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A liberdade religiosa no Estado laico

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Agenda 28/03/2016 às 17:15

2.ALGUNS ASPECTOS DAS PRINCIPAIS RELIGIÕES MONOTEÍSTAS

Desde as eras primitivas, o ser humano sempre adorou divindades, sempre temeu o inexplicável, invariavelmente tentou compreender a realidade do que não via, do que não percebia à luz dos olhos.

E o que há de se dizer sobre os reflexos da opção religiosa nos modelos econômicos?

Max Weber[41] elabora investigação a partir da seguinte pergunta: por que o Capitalismo desenvolveu-se fortemente na civilização ocidental, de modo marcante nos países em que o credo protestante mais se disseminou?

Em primeira instância, não há de se negar que o Brasil, mesmo com sua laicidade descrita nos textos constitucionais, é um país em que a maior parte de sua população é Cristã Católica. Sabemos que a influência do catolicismo veio junto com os portugueses no período colonial, onde a igreja iniciou a catequização dos índios e assim, em cada território criado, nascia uma paróquia e se ensinava aos negros e aos indígenas os preceitos da religião cristã católica.

Difícil sustentar a não existência de uma religião oficial quando ao abrir-se qualquer “folhinha” de calendário oficial do Brasil, nota-se e encontra-se a existência de feriados oficiais de caráter religioso, mais precisamente dizendo, feriados católicos, como por exemplo o dia da padroeira do Brasil e o dia finados.

Se existe uma separação entre o Estado e a Religião, será que seria constitucionalmente possível a existência desses feriados? E como ficam as datas santificadas das outras religiões: o ano novo judaico, o ano novo chinês, o período de jejum dos muçulmanos (Ramadã) etc.?

Tal questionamento está sendo feito pela Igreja Universal do Reino de Deus. Ou seja, são suposições de que mencionada Igreja esteja também envolta em um manto de intolerância religiosa, sendo a discussão sobre a existência dos dias santificados encarada como uma "vingança" contra a imagem da padroeira do Brasil. Esse enfoque deveria ser feito no âmbito frio e racional da Constituição, sem o apelo a lutas religiosas, perseguições, dentro outros fatores preocupantes[42].

É importante também mencionar o quanto a religiosidade é importante e inerente ao ser humano, pois, no correr da história da religião no mundo, ainda há Estados onde o pensamento religioso não é livre e o cidadão não pode professar a fé de sua escolha, diferentes daquelas indicadas e impostas por seus governantes.

Gelson Amaro de Souza sustenta que, é de se ver que a religião é algo inerente ao ser humano. Mesmo aquelas pessoas que afirmam não se preocuparem com religião alguma, de uma forma ou de outra, vez por outra, manifestam predileção por alguma religião ou simplesmente manifestam algum temor ou alguma fé[43].

Assim, o ser humano vive sobre o signo da fé. Mesmo aqueles de quem se dizem não terem fé, mesmo assim, vez por outra, manifestam este sentimento, ainda que, despercebidamente[44].

2.1 Religiões monoteístas e seu contexto histórico

Sabe-se desde os primórdios que o Judaísmo foi a primeira religião monoteísta do mundo, e com sua ramificação surge o Cristianismo (dentro dele o Catolicismo e o Protestantismo) e o Islamismo. As modalidades religiosas chegaram ao Brasil no Período Colonial por meio das grandes navegações.

Apesar de a Igreja Católica trazer grandes influências para as terras do “Novo Mundo”, a presença dos judeus também causou um certo desconforto para as populações que habitavam o território bem para aquelas que chegavam no território que hoje é o Brasil. Todos, independente de religião ou raça, chegavam para fazer parte da “comunidade brasileira” e nela se enraizar.

Antônio Ozaí da Silva afirma que, historicamente, o pêndulo entre a tolerância e a intolerância religiosa dificilmente atinge um ponto de equilíbrio. Mesmo diante da vitória do Deus único e Onipotente, as diversas religiões monoteístas passam a disputar externamente e internamente. Dessa forma, judaísmo e cristianismo tornaram-se irmãos inimigos, embora seu Deus seja o mesmo; e tanto um quanto outros sofrerão cisões que dizem respeito às várias formas de conceber o Deus e aos interesses políticos e religiosos em jogo[45].

Ainda alude que o judaísmo se fortaleceu como a religião dos oprimidos, dos escravos libertados por Moisés à diáspora. Os judeus sofreram a perseguição das autoridades religiosas e políticas do cristianismo ocidental, mas, especificamente o catolicismo. Forçados a se converterem, expulsos do oriente e das nações que os acolhiam, jogados e isolados em guetos e à margem da sociedade dominante, usados por governos e autoridades políticas e religiosas como o bodes expiatórios, até que, em plena modernidade racionalista, foram dizimados aos milhões, vítimas da máquina de guerra hitlerista, do silêncio do ocidente e da ideologia racista que representou a barbárie.

