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A vulnerabilidade dos direitos do operador de telemarketing no atendimento ao consumidor

Agenda 22/03/2016 às 12:32

Apresentam-se algumas das dificuldades inerentes à rotina de trabalho dos operadores/ atendentes de telemarketing, notadamente no que se refere à relação com os clientes e consumidores que utilizam-se desse tipo de serviço.

INTRODUÇÃO

Estamos vivendo hodiernamente uma crise econômica consubstanciada e, quiçá, oriunda de uma crise ética e moral sem precedentes. Isso é um fato muitíssimo perceptível e inequívoco, uma vez que, diariamente, vemos nos nossos noticiários inúmeros escândalos nas mais variadas esferas da vida humana.

 Seja na administração pública, nas relações de trabalho em âmbito privado e até nas mais triviais relações interpessoais, o germe da corrupção tem se propagado e causado sensação de impunidade, injustiça, violação de direitos, histeria, desrespeito, bem como outros males ao povo brasileiro. Como disse, outrora, Rui Barbosa:

"De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto” [1].

A célebre frase desse notável jurista, proferida e escrita há mais de um século atrás, nunca pareceu tão atual como o é hoje!

Ora, não obstante todas essas adversidades no cenário político-social do nosso Brasil, não adianta ficarmos inertes, esperando que tudo se resolva de um modo mágico ou sobrenatural. Afinal, o planeta, bem como todas as cousas – segundo a Física -, estão sujeitas a uma forma de entropia, isto é, uma capacidade natural de auto desorganização. Logo, faz-se mister, que nós – o povo brasileiro -, reivindiquemos os nossos direitos junto às autoridades competentes com a finalidade de vivermos em um país mais justo e organizado.


O PERFIL DOS ATENDENTES/ OPERADORES DE TELEMARKETING NO BRASIL

  Segundo a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações), os operadores ou atendentes de telemarketing, atendem usuários, oferecem serviços e produtos, prestam serviços técnicos especializados, realizam pesquisas, fazem serviços de cobrança e cadastramento de clientes, sempre via teleatendimento, seguindo roteiros e scripts planejados e controlados para captar, reter ou recuperar clientes [2].

Inequivocamente a classe dos atendentes de telemarketing - bem como os trabalhadores de todas as áreas, mas aqui, especificamente, trataremos deles -, precisam de uma grande atenção em face de uma reivindicação de suma importância, notadamente, pelo fato de ser nessa área, onde muitos jovens ingressam em seus primeiros empregos, buscando, destarte, uma forma digna e honrada de obter os seus recursos para percorrer a jornada da vida.

Contemporaneamente, o setor de telemarketing é o mais emergente, no que se refere ao ramo de serviços, no Brasil. Segundo dados do ano de 2014, este setor em três anos triplicou a oferta de postos de trabalho. Estes mesmo dados também mostram que já são 1,5 milhão de trabalhadores nessa área, dos quais 64% deles têm entre 18 e 29 anos [3].

 Esses dados por um lado são mui positivos, uma vez que revelam o crescimento de empregos, sobretudo, para jovens que estão buscando entrar no mercado de trabalho, mesmo em meio a uma situação de crise econômica onde, geralmente, demanda cortes de gastos por parte do setor privado.

Entretanto, é necessário reavaliar os dados quantitativos à luz de fatos qualitativos, haja vista que, muitas vezes, as contratações em massa implicam em condições de trabalho desfavoráveis para a classe trabalhadora. Neste sentido, faz-se necessário elencar algumas das maiores dificuldades inerentes a este tipo de serviço, internas e externas, as quais, não raro, se traduzem em processos judiciais na justiça do trabalho; quais sejam: 1) disponibilização de períodos exíguos para descanso, alimentação e necessidades fisiológicas durante o expediente; 2) imposição de metas de produtividade que, geralmente, são muito difíceis de serem alcançadas; 3) sujeição a trotes, tratamento hostil e degradante por parte de alguns clientes sem nenhum meio para coibição dessa prática – o qual será o foco da nossa discussão.

Vale ressaltar, que há um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados desde o ano de 2007 (PL 2673/2007) [4], o qual visa alterar a CLT, regulamentando e assegurando, alguns direitos para essa classe. Todavia, esse PL não versa sobre o motivo número 3 elencando do parágrafo anterior. Isto posto, percebemos que há uma grande lacuna no nosso ordenamento jurídico que vise tutelar esse direito, o qual via de regra é violado e perpetrado contra essa classe de trabalhadores.

