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Manual do Direito do Consumidor: venda condicionada ou casada

Agenda 03/03/2016 às 16:48

Pela legislação ou nas leis de papéis, o consumidor tem o direito de escolher a quantidade que quiser comprar. Contudo, a realidade é bem diferente. Aqui o leitor poderá saber qual o Direito que garante a compra de unidade.

Transcrevei, abaixo, parte do livro que estou editando. O livro é composto de perguntas e respostas.

Pergunta: Escutei que os lojistas que vendem produtos a varejo são obrigados a vendê-los em unidades. Ou seja, se há uma embalagem contendo quatro rolos de papel higiênico, o consumidor pode romper a embalagem e comprar somente um. Correto isso?

Resposta: Veremos sobre a legislação de proteção ao consumidor.

LEI DELEGADA Nº 4º, DE 26 DE SETEMBRO DE 1962.

“Art. 11 Fica sujeito à multa de 150 a 200.000 Unidades Fiscais de Referência - UFIR, vigente na data da infração, sem prejuízo das sanções penais que couberem na forma da lei, aquele que: (Redação dada pela Lei nº 8.881, de 1994)

(...)

i) subordinar a venda de um produto à compra simultânea de outro produto ou à compra de uma quantidade imposta”. (Redação dada pela Lei nº 7.784, de 1989)

Pelo art. 11, alínea i, não se pode “subordinar a venda de um produto à compra simultânea de outro produto ou à compra de uma quantidade imposta”. Vale dizer, o consumidor pode comprar a quantidade que quiser.

LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990 ou Código de Defesa do Consumidor

“Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:

a) por iniciativa direta;

b) por incentivos à criação e desenvolvimento de associações representativas;

c) pela presença do Estado no mercado de consumo;

d) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;

IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo”.

O artigo supratranscrito garante que o Estado brasileiro, por intermédio da Política Nacional das Relações de Consumo deve proteger o consumidor, que é sempre o cidadão vulnerável na relação consumerista “ I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”. O Estado brasileiro deve criar mecanismos [propagandas em rádios, jornais e televisões, e até pelos próprios partidos políticos] educativos [informação educacional] aos cidadãos consumidores de produtos e serviços “IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo”.

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e a igualdade nas contratações”.

O consumidor tem direito de livre escolha, isto é, ele pode escolher o que comprar, com quem contratar, com quem vende. É livre a sua escolha pessoal.

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

O consumidor não é obrigado a consumidor o que não quer e a quantidade que não quer. Imagine o consumidor querendo comer uma coxinha de galinha, mas o lojista só pode vender três coxinhas. O consumidor é obrigado a comer as três? E a sua saúde, pois pode passar mal. Se há a venda de uma coxinha, mas o consumidor quer comer três, mesmo sabendo que pode passar mal, o risco é do consumidor, não do lojista.

II - recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

Se o lojista tem estoque de produtos, ele não pode escondê-los. É comum, em épocas de crise de abastecimento, os lojistas esconderem suas mercadorias para venderem aos clientes habituais. Isso é crime! Todos os consumidores têm os mesmo direitos.

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

Como não há uma política séria de proteção e, principalmente, de informação aos consumidores, estes são ignorantes quanto aos seus direitos. Logo, os fornecedores de produtos e serviços acabam se prevalecendo do desconhecimento dos consumidores diante de seus próprios direitos.

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V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;

A venda condicionada ou “casada” é excessiva manifestação de vantagem do fornecedor de serviço e de produtos. O fornecedor acaba lucrando sobre a desnecessidade, real, do consumidor. A quantidade imposta ao consumidor, por exemplo, compra de quatro iogurtes, porque estão em única embalagem, configura vantagem manifestamente excessiva.

IX - recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais”. (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

Se o consumidor pode pagar, não há o porquê de o fornecedor negar a venda. No caso, o consumidor tem como pagar pelo, por exemplo, um iogurte, mas este só pode ser vendido através de embalagem que contém quatro. A recusa do fornecedor é proibida.

Constituição Federal de 1988

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

(...)

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

O poder emana do povo. Através de seus representantes, os cidadãos com capacidade eleitoral passiva — os que podem concorrer às eleições, como vereador, presidente da República, prefeito, governador de estado etc. — devem acatar a vontade da Nação. Ora, a Nação brasileira é pobre, tanto a é, que existem vários mecanismos de ajuda [direitos sociais] aos hipossuficientes, como Bolsa Família, cotas raciais etc.