No entanto, cabe salientar, que a religião judaica também foi demasiada intolerante com seus dissidentes. Sua autoridade religiosa não viu com bons olhos a mensagem e ação daquele que se declarou o Filho de Deus, e os que passaram a seguir o Cristo foram perseguidos implacavelmente.

Ao referir-se ao assunto, o autor diz que um dos maiores algozes dos primeiros cristãos teria sido o judeu Tarso (Paulo), que, posteriormente, convertido ao cristianismo, contribuiria decisivamente para a expansão da nova religião.

O cristianismo, com a descoberta do “novo mundo”, utilizou todos os recursos para impor o seu Deus, e é nesse contexto que chega a Igreja em terras brasileiras.

Quando as primeiras embarcações lusitanas despontaram no horizonte de terras tupiniquins se anunciava uma nova etapa na história desse vasto território americano. Era o início da gestação de Estado e religião. Relação esta que, em decorrência das características socioculturais portuguesas, passava, muitas vezes de forma harmoniosa, mas também, algumas vezes de forma tensa, obrigatoriamente pela intermediação da Igreja Católica.

Dessa forma foi que a ocupação efetiva das terras portuguesas na América contou com a participação decisiva da Igreja Católica. A primeira sede administrativa da Colônia criada em 1549, a cidade de Salvador, teve entre suas primeiras edificações a Igreja Matriz e o Colégio dos Jesuítas, juntamente com a fundação da primeira diocese da América lusitana em 1551. Inicia-se, neste momento, a presença institucional do catolicismo como elemento urbano que começava a florescer no Brasil.

Nesse contexto, o Islamismo concorrerá com os monoteísmos anteriores e, a exemplo de judeus e cristãos, dividiu-se em correntes políticas e religiosas conflitantes. Sua história também está repleta de intolerâncias entre as suas próprias hostes. Todavia, em suas origens fora tolerante em relação ao judaísmo e ao cristianismo. O Profeta Maomé não se declarou o “Novo Cristo”, e nem se disse Deus, mas se assumiu como parte da linhagem dos profetas que o precedem. Sua mensagem não objetivou ir contra os outros Profetas que o antecediam, e nem tinha a intenção de converter judeus e cristãos ao Islamismo, pois, compreendeu que eles haviam recebido suas próprias revelações e estas eram tão válidas e verídicas quanto as dele.

E assim como o judaísmo e o cristianismo, não com o mesmo poder que difundiu o Catolicismo, o Islamismo também chegou ao Brasil com as grandes navegações, e há doutrinadores que afirmam que a chegada dos muçulmanos no Brasil foi bem antes da chegada dos portugueses. No entanto, esse contexto histórico não cabe dentro do trabalho aqui discutido.

Na égide da presença das religiões monoteístas, além dos judeus, cristãos e muçulmanos, não podemos esquecer dos escravos africanos que traziam em suas raízes as religiões de matrizes africanas e para esses cultos, como mencionado em momento anterior oportuno, eles tinham autorização para realizarem suas cerimônias, desde que obedecessem as normas estabelecidas por seus senhores. E podemos afirmar que, nessa seara, já estávamos diante de certa liberdade religiosa no território brasileiro, aquele que na época era conhecido como Brasil Colônia.

2.2 Ensino Religioso nas escolas públicas no Brasil

Após análise de artigos acerca do tema, faremos um aparato quanto à a questão da obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas públicas do Brasil, considerasse que a educação nas escolas tem por objeto a formação e o crescimento de cidadãos brasileiros e nela lecionar as disciplinas básicas de ensino dispostas pelo Ministério da Educação. É importante segregar educação de ensino, são dois conceitos diferentes.

Para não prolongarmos a questão conceitual dos termos e apenas ter uma noção geral da diferença de ambos, uma breve consulta ao dicionário etimológico mostra que a diferença entre os dois vocábulos latinos é sutil. O termo ensino tem origem no verbo insignare, que significa “transmitir conhecimento”; enquanto educação vem da raiz educatio, que denota o “processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança”, o que abarca uma visão mais integral do aprendizado[46].

A Constituição está se referindo ao ensino no seu sentido específico de transmissão de conhecimento, informações ou esclarecimentos úteis ou indispensáveis à educação – e não à educação religiosa propriamente dita. Atentando para os dois conceitos inseridos acima.

