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Os últimos cem anos do instituto da incapacidade no Código Civil

Agenda 13/03/2016 às 11:21

O presente artigo tem como foco as alterações no instituto da capacidade civil e as incapacidades de fato no Código Civil de 1916 ao Código Civil de 2002, com destaque as recentes mudanças que trouxe o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

Introdução

Na sua essência, o direito busca regular a vida das pessoas usando de normas justas visando ao bom convívio social. Para tanto usa de diversos princípios para concretizar sua busca ao ponto ideal de controle e a justiça social.  

O Princípio da dignidade da pessoa humana, pilar de nossa atual Constituição Federal, acaba se tornando um bom mediador para a realização da justiça, em especial no direito privado onde o indivíduo é o foco dos direitos e deveres.

Como início desta valorização do indivíduo no Sistema Jurídico Pátrio atual, temos o Artigo primeiro do Código Civil que logo vem a estabelecer direitos e deveres a todas as pessoas, respeitando a individualidade de cada um e possibilitando sua participação na sociedade.

Contudo, buscando exatamente individualizar a pessoa e perceber suas necessidades para exercer estes direitos e assumir obrigações, já nos Artigos terceiro e quarto se estabelece limitações ao exercício destes direitos. Isto porque estas pessoas, por algum motivo, não são consideradas aptas a realizarem plenamente os atos da vida civil, da vida em sociedade, como a grande maioria de seus demais membros.

Os motivos que levam estas pessoas a ser consideradas inaptas a exercerem os atos da vida civil como os demais são os mais variados, sejam fatores médicos-psicológicos, a idade (biológicos), a dependência de substâncias psicoativas específicas, compulsão financeira patológica, enfim, situações que precisam de auxílio para exercerem plenamente seus direitos e obrigações.

O que se pretende atingir é uma maior proteção a estas pessoas que não poderiam sozinhas avaliar os atos jurídicos e a eles se obrigarem, por não conseguirem compreender a real situação, externar corretamente a sua vontade ou ter entendimento liberto de vícios para efetivamente realizar o que lhe é melhor.

Para a proteção da pessoa incapaz era determinado um tutor ou um curador, que agindo em proteção do absolutamente incapaz seria considerado seu representante ou em casos de relativamente incapazes o seu assistente.

A distinção é necessária para estabelecer a participação ou não do incapaz nas decisões que lhe comprometerão, pois o representante pratica o ato em seu nome, mas no interesse do incapaz, ou seja, não precisa de sua autorização ou participação do incapaz no ato da vida civil.

Por seu turno, o Assistente auxilia o incapaz na tomada das suas decisões, sendo o ato praticado pelo próprio incapaz juntamente com o seu assistente.

Ao longo dos anos a concepção de pessoa consideradas incapazes trazida no Código Civil de 1916 foi mitigando para hoje termos um panorama bem diferente do que há 100 anos, como veremos com as modificações realizadas no Código Civil até os dias de hoje.

1.      Evolução dos conceitos de incapacidade do Código Civil de 1916 ao de 2002.

O Código Civil de 1916, já trouxe a nosso ordenamento jurídico a figura do incapaz dividindo a incapacidade em dois níveis, os absolutamente incapazes onde a proteção deveria ser maior e os relativamente incapazes, para os quais haveria o respeito a sua aparente vontade que deveria ser ratificada por seu assistente. Com a demonstração literal e inicial do texto dos Artigos 5º e 6º da Lei 3.071/16:

Art. 5. São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I. Os menores de dezesseis anos.

II. Os loucos de todo o gênero.

III. Os surdos-mudos, que não puderem exprimir a sua vontade.

IV. Os ausentes, declarados tais por ato do juiz.

Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos (art. 147, n. 1), ou à maneira de os exercer:

I. Os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos (arts. 154 a 156).

II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.

III. Os pródigos.

IV. Os silvícolas.

Parágrafo único. Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, e que cessará à medida de sua adaptação”

Cabe alertar que as mulheres casadas deixaram de ser consideradas incapazes pela Lei nº 4.121, de 1962 que retirou o inciso 2 do Código Civil e adaptou a sequência do Artigo.