A República Federativa do Brasil deve [fundamento] agir para garantir a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Ora, não é possível ter dignidade humana quando a livre iniciativa — os fornecedores de produtos e serviços — impõem o fornecimento quantitativo aos consumidores. Em se tratando de Brasil, quando os fornecedores impõem quantidades aos consumidores, que na maioria são pobres, como estes podem suprir suas necessidade sem violar a dignidade da pessoa humana? A dignidade da pessoa humana [qualquer ser humano] já se encontra violada quando vemos que, por exemplo, o salário mínimo não atende as necessidades dos tralhadores — “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”. Se o salário mínimo não é capaz de atender as necessidades vitais básicas do trabalhador e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, pior ainda ficarão os trabalhadores consumidores quanto à imposição comercial dos fornecedores de disponibilizarem produtos em sua maior fração.

Assim, a venda quantitativa, condicionada pelos fornecedores, constitui imensa afronta a legislação consumerista. São elas as práticas abusivas:

  1. Venda de bandeja de iogurte contendo dois ou mais;
  2. Rolo de papel higiênico contendo doze unidades;
  3. Cereal matinal de quase um quilograma.
  4. Etc.

Mesmo sendo o preço dos “megapacotes” mais baratos do que os pacotes contendo, por exemplo, dois produtos, ainda assim, o consumidor não pode escolher a quantidade que queira. A lógica é simples, a “promoção” induz o consumidor, de que ele está escolhendo o “mais barato”, e que estará “lucrando” com a compra do “megapacote”. Todavia, quem sabe do próprio bolso, orçamento doméstico, é o consumidor, e não o fornecedor. Diante da abissal desigualdade social no Brasil, a prática dos “megapacotes” [quantidades] se constitui exagero manifesto dos fornecedores ao imputarem produtos além das possibilidades econômicas e financeiras dos consumidores brasileiros hipossuficientes economicamente.

É fácil constatar isso. Os idosos, na maioria, compram produtos em pequenas quantidades. Uma maçã, dois tomates, um pacote de macarrão. Não por que eles moram sozinhos, mas porque as aposentadorias são insuficientes para arcar com todas as despesas. Quanto aos proletariados, a maioria trabalha na informalidade, sem CTPS [carteira de trabalho] assinada. E o que ganham, mal dá para prover as suas necessidades básicas.

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

O art. 3º representa a realidade brasileira:

Ora, como a República pode materializar, porque é seu objetivo, a justiça social se os fornecedores de produtos e serviços violam o Direito consumerista, promovem a pobreza nacional, já que ao impor quantidades aos consumidores favorecem a aquisição de seus produtos e serviços aos consumidores que possam pagar — o que representa minoria de cidadãos com bons ou ótimos poder de compra. A lógica é visível da engrenagem econômica. Quando se impõe quantidade, mesmo que o preço seja “atrativo” aos consumidores [não pobres ou miseráveis], estes possuem condições [poder] de compra. Já aos milhões de brasileiros que têm ajuda do Estado, porque são pobres ou miseráveis, e são milhões, mesmo diante das “promoções”, o poder econômico familiar não dá para adquirir a tal da “promoção” quantitativa.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

A norma contida no inciso II é clara, qualquer cidadão, indiferentemente de classe social, sexualidade, etnia, morfologia e credo só podem fazer o que a lei [decretos, resoluções etc.]não proíba. O que é proibido por lei não se pode fazer. E os fornecedores fazem justamente o errado, dominam o mercado [Cartel] é impõem aos consumidores o que eles devem comprar [quantidades além do necessário e das possibilidades econômicas das famílias brasileiras].

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

O Estado, por meio de políticas públicas, e a fiscalização da Administração Pública, deve assegurar os direitos dos consumidores e evitar, por fiscalização eficiente [EC nº 19/98] as práticas comerciais abusivas.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

Todos, União, aos Estados e o Distrito Federal, devem criar leis, concorrentemente, de forma a proteger os consumidores, e punir os fornecedores que praticam abusos.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor”.

A ordem econômica tem como pilar central da República Federativa brasileira a existência digna, por exemplo. Ora, a livre concorrência e a livre inciativa jamais podem agir contrariamente às normas de proteção aos consumidores.

Pelo que foi exposto até aqui, o consumidor pode romper a embalagem e comprar somente um rolo. Contudo, o produto foi embalado pelo fornecedor fabricante de papel higiênico. Romper a embalagem expõe os demais rolos a possíveis contaminações e deterioração do produto. Além disso, o lojista arcará com os prejuízos, já que os fabricantes se negarão a aceitar os produtos deteriorados ou estragados, isto é, inviáveis ao consumo. Nisso, os lojista serão prejudicados. E os lojistas têm a proteção do Estado. Logo cabe aos órgãos de defesa do consumidor agirem diretamente sobre os fornecedores fabricantes, de tal forma que estes não imponham limites quantitativos superiores às necessidades e condições reais dos consumidores brasileiros.

Cabe frisar, como o poder emana do povo, se faz necessário a ação popular [cidadania] junto aos órgãos de defesa do consumidor e, ambos, cobrarem do Judiciário e, principalmente, dos parlamentares, medidas eficientes de proteção aos consumidores.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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