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O SENSO COMUM E OS ABUSOS COMETIDOS VIA LINHA TELEFONICA

Ora, o senso comum de muitas pessoas já tratam os atendentes de telemarketing como sendo uma classe de pessoas que estão dispostas a mentir, a “enrolar os clientes” e não querer resolver as suas respectivas demandas. De fato, existem profissionais que podem agir dessa forma e, certamente, os que agem assim, merecem ser punidos de acordo com a gravidade do mau atendimento – podendo até sofrer uma demissão por justa causa, bem como sanções cíveis e até penais. Em outros casos, a empresa também pode ser punida quando permite que um funcionário viole direitos ou ultraje seus clientes/ consumidores. A guisa de exemplo, uma sentença proferida pelo juiz titular da 16ª Vara Cível de Campo Grande, Marcelo Andrade Campos Silva, condenou uma empresa de telecomunicações ao pagamento de R$ 3.000,00 por danos morais a cliente que foi ofendido verbalmente por atendente do call center da empresa (Processo nº 0803549-50.2015.8.12.0001).

Todavia, não podemos generalizar uma classe em virtude de uma atitude negativa isolada. Neste sentido, é justo que haja, também, um mecanismo para defender os profissionais que sofrem calúnias, injúrias, ofensas e outros ataques verbais por parte de clientes e consumidores que utilizam os serviços de call center. Ora, por mais insatisfeito que o consumidor ou cliente esteja, devido a algum problema ocasionado pela empresa a qual ele reclama, ainda assim, ele não terá o direito de atingir e ofender pessoalmente a honra do profissional que está do outro lado da linha ou chat. Como disse o juiz Marcelo Andrade Campos Silva na sentença supracitada:

“a inviolabilidade do direito à honra e à imagem, elevada constitucionalmente à esfera de direito fundamental, representa verdadeiro corolário da proteção da personalidade e da intimidade do indivíduo, razão pela qual lhe é assegurado amplo direito à reparação moral e patrimonial na hipótese de sua violação, como no caso” [5]

Portanto, o mesmo amparo que ocorre em benefício do cliente ofendido pessoalmente pelo atendente, deve haver em prol do atendente que é ofendido pelo consumidor, quando houver casos em que os direitos fundamentais daqueles como pessoas naturais são feridos; todavia, na práxis isso muitas vezes não acontece, porquanto há uma imposição social consuetudinária de que o cliente sempre tem razão. Destarte, tem de haver uma mudança nessa cultura, objetivando tratar trabalhadores e clientes com isonomia – e aqui eu me refiro quanto à honra e à dignidade do trabalhador e do consumidor, visto que antes de qualquer coisa eles são pessoas e, portanto, devem gozar dos direitos que lhes são inerentes -, de modo que haja efetividade na responsabilidade civil independentemente de qual lado esteja à parte ofensora, em casos de violação destes direitos da personalidade e fundamentais.


A DISCREPÂNCIA ENTRE O TRABALHADOR CELETISTA E O FUNCIONÁRIO PÚBLICO

É sabido que no Direito do Trabalho o empregado é o polo mais fraco da relação entre empregador e empregado. Consoante afirma a professora Vólia Bonfim Cassar:

 “A diretriz básica do Direito do Trabalho é a proteção do trabalhador, uma vez que o empregado não tem a mesma igualdade jurídica que o empregador, como acontece com os contratantes no Direito Civil. A finalidade do Direito do Trabalho é a de alcançar uma verdadeira igualdade substancial entre as partes e, para tanto, necessário é proteger a parte mais frágil desta relação: o empregado.” (CASSAR, 2015, p.213)

 Diante disso, vários princípios norteiam o direito laboral, visando proteger o trabalhador de eventuais condutas abusivas por parte do empregador. Cumpre destacar, aqui, alguns desses princípios, tais como: o da proteção, que se subdivide em in dubio pro operário (orienta o intérprete, ao analisar um preceito que disponha de norma trabalhista, a optar, dentre duas ou mais interpretações possíveis, àquela que seja mais favorável ao empregado), o principio da utilização da norma mais favorável ao trabalhador e o princípio da aplicação da condição mais benéfica, entre outros [6].

Todavia, diante de uma gama de medidas protetivas ao obreiro ante o seu empregador (claro que, especificamente, dentro do Direito do Trabalho), eis que surge um inevitável questionamento, qual seja: e na relação entre o trabalhador e o consumidor ou cliente, há alguma proteção específica para àquele, em face de algum eventual abuso praticado por estes? A resposta é não!