Aqui já demonstra a natureza do Instituto da Incapacidade Civil em dois níveis e visando a defesa dos direitos de quem não tinha força perante a sociedade de exigi-los pessoalmente.

Por oitenta e seis anos o Código Civil de 1916 esteve eficaz até que a Lei 10.406/02, o Código Civil brasileiro atual, revogou o antigo e passou a viger em 2003. Neste novo diploma legal, agora nos seus artigos 3º e 4º, também situou a incapacidade absoluta ou a relativa para os atos da vida civil ou a maneira de os exercer.

Com a visão diferente do Código Civil antigo, o Novo Código Civil  define que esta maior ou menor proteção se daria em face do grau de discernimento ou necessidade que a pessoa tivesse para realmente avaliar o que seria melhor para si, eis a grande modificação conceitual  entre os textos.

O objetivo para se limitar o exercício dos direitos civis tem por cerne a proteção do indivíduo dos riscos em assumir obrigações que podem lhe comprometer o bom andar de suas vidas diante da falta de compreensão da realidade que teriam estas pessoas, buscando manter sua dignidade. Por isto, estabelecer o grau de comprometimento do discernimento para adequar a lei às suas necessidades e individualidade.

Nos primeiros 13 anos de vigência do Código Civil de 2002, este manteve a lógica  que já se tinha no Ordenamento Jurídico Pátrio com o Código Civil de 1916, acrescentando algumas modificações, em especial a retirada dos surdos mudos e ausentes como incapazes, como poderá se ver pela reprodução do texto original dos Arts. 3º e 4º do Código Civil:

“Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:

I - os menores de dezesseis anos;

II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.

Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

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IV - os pródigos.

Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.”

O texto final do Código Civil de 2002, já percebera que a deficiência do surdo mudo não lhe retiraria o discernimento para realizar as suas escolhas e que a linguagem de sinais (Libras) lhe permitiam comunicar-se com as demais pessoas, o que não lhe trazia qualquer necessidade de lhes limitar a capacidade civil.

Assim, atribuiu uma nova hipótese de incapacidade absoluta que seriam os que, mesmo por causa transitória, não pudessem exprimir a vontade, que abrangeriam os surdos mudos que não conseguissem se comunicar com as demais pessoas para externar sua vontade e outras pessoas em situações especiais que não lhe permitissem expressar a vontade, p.ex.: que estivessem em coma.

Não obstante, os deficientes ou enfermos mentais e os Excepcionais permaneciam como incapazes, dependendo do seu grau de discernimento se lhe atribuiria a incapacidade absoluta ou relativa. Aliás uma adequação técnica ao que antes se tinha para a expressão “loucos de todos os gêneros” do Código Civil de 1916.

De fato, o que se tinha era o privilégio do discernimento do indivíduo para lhe estabelecer a capacidade ou seu grau de incapacidade em distinguir o que seria melhor para si.

Assim temos que algumas escolhas foram feitas pelo legislador do Código Civil de 2002, como de diminuir a idade para se atingir a Capacidade Civil plena de 21 anos do Código Civil de 1916 para 18 anos no novo Código diante da pressão social para tanto.

Por outro lado, agora por escolha técnica e modificação do padrão antes experimentado, preferiu substituir a expressão “loucos de todos os gêneros” do Código Antigo para individualizar e especificar as situações onde os excepcionais, deficientes e enfermos mentais poderiam ser considerados absolutamente incapazes, relativamente incapazes e até mesmo era aceita a capacidade plena diante do discernimento que demonstrassem. Neste caso, o objetivo já era o respeito à pessoa com deficiência e o suprimento de suas necessidades de acordo com suas limitações de entendimento da realidade.

Há ainda que se ter em mente que o Pródigo continuou sendo considerado relativamente incapaz e que se inseriram mais duas hipóteses para se ter incapacidade, sendo elas os ébrios habituais e os viciados em tóxicos.

Adotando seu viés técnico, o Código Civil de 2002 ainda retirou o Ausente das hipóteses de incapacidades, sendo este tratado em capítulo próprio, com a significativa modificação em que o curador deixa de ser o representante do ausente, como era antes, para ser tão somente o curador dos bens abandonados pelo Ausente.

