Todos nós, estudantes e profissionais do direito, em algum momento de nossa jornada jurídica nos deparamos com situações em que não concordamos com o texto do legislador - principalmente no Direito Penal, área que se abre para grandes possibilidades de interpretação em sentido amplo, ou em uma linguagem mais técnica, o famoso 'lato sensu'.
Usando essa interpretação, quero demonstrar minha visão acerca dos crimes de incentivo existente no nosso código penal vigente. Para ser mais específico, trata-se principalmente dos artigos 227, caput e 122, primeira parte.
“Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.“
“Art. 227 - Induzir alguém a satisfazer a lascívia de outrem:
P ena - reclusão, de um a três anos.”
O ponto central é questionar a constitucionalidade destes artigos. Mostrarei que estes artigos ferem alguns dos princípios mais importantes do direito constitucional (nossa base para todas as outras leis) e também alguns princípios do direito penal.
Vejamos:
-
Primeiro ponto a se destacar é que, somente pode ser enganada ou induzida a pessoa que não tem sob qualquer hipótese sua capacidade completa de decisão. Não consegue decidir o que é certo ou o que é errado. Quando vemos a primeira parte do art. 122 (induzir ou instigar alguém), o legislador não se atentou em colocar nada sobre a capacidade laboral ou psicológica do agente passivo, e tão somente colocou a ação do agente ativo do referido crime. Sendo assim, uma pessoa que tem sua capacidade plena não pode se escusar da sua ação apenas culpando outrem por tê-la incentivado ou induzido.
Um dos pontos chaves da nossa constituição de 1988 é justamente a conquista da liberdade e igualdade. Inclusive podemos dizer que nossa carta magna nos deu o famoso livre arbítrio. Quando atribuímos à ação de uma pessoa a outra por incentivo ou induzimento, estamos quebrando o direito de liberdade das pessoas de escolher fazer o que elas acham que é certo, ou até mesmo errado (tem pessoas que sabem que é errado e mesmo assim querem fazer). O próprio direito penal não proíbe ninguém de fazer nada. O Estado apenas deixou claro que aquilo que é errado terá um sansão penal. Sendo assim um dos princípios que mais foi reivindicado está sendo quebrado, a liberdade de escolha.
Se esses artigos ferem o princípio constitucional da liberdade individual de cada cidadão, ele pode ser considerado inconstitucional.
O direito penal também coloca que a total responsabilidade por determinado ato é exclusivamente de quem o cometeu. Ora, se tenho total consciência do que estou fazendo, mesmo sabendo que é errado, como posso atribuir parcela de culpa a quem me incentivou?
-
Hoje temos nas programações televisivas, no rádio, internet e games, uma gama imensa de incentivos a ações indevidas. O último até foi objeto de uma grande discussão: se os jogos de tiros são de uma forma ou de outra, apologia ou incentivo a criminalidade. Veja que se pensarmos na admissibilidade de punir aqueles que incentivam ou induzem os que têm sua total capacidade de escolha, teremos que vetar qualquer meio de comunicação existente. Principalmente as novelas, que são as que mais fazem apologia as coisas ilícitas e mal vistas pela sociedade. Se esse crime existe no nosso código penal e é considerado constitucional, então o Estado está fechando os olhos para o que realmente importa e atinge as massas.
Esses são alguns apontamentos sobre a minha posição em relação a esses crimes. Quero deixar claro que não estão errados em sua totalidade. A segunda parte do art. 122 é perfeita ao destacar o auxiliador do suicida. Este tem que ser punido. As qualificadoras do art. 227 também estão corretíssimas, pois trata dos que tem sua capacidade laboral ou intelectual reduzida e também as formas coercitivas para incentivar ou induzir.
A questão que quero deixar é que, em determinados momentos, o legislador pecou em atribuir o crime a quem induz ou incentiva o sujeito passivo absolutamente capaz. Isso porque abre-se brechas para possíveis falsas acusações.