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A liberdade religiosa no Estado laico

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Agenda 28/03/2016 às 17:15

CAPÍTULO 4 PROJETO DE LEI Nº 979 DE 2015

4.1 A Proposta

Nesse quarto e último capítulo deste trabalho, faremos a apresentação do Projeto de Lei nº 979 de 2015, criado pelo Deputado Federal Wadson Ribeiro[87], do PCdoB-MG (Partido Comunista do Brasil – Minas Gerais), na Câmara Federal dos Deputados em Brasília – Distrito Federal. Além disso, faremos as justificativas e exposições dos casos concretos que motivaram a criação do mesmo.

O Projeto de Lei nº 979 de 2015 combate a discriminação por causa das indumentárias que cada um usa e garante o respeito às vestimentas religiosas. A proposta visa punir, com base na Lei nº 7.716/1989, quem por motivo de discriminação preterir, impedir, obstar, negar ou impedir a emissão de documentos de identificação, participação em concursos públicos, ter acesso, permanência, embarcar ou desembarcar, por motivo do uso de véu, lenço, solidéu, taquia, quipá, filá, turbante, colares ou guias.

O Conselho Federal da OAB – DF, na palavra do Presidente Marcos Coelho, ao afirmar que, a Ordem apoiará o Projeto de Lei (PL) N º 979/215, que propõe a criminalização da discriminação pelo uso de vestimentas ou paramentos religiosos.

Segundo o deputado Wadson Ribeiro, no Brasil, qualquer pessoa pode exercer livremente o direito a ter ou não uma prática religiosa. Ao Estado cabe proteger a garantia desse direito, o que significa referendar a existência do pluralismo e da igualdade e da liberdade religiosas, esse é o sentido do Projeto de Lei.

CÂMARA DOS DEPUTADOS

PROJETO DE LEI Nº 979, DE 2015 (Do Sr. Wadson Ribeiro).

Criminaliza a discriminação pelo uso de vestimentas ou paramentos religiosos.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º. A Lei nº 7.716, de 05 de janeiro de 1989, que “define os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, passa a vigorar acrescida do seguinte Art. 20-A:

Art. 20 - A. Incorre nas mesmas penas previstas nesta Lei quem por motivo de discriminação:

 I - Preterir, impedir, obstar, negar ou impedir a emissão de documentos de identificação pelo uso de vestimenta ou paramento religioso tais como véu, lenço, solidéu, taquia, quipá, filá, turbante, colares ou guias, entre outros.

II - Recusar, negar ou impedir o uso de vestimenta ou paramento religioso, tais como véu, lenço, solidéu, taquia, quipá, filá, turbante, colares ou guias, entre outros, em certames públicos ou em qualquer outra situação similar.

III - Preterir, impedir, obstar, negar ou impedir o acesso, permanência, embarque ou desembarque por motivo de vestimenta ou paramento religioso, tais como véu, lenço, solidéu, taquia, quipá, filá, turbante, colares ou guias, entre outros.

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

4.2 Justificativas e fontes que ensejaram o Projeto de Lei 979 de 2015

As justificativas a seguir foram feitas e apresentadas dentro do Projeto de Lei nº 979 de 2015 e cabem sua exposição para que se possa objetivar a eficácia da aprovação desse Projeto. Além das justificativas legais, existem os casos concretos que motivaram o Deputado a criar tal projeto.

“O Brasil é o país com uma grande diversidade cultural e religiosa, atestada pela existência de várias tradições e denominações religiosas que contribuíram para a sua formação moral, ética, econômica e social.

O texto Constitucional brasileiro consagra, desde a Constituinte de 1946, por meio de emenda apresentada pelo deputado baiano do Partido Comunista do Brasil Jorge Amado, a liberdade de culto religioso. A nossa atual Constituição Federal igualmente consagra como direito fundamental a liberdade de religião, prescrevendo que o Brasil é um país laico. Segundo este texto:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

VI - É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias:

As liberdades de expressão e de culto são igualmente asseguradas pela Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. A religião e a crença de um ser humano não devem constituir barreiras a fraternais. Todos devem ser respeitados e tratados de maneira igual perante a lei, independente da orientação religiosa. Diz a Declaração da ONU, da qual o Brasil é signatário:

Artigo 18 - Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular.