E cabem nesse discurso questionarmos o seguinte: Se são três as vertentes religiosas monoteístas básicas (Judaísmo, Cristianismo e Islamismo), de qual delas cuidará o ensino religioso? Ou se tratará de uma história das religiões? Exigir-se-á a crença declarada ao professor? Poderá ter nenhuma? E sobre em relação ao ensino das outras vertentes religiosas que existem no Brasil?

Em tese defendida em 2003[47], Hedio Silva Junior apresentou o objetivo de “investigar os contornos constitucionais da liberdade de crença no Brasil, na implicação existente entre liberdade de crença e a regra do ensino religioso nas escolas de ensino fundamental”, para concluir “que a norma do ensino religioso deve guardar rigorosa obediência e sintonia com os limites e termos da laicidade estatal pelo que a adoção da norma infraconstitucional que permitiu o financiamento público do ensino religioso, bem como a ingerência estatal nesta seara (Lei nº 9.475, de 1997) afigura-se irremediavelmente inconstitucional”.

Defende ainda que, em face da vedação constitucional do artigo 19, inciso I[48], da Constituição Federal, justificando que subvencionar significa auxiliar ou contribuir financeiramente, arcar com despesas, suportar quaisquer tipos de despesas de quaisquer cultos ou igrejas. E nessa instância, a disciplina de ensino religioso impõe ao Estado tão somente o dever de reservar, na grade curricular, horários para que os alunos interessados no ensino religioso estejam liberados de outras atividades, de forma que possam dirigir-se à instituição religiosa mais próxima de sua escola ou de sua casa, escolhida por eles ou pelos seus pais ou responsáveis, para que ali recebam a orientação religiosa que melhor lhes couber.

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Acrescenta ainda que, tendo em conta o caráter facultativo da matrícula, do que decorre a impossibilidade de imposição de quaisquer critérios de avaliação, de aprovação ou reprovação, a liberação dos alunos para frequentar a instituição religiosa de sua escolha exaure as obrigações estatais impostas pelo preceito constitucional em comento.

Em julho de 2010, a Procuradoria Geral da República protocolou junto ao Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade que tramita sob o nº 4.439, que objetiva a proibição de admissão de professores representantes de confissões religiosas, por se entender que ela afronta a laicidade estatal[49].

A PGR fundamenta-se nos argumentos de que pela laicidade estatal as escolas públicas não podem servir de catequeses de doutrina religiosa, devendo se manter neutras e formando cidadãos que tomem suas decisões próprias quanto a sua fé e valores.

Em posições contrárias, alega-se que o Estado Laico garante a liberdade religiosa e não sua proibição. As aulas são facultativas, portanto, cabe ao aluno o direito de decidir ou não assisti-las.

Um segundo argumento justifica que a prática do ensino baseado no agnosticismo como proposto na ADI seria contrário àquilo que o Estado constitucional determinou quando de sua proteção ao direito de crer. Ensinos contrários à fé também são banhados de fundamentalismo, e esse não é o objetivo constitucional, que entende a importância da fé na vida social de seu povo[50].

A ADI continua em tramitação no STF sem nenhuma posição de mérito ou voto até o presente. Com a aposentadoria do Ministro Aires Brito, primeiro relator, para o processo foi designado como relator substituto o Ministro Roberto Barroso, que recebeu o processo em junho de 2013.

A Revista Escola publicou uma matéria interessante sobre o ensino religioso nas escolas públicas, com conteúdo educativo e visando sanar dúvidas sobre o ensino religioso nas escolas públicas. Pois, é um assunto que ainda traz muitos questionamentos aos pais que mantém seus filhos em escolas públicas no Brasil.

Ensino Religioso e escola pública: uma relação delicada

Aulas de religião na escola pública. Pode? Sim, de acordo com a Constituição brasileira e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), desde que não sejam obrigatórias para os alunos e a instituição assegure o respeito à diversidade de credos e coíba o proselitismo, ou seja, a tentativa de impor um dogma ou converter alguém. Mas faz sentido oferecer a disciplina na rede pública? Desta vez, a resposta é não, e os motivos são três.

O primeiro tem a ver com a dificuldade de cumprir o que é determinado legalmente. A começar pelo caráter facultativo. O que fazer com os estudantes que, por algum motivo, não queiram participar das atividades? Organizar a grade para que eles tenham como opção atividades alternativas é o que se espera da escola. Porém, não é o que acontece em muitas redes. Nelas, nenhum aluno é obrigado a frequentar as aulas da disciplina, mas, se não o fizerem, têm de descobrir sozinhos como preencher o tempo ocioso. A lei não obriga a rede a oferecer uma aula alternativa, mas é contraditório permitir que as crianças fiquem na escola sem uma atividade com objetivos pedagógicos.

