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Os atores de política pública e a regulamentação do lobby no Brasil

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Agenda 04/04/2016 às 15:28

3. O lobby e as propostas de regulamentação no Brasil.

    Como delineado, os grupos de interesse são atores de evidente participação no contexto de formatação de políticas públicas. Sem embargo de que o modelo pluralista foi o que lhes outorgou maior proeminência, não há dúvidas de que todos os teóricos, em menor ou maior medida, ressaltam o papel dos grupos na estruturação de modelos de policy ao redor do mundo.

  Por sua vez, a sistemática de influência desses grupos ocorre por meio da atividade de lobbying ou lobby, através de vários mecanismos, tais como atividades de influência política, promoção de estudos técnicos que subsidiem propostas normativas ou por meio de vários processos de convencimento.

Felipe LIBARDI compreende o lobby como "atividade profissional que busca influenciar, aberta ou veladamente, decisões do poder público, especialmente no legislativo, em favor de determinados interesses privados” . Segundo o mesmo autor, a atividade de lobby cresceu no Brasil após a retomada democrática, quando a capacidade decisória foi distribuída entre todas as funções estatais e observou-se ademais um fortalecimento da influência dos grupos de interesse para alcançar seus objetivos na seara governamental.

Para promoção do lobby, não há necessidade de normatização especifica autorizativa. Com efeito, em um ambiente democrático, é natural que os grupos de interesse atuem no âmbito político, no afã de promover a influência necessária para alcance de seus objetivos.

Pretensões de regulamentação geralmente têm como razão subjacente o controle da aludida atividade, a qual, como sabido, sofre de grande resistência por força de excessos eventualmente praticados (corrupção, por exemplo).

Com efeito, os instrumentos de influência mais comuns usados no bojo do processo de lobby incluem conhecimento burocrático, rede de contatos, apoio de cidadãos (rede de constituição), habilidade para fazer contribuições políticas e a atribuição de construir uma campanha pública na mídia .

Como áreas formais de atuação, pode-se consignar que a atividade de lobby ocorre no seio das Comissões Legislativas, construídas com o fito de deliberar previamente questões temáticas; nas eleições, por meio da influência ou da contribuição eleitoral; na esfera burocrática, trazendo subsídios para atuação normativa administrativa; e no Poder Judiciário por vários meios, como o uso do amicus curiae ou no trabalho de influência para indicação de ministros em Tribunais Superiores .

Para fins de sistematização do instrumento do lobby em nosso país, é de ressalvar, inicialmente, a manifesta recalcitrância para formatação legislativa. Segundo Luiz Alberto dos SANTOS e Paulo COSTA , o maior motivo da resistência é a endêmica corrupção na América Latina, que traz a tendência, pois, de se achar que qualquer decisão pública é suspeita, mormente pela cultura de segredo engendrada no serviço público.  A influência perpetrada por grupo de interesses na América Latina, pois, tem tendência de ser compreendida como distorção da democracia. 

Reitere-se, contudo, a premissa de que não há óbices à atuação de grupos de interesse e do lobby, uma vez que não há vedação normativa expressa para tal empreendimento. Na verdade, já existe toda uma legislação não diretamente envolvida na matéria, mas abstratamente aplicável aos grupos de interesse. Pode-se lembrar, por exemplo, a tutela constitucional aos direitos de associação, a estipulação de crimes eventualmente praticados por grupos de interesse (corrupção ativa, por exemplo), o estabelecimento de restrições de atuação no âmbito da legislação eleitoral ou até mesmo a normatização de reuniões cujos participantes sejam servidores públicos (vide, por exemplo, Decreto nº 4.334, de 2002).

Todo o trabalho acerca de normatização desse fenômeno, quando aventado, sempre tem como escopo limitar a atuação de grupos de interesse, estreitando os limites de conduta, com o fito de evitar problemas de moralidade no relacionamento entre o campo civil e o corpos político e burocrático. Com efeito, poucas legislações nesse sentido no mundo foram implementadas, podendo-se lembrar dos EUA, Canadá, Polônia, Hungria, Irlanda, Reino Unido, Australia. 