No Brasil, qualquer pessoa pode exercer livremente o direito a ter ou não uma prática religiosa. Ao Estado cabe proteger a garantia desse direito, o que significa referendar a existência do pluralismo e da igualdade religiosas e proscrever a intolerância, o ataque e o vilipêndio a símbolos religiosos e a indução ilícita à conversão religiosa. Ou seja, para garantir o exercício do direito à liberdade religiosa, o Estado deve zelar indiscriminadamente pela manutenção dos ritos, cultos, tradições, patrimônios, liturgias e crenças das diferentes religiões existentes em território nacional.

Ao mesmo tempo, o Estado deve manter-se à margem dos fatos religiosos em si, não os qualificando, os julgando ou os hierarquizando, o que propiciaria direta ou indiretamente a exclusão ou benefício de umas denominações religiosas em detrimento de outras. Isto é, não compete ao Estado estabelecer diferenças ontológicas (para efeitos constitucionais) ou juízos de valores sobre as práticas religiosas regularmente constituídas, seja em instituições burocratizadas em larga escala, seja em comunidades de nível organizacional local.

Nesse sentido, se há a liberdade de culto religioso assegurado pela Carta Magna do Brasil, por que não haveria a liberdade do cidadão de professar sua crença por meio do uso de símbolos religiosos característicos de sua opção religiosa? A menos que entendamos que essa liberdade é parcial e restritiva como ocorreu na Constituição do Império (1824) que determinava que outras religiões pudessem existir no Brasil, além da católica, desde que suas práticas ficassem restritas ao espaço das casas domésticas ou edifícios sem aparência externa de templo.

As diferentes práticas religiosas, amparadas legitimamente em justificativas e conceitos teológicos, as quais não competem ao Estado questionar ou interferir, recomenda o uso de determinadas vestimentas ou paramentos - véu ou hijab (lenço islâmico usado por mulheres em sinal de modéstia submissão a Deus), taquia (pequeno chapéu usado no islamismo significando respeito), quipá (pequeno chapéu usado no judaísmo significando respeito), solidéu (pequeno barrete usado pelos eclesiásticos para cobrir a coroa da cabeça), filas (chapéu usado nas religiões afrobrasileiras), colares ou guias, entre outros - não apenas nos espaços privados dos templos e das residências domésticas, mas em espaços públicos onde o cidadão religioso desenvolve suas atividades de trabalho, estudo, lazer etc.

Essas atividades não devem ser, portanto, tolhidas por terceiros em função da recomendação do uso das vestimentas. Assim como não deve ser impedida a participação de pessoas portando sinais exteriores de pertencimento religioso em atividades públicas como vestibulares e provas de concursos públicos. Por fim, a imagem (foto) dessas pessoas presente em documentos de identidade, CNH, passaporte, entre outros, não deveria ir contra o princípio da liberdade religiosa, negando-lhes o direito de assim se deixarem fotografar e gerando no cidadão uma imagem distorcida de si mesmo, uma vez que sua imagem (foto) é parte constitutiva de sua identidade pessoal, comunitária e religiosa. Por esse motivo, é importante destacar que a vestimenta ou paramento religioso não deve ser equiparado ao “acessório de chapelaria".

No Brasil das últimas décadas, casos de intolerância religiosa vêm crescendo sendo que em muitos deles a causa tem sido o uso desses sinais externos de pertencimento religioso em espaço público. Recentemente, a imprensa noticiou dois episódios que retratam bem a situação de coibição de direitos. Na cidade do Rio de Janeiro, um estudante de doze anos foi impedido de entrar na escola municipal Francisco Campos em que estudava por usar colares (guias) de candomblé. O caso foi amplamente divulgado pela mídia. Segundo sua família, o menino já era vítima de preconceito há algum tempo, inclusive tendo sido impedido de entrar na escola pela própria diretora do estabelecimento. Após a denúncia, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, prometeu se encontrar pessoalmente com a mãe do garoto e o estudante para um pedido formal de desculpas.