A questão da diversidade, outro item previsto na lei, também não é uma coisa simples de ser resolvida. Como garantir que todos os grupos religiosos - incluindo divisões internas e dissidências - sejam respeitados durante o programa em um país plural como o nosso? Dados do Censo Demográfico 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que 64,6% da população se declara católica, 22,2% evangélica, 2% espírita, 3% praticante de outras religiões e 8% sem religião.

O segundo motivo é de foro íntimo e tem a ver com as escolhas de cada um e com o respeito às opções dos outros. De que forma assegurar que o professor responsável por lecionar Ensino Religioso não incorra no erro de impor seu credo aos estudantes? Ou que aja de maneira preconceituosa caso alguém não concorde com suas opiniões? É fato que todos, educadores e alunos, têm o direito de escolher e exercer sua fé. Está na Constituição também. Não há mal algum em rezar, celebrar dias santos, frequentar igrejas (ou outros templos), ter imagens de devoção e portar objetos, como crucifixos e véus. Porém, em hipótese alguma, a escola pode ser usada como palco para militância religiosa e manifestações de intolerância. É bom lembrar que a mesma carta magna determina que o Estado brasileiro é laico e, por meio de suas instituições, deve se manter neutro em relação a temas religiosos.

Quando isso não acontece, aumentam os riscos de constrangimentos e eventos de bullying. Stela Guedes Caputo, doutora em Educação e docente da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), pesquisou por mais de duas décadas a infância e a adolescência de praticantes do candomblé. Por causa de sua fé, muitos deles foram humilhados pelos colegas e até por seus professores. Para evitar tais situações, a maioria omitia a crença na tentativa de se proteger.

O terceiro motivo para deixar o Ensino Religioso fora do currículo é a essência da escola. Cabe a ela usar os dias letivos para ensinar aos estudantes os conteúdos sobre os diversos campos do conhecimento. Há tempos, sabe-se que estamos longe de cumprir essa obrigação básica. Os resultados de avaliações como a Prova Brasil e o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, sigla em inglês) comprovam com clareza essa falta grave. Boa parte dos estudantes conclui o Ensino Fundamental sem alcançar proficiência em leitura, escrita e Matemática.

Além disso, há que se avaliar um argumento usado por quem defende o Ensino Religioso como forma de tratar de valores morais. Sem dúvida, é importante que a escola explore esse tema, mas desde que ele perpasse todo o currículo e esteja presente no discurso e nas atitudes de toda a comunidade escolar. Por isso, não faz sentido falar de moral nas aulas sobre religião e nas atividades alternativas oferecidas para quem optar por não cursar a disciplina.

Num cenário ideal, a moral trabalhada no ambiente educacional não tem a ver com a pregada pelas religiões. Educação e verdades incontestáveis não combinam. Enquanto os credos são dogmáticos e pautados na heteronomia (quer dizer, as normas são reguladas por uma autoridade ou um poder onipresente), a escola é o lugar para a conquista e o desenvolvimento da autonomia moral. Isso quer dizer que crianças e adolescentes devem aprender e ser estimulados a analisar seus atos por meio da relação de respeito com o outro, compreendendo as razões e as consequências de se comportar de uma ou outra maneira. Bons projetos de Educação moral, que abrem espaço para questionamentos e mudanças de hábito, dão conta do recado.

Mesmo sem oferecer a disciplina, muitas instituições pecam ao usar a religião no dia a dia. Segundo respostas dadas por 54.434 diretores ao questionário da Prova Brasil 2011, independentemente de oferecer a matéria, 51% das escolas cultivam o hábito de cantar músicas religiosas ou fazer orações no período letivo, no horário de entrada ou da merenda, entre outros (leia outros dados no gráfico abaixo).

Outro exemplo de como os limites são extrapolados é apresentado no estudo O Uso da Religião como Estratégia de Educação Moral em Escolas Públicas e Privadas de Presidente Prudente, de Aline Pereira Lima, mestre em Educação e docente da Faculdade Estadual de Ciências e Letras de Campo Mourão (Felicam). Na instituição pública analisada, mesmo sem a presença da matéria na grade dos anos iniciais do Ensino Fundamental, a religião estava muito mais presente do que nas duas escolas particulares visitadas, que tinham caráter confessional declarado. O discurso teológico permeava o dia a dia dos estudantes: era usado para solucionar casos de indisciplina e até de violência. A pesquisadora observou também que os professores diziam aos estudantes frases como "Deus castiga os desobedientes".

Sem contestar ou ameaçar a liberdade de credo de ninguém, espera-se que os educadores sigam buscando ensinar o que realmente interessa. Sem orações, imagens e afins[51].

