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Notas sobre a reserva legal: uma nova abordagem

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Agenda 08/02/2004 às 00:00

6. Averbação da Reserva Legal:

O ato de averbação da reserva legal à margem do registro do imóvel encerra o seu procedimento de constituição. Para muitos, porém, cuida-se de ato meramente declaratório, não constitutivo. Advoga-se que a reserva florestal legal nasce ope legis, isto é, sua criação decorre diretamente da lei instituidora. Parece-me irrefutável a afirmativa. Realmente, a reserva florestal legal nasce da lei, e nem poderia ser diferente. O princípio segundo o qual ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF/88, art. 5º., inc. II) não permitira outra conclusão. Em outras palavras, a reserva legal não poderia ser criada por norma infralegal, impondo restrições aos direitos individuais. Creio, portanto, que ela origina-se da lei, irradiando-se como uma obrigação de caráter geral, apanhando tantos quantos proprietários ou possuidores rurais, mas não se torna exigível enquanto o Poder Público não delimitar, medir e aprovar a área em cada propriedade. Somente depois de cumprida a prévia aprovação pela autoridade competente é que se pode cogitar de impingi-la ao particular, a quem toca averbar a área de floresta na conformidade do parágrafo 2º., art. 16, da Lei 4.771/65.

É, a meu ver, obrigação sujeita a termo inicial. Entende-se por obrigação sujeita a termo inicial aquela em que os efeitos do ato ficam subordinados a acontecimento futuro e certo. No caso versado, tornar-se-á exigível a obrigação com o advento do termo, isto é, com a aprovação da reserva florestal legal pelo Poder Público. Desnecessário dizer que se a área não estiver devidamente demarcada e especificada, não poderão as autoridades florestais exercer o seu direito de fiscalização do cumprimento da lei, frustrando-se os elevados objetivos da norma.

Demais disso, sem o ato de averbação, que dá vida, que reconhece formalmente a reserva legal, como que inexiste esta para todos os jurídicos e legais efeitos. Assinale-se que a reserva legal não é uma abstração matemática. Há de ser entendida como uma parte determinada do imóvel, no entendimento esposado pelo augusto STF (in MS n. 22.688-9-PB, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJU de 28.4.2000).

Por fim, transcrevo ementa de acórdão do mesmo Supremo Tribunal Federal que, valendo-se de raciocínio análogo, determinou que se levasse em conta porção de terra excluída da vistoria para fins de desapropriação ao argumento de existência de reserva legal. No decisum, a Corte deixou assentado que a reserva legal não é quota ideal que possa ser subtraída do cálculo de produtividade do imóvel sem que esteja devidamente identificada na sua averbação. Confira:

"Reforma agrária: apuração da produtividade do imóvel e reserva legal. A "reserva legal", prevista no art. 16, § 2º, do Código Florestal, não é quota ideal que possa ser subtraída da área total do imóvel rural, para o fim do cálculo de sua produtividade (cf. L. 8.629/93, art. 10, IV), sem que esteja identificada na sua averbação (v.g., MS 22.688). II. Reforma agrária: desapropriação: vistoria e notificação. Ainda que, na linha do entendimento majoritário do Tribunal, se empreste à notificação prévia da vistoria do imóvel expropriando, prevista no art. 2º, § 2º, da L. 8.629/93, as galas de requisito de validade da expropriação subseqüente, não se trata de direito indisponível: não pode, pois, invocar a sua falta, o proprietário que, expressamente, consentiu que, sem ela, se iniciasse a vistoria. (MS 23.370/GO, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.12.1999, Pleno, DJU 28.4.2000)