O outro caso refere-se à estudante de direito Charlyane Silva de Souza que foi interrompida duas vezes por fiscais de prova enquanto fazia o XVI Exame Unificado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em São Paulo, por estar vestindo o hijab, véu muçulmano que esconde os cabelos, orelhas e pescoço das mulheres. A jovem relatou que as interrupções tiraram sua concentração e a fizeram perder tempo de prova. A OAB alegou que o edital é claro ao proibir o uso de qualquer objeto que cubra a cabeça e ainda assim permitiu que a candidata realizasse a prova com o véu em uma sala reservada.

Por entender que a presente proposição contribui para consolidar os princípios republicanos defendidos pelo Brasil em sua Carta Magna, entre os quais o direito legítimo ao exercício pleno da liberdade religiosa, e legislar a favor da convivência pacífica entre os brasileiros e brasileiras de diferentes credos, reprimindo abusos, inclusive por parte dos representantes do Estado.

Francirosy Campos Barbosa[88] alude que o Projeto de nº Lei 979 assegura aos fiéis o direito a sua expressão religiosa que pode e deve ser ostentada em qualquer tempo e espaço sem que haja constrangimento. Se a religiosidade é de fórum íntimo e cabe ao cidadão definir qual religião professar ou não, cabe ao Estado lhe assegurar o direito de expressão e de livre convívio na sociedade brasileira. Uma lei desta importância garante a qualquer muçulmano, principalmente às mulheres o direito de expor sua religiosidade conforme dita a sua religião sem que a mesma seja constrangida ou tenha que abrir mão do seu uso para que possa realizar sua atividade profissional e/ou educacional.

O Estado Laico prevê o respeito e boa convivência entre todos os pertencimentos religiosos, sem distinção. A lei assegura esse direito. E voltando a repetir, que a Carta Maior também assegura o direito em não professar fé, ou seja, os não religiosos também têm essa liberdade.           

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O Projeto de Lei Nº 979 trouxe significativa importância para as minorias que necessitam de liberdade para circularem livremente com suas vestes diferenciadas, e, não somente isso, pois, tal projeto induz também que seja observado a questão das dificuldades que minorias como as mulheres muçulmanas sofrem nas questões documentais, como, o RG (Registro Geral), CNH (Carteira Nacional de Motorista), CPTS (Carteira de Trabalho e passaporte, onde, se faz necessário a apresentação de fotos facial e mesmo sendo legalizado, muitas tem dificuldades no ato da retirada desses documentos.

Similar ao que tem acontecido em provas de concursos públicos, relatos e notícias informam que as organizadoras de concursos tem sido resistentes quanto a questão do véu islâmico e, acreditamos que com a aprovação do PL Nº 979, essas situações diminuirão.

Cabe ainda ressaltar que o PL não visa privilegiar determinada religião, mas sim, trazer proteção a essas minorias que tem sido vítimas de intolerância dentro do território nacional, conforme previsto no texto do mesmo.

4.3 Pluralismo religioso como um valor do povo brasileiro           

Dentro desse contexto e ainda embasado na proposta apresentada para a criação do Projeto de Lei 979 de 2015, Maria Lucia Montes[89] afirma que, no momento em que, por todo o mundo, assistimos ao recrudescimento de uma onda de intolerância que, por motivos raciais, religiosos ou preconceitos de várias ordens sobre as chamadas minorias, leva a práticas de discriminação e perseguição que resulta em atos de violência às vezes fatais, é um alento, para os brasileiros.

A relevância de tal Projeto não diz respeito apenas a comunidades de uma determinada denominação religiosa, mas, de um modo geral, importa a todas elas.

Religiões constituem sistemas culturais que informam visões de mundo e conferem significado à experiência de vida dos que as praticam, ajudando-os a compreender a realidade em que vivem especialmente em situações extremas, como a morte ou o colapso dos valores morais, que ameaçariam toma-la sem sentido. Tais crenças e valores são aprendidos no convívio social com outros que deles compartilham e que permitem a cada um se reconhecer e ser reconhecido como parte de uma comunidade que define sua identidade. Nesse contexto, não há hábitos prescindíveis, nem vestimentas ou paramentos que possam ser considerados mero adorno. Em diferentes graus, eles podem constituir motivo de estranhamento, nunca razão legítima para a discriminação.