Dados publicados no Questionário do Diretor na Prova Brasil do ano de 2011 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) afirmam que, 66% das escolas públicas do Brasil ministram aulas de ensino religioso, 51% tem o costume de fazer orações ou cantar músicas religiosas e 22% tem objetos, imagens, frases ou símbolos religiosos expostos nos prédios escolares[52].

Outra matéria da mesma editora, a Revista Gestão Escolar traz uma linha do tempo de como a questão do ensino religioso nas escolas públicas é tratada na Constituição e na Lei de Diretrizes e Bases.

As leis brasileiras e o ensino religioso na escola pública

Primeira fase 1500-1889

Regime jurídico de União Estado-Religião, nesse caso, a União com a igreja Católica.

1549

Trazidos pelo governador geral Tomé de Souza, chegam ao Brasil seis missionários jesuítas liderados por Manuel da Nóbrega. Em Salvador, fundam o colégio da Companhia de Jesus, a primeira de centenas de escolas públicas e gratuitas espalhadas pelo Brasil. Originalmente essas instituições seriam para os indígenas, mas eles frequentavam apenas as unidades de fazenda, onde serviam de mão de obra para os jesuítas. Os colonos reivindicaram as escolas para educar também seus filhos e se tornaram seus usuários exclusivos.

1759

Os jesuítas são expulsos de Portugal e dos territórios pelo Marquês de Pombal. O ensino público passa às mãos de outros setores da Igreja Católica.

1824

Começa a vigorar a primeira Constituição do país - "Constituição Política do Império do Brazil" - outorgada por D. Pedro I no dia 25 de março de 1824. A carta estabelece que a religião Católica Apostólica Romana continuará a ser a Religião do Império.

Segunda fase 1890-1930

Regime jurídico de Plena Separação Estado-Religiões

1890

O Decreto 119-A assinado pelo presidente Manoel Deodoro da Fonseca, proíbe a intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa e consagra a plena liberdade de cultos.

1891

Começa a vigorar a primeira Constituição republicana que define a separação entre o Estado e quaisquer religiões ou cultos e estabelece que "será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos". Também se proclama que todas as religiões são aceitas no Brasil e podem praticar sua crença e seu culto livre e abertamente.

Terceira fase 1931-2008

Regime jurídico de Separação Atenuada Estado-Religiões

1931

Decreto de Getúlio Vargas reintroduz o ensino religioso nas escolas públicas de caráter facultativo. Em resposta, foi lançada a Coligação Nacional Pró-Estado Leigo, composta por representantes de todas as religiões, além de intelectuais, como a poetisa Cecília Meireles.

1934

É promulgada uma nova Constituição, cujo artigo 153 define: "O ensino religioso será de frequência facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno manifestada pelos pais ou responsáveis e constituirá matéria dos horários nas escolas públicas primárias, secundárias, profissionais e normais".

1946

A Constituição que passa a valer em 18 de setembro diz:

"O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável".

1961

A primeira Lei de Diretrizes e Bases (LDB 4024/61) propõe em seu artigo 97: "O ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa, e será ministrado sem ônus para os poderes públicos, de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável. § 1º A formação de classe para o ensino religioso independe de número mínimo de alunos. § 2º O registro dos professores de ensino religioso será realizado perante a autoridade religiosa respectiva”.

1967

A nova Constituição Federal diz: "O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio”.

1969

A emenda constitucional número 1/1969 mantém a mesma redação da Constituição de 1967.

1971

Na segunda LDB (5692/71) consta: "Art. 7º Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programas de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de lº e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-Lei n. 369, de 12 de setembro de 1969. Parágrafo único. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais dos estabelecimentos oficiais de 1º e 2º graus".

1988

A nova Constituição diz no artigo 210, parágrafo primeiro: "O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental". O artigo 5 define: "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". No artigo 19, consta: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II - recusar fé aos documentos públicos; III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

1996

O texto da Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96), de dezembro de 1996, definia:

"O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:

I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou

II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa".

1997

Em julho, passa a vigorar uma nova redação do artigo 33 da LDB 9394/96 (a lei n.º 9.475): "O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.

§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso."

Quarta fase 2009

Regime concordatário?

2009

- Aprovação pelo Congresso Nacional do Acordo Brasil-Santa Sé, assinado pelo Executivo em novembro de 2008. O acordo cria novo dispositivo, discordante da LDB em vigor:

"Art. 11 - A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. §1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação"[53].

Em tese, acreditamos que para atingirmos a compreensão do que propriamente constitui o ensino religioso na ação educativa precisamos de clareza quanto ao objetivo do mesmo, e isso será constituído a partir dos sujeitos que se envolvem nessa matéria. Ressaltando que, as tradições religiosas, independentemente das suas origens, merece respeito e, sendo assim, devem contar com a pluralidade cultural dos diferentes costumes e modos de vida.

