Ao longo dos últimos anos, os tribunais superiores vêm sofrendo reiteradas críticas em decorrência do modo excessivamente formalista com que os processos têm sido analisados. O corriqueiro e quase insuperável rol de exigências cria filtros formais abusivos e impeditivos ao conhecimento do mérito recursal.
A jurisprudência defensiva encontrou boa acolhida no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, onde o grande número de recursos acabou por criar requisitos e erigir ritualísticas sem as quais as partes não conseguem ter suas demandas sequer analisadas, editando-se uma miríade de súmulas impeditivas de recursos e de orientações formalistas cujo objetivo é, tão somente, o de inviabilizar o acesso das partes aos tribunais superiores.
O novo Código de Processo Civil vem sendo apresentado aos advogados como eficiente instrumento a coibir entraves impeditivos ao exame do mérito de processos e recursos, dando uma nova racionalidade para o sistema processual e consagrando a visão do processo como instrumento para a realização do Direito, e não como um fim em si mesmo.
Visando facilitar a compreensão da nova ordem processual, destacamos alguns dispositivos do novo CPC que foram permeados, de forma incontestável, pela diretriz fundamental da primazia do julgamento de mérito, facilitando assim, que a tão criticada jurisprudência defensiva perca parte da sua força.
PREPARO DOS RECURSOS
Uma das importantes mudanças legislativas se refere ao preparo dos recursos. O artigo 1.007 CPC, buscando o atendimento do princípio da primazia do julgamento do mérito, assevera que a pena de deserção somente ocorrerá caso o recorrente seja intimado para juntar as custas (de preparo e porte de remessa e retorno) e não o faça. Deverá haver sempre a oportunidade de comprovação do pagamento, aplicando-se, entretanto, sanção de ordem financeira àquele que não o fez: os valores deverão ser recolhidos em dobro.
Acrescente-se que o equívoco no preenchimento da guia de custas não acarretará a deserção, cabendo ao relator intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias, superando-se, portanto, a farta jurisprudência defensiva que alberga entendimento de que o erro no preenchimento da guia de recolhimento gera a deserção do recurso interposto.
CAPACIDADE PROCESSUAL
A nova legislação processual assegura às partes, na hipótese de incapacidade processual ou irregularidade da representação, a suspensão do processo com a marcação de prazo razoável para ser sanado o vício.Somente na hipótese de ser descumprida a determinação: será extinto o processo, quando a providência couber ao autor e decretada a revelia, caso ela caiba ao réu.
Na fase recursal, acaso descumprida a determinação judicial, o relator não deverá conhecer do recurso, se a providência couber ao recorrente ou desentranhará as contrarrazões do recorrido, caso a ele caiba a providência.
INSTRUÇÃO DOS AGRAVOS DE INSTRUMENTO
O novo CPC procura atacar o excessivo formalismo que rege o agravo de instrumento. A partir de marco de 2016, à falta da cópia de qualquer peça para a formação do instrumento não comprometerá a admissibilidade do recurso, já que o relator deverá assinalar prazo de cinco dias para que a parte sane o vício, evitando-se o julgamento meramente formal, sem análise do mérito recursal.
RECURSO INTERPOSTO PELO CORREIO
Com a entrada em vigor do novo CPC, passa a se considerar a data da postagem como o da interposição do recurso e não mais o seu recebimento na secretaria da vara, superando-se, assim, a súmula 216 STJ, que assim dispunha: A tempestividade de recurso interposto no Superior Tribunal de Justiça é aferida pelo registro no protocolo da secretaria e não pela data da entrega na agência do correio.
PREMATURIDADE E RATIFICAÇÃO DO RECURSO
Qualquer ato processual praticado antes de iniciado o prazo deve ser considerado tempestivo, conforme determina o artigo art. 218, § 4º CPC. Sob a vigência do Código de 1973, os tribunais superiores julgavam extemporâneos os inconformismos apresentados antes do início do prazo recursal, mas recentemente o plenário do Supremo Tribunal Federal vem alterando esse entendimento, indo ao encontro do que dispõe o novo CPC.
Outra importante novidade consiste no fim da obrigatoriedade de ratificação do recurso interposto antes do julgamento dos embargos de declaração. Os parágrafos 4ª e 5º, do art. 1.024, assinalam as duas situações que podem acontecer: se os embargos de declaração forem acolhidos de forma a modificar a decisão, o embargado terá o direito de complementar ou alterar suas razões recursais, nos limites da modificação (terá o prazo de 15 dias da publicação da decisão que julgou os embargos) e se os embargos forem rejeitados ou acolhidos sem alterar as conclusões anteriores, o recurso do embargado deverá ser processado e julgado, independentemente de ratificação, ficando superada a súmula 418 do STJ, que exigia a ratificação do recurso especial interposto antes da publicação do acórdão que julga embargos de declaração pela outra parte
FUNGIBILIDADE RECURSAL
Na vigência do Código de 1973 era muito corriqueira a conversão dos Embargos de Declaração em Agravo Interno, o que fazia com que a parte apresentasse contrarrazões ao recurso originalmente interposto e não se franqueava a oportunidade de adequação à nova situação jurídica.
O novo CPC, partindo da premissa de que o sistema processual brasileiro é extenso e complexo facultou, em seu artigo 1024, parágrafo 3º que o órgão julgador conheça dos embargos de declaração como agravo interno, caso entenda ser este o recurso cabível, mas deverá determinar a intimação prévia do recorrente para, no prazo legal de 5 (cinco) dias, complementar as razões recursais.
Acrescente-se, ainda, que poderá haver a conversão de recurso especial em extraordinário e vice-versa, sempre que o relator do recurso especial entender que este versa sobre questão constitucional, hipótese em que não deverá considerá-lo inadmissível, mas conceder prazo para que o recorrente demonstre a existência de repercussão geral, se manifestando sobre a questão constitucional. Caso o STF repute que a ofensa à Constituição tenha se dado de forma reflexa, deverá remeter o recurso ao STJ para julgamento como especial.
DESCONSIDERAÇÃO DE VÍCIO FORMAL
O artigo 1029, parágrafo 3º CPC, ao disciplinar os recursos para os tribunais superiores, dispõe acerca da desconsideração de vícios formais ou a sua correção, desde que não os repute graves, mas em todos os casos, é fundamental que tenha sido observada a tempestividade recursal.