objetivo), e o desatendimento injustificado do empregado ao reiterado chamamento para reassumir suas obrigações e retornar ao posto de trabalho, configuram abandono de emprego autorizador da dispensa por justa causa, a teor do art. 482, i, da CLT, o que torna inexigíveis as verbas rescisórias e a reintegração postuladas. Sentença mantida.” (TRT2 - Acórdão nº 20120544541 – Processo nº 02166006320095020084 – Relator: Ricardo Artur Costa e Trigueiros - Data de Publicação: 25/05/2012)
No entanto, tem-se observado decisões indo de encontro a tal entendimento, trazendo uma proteção ainda mais exacerbada ao empregado sobre aquela já normalmente verificada na Justiça do Trabalho. Em tais situações, o julgador, ao verificar que o ajuizamento da ação ocorreu antes do interregno de 30 (trinta) dias configuradores do abandono, entende que não foi atendido o requisito objetivo, ainda que a empresa só tenha tomado ciência da ação após o citado prazo de 30 dias. Equivocado e perigoso, no meu sentir, tal modo de pensar. O fato de o trabalhador ingressar com a demanda dentro do prazo de 30 (trinta) dias, sem que haja comunicação formal ou recebimento da notificação judicial pela empresa, não altera a realidade do empregador, que permanece observando a ausência injustificada do empregado. Além disso, muitas vezes são reiterados os expedientes de convocação para que o mesmo retome as atividades, quando na verdade já há uma ação judicial em curso.
Tal entendimento traz uma enorme insegurança jurídica ao empregador. Sabe-se que, após o ajuizamento de uma demanda, muitas vezes, se leva mais de 30 (trinta) dias para que o empregador receba a notificação inicial relativa ao processo. Ou seja, desconhecendo a existência da demanda e observando os requisitos acima citados, a empresa efetiva o desligamento por justa causa, com todos os seus desdobramentos fiscais e contábeis, efetuando o pagamento das verbas rescisórias eventualmente devidas. Nos casos de abandono, muitas vezes esse pagamento é feito através de depósito na conta do empregado ou, na inexistência desta, mediante consignação em pagamento, caso não se tenha conhecimento sobre o paradeiro do funcionário ou na hipótese do mesmo recusar o recebimento dos valores que lhes eram devidos.
Muitas vezes, reverter a modalidade de desligamento após uma eventual decisão judicial impõe uma logística fiscal e contábil de grande complexidade para a empresa, que se vê obrigada a realizar alterações no CAGED, RAIS, dentre outras providências, isso tudo sem falar no custo financeiro suportado pela firma.
Não se está aqui a defender, desarrazoadamente, a visão do empregador. O empregado, como parte mais vulnerável da relação, merece, certamente, uma atenção especial, mas sempre dentro do limite da legalidade e da razoabilidade. No entanto, ao não se reconhecer o requisito objetivo em virtude do ajuizamento antes de completado os 30 (trinta) dias de ausência do funcionário, está-se a permitir a possibilidade de um empregado efetivamente abandonar o seu emprego, ingressar com uma ação pleiteando a rescisão indireta e se ver livre da justa causa! Caso o empregador consiga rebater todas as alegações, conseguir-se-á, no máximo, a conversão do desligamento em pedido de demissão. No final das contas, a justa causa seria afastada pelo simples fato de ter havido o ajuizamento da ação antes de completado o prazo ensejador do abandono, o que, no nosso sentir, não parece razoável.
Percebe-se, na verdade, que o dispositivo que trata do abandono de emprego (art. 482, “i” da CLT) carece de um maior detalhamento no sentido de prever todas as situações ora discutidas, o que certamente facilitaria a aplicação de tal procedimento, tornando-o mais prático e eficaz. É certo, ainda, que o assunto é abordado de acordo com a conveniência de cada parte, empregado e empregador, motivo este que justifica ainda mais uma melhor regulamentação. Ousamos apresentar uma interessante sugestão para a referida problemática: caso o empregado, após o suposto abandono, tenha a real intenção de ajuizar reclamação pleiteando a rescisão indireta, que seja legalmente obrigado a comunicar (por escrito) o empregador acerca do seu desejo. Dessa forma, a empresa estará ciente da realidade da situação, podendo adotar as medidas adequadas para reduzir ao máximo eventuais prejuízos. Isso sem contar a possibilidade de composição antes do ajuizamento da reclamação, evitando-se o acúmulo de mais uma demanda na já sobrecarregada Justiça do Trabalho.
É importante que os operadores da área estejam atentos aos meandros da questão, além de reivindicar perante as autoridades competentes as claras mudanças que precisam ocorrer na legislação trabalhista, não apenas com relação ao assunto ora discutido. Observa-se, ainda, infelizmente, uma exagerada proteção ao empregado, que tudo pode pedir, e de forma ilimitada, sem que haja qualquer penalidade em recorrentes casos de flagrante má-fé na alteração da realidade do contrato de trabalho, salvo raríssimas exceções. Aguardemos e lutemos por dias melhores.