2.1 Símbolos religiosos expostos em Órgãos do Poder Judiciário do Brasil

Basta adentrar a qualquer órgão do Poder Judiciário para notar que a maioria deles mantém crucifixos[54] ou imagens nas entradas ou nas salas de sessões, espaços públicos, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Trata-se de uma prática antiga e disseminada, num país em que, por um lado, o catolicismo é a religião majoritária, e, por outro, não há uma tradição cultural enraizada de separação entre os espaços religiosos e jurídico – estatal. No entanto, essa prática passou a sofrer contestações nos últimos tempos, baseadas na afirmação de violação ao princípio da laicidade do Estado, consagrado no artigo 19, Inciso I, CF.

No atual cenário, o tema ganhou uma especial importância, na medida em que uma série de questões moralmente controvertidas – como o aborto de feto anencéfalo, a pesquisa em células tronco e a união entre pessoas do mesmo sexo –, têm chegado ao Judiciário brasileiro, e a Igreja católica vem se posicionando nos resultados das controvérsias judiciais[55].

Dentro deste contexto, a ONG Brasil para Todos formulou ao CNJ um requerimento, solicitando providências do órgão no sentido da proibição desta prática em todo o país[56]. Em 06 de junho de 2007 o CNJ proferiu a sua decisão, rejeitando o pleito. O voto condutor, elaborado pelo Conselheiro Oscar Argollo, baseou-se em cinco argumentos: a) o caráter tradicional e costumeiro da prática impugnada; b) a inexistência de qualquer vedação legal a ela; c) o caráter positivo da mensagem que porta o crucifixo, como “símbolo que homenageia princípios éticos e representa, especialmente, a paz”, d) a ausência de qualquer violação de direitos ou de discriminação na exibição dos crucifixos nos tribunais; e e) a autonomia administrativa dos tribunais para decidirem livremente a respeito do assunto, tendo em vista a ausência de balizas legais.

Diante do exposto, o Ministério Público alegou que o artigo 5º, inciso VII da CF traz a base do Estado laico no qual todos os cidadãos devem ser respeitados em sua crença com igualdade de tratamento e isonomia, e que o artigo XVIII da Declaração Universal dos Direitos Humanos garante o mesmo tratamento igualitário, como também o artigo 12 do Pacto de São José da Costa Rica.

Afirma a peça exordial que o Estado laico tem o dever de proteger todas as religiões, sem se partidarizar por nenhuma. Quando o Estado, na prestação de seus serviços públicos, dentro de seus prédios, também públicos, privilegia uma religião em detrimento das demais, por meio de ostentação de símbolos, imagens e sinais religiosos, pratica discriminação religiosa perante as preteridas[57].

Na opinião do Ministro Gilmar Mendes, a liberdade religiosa consiste na liberdade para professar sua fé em Deus. Por isso, não cabe arguir a liberdade religiosa para impedir a demonstração da fé de outrem ou em certos lugares, ainda que públicos. O Estado, que não professa o ateísmo, pode conviver com símbolos os quais não somente correspondem a valores que informam a sua história cultural, como remetem a bens encarecidos por parcela expressiva da sua população – por isso, também, não é dado proibir a exibição de crucifixos ou de imagens sagradas em lugares públicos[58].

Em texto intitulado O Estado laico e a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas, Fernando Capez se manifestou contrariamente à ação do Ministério Público Federal de São Paulo que propõe a retirada de símbolos religiosos de repartições públicas. Como participante da iniciativa que acabou por levar à ação do MPF-SP, gostaria de comentar em detalhe todas as suas críticas. E com base na opinião de Capez, a OAB de São Paulo manifestou-se em um artigo fazendo considerações e comentários consideráveis acerca da opinião do autor.

Capez afirma que “Laico, no entanto, não quer dizer inimigo da religião”, e concordamos enfaticamente com ele. Laico significa ser a favor do respeito pleno e idêntico a todas as religiões, sem exceção, assim como à ausência delas. A presença de símbolos religiosos em repartições públicas está ligada a uma inegável manifestação de preferência por parte do Estado, e a laicidade é a garantia de que não haja preferências para sermos todos iguais perante a lei e perante o Estado. Analogamente, não é preciso imaginar que sejam inimigos do esporte os indivíduos que desejem retirar bandeiras de times de futebol de tribunais de direito: trata-se apenas de ser amigo da neutralidade e idêntico respeito frente a todos os times[59].