2.      Código de 2002 após a vigência do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15)

Com a vigência do o Estatuto da Pessoa com Deficiência em 2 de Janeiro de 2016, os artigos 3º e 4º do Código Civil foram sensivelmente modificados e, se antes privilegiava o discernimento, doravante, este não foi o critério usado pelo Estatuto.

As hipóteses que traziam a deficiência mental, o grau de desenvolvimento intelectual ou o grau de discernimento da realidade do indivíduo deixam de ser hipóteses de incapacidade, como se mostra pela transcrição da nova redação dos Artigos 3º e 4º da Lei 10.406/02:

“Art. 3o  São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos.  

Art. 4o  São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: 

I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; 

III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade;

IV - os pródigos.”

Como pode se perceber, o Artigo 3º do Código Civil no qual se estabelece a incapacidade absoluta manteve apenas as hipóteses dos menores impúberes, que são aqueles que não têm 16 anos completos. Para estes, qualquer ato da vida civil deverá ser realizado através do seu representante legal. Juntamente com o pródigo que sempre foi considerado relativamente incapaz, o menor impúbere como absolutamente incapaz são as únicas hipóteses que permaneceram invariáveis desde o Código Civil de 1916.

A previsão que abarcava os excepcionais, a deficiência mental ou enfermidade mental deixam de compor o rol de incapazes e passam a gozar de capacidade civil plena.

A nova redação do Artigo 4º do Código Civil não retirou os viciados em tóxico ou os ébrios habituais como relativamente incapaz, portanto, qualquer pessoa que seja viciada em tóxico ou que tenha a habitualidade em estar ébrio, deverá ser considerada incapaz. Muita estranheza se tem ao se ler o Artigo por existir um desvio no padrão que pretendeu se estabelecer, pois a dependência à substância entorpecente ou inebriante diminui exatamente o discernimento e a autodeterminação da pessoa em escolher o que é melhor para si.

Outra importante modificação foi a realocação das pessoas que não pudessem exprimir a vontade para os relativamente incapazes e uma pequena adequação no texto sem modificação de significado e abrangência.

Por fim, a situação dos indígenas continua sendo regulada pela legislação especial, no caso o Estatuto de índio (Lei 6.001/06). Todavia, houve uma melhora na redação visto que no Código Civil de 1916 falava de silvícola e no Código Civil de 2002 na pessoa do índio, passando a redação a se referir em indígena.

Acertada decisão, nos termos da dimensão das palavras segundo o dicionário Aurélio (1988) visto que o silvícola é a pessoa que vive na selva; Índio, se refere a pessoa pertencente a grupo étnico que descende de aborígenes americanos; por fim, a expressão indígena é mais restrita e abarca apenas os que são originários de um país, no caso a população de índios originária no Brasil.

3.      Considerações sobre as modificações mais polêmicas

Duas modificações trazidas pelo Estatuto da Deficiência precisam de melhor debate no meio acadêmico e pelos operadores do direito, a primeira á que transferiu as pessoas que não podem exprimir sua vontade para os relativamente incapazes e a segunda com a extirpação dos excepcionais, deficientes e enfermos mentais do rol de incapazes.

3.1.   Aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade

 Clara está o conflito desta alteração aos institutos da incapacidade absoluta e relativa, por sua inadequação conceitual.

Cabe lembrar que a pessoa que não pode exprimir sua vontade não poderá participar da celebração do ato jurídico, afinal de contas ela não tem como exprimir sua vontade. Mas também é preciso estabelecer que o instituto da incapacidade relativa implica em dizer que para a perfeição na celebração do ato jurídico o incapaz deve participar do ato jurídico externando a sua vontade em conjunto com os seus assistentes.

Vejamos está defendido por GAGLIANO E PAMPLONA FILHO (2012, p. 150):

“Já o suprimento da incapacidade relativa dá-se por meio da assistência. Diferentemente dos absolutamente incapazes, o relativamente incapaz pratica o ato jurídico juntamente com o seu assistente (pais, tutor ou curador), sob pena de anulabilidade.”

