5. Considerações acerca do princípio da insignificância nos crimes ambientais
O princípio da insignificância, quando aplicado aos crimes comuns, exclui a tipicidade24: por ser uma inexpressiva lesão aos bens jurídicos, o ato praticado passa a não ser mais considerado como crime.
Em âmbito do Direito Ambiental, encontramos na própria legislação e na jurisprudência entendimentos a favor da aplicação desse princípio. Citamos por exemplo o art. 54 da Lei dos Crimes Ambientais (Lei nº. 9.605/98), que aduz:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (Grifos nossos).
Ou seja, isso quer dizer que somente restará configurado o crime de poluição previsto no art. 54 se houver destruição considerável da flora ou quantidade relevante de animais ou, ainda, que resultar em danos à saúde humana.
Ainda que a Lei não conceitue o que seja destruição significativa da flora, entendemos ser aquela que possua gravidade considerável. Da mesma forma, o termo “mortandade” deve significar o extermínio de uma quantidade relevante de animais, suficiente para causar desequilíbrio ecológico.
Também a jurisprudência:
Tratando especificamente da proteção ambiental, é possível a aplicação do princípio da insignificância diante do assim compreendido caráter instrumental do Direito Penal, sopesando-se, ainda, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. No entanto, para que a alegada lesão possa ser considerada insignificante, não basta que a pouca valia esteja no juízo subjetivo do julgador. É preciso que fique demonstrada no caso concreto. Nessa linha, interesses em princípio colidentes (restrição de direitos fundamentais em prol da conservação da natureza) apresentam-se, ao mesmo tempo, mutuamente dependentes, não se olvidando que a proteção constitucional do meio ambiente é realizada em prol da manutenção não só das futuras gerações, mas da vida humana presente (art. 225, caput, CF/88). Sob esse enfoque, o acolhimento da referida excludente atende aos parâmetros de razoabilidade exigíveis no caso concreto, sem atentar contra o caráter preventivo ínsito à proteção ambiental
(TRF-4 – Sétima Turma. ApCrim 2006.71.00.001035-8/RS. Rel.: Desembargador Federal Tadaaqui Hirose. DJ: 20.11.2007). (Grifos nossos).
Nesse diapasão, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal já atuou no sentido da aplicabilidade do princípio da insignificância, absolvendo no caso, um pescador de Santa Catarina que havia sido condenado por crime contra o meio ambiente (o delito pelo qual foi condenado o paciente está previsto no art. 34, caput e parágrafo único, II, da Lei nº. 9.605/1998) por pescar utilizando-se de rede de pesca fora das especificações do IBAMA, sendo flagrado com 12 camarões, durante o período de defeso (STF – 2ª Turma. HC 112563/DF. Rel.: Ministro Ricardo Lewandowski. DJ: 21.08.2012).
O Douto Ministro relator do citado habeas corpus, foi voto vencido. Em seu voto, o Ministro Lewandowski entendeu que
Embora tenha sido pequena a quantidade de camarões apreendida em poder do paciente no momento em que foi detido, é notório que a pesca em período proibido e por meio da utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos, como no caso dos autos, pode levar a um prejuízo muito mais elevado ao meio ambiente, tendo em vista os graves riscos a que se expõem os ecossistemas, as espécies, além de se observar a necessidade de manutenção do equilíbrio ecológico, da preservação da biodiversidade e do uso sustentável dos recursos naturais.
Concordamos com o Ministro. Embora o valor do bem (qual seja, 12 camarões) tenha sido realmente insignificante, o objetivo da Lei dos Crimes Ambientais é o da proteção ao meio ambiente. Nosso entendimento é o da não aplicação do princípio da insignificância.
Nesse sentido já entendeu Tourinho Neto, que em sede de apelação criminal proferiu a seguinte decisão:
PENAL E PROCESSO PENAL. CRIME AMBIENTAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. DANO CAUSADO PELA IMPLANTAÇÃO DO CONDOMÍNIO E NÃO PELA CONSTRUÇÃO DE CASA EM UM DOS LOTES. CONDOMÍNIO MINI GRANJA DO TORTO.
1. Inviável, na hipótese, a aplicação do princípio da insignificância na matéria ambiental, pois a biota, conjunto de seres animais e vegetais de uma região, pode se revelar extremamente diversificada, ainda que em nível local. Em pequenas áreas podem existir espécimes só ali encontradas, de forma que determinadas condutas, inicialmente insignificantes, podem conter potencialidade suficiente para causar danos irreparáveis ao meio ambiente.
2. É irrelevante a discussão sobre a localização do Condomínio Mini Granjas do Torto, se dentro do Parque Nacional de Brasília ou limítrofe a ele, pois que o tipo penal no qual o réu foi denunciado considera crime tanto os danos causados às unidades de conservação como, também, aqueles causados em um raio de dez quilômetros dessas unidades (Lei 9.605/98, art. 40, e Decreto 99.274/91, art. 27).