No Brasil, conforme Felipe LIBARDI , a primeira propositura de destaque consubstanciou o Projeto de Lei no Senado 203/1989, proposta pelo então Senador Marco Maciel, e que após sua tramitação perante a Câmara de Deputados (em que obteve o número de PL 6132/1990), foi qualificada como inconstitucional pela própria Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Deputados, uma vez que entrava no mérito de regular o lobby perante o Poder Legislativo, o que só poderia ocorrer, segundo se aduziu à época, mediante Ato Normativo Interno Legislativo.

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Outras propostas legislativas em destaque foram o Projeto de Lei nº 6928/2002, de iniciativa da Deputada Vanessa Grazziotin, não tendo logrado êxito, porquanto foi excluída a parte pertinente a grupos de interesse, bem como o Projeto de Lei nº 1713/2003, do Deputado Geraldo Resende, qualificado como inconstitucional, porquanto pretendia tratar da matéria nos Estados e Municípios, violando assim, segundo se alegou, o pacto federativo.

 A proposta em tramitação no Congresso Nacional de maior realce é o Projeto de Lei nº 1202/2007, de iniciativa do Deputado Carlos Zarattini. Encontra-se atualmente na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara de Deputados, onde houve apresentação de parecer, por parte do Deputado Cesar Conalgo, no sentido de modificação da propositura, com o fito de atender à Constituição. É sobre o projeto substitutivo deste último congressista que passaremos a avaliar, doravante, a proposta normativa.

O objetivo da norma, descrito em seu art. 1º, é o de regular a atuação de pessoas e grupos de interesse que desenvolvam habitualmente, de forma onerosa ou gratuita, atividades que visem influenciar, junto a órgãos e entidades do Poder Público Federal, atos e decisões sujeitos à discricionariedade política ou administrativa.

 Segundo o parecer do Deputado Cesar Conalgo, evitou-se utilizar o termo lobby no bojo do ato normativo, porquanto tal expressão gozaria de habitual rejeição. 

A proposta (art. 2º) delineia que as atividades regulamentadas pela Lei atenderão às seguintes diretrizes: (i) transparência e publicidade dos atos; (ii) garantia de livre manifestação de pensamento e participação; (iii) livre acesso à informação, salvo nos casos de sigilo legal; e (iv) a garantia de tratamento isonômico aos diferentes grupos e opiniões.

Para exercício das atividades de lobby, haveria a necessidade de prévio credenciamento (art. 3º) de pessoas jurídicas ou físicas perante os órgãos responsáveis pelo controle de sua atuação em cada Poder, sendo que o aludido cadastro seria público e acessível pela rede mundial de computadores.

    O art. 4º registra que não podem ser representantes de interesses os agentes políticos e os servidores públicos em geral; aqueles que, nos seis meses anteriores ao requerimento de cadastro, tenham exercido cargo público efetivo, ou em comissão, e que durante o exercício tenham, direta ou indiretamente, participado da produção de proposição legislativa objeto de sua intervenção; aqueles condenados por ato de corrupção ou improbidade administrativa, enquanto durarem os efeitos da condenação; e aqueles inabilitados ou que tenham credenciamento suspenso conforme diretrizes estabelecidas pela própria normatização.