Marcos Ehrhardt Jr. (2011, p. 143) também se pronuncia a respeito dos relativamente incapazes afirmando:

“Já nos relativamente incapazes, descritos no art. 4º do CC/02, sua opinião é relevante para o Direito e sem sua vontade (ou contra ela) o ato jurídico não se constitui.”

Alguns negócios jurídicos estão inviabilizados, p. ex.: o que possibilita a continuidade do exercício da atividade empresária por meio do Incapaz. Como se depreende da leitura do Art. 974, III, do Código Civil:

“Art. 974. Poderá o incapaz, por meio de representante ou devidamente assistido, continuar a empresa antes exercida por ele enquanto capaz, por seus pais ou pelo autor de herança. (...)

III – o sócio relativamente incapaz deve ser assistido e o absolutamente incapaz deve ser representado por seus representantes legais”

Embora não tenha modificado o conteúdo, o transporte da hipótese da pessoa que não tem como exprimir sua vontade para os relativamente incapazes, não os retira na essência do instituto dos absolutamente incapazes.

Nas palavras de Pablo Stolze Gangliano (2015), temos que:

Não convence tratar essas pessoas, sujeitas a uma causa temporária ou permanente impeditiva da manifestação da vontade (como aquele que esteja em estado de coma) no rol dos relativamente incapazes. Se não podem exprimir vontade alguma, a incapacidade não poderia ser considerada meramente relativa.  

Para viabilizar a eficácia do instituto, a decisão judicial que decretar o curador o terá que o denominar de representante para que este possa agir em nome do representado já que o curatelado (representado) não pode participar dos atos jurídicos, pois, por óbvio, estes não teriam como fazê-lo diante da impossibilidade que lhe acomete.

3.2.   Retirada dos excepcionais, deficientes e enfermos mentais

O segundo ponto obscuro é a capacidade civil plena atribuída aos excepcionais,  deficientes e enfermos mentais, diante da aparente possibilidade de os interditar e lhes nomear curador.

Apesar de ter retirado os deficientes mentais e intelectuais do rol de incapazes, abre a possibilidade de o Ministério Público apresentar pedido de interdição que será decidido pelo Juiz, nos termos do Artigo 1.769 do Código civil, abaixo transcrito:

“Art. 1.769.  O Ministério Público somente promoverá o processo que define os termos da curatela: 

I - nos casos de deficiência mental ou intelectual;” 

Assim dito, deixa-se claro que ainda é possível a interdição de pessoa com deficiência mental. Mas como assim, nada mudou?

Claro que mudou! Houve uma importante modificação no paradigma, o estereótipo trazido aos deficientes de sua inutilidade para sociedade com a presunção de incapacidade que carregavam nas costas, deixe-se claro que não só aos deficientes mentais.

A lei vem externar uma nova conjectura no ordenamento que traz a inversão do valor para agora, só em casos excepcionais declarará a incapacidade e de logo estabelecerá um curador com poderes adequados para suprir tão somente as incapacidades do interditando e respeitando as suas potencialidades como pessoa detentora de direitos que devem ser garantidos.

O direito tomou para si as rédeas dos destinos sociais, visando à inclusão social, buscando uma sociedade livre justa e solidária que só existe possibilitando que o ser humano tenha dignidade e possa participar livremente da sociedade que pertence e tomar as rédeas da sua vida.

Perceba-se que esta também é uma significativa mudança, afinal um pouco antes não importaria o grau de incapacidade ou a virtudes que o deficiente mental tivesse, ele seria tolhido completamente de suas vontades e ficaria refém da vontade do curador que lhe fosse nomeado para tudo que lhe ocorresse na vida, p. ex: casar, o direito a constituir nova família e ter filhos, a convivência familiar e comunitária, que normalmente eram tolhidos por seus curadores ou cuidadores.

Até mesmo os poderes que podem ser entregues ao curador são limitados aos que anteriormente eram estipulados apenas aos curadores dos pródigos, visto que agora a curatela do deficiente mental só poderá entregar poderes para que o curador opine e assista o curatelado em atos que extrapolem a administração de bens. Sim, o caso é de assistência, onde o curatelado deverá realizar o ato juntamente como curador, ou seja, o caso se adequará ao que está estabelecido na cabeça do Art. 4º do Código Civil, a incapacidade é para certos atos e a maneira de os exercer.

