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Notas sobre a reserva legal: uma nova abordagem

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Agenda 08/02/2004 às 00:00

2.Percentuais da Reserva Legal:

Difere o percentual da reserva legal dependendo da região do país em que o imóvel encontra-se situado, bem como pelo tipo de cobertura florestal indicado. O art. 16, da Lei 4.771/65, estatui:

"As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo:

I-oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

II-trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do parágrafo 7º., deste artigo;

III-vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV-vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.

Algumas vozes levantaram-se contra o percentual da reserva legal na Amazônia, sustentando ser exagerada a restrição de 80% imposta a cada imóvel rural, o que vem engessando a região pelas dificuldades e elevados custos de investimentos. A utilização de apenas 20% de cada propriedade rural obriga muitas vezes o empreendedor a compensar o percentual exigido com a aquisição de outras áreas. Esta é uma faculdade legal, porém, a área a ser adquirida e complementada a título de reserva legal deve ser equivalente em importância ecológica e extensão, bem como pertencer ao mesmo ecossistema e situar-se na mesma microbacia, conforme critérios estabelecidos em regulamento (art. 44, III, da Lei 4.771/65 com a nova redação dada pela MP 2.166/01-67).

Há pouco, tramitou pelo Congresso Nacional o projeto de lei n. 228/03, por iniciativa do Deputado Moisés Lipnik - PDT/RR – que tinha por objetivo reduzir o percentual da reserva florestal legal na Amazônia para 25%. Da forma como estava redigido, o projeto não seria aprovado, como acabou ocorrendo. Ganhou parecer contrário de várias comissões. Foi arquivado recentemente. De lege ferenda, ousaria propor o percentual a 20% se o zoneamento ecológico-econômico – ZEE -, a ser realizado para cada Estado, comprovasse que a região tem maior vocação para a agropecuária, por exemplo, do que para a preservação ambiental. Isto não afastaria a obrigação de o empreendedor adquirir novas áreas no mesmo Estado para fins de atingimento da cota de reserva relativa ao percentual abatido. A recíproca seria verdadeira. Vale dizer, se o estudo demonstrasse que a região tem maior vocação para a preservação ambiental a cota deveria ser de 80% e não 20%. De resto, seria o caso de prever a obrigação de cada Estado ultimar o zoneamento ecológico-econômico em seu território dentro de determinado prazo.

A mim me parece que, tomadas tais providências, aquele PL natimorto granjearia maior respeito e simpatia. E explico: todo o ordenamento jurídico em vigor não proíbe a utilização racional das florestas situadas na bacia amazônica. Ao contrário, incentiva-se o desenvolvimento de atividades econômicas de forma planejada, obedecendo ao primado de sustentabilidade. Senão, vejamos:

Preceitua o art. 225, da Constituição Federal, sem prejuízo do disposto no art. 186, o qual já comentamos:

"Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Parágrafo 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

III – definir, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a sua supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

(...)

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade;

Parágrafo 4º. A floresta amazônica brasileira, a mata atlântica, a serra do mar, o pantanal mato-grossense e a zona costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.

No plano da legislação infraconstitucional, o Código Florestal, logo no art. 1º., dispõe:

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"Art. 1o. As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem.

Por outro lado, o art. 15, do mesmo Código, prevê:

"Art. 15. Fica proibida a exploração sob forma empírica das florestas primitivas da bacia amazônica que só poderão ser utilizadas em observância a planos técnicos de condução e manejo a serem estabelecidos por ato do poder público, a ser baixado dentro de um ano."

Luís Carlos Silva de Moraes, comentando a referida norma legal, expressou-se: "O dispositivo não está proibindo o aproveitamento econômico das florestas. Apenas exige que seja realizado de forma técnica, com manejo florestal, para que haja a compatibilidade de explorar a madeira sem extirpar a vegetação de floresta" (in Código Florestal Comentado, 3ª. ed., Atlas, 2002, p. 94).

Nem se alegue que a reserva legal trouxe restrição maior que inviabilizasse o uso da propriedade. Se assim o fosse, haveria obrigação de o Poder Público indenizar o particular, porquanto configurada a desapropriação indireta, conforme demonstrado à saciedade. Mas não. O próprio Código Florestal cuidou de afastar o erro. O parágrafo 2º., do art. 16, permite textualmente a utilização da área de reserva legal sob regime de manejo florestal, de acordo com critérios técnicos e científicos estabelecidos no regulamento, inadmitindo, contudo, a supressão da vegetação.