A discriminação deriva de preconceito, muitas vezes de raízes históricas profundas. O anti-semitismo é infelizmente uma realidade milenar, mas, exceto pela ação violenta de fanáticos religiosos que o sustentam, o kipá ou as pequenas tranças no cabeço de um judeu ortodoxo não poderá suscitar mais que certa perplexidade diante de uma aparência incomum. Também o uso de roupas e cabelos longos ou vestimentas masculinas formais, que evidenciam o pertencimento a certos grupos neopentecostais mais tradicionais, podem às vezes provocar até mesmo algum desprezo por parte de quem se diz “esclarecido”.

Já um monge budista tibetano vestido com seus vistosos paramentos vermelhos e amarelos despertará admiração por seu “exotismo”, sem que se procure refletir sobre o seu significado. Mas as vestes tradicionais ou o simples véu com que uma mulher muçulmana cobre a cabeça poderá suscitar um sentimento de repúdio que leva à pura e simples interdição de sua presença em lugares públicos, num ato de discriminação injustificável, mas que pode parecer “normal”, num ambiente cada vez mais contaminado por uma indisfarçável islamofobia. Quanto à cabeça raspada, as roupas brancas, os fios de contas no pescoço ou os delicados trançados de palha-da-costa de um contra-egum, que um filho de santo recém-iniciado no Candomblé deve portar por obrigação ritual, por mais que sejam comuns na realidade brasileira cotidiana, podem despertar sentimentos agressivos que, da histórica perseguição aos cultos de africanos e seus descendentes reduzidos à iniquidade da escravidão, se prolongam no ataque físico violento dos terreiros por segmentos neopentecostais mais fanáticos.

O que se torna claro é que, em todos esses casos, a discriminação e o preconceito derivam de uma recusa ou uma incapacidade de aceitar a presença do outro, da diferença no plano da cultura, que, no entanto, sua pluralidade, constitui uma das maiores riquezas do povo brasileiro.

A questão do pluralismo religioso sendo um valor para o povo brasileiro, também faz parte das justificativas para a criação do Projeto de Lei Nº 979, pois, se há uma vasta manifestação de cleros no território brasileiro, entendemos que se perfaz devido as várias nações que colonizaram o espaço que hoje é o Brasil, ou seja, o Catolicismo veio de Portugal com os Jesuítas, o Judaísmo veio do povo de Israel, o Islamismo que habita no Brasil veio com os imigrantes árabes que hoje formaram uma grande comunidade aglomerada principalmente nas regiões sul e sudeste do país. Bem como as religiões de matriz africana, que eram cultuadas pelos afrodescendentes, como o próprio nome diz, vindas da África.

E a liberdade religiosa é justamente esse direito que cada religião tem de professar sua fé, respeitando e tolerando a fé alheia. Devido a isso que atualmente os órgãos públicos, as entidades religiosas, até mesmo o Senado Federal, tem manifestado suas opiniões e debatido veemente a questão da liberdade religiosa no Brasil. Pois, mesmo sendo discutida desde a promulgação da primeira Constituição, e acompanhada por evoluções favoráveis à liberdade religiosa ao longo dos séculos, há ainda uma grande batalha no que concerne a harmonizar as religiões para que convivam em paz e em respeito umas com as outas.

Para Peter Berger, o pluralismo religioso possui um caráter secularizador por multiplicar o número de estrutura de plausibilidade, por relativizar o conteúdo dos discursos religiosos concorrentes, tornando-os privados e em razão disso gerando ceticismo e descrença. Por outro lado, pesquisadores americanos interpretam o pluralismo religioso como evidência da fraqueza da religião a partir da modernidade e constatam que a participação religiosa é mais alta onde um número proporcionalmente maior de empresas religiosas competem[90].           

Sobre a autora
Charlyane Silva de Souza

Pós Graduada em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade Legale de São Paulo. Bacharel em Direito na Universidade Anhanguera de São Paulo. Palestrante multidisciplinar, em especial nos temas da Liberdade Religiosa, Violência Doméstica e Direito de Família.Orientação Jurídica na página Mulheres Contra Violência Doméstica no facebook. Membro da Comissão Especial de Direito e Liberdade Religiosa da OAB - SP. Membro da Comissão Especial de Criminologia e Vitimologia da OAB-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho elaborado para apresentação de Conclusão do curso de Bacharel em Direito.

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