Aliás, para ficar mais claro, o curador só poderá opinar nas decisões do curatelado de emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração dos bens do curatelado. Como se pode ver pelo que estabelece o Art. 1.772 c/c 1.782, ambos do Código Civil, abaixo trazidos:

“Art. 1.772.  O juiz determinará, segundo as potencialidades da pessoa, os limites da curatela, circunscritos às restrições constantes do art. 1.782, e indicará curador. 

Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.”

  Ainda cabe ressaltar que até mesmo para definir a pessoa do curador o juiz deve juiz deverá avaliar a vontade e as preferências do interditando, a ausência de conflito de interesses e de influência indevida, a proporcionalidade e a adequação às circunstâncias da pessoa, o que finda com o respeito a individualidade do interditando e a projeção da cooperação para a realização dos atos futuros dele.

 Ao revés do que já existia, o Estatuto da Pessoa com deficiência cria a figura da pessoa com capacidade autolimitada, criando o instituto da Tomada de Decisão Apoiada. Neste o deficiente, qualquer que seja a sua deficiência, poderá requerer judicialmente que duas pessoas prestação de apoio nas decisões que for tomar nos negócios jurídicos que desenvolverá em um determinado espaço de tempo.

Neste caso uma pessoa com deficiência mental ou mesmo uma pessoa com deficiência visual, poderá requerer por processo Judicial, com a participação do Ministério Público e de equipe multidisciplinar, a nomeação de duas pessoas para serem seus apoiadores por algum tempo nos negócios que celebrar, ficando estes apoiadores assistindo o apoiado dentro dos limites que forem estabelecidos na sentença judicial.

Considerações finais

Como não poderia deixar de ser, o Código Civil se rendeu as modificações sociais e se adaptou as descobertas científicas ao longo dos tempos. Por ser a Lei que disciplina a vida do indivíduo perante os outros, acatou normalmente a modificação do papel da mulher na sociedade e retirou a incapacidade da mulher casada já no ano de 1962. Mas muitas foram as transformações.

Além de acompanhar a boa técnica jurídica, o direito se aprimorou a sua linguagem para algo mais estreito e correto, como na denominação do indígena que em outros momentos era chamado de índio ou silvícola. Mas também percebeu que o Ausente não deveria perder a capacidade e que o problema estava em seus bens abandonados que precisariam de uma pessoa para cuidar, assim o Ausente foi retirado das possibilidades de incapacidade para criar um capítulo próprio para destinar às repercussões da declaração de ausência.

O legislador foi corajoso, percebeu a injustiça social com os surdos-mudos e lhe retirou o estigma que muito lhes prejudicava. Deixou claro que não era o surdo-mudo que precisaria de proteção e sim as pessoas que não pudessem exprimir a própria vontade.

Abandonou o preconceito de expressões mais injuriosas do que técnica e o termo loucos de todos os gêneros ficou lá a trás na história.

O direito deixou de ser minimalista e querer condensar em apenas uma expressão uma enormidade de pessoas e substituiu a expressão (loucos de todos os gêneros) por termos mais apropriados e mais individualizados, reconhecendo o indivíduo e suas potencialidades para poder lhe dosar a incapacidade.

O Estatuto civil, privilegiando a dignidade da pessoa humana, fincou valores e bateu de frente com o conservadorismo e preconceitos da sociedade para viabilizar a inclusão social dos deficientes e os tornou plenamente capazes, sem lhes abandonar prevendo ainda algumas formas de proteção.

Enfim, assumiu seu viés de inclusão social, buscando uma sociedade livre justa e solidária que só existe possibilitando que o ser humano tenha dignidade, possa participar livremente da sociedade que pertence e tomar as rédeas da sua vida.

Direito civil, que bom que existes.

Referências

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________. Lei 13.146/15. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm. Acesso em 24/02/2016.

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Sobre o autor
Arthur da Gama França

Especialista em Direito Civil. Pós-graduado ela ESMA-PB. Professor na Faculdade Maurício de Nassau em Campina Grande. Advogado militante.

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