3.Vedação de Corte Raso:

Na área de reserva legal é proibido o corte raso da cobertura arbórea. Paulo Affonso Leme Machado, com apoio na Portaria P/1986 –IBDF), define corte raso como um "tipo de corte em que é feita a derrubada de todas as árvores, de parte ou de todo um povoamento florestal, deixando o terreno momentaneamente livre de cobertura arbórea. 13

A proibição de suprimir a vegetação da reserva legal, além de restar disciplinada pelo art. 16, parágrafo 2º., do Código Florestal, encontra-se prevista no Decreto 3.179/99, que define as infrações administrativas. No que concerne a matéria sob exame, os art. 38 e 39 do citado Decreto dizem mais de perto, sobretudo o art. 39, prova mais que suficiente da proibição de supressão vegetal:

"Art. 38. Explorar área de Reserva Legal, florestas e formação sucessoras de origem nativa, tanto de domínio público quanto de domínio privado, sem aprovação prévia do órgão ambiental, bem como a adoção de técnicas de condução, exploração, manejo e reposição florestal: multa de R$ 100,00 a R$ 300,00, por hectare ou fração, ou por unidade, estéreo, quilo ou metro cúbico."

"Art. 39. Desmatar, a corte raso, área de Reserva Legal: multa de R$ 1.000,00, por hectare ou fração."


4. Redução do Percentual de Reserva Legal na Amazônia através do ZEE:

Embora o corte raso na área de reserva legal esteja terminantemente proibido, o Decreto n. 1.282, de 20.10.1994, que regulamenta os arts. 15, 19, 20 e 21, da Lei 4.771/65, prevê que, verbis:

"Art. 7º. Somente será permitida a exploração a corte raso da floresta e de demais formas de vegetação arbórea da bacia amazônica em áreas selecionadas pelo Zoneamento Ecológico Econômico para uso alternativo do solo.

Parágrafo único: Entende-se por áreas selecionadas para uso alternativo do solo, aquelas destinadas à implantação de projetos de colonização, de assentamento de população, agropecuários, industriais, florestais, de geração e transmissão de energia, de mineração e de transporte."

A exploração a corte raso obriga o proprietário a manter uma área de reserva legal de, no mínimo, cinqüenta por cento da área de sua propriedade, conforme art. 8º. do Decreto aludido. Este artigo guarda consonância com o parágrafo 5º. inciso I, art. 16, do Código Florestal, embora aqui o legislador tenha optado por ouvir o CONAMA, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério da Agricultura antes de autorizar a redução do percentual de reserva legal na Amazônia.

Dito isto, sou da opinião de que o projeto de lei n. 228/03, com as ressalvas que apontei, antes de ser o tiro de misericórdia responsável por acelerar o processo de desmatamento na Amazônia, como vinha sendo encarado, poderia constituir-se em importante instrumento de compatibilização entre desenvolvimentistas e ambientalistas, eis que tentaria ajustar os interesses aparentemente conflitantes, conhecendo a real vocação de cada área ou região. Não inovaria. Ao revés, procuraria aproximar-se do espírito da lei, que foi exatamente o de evitar a exploração predatória, sem controle, de nossas florestas.

Sobre o zoneamento ecológico-econômico, cumpre notar que ele tenciona fornecer subsídios para o bom planejamento e justo ordenamento de uso e ocupação do território, bem como a correta e adequada utilização dos recursos naturais. A preservação ambiental, a nosso aviso, deve ser vista sob a ótica do interesse e da relevância. É o que veremos a seguir.


5. Delimitação da Área de Reserva Legal:

Em matéria de reserva legal, tem-se admitido a delimitação da área pelo proprietário do imóvel, secundado pela Administração Pública, cujo ato de reconhecimento é de natureza meramente declaratória, como pareceu a Paulo de Bessa Antunes. Argumenta-se que a mora do Poder Público não pode beneficiar o particular, obrigado a averbar a área junto ao cartório de registro de imóveis. Cabe à Administração, tão somente, verificar a existência dos atributos ecológicos na área escolhida, limitando-se a supervisionar o preenchimento das condições legais. No magistério de Bessa Antunes, trata-se de ato vinculado (op. cit., p. 403).