No entanto, o Código Penal brasileiro, notadamente no seu Capítulo II, que versa sobre os crimes praticados por particular contra a administração em geral, estatui no seu art. 311 que: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”. Esse desacato, segundo a doutrina, significa uma ação dolosa e ultrajante contra outrem – nesse caso, especificamente, contra pessoa investida de autoridade ou função pública (NETTO, 2013, p.84), isto é, todos os funcionários que prestam serviço para a administração pública.

Contudo, percebemos que há uma grande lacuna no nosso ordenamento jurídico, uma vez que não há legislação, neste sentido, que busque proteger, manifestamente, os trabalhadores da iniciativa privada, que sofrem situações dolosas e ultrajantes no ato de seus exercícios laborais – como por exemplo, quando um atendente de telemarketing é achincalhado, caluniado, injuriado e desonrado pelo cliente, quando este está insatisfeito com alguma conduta (certa ou equivocada) da empresa. Além do mais, o obreiro pode sofrer intensamente com transtornos psicológicos quando submetido a tais situações hostis. Sobretudo, no caso das mulheres, que, durante a gravidez, aumentam sobremaneira o seu grau de sensibilidade emocional, o que pode trazer seríssimos transtornos à gestação. Ora, o trabalhador quando está executando o seu ofício merece, naturalmente, ter um tratamento como qualquer outro cidadão em virtude do fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF 88 - Art. 1º, III).


CONCLUSÃO

Em razão de todo o exposto, verificamos que há uma grande necessidade de se tomar uma providência no que se refere à regulamentação de direitos para essa classe que cada vez mais cresce em nosso país, mas que nem sempre tem as condições devidas para trabalharem dignamente, porquanto diariamente sofrem inúmeros abusos e não dispõem de meios para coibi-los.

Para tanto, é necessário que haja educação para os consumidores no sentido de prevenir a prática das referidas ofensas e condutas, uma vez que o respeito ao próximo é fundamental nas relações interpessoais; bem como a união entre a classe trabalhadora e os sindicatos patronais e laborais, atuando em conjunto e cobrando uma atividade legiferante nesse sentido por parte do poder legislativo, com a finalidade, portanto, de buscar cada vez mais assegurar os direitos dos trabalhadores em suas respectivas funções.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Vade Mecum. São Paulo: Saraiva, 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 29 ed. Brasília: Câmara dos deputados, Coordenação de Publicações, 2015.

CASSAR, Volia Bonfim. Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: Método, 2014.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª ed. São Paulo: Editora LTr, 2015.

NETTO, José Oliveira. Dicionário Jurídico Compacto: Terminologia Jurídica e Latim Forense. 4. ed. Leme, SP: Edijur, 2013.

SHEHERAZADE, Rachel. O Brasil Tem Cura. São Paulo: Mundo Cristão, 2015.


NOTAS

[1] Trecho do discurso “Requerimento de Informações sobre o Caso do Satélite II” proferido no Senado em 2014 pelo jurista baiano Rui Barbosa, demonstrando sua grande insatisfação e o desânimo do homem honesto com a corrupção daqueles dias.

[2]Classificação Brasileira de Ocupações, disponível em: < http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/home.jsf >

[3] Fonte dos dados: Ministério do Trabalho e Emprego. Em matéria exibida pelo programa Fantástico da Rede Globo, no dia 05/10/2014, disponível em: < http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2014/10/funcionarios-do-setor-de-telemarketing-relatam-serie-de-abusos.html.>.

[4] Altera a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, para dispor sobre as condições especiais sobre a duração e condições do trabalho em teleatendimento (telemarketing). Tramitação disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=381872 >.

[5] Trecho da sentença proferida pelo Juiz Marcelo Andrade Campos Silva (Processo nº 0803549-50.2015.8.12.0001). Disponível em: < http://tj-ms.jusbrasil.com.br/noticias/232625080/cliente-ofendido-por-atendente-de-call-center-sera-indenizado >.

[6] Para um aprofundamento sobre os princípios do Direito do Trabalho, vide: DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14ª edição. Editora LTr. São Paulo. 2015. Capítulo VI.

Sobre o autor
Rafael Durand Couto

Estudante do curso de Direito da Universidade Estadual da Paraíba - UEPB, colaborador da ANAJURE (Associação Nacional de Juristas Evangélicos), amante da Teologia e Secretário Geral do Instituto Paraibano de Direito do Trabalho - IPDT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COUTO, Rafael Durand. A vulnerabilidade dos direitos do operador de telemarketing no atendimento ao consumidor. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4647, 22 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47016. Acesso em: 22 nov. 2024.

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