3. Não restando comprovado dano ambiental decorrente da construção realizada pelo denunciado em seu lote, não se pode condená-lo em virtude dos danos causados quando da implantação do condomínio, da qual não participou.
4. Apelação não provida.
(TRF-1 – 3ª Turma. ACR 24753/DF 2004.34.00.024753-1. Rel.: Desembargador Federal Tourinho Neto. DJ: 21.03.2006). (Grifos nossos).
Como observamos, o mínimo dano ambiental é capaz de causar alteração no equilíbrio ecológico e afetar os recursos naturais. Podemos exemplificar: na natureza grande parte das espécies são poligâmicas, ou seja, um macho se acasala com duas ou mais fêmeas. Um pássaro macho de uma espécie que seja poligâmica procria com determinado número de fêmeas, fertilizando-as. A subtração desse macho causa desequilíbrio, portanto. E esse desequilíbrio tende a aumentar, pois esse macho e os possíveis filhotes iriam se alimentar de determinada quantidade de insetos, além de ajudarem na polinização de espécies vegetais; ocorreria assim um aumento no número de insetos que podem devastar lavouras, além da diminuição da polinização das espécies vegetais.
Outrossim, pesquisadores descobriram que a extinção de aves pode afetar a evolução das plantas25. Nessa pesquisa, foi constatado que a extinção de aves de grande porte como os tucanos afeta a dispersão das sementes, diminuindo o tamanho das mesmas, trazendo como consequência, o aumento da mortandade de tais sementes, mais sujeitas ao ressecamento e não germinação.
Ademais, existem espécimes, tanto animais quanto vegetais, que são encontradas apenas em determinados locais apenas em determinadas regiões – as chamadas espécies endêmicas. Então, por menor que seja a conduta, esta pode conter potencialidade suficiente para causar danos irreparáveis ao meio ambiente.
Finalmente, todas as espécies convivem em uma relação de simbiose entre elas, onde uma espécie depende da outra para sobreviver. No entanto, essa relação harmônica entre as espécies só prosseguirá se houver equilíbrio.
Citamos o Desembargador Antônio Armando dos Anjos, que uma vez já decidiu que
Sendo o meio ambiente um bem jurídico reconhecido como verdadeiro direito humano fundamental (art. 225, CF/88), em que se lhe reconhece a natureza de patrimônio de toda a humanidade, assegurando-se a esta e às futuras gerações sua existência e exploração racional, impossível acolher a tese de que eventual lesão seja insignificante aos olhos do direito penal26.
Deve, outrossim, o Direito Penal, desestimular novas condutas criminosas, dada sua finalidade preventiva.
No entanto, sem extremos.
Logicamente, nem toda lesão ao meio ambiente é dano ambiental. É explicitado pela Carta Constitucional que a proteção visa o “meio ambiente ecologicamente equilibrado”.
Assim, ao menos em tese, não pode ser considerado como dano ambiental pisar na grama, arrancar a flor de um jardim, ou cortar as folhas de uma palmeira27. Dizemos em tese, pois o conceito do que seja insignificante é, como já dissemos, subjetivo. Dessa forma, se a flor arrancada no jardim for a última de sua espécie, ou se o corte da folha de uma palmeira causar a extinção da mesma, trata-se da não aplicação da insignificância. O dano ambiental só deve ser considerado como aquele que causa desequilíbrio, e o princípio da insignificância só deve ser aplicado em situações excepcionais. Nesse sentido já foi entendido pela jurisprudência:
PENAL. CRIME AMBIENTAL. PESCA EM LOCAL PROIBIDO. ARTIGO 34, CAPUT, DA LEI 9.605/98. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO EXCEPCIONAL.
1. O princípio da insignificância em matéria ambiental, em vista dos interesses difusos envolvidos e da solidariedade intergeracional, aplica-se apenas em situações excepcionalíssimas, nas quais restarem expressamente evidenciados a ausência de ofensividade ao bem jurídico tutelado pela norma penal, o grau ínfimo da reprovabilidade da conduta e a inexpressividade da lesão ao bem jurídico. Precedentes.
2. Tratando-se de crime formal o delito do artigo 34 da Lei 9.605/98, indiferente a quantidade de pescado apreendida para sua consumação, devendo ser analisadas as demais circunstâncias fáticas para aferir a configuração da insignificância penal.
3. Agente flagrado com uma vara de pescar em lugar interditado pelo órgão competente e com um peixe cujo tamanho era permitido à pesca, sem intuito econômico. Fato que não pode caracterizar lesão ao meio ambiente
4. Caracterizada a insignificância do ato em razão do bem protegido, impõe-se a manutenção do édito absolutório.
(TRF-4 – 8ª Turma. ACR 50052196220124047202/SC 5005219-62.2012.404.7202. Rel.: Desembargador Federal Victor Luiz dos Santos Laus. DJ: 17.07.2013). (Grifos nossos).