Ora, cabendo ao particular fixar os limites da reserva legal, ser-lhe-á lícito, por efeito, escolher a porção do território que melhor lhe aprouver, comprometendo o critério do interesse e relevância sob a ótica ambiental. Se o ato é vinculado, não compete à Administração outra coisa senão anuir aos termos da averbação, o que nos parece indesejável. A prevalecer essa tese, seria preferível que, no lugar do proprietário, o zoneamento ecológico-econômico assim o fizesse, estabelecendo, através de critérios técnicos e científicos, a melhor localização da área de reserva florestal, para o bem de todos nós.

Quero crer que a razão não esteja com Bessa Antunes. E vou além. O Código Florestal, desenganadamente, previu que a localização da reserva legal deve ser aprovada pelo órgão ambiental estadual competente ou, mediante convênio, pelo órgão ambiental municipal ou outra instituição devidamente habilitada (art. 16, parágrafo 4º.). Se o ato é prévio e formal, conduzido pelo Poder Público, não se pode atribuí-lo ao particular, pena de vituperação ao dispositivo em apreço. Enquanto não delimitada e aprovada a área de reserva legal pela autoridade florestal, penso que o proprietário estará desonerado da respectiva obrigação. A esse respeito, impõe-se reproduzir o entendimento do Pretório Excelso:

"A reserva legal, prevista no art. 16, parágrafo 2º., do Código Florestal, não é quota ideal que possa ser subtraída da área total do imóvel rural, para o fim do cálculo de sua produtividade (cf. Lei 8.629/93, art. 10, IV), sem que esteja identificada na sua averbação (v.g., MS 22.688)" (STF, Pleno, MS 23.370-GO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, v.m., DJU de 28.4.2000)

Na esteira do julgado acima, o STJ, em decisão firmada no REsp n. 229.302-PR, Relator o eminente Ministro Garcia Vieira, chegou a semelhante conclusão, desobrigando o proprietário de florestar ou reflorestar suas terras antes de o Poder Público delimitar a área a ser florestada ou reflorestada. Na mesma diretiva, cite-se o REsp n. 214.714-PR.

Mais uma vez, convém transcrever a lição de Luís Carlos Silva de Moraes, segundo o qual o proprietário "não é obrigado a iniciar sponte propria o procedimento de delimitação, medição e averbação, pois pode estar contrário aos critérios estabelecidos pelo Poder Público. Cabe à autoridade competente iniciar tal procedimento, quando e onde entender necessário. Antes, não pode exigir a averbação do proprietário, o que nos leva ao conceito já sedimentado do termo não-vencido" (op. cit., p. 107). De igual modo manifestou-se Rodrigo Musetti, trazendo o exemplo do Estado de São Paulo. É dele a observação seguinte: "A Lei (alínea a do art. 16 do Código Florestal) determina que o local a ser escolhido para averbação como reserva legal ficará a critério do DEPRN (órgão estadual) e, no mínimo, deverá conter cobertura arbórea localizada." De outro lado, obtempera: "Se o DEPRN especificar para averbação 20% de uma área de vegetação rasteira, sem ocorrência de árvores e arbustos e, na mesma propriedade, existir áreas de campo cerrado, estará incorrendo em exercício de poder arbitrário..." (Do Critério da Autoridade Competente na Averbação da Reserva Legal, RDA, v. 17, jan./março, 2000, p. 156).

Ante as dificuldades expostas, força é concluir pelo zoneamento ecológico-econômico de cada Estado, método mais racional para se pôr cobro a todos os questionamentos que a matéria vem se sujeitando. Enquanto isto não for feito, estaremos fadados ao debate estéril e impregnado de emoção.

Assim é que o art. 16, parágrafo 4º, exige que no processo de aprovação da reserva florestal legal se leve em conta a função social da propriedade, sem prejuízo dos critérios que elenca, a saber: o plano de bacia hidrográfica, o plano diretor municipal, o zoneamento ecológico-econômico, outras categorias de zoneamento ambiental, e a proximidade com outra reserva legal, área de preservação permanente, unidade de conservação ou outra área legalmente protegida.

Sobre o autor
Rodrigo Bernardes Braga

Advogado. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela UNESA. Articulista. Autor de livros jurídicos,entre os quais: A Lei de Usura e os Excessos Praticados pelo Mercado Financeiro, Palmar, 1999; Responsabilidade Civil das Instituições Financeiras, 2a. ed., Lumen Juris, 2003; Parcelamento do Solo Urbano, no prelo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Rodrigo Bernardes. Notas sobre a reserva legal: uma nova abordagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 217, 8 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4797. Acesso em: 24 nov. 2024.

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