7. Conclusões:

Diante de todas as considerações expostas sobre tema tão complexo, podemos concluir o que segue:

a)Em primeiro plano, a reserva legal caracteriza-se como verdadeira limitação administrativa de uso que incide sobre o direito de propriedade, com fulcro no princípio da função sócio-ambiental da propriedade;

b)Tal limitação administrativa não pode, de forma alguma, suprimir qualquer dos poderes inerentes ao domínio, hipótese em que consubstanciaria uma desapropriação indireta, passível de indenização ao particular. Isto porque não está afastada a utilização de nossas florestas de forma racional, obedecendo a um planejamento adequado e sustentável;

c)A obrigação de instituir a reserva legal possui natureza propter rem, seguindo a coisa e transmitindo-se automaticamente aos seus sucessores, seja a que título for. Por outro lado, a responsabilidade do adquirente de imóvel desprovido de cobertura florestal não se confunde com a responsabilidade por dano ambiental, como equivocadamente vem sustentando o Superior Tribunal de Justiça;

d)O percentual de 80% a título de reserva legal na Amazônia vem engessando a região, criando obstáculos para diversos empreendimentos sem qualquer critério técnico que justifique a preservação ambiental, à falta de um zoneamento ecológico-econômico que defina as áreas de maior interesse e relevância ambientais;

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e)O projeto de lei n. 228/03, de autoria do Deputado Moisés Lipnik, poderia ter sido mais criterioso. Justificar a redução do percentual de reserva florestal na Amazônia ao singelo argumento de que a então majoração da cota (que era de 50%) se deu por um período de intensas pressões internacionais sobre o Brasil, visando manter aquela região como uma reserva ecológica mundial é dizer o óbvio, mas não aprofunda o debate. Omitiu-se o ilustre Deputado quando deixou de citar o zoneamento ecológico-econômico, instrumento indispensável para subsidiar a sua proposta. Em consequência, o PL nasceu defeituoso e, como tal, mereceu o fim prematuro;

f)Averbe-se, finalmente, que a obrigação de constituição e manutenção da reserva legal não pode ser exigida do particular enquanto a Administração Pública não delimitar, medir e aprovar a respectiva área, porquanto obrigação sujeita a termo inicial, de acordo com iterativa jurisprudência do STF.

É o que me parece, s.m.j.


Notas

1.Rodrigo Bernardes Braga, Desenvolvimento e meio ambiente, in O Estado do Maranhão, 6 de outubro de 2003.

2. Função Social da Propriedade, in Revista de Direito Ambiental, coord.. Herman Benjamin e Edis Milaré, RT, v. 29 – jan./março 2003, p. 116.

3. Cristiane Derani. A propriedade na Constituição de 1988 e o conteúdo da "função social", Revista de Direito Ambiental, v. 27, julho-set. 2002, p. 59.

4. Curso de Direito Constitucional, 22ª ed., Saraiva, p. 219.

5. In A Ordem Econômica e a Constituição de 1988, Cejup, Belém, p. 86.

6. Edis Milaré, Direito do Ambiente, 2ª. ed., RT, 2001, p. 67.

7. Essa MP foi sucessivamente reeditada até a MP 2.166/01-67, cujo prazo de vigência foi estendido pelo art. 2º., da EC n. 32/2001.

8. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 20. ed., Malheiros, 1995, p. 539.

9. Curso de Direito Civil, 9ª ed., 1995, v. 2, p. 10.

10. Direito Ambiental, 6ª. ed., Lumen Juris, 2002, p. 398.

11. Rodrigo Bernardes Braga, in Responsabilidade Civil das Instituições Financeiras, Lumen Juris, 2001, p. 7.

12. Paulo de Bessa Antunes, Poder Judiciário e reserva legal: análise de recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça, RDA, ano 6, n. 21, jan./março de 2001, p. 127.

13. In Direito Ambiental Brasileiro, 18ªed., Malheiros, 2002, p. 707.

Sobre o autor
Rodrigo Bernardes Braga

Advogado. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela UNESA. Articulista. Autor de livros jurídicos,entre os quais: A Lei de Usura e os Excessos Praticados pelo Mercado Financeiro, Palmar, 1999; Responsabilidade Civil das Instituições Financeiras, 2a. ed., Lumen Juris, 2003; Parcelamento do Solo Urbano, no prelo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Rodrigo Bernardes. Notas sobre a reserva legal: uma nova abordagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 217, 8 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4797. Acesso em: 25 nov. 2024.

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