Se o art. 4º estabelece vedações subjetivas para representação de interesses, o art. 5º implementa restrições objetivas de atuação, quais sejam, a de: (i) provocar, direta ou indiretamente, apresentação de proposição legislativa com o fito de ser contratado para influenciar sua aprovação ou rejeição pelo Poder Legislativo; (ii) atuar, mediante atividade remunerada, com o objetivo de influenciar decisão judicial; (iii) atuar, gratuita ou onerosamente, com o objetivo de interferir em ato administrativo de caráter vinculado; (iv) prejudicar ou perturbar reunião, sessão ou audiência de interesse público; e (v) receber prêmio, percentual, bonificação ou comissão a título de honorários de êxito. Se está claro que o desígnio dos deputados, neste dispositivo, é o de afastar condutas que possam ir de encontro ao primado da moralidade, vê-se também que as hipóteses previstas estão longe de gozarem de redação adequada. Fica deveras complicado, por exemplo, não subsumir a atuação legítima de um advogado à situação indicada no item “ii”. Por outro lado, a conduta do lobby, em sua essência, é a de exatamente promover influências, mediante, por exemplo, subsídios técnicos, para realização de ato administrativo, de sorte que a literalidade da primeira situação merece evidente aprimoramento.

O art. 7º consigna que as pessoas credenciadas deverão encaminhar ao respectivo Poder, até o dia 31 de janeiro de cada ano, declaração discriminando suas atividades, natureza das matérias de seu interesse e gastos realizados no último exercício relativos à sua atuação junto aos Poderes e órgãos da Administração Pública Federal, em especial pagamentos a pessoas físicas ou jurídicas, a qualquer título, cujo valor ultrapasse R$ 1.000,00 (mil reais). Tal declaração, segundo a norma, terá caráter público e será divulgada na rede mundial de computadores pelo órgão competente de cada Poder, devendo constar da declaração as matérias cuja discussão e deliberação seja desejada, além da indicação do contratante e respectivos sócios, se houver, quando se tratar de pessoa jurídica. Tratando-se de pessoas jurídicas, devem ser fornecidos, além da declaração, dados sobre sua constituição, sócios ou titulares, número de filiados, quando couber, e a relação de pessoas que lhes prestam serviços, com ou sem vínculo empregatício, além das respectivas fontes de receita, discriminando toda e qualquer doação ou legado recebido no exercício cujo valor ultrapasse R$ 1.000,00 (mil reais). As despesas efetuadas pelo declarante como publicidade, elaboração de textos, publicação de livros, contratação de consultoria, realização de eventos, inclusive sociais, e outras atividades tendentes a influir no processo legislativo, ainda que realizadas fora da sede das Casas do Congresso Nacional, deverão constar na declaração.

 O art. 8º registra que o disposto na norma não se aplica: a indivíduos e organizações que atuem sem remuneração, desde que em caráter esporádico, com o propósito de influenciar o processo legislativo em seu interesse pessoal; a indivíduos e organizações que se limitem a acompanhar reuniões ou sessões de discussão e deliberação do Poder Legislativo, ou em órgãos colegiados do Poder Executivo ou Judiciário; a quem seja convidado, em razão de sua atuação profissional, prestígio ou notoriedade, para expressar opinião, prestar esclarecimentos em reuniões de audiência pública em Comissão ou em Comissão Geral perante o Plenário, mediante convite público de dirigente responsável; às atividades de cunho meramente informativo; e aos representantes de órgãos e entidades públicas que atuem em assessorias parlamentares ou como consultores de outros Poderes, devendo obedecer às normas internas de cada órgão, com relação a credenciamento para acesso às suas dependências. Esse dispositivo também não possui a clareza desejada no tocante a ponto tão sensível da norma, pois acaba, por exemplo, excluindo da esfera normativa entidades de evidente atuação no lobby, tais como as organizações que atuem de forma esporádica na influência legislativa.

De pertinente, vale lembrar ainda o art. 11, o qual consigna que às pessoas e grupos, no exercício das atividades referidas nesta Lei, aplica-se, no que couber, o disposto na Lei de Improbidade Administrativa e na Legislação do Servidor Público Federal. 

Sobre o autor
Fabiano de Figueirêdo Araujo

Mestre em Direito e Políticas Públicas pelo Centro Universitário de Brasília. Especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas. Professor Universitário. Procurador da Fazenda Nacional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Fabiano Figueirêdo. Os atores de política pública e a regulamentação do lobby no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4660, 4 abr. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47850. Acesso em: 18 mai. 2024.

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