Complementa Capez, “Laico, no entanto, não quer dizer inimigo da religião”, e concordamos enfaticamente com ele. Laico significa ser a favor do respeito pleno e idêntico a todas as religiões, sem exceção, assim como à ausência delas. A presença de símbolos religiosos em repartições públicas está ligada a uma inegável manifestação de preferência por parte do Estado, e a laicidade é a garantia de que não haja preferências para sermos todos iguais perante a lei e perante o Estado. Analogamente, não é preciso imaginar que sejam inimigos do esporte os indivíduos que desejem retirar bandeiras de times de futebol de tribunais de direito: trata-se apenas de ser amigo da neutralidade e idêntico respeito frente a todos os times[60].

Para ele, “Estado laico não é Estado sem fé, ateu ou que se antepõe a símbolos de convicções religiosas”, o que evidencia uma das fontes do seu equívoco. De fato, o Estado laico não é ateu, mas é um estado sem fé. A condição de não ser ateu e simultaneamente não ter fé talvez seja contraditória em um indivíduo, mas não o é quando se trata de Estados, pois eles não podem ser sujeitos da liberdade religiosa. A liberdade religiosa só pode ser exercida por indivíduos e suas associações na sociedade civil, não por Estados[61].

No artigo citado, a OAB complementa e concorda com a opinião do Procurador Fernando Capez, ao afirmar que, O Estado laico deve ser um árbitro que garante a todos a liberdade religiosa plena. E, como todo bom árbitro, ele não pode se comprometer com nenhum lado, do contrário ele perderia sua necessária isenção. O que seria do juiz de futebol que apitasse um jogo portando símbolos de qualquer time? Assim como o Estado, o árbitro não se antepõe a nenhum clube de futebol, e bem por isso ele não pode se associar a qualquer um deles. O Estado laico, da mesma maneira, não é contra símbolos religiosos, mas contra o uso de símbolos religiosos de maneira que eles comprometam a neutralidade desse Estado.

Muito se tem discutido sobre essa questão dos símbolos religiosos exibidos em entidades públicas e muito se questiona também no sentido de que, será que a exibição desses “objetos” aos olhos de todos não afronta a religião alheia e diferente daquela que é demonstrada, pois, o crucifixo é símbolo do Catolicismo. Considerando que o Judiciário é frequentado por todo e qualquer cidadão brasileiro, ali adentra o cidadão judeu, muçulmano, evangélico, ateu, dentre outros cleros existentes no Estado. Será que não há uma violação da laicidade estabelecida na Constituição Federal do Brasil?

Dentro dessa concepção, Daniel Sarmento diz que a laicidade impõe ao Estado uma postura de neutralidade diante das diversas religiões existentes na sociedade, ficando proibido tomar partido em questões de fé. Não pode favorecer nem atrapalhar, pois está vinculado às premissas da liberdade de religião e igualdade como valores constitucionais.

O autor remete ainda que, em uma sociedade pluralística como a brasileira, de variadas crenças e afiliações religiosas, a laicidade é um instrumento para possibilitar o tratamento igualitário de todos. No pluralismo religioso, o endosso pelo Estado de qualquer posicionamento religioso implica, necessariamente, desigualdade, injustificado tratamento desfavorecido em relação àqueles que não abraçam o credo privilegiado[62].

São várias as considerações em favor e contra a exposição dos crucifixos em repartições públicas, os doutrinadores e profissionais da área tem exposto suas ideias e suas justificativas em diversos sítios jurídicos, dentre eles, favorável a decisão de que os crucifixos devem permanecer, o boletim jurídico traz:

A liberdade de crença e a fixação de crucifixos em repartições públicas de acordo com o posicionamento da jurisprudência pátria

A permanência ou não de crucifixos em repartições públicas, como nos órgãos do poder judiciário é uma questão que envolve liberdade de crença e princípios da administração pública, pois ainda há divergência jurisprudencial para solucionar esse impasse como se observa em algumas decisões, embora o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) seja favorável à permanência de crucifixos em Plenários e salas do judiciário.

Para solucionar essa questão é necessário compreender que o Estado brasileiro é laico, portanto deve manter-se inteiramente separado das Igrejas e neutro diante de qualquer religião professada pelo seu povo, assim, se por um lado o Estado precisa salvaguardar a prática das diversas religiões, por outro há de atuar como entidade neutra, distante de qualquer influência religiosa.

O Estado laico, de modo geral, é aquele que protege a liberdade de crença, vale dizer, de o cidadão ter direito de seguir ou não determinada religião e que mantenha o Estado distante de uma relação de dependência religiosa que interfira na administração pública e suas decisões.

Portanto, ainda que o preâmbulo da CF disponha da locução “sob a proteção de Deus”, isso não vincula as normas jurídicas como entendeu o STF no julgamento da ADIN 2076-5 ao defender que o preâmbulo tem irrelevância jurídica e não é dotado de força normativa, razão pela qual não cria direitos e nem obrigações.