Também:
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. CRIME AMBIENTAL. ARTIGO 34, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO II, DA LEI N.9.605/1998. PESCA COM UTILIZAÇÃO DE PETRECHO PROIBIDO (REDES). PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INAPLICABILIDADE. RECURSO PROVIDO.
1. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra sentença que rejeitou a denúncia, aplicando-se o princípio da insignificância ao crime do artigo 34, parágrafo único, inciso II, da Lei 9.605/1998.
2. No direito penal ambiental vige o princípio da prevenção ou precaução, orientado à proteção do meio ambiente, ainda que não ocorrida a lesão, a degradação ambiental, pois esta é irreparável. Assim, em regra, não é cabível a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o meio ambiente. Precedentes.
3. Apenas em hipóteses excepcionais, é cabível a aplicação do princípio da insignificância com relação ao crime do artigo 34 da Lei nº 9.065/1998. No caso dos autos, não há nenhuma excepcionalidade que justifique a aplicação de tal entendimento. Ao contrário, na hipótese dos autos, foi utilizado uma tarrafa de nylon com malhas de 70 milímetros e 2,50 metros de altura, em local proibido (proximidade de barragem) prática essa vedada pelo Ibama, que resultou inclusive na efetiva pesca de um quilo de peixes.
4. Demonstrados indícios suficientes de autoria e da materialidade delitiva, bem como inexistindo qualquer das hipóteses descritas no artigo 395 do Código de Processo Penal, há elementos suficientes para a instauração da ação penal.
5. Recurso provido.
(TRF-3 – 1ª Turma. RSE 00030256020134036106/SP. Rel.: Juiz Convocado Márcio Mesquita. DJ: 12.08.2014).
Acolher a insignificância em relação aos crimes ambientais seria colaborar com o desequilíbrio ambiental, seria não cumprir o objetivo de proteção do meio ambiente; e mais, seria não penalizar o infrator. O bem jurídico tutelado pela Lei dos Crimes Ambientais é o equilíbrio ecológico do meio ambiente, devendo ser consideradas as repercussões para as gerações presentes e também para as gerações futuras. No entanto, deve ser aplicado apenas em situações excepcionais, onde for evidente tanto a ausência de ofensividade quanto a inexpressividade da lesão ao meio ambiente. Deve-se sempre ter em mente que o equilíbrio ecológico é muito tênue e, por vezes, algumas condutas que isoladamente poderiam ser vistas como de pequena expressão, são capazes de gerar prejuízos atuais ou futuros de incomensurável resultado.
Referências
CARDOSO, Artur Renato Albeche. A degradação ambiental e seus valores econômicos. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.
CRUZ, Ana Paula Fernandes Nogueira da. A compensação ambiental diante de danos irreparáveis. In Revista de Direito Ambiental nº. 21. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, janeiro-março, 2001, pp. 279/285.
DELMANTO, Celso... [ET AL.]. Código penal comentado. 6º ed. atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
FRANCO, Alberto Silva; Stoco, Rui (coordenadores). Código penal e sua interpretação: doutrina e jurisprudência. 8º ed., revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.
Grande dicionário larousse cultural da lingual portuguesa. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1999.
MARCÃO, Renato. Crimes ambientais: a incidência do princípio da insignificância. Disponível em: [https://www.conjur.com.br/2009-nov-30/crimes-ambientais-incidencia-principio-insignificancia]. Acesso em: 08.03.2016.
PIGRETTI, Eduardo Andres. Un nuevo ámbito de responsabilidad: criterios, principios e instituciones de derecho ambiental. In La responsabilidad por daño ambiental. Buenos Aires: Centro de publicaciones jurídicas y sociales, 1986.
PORTAL DA RADIOLOGIA. O acidente de Chernobyl. Disponível em: [https://portaldaradiologia.com/?p=724]. Acesso em: 08.03.2016.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24º edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2005.
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. 4º ed. 4º tiragem. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Glossário jurídico. Disponível em: [https://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=P&id=491]. Acesso em: 08.03.2016.
_____. Revista trimestral de jurisprudência – RTJ. Volume 100. abril/1982. Disponível em: [https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoRTJ/anexo/100_1.pdf]. Acesso em: 08.03.2016.
TOZZI, Rodrigo Henrique Branquinho Barboza. As teorias do risco na responsabilidade civil ambiental. In Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico nº. 46. Porto Alegre: Editora Magister, fevereiro/março, 2013, pp. 63/78.
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Jornal UNESP. Ano XXVII, nº. 290, julho/2013.
ZABARENKO, Deborah. Estudo aponta contaminação de pingüins por pesticida DDT. Disponível em: [https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,estudo-aponta-contaminacao-de-pinguins-por-pesticida-ddt,170322]. Acesso em: 08.03.2016.