Ocorre que alguns tribunais pátrios não permitem a afixação de crucifixos nas repartições do Judiciário estadual, o que diverge da decisão do CNJ em resposta aos Pedidos de Providências 1344, 1345, 1346 e 1362 ao entender que a exposição de tal símbolo em orgãos públicos não ofende a sociedade, ao contrário, preserva a garantia de interesses individuais culturalmente solidificados e amparados na ordem constitucional e que não há no ordenamento jurídico pátrio proibições para o uso do símbolo religioso em ambientes de órgão do Poder Judiciário.

 Assim, para justificar a manutenção de crucifixos nos órgãos do judiciário, o CNJ defende que se trata de um símbolo cultural e não a adoção de uma religião pelo Estado, entretanto, alguns tribunais como o do Rio de Janeiro e o do Rio Grande do Sul entendem que o crucifixo não consiste apenas num símbolo cultural, mas que representa um símbolo religioso específico do Cristianismo e por se exigir que o Estado brasileiro seja laico ou não confessional, esse ente deve afastar a exposição de símbolos religiosos em repartições públicas como forma de garantir a sua neutralidade.

Entendemos que o cristão não concebe o crucifixo como simples símbolo cultural, pensar dessa forma seria até uma ofensa para grande parte dos adeptos do cristianismo, afinal concebe-se que o crucifixo é uma manifestação de fé e que irradia os fundamentos dessa religião, portanto é algo que transcende uma manifestação cultural.

Não obstante, o Estado brasileiro também é formado não cristãos e que não deixam de ser detentores de direitos nem desamparados do princípio da isonomia, pois como destaca o art. 3º da CRFB/88, a República Federativa do Brasil tem por objetivo assegurar o bem de todos, independentemente de raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Portanto, os ateus e aqueles que são adeptos de religiões que não adotam o crucifixo como símbolo religioso têm o direito de não sentirem-se discriminados pelo uso expressivo do símbolo de outra religião nas repartições públicas, mesmo que o crucifixo revele a manifestação de religião majoritária no Brasil.

Destaque-se que somos favoráveis à adoção de crucifixos nas repartições públicas, desde que o servidor não exponha em locais visíveis ao público, para que a manifestação de uma crença não venha a violar o direito dos demais, do contrário, poderá afrontar princípios da administração pública como os da impessoalidade, legalidade e isonomia (já analisado acima) destacados pelo Des. Cláudio Maciel do TJRS que julgou procedente o pedido de reconsideração apresentado por algumas entidades da sociedade civil postulando a retirada de crucifixos e outros símbolos religiosos expostos nos espaços públicos do Poder Judiciário (Proc. 0139-11/000348-0).

Haverá violação ao princípio da legalidade porque a administração pública só pode levar a efeito o que está previsto em lei e não há disposição normativa permitindo a presença de símbolos religiosos em repartições públicas, como os orgãos do judiciário. Já a ofensa ao princípio da impessoalidade, ocorre a partir da concepção de que o crucifixo não consiste em símbolo oficial da nação brasileira, como dispõe o art. 13, §1º da CF, esses símbolos são a bandeira, o hino, as armas e os selos nacionais.

Tal situação torna-se mais complexa quando o poder judiciário é invocado para julgar casos de união homoafetiva, aborto de anencéfalo e outros que de alguma forma envolvem valores religiosos, de modo que a presença do crucifixo pode estimular o entendimento por parte da sociedade de que o Poder Judiciário não atua com imparcialidade nos seus julgamentos.

Considerando todos esses fatores e que a própria CRFB/88 irradia fundamentos do Estado brasileiro laico, mantemos o entendimento de que os crucifixos e qualquer outro símbolo referente à uma religião específica, não devem ser afixados em locais visíveis nas repartições públicas, inclusive nos órgãos do Poder Judiciário para que seja assegurado o respeito ao direito fundamental à liberdade de crença previsto no seu art. 5º, VI[63].

Sobre a autora
Charlyane Silva de Souza

Pós Graduada em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale de São Paulo. Bacharel em Direito na Universidade Anhanguera de São Paulo. Palestrante multidisciplinar, em especial nos temas da Liberdade Religiosa, Violência Doméstica e Direito de Família.Orientação Jurídica na página Mulheres Contra Violência Doméstica no facebook. Membro da Comissão Especial de Direito e Liberdade Religiosa da OAB - SP. Membro da Comissão Especial de Criminologia e Vitimologia da OAB-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Trabalho elaborado para apresentação de Conclusão do curso de Bacharel em Direito.

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