Em 1º de janeiro deste entrou em vigor a Emenda Constitucional nº 41, responsável pela Reforma da Previdência Social no país. Inúmeras foram as modificações trazidas pela referida emenda, dentre as quais, a imposição da alíquota de 11% (onze por cento) sobre os vencimentos de aposentados e pensionistas e o abono de 11% (onze por cento) sobre os vencimentos de servidores públicos que permanecerem trabalhando depois de completos os requisitos para a inatividade.
Logicamente que a intenção do legislador, ao instituir um abono de 11% para os servidores que permaneçam na ativa, foi a de incentivar um menor número de aposentações. Ao impor um desconto de 11% sobre as aposentadorias e pensões de servidores inativos, o constituinte proporcionou que aqueles que já tivessem condições de obter a aposentadoria antes da entrada da Emenda em vigor, assim o fizessem, "fugindo" do amaldiçoado desconto. Logo, uma forma encontrada pelo Poder Reformador de evitar, ao menos em parte, a "revoada" de servidores, foi a instituição do abono de permanência.
Assim, com a possibilidade do referido abono, criou-se uma situação dúplice: para o servidor que, preenchidos os requisitos para a obtenção do benefício de aposentadoria, permanecer na ativa, será dado um abono de 11% sobre seus vencimentos, ou seja, este receberá 11% a mais; de outra banda, aquele que optar por aposentar-se, perderá 11% em de seus vencimentos, ou seja, receberá 11% a menos.
Diz a nova redação do art. 40, inc. II, § 19, da CF/88: "O servidor de que trata este artigo que tenha completado as exigências para aposentadoria voluntária estabelecidas no § 1º, III, a, e que opte por permanecer em atividade fará jus a um abono de permanência equivalente ao valor da sua contribuição previdenciária até completar as exigências para a aposentadoria compulsória contidas no § 1º, II".
Vale ressaltar que, embora o servidor optante receba 11% a mais, sabe-se que, na verdade, o que ocorre é que ele não irá ter desconto, já que, ao continuar trabalhando, permanecerá contribuindo com 11% e, desse modo, perderá 11, mas ganhará 11, o que leva a crer que o mesmo simplesmente deixará de contribuir. É justamente aí que reside a desproporcionalidade da Emenda Constitucional nº 41.
Discorrendo acerca do conceito de princípios, afirma o clássico autor Karl Larenz: "Princípios são fórmulas onde estão contidos os pensamentos diretores do ordenamento jurídico".
Pois um dos princípios norteadores da Previdência Social é o da solidariedade, segundo o qual os ativos de hoje, contribuem para os inativos de amanhã. A respeito de tal princípio, sustenta Sérgio Pinto Martins: "A solidariedade consistiria na contribuição da maioria em benefício da minoria. Os ativos sustentam os inativos" (In: Direito da Seguridade Social. 17ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 76).
Partindo da definição do princípio da solidariedade acima mencionado, bem como da noção de princípio exarada por Karl Larenz, conclui-se que a EC nº 41 acabou por inverter as posições, fazendo com que o inativo sustente o ativo, já que é o primeiro quem irá contribuir, mesmo após tê-lo feito durante todo o tempo de serviço. Há, portanto, uma "aberração" legislativa, em nada coerente com outro princípio constitucional tão em voga na atualidade: o princípio da proporcionalidade.
Ressalte-se que, embora o princípio suso referido não possua previsão expressa no ordenamento constitucional brasileiro, sua utilização pelos Tribunais pátrios tem sido largamente difundida, em especial, na Corte Máxima do país, o que se deve ao fato de viver-se em um Estado Democrático de Direito, no qual a proteção a direitos e garantias fundamentais adquire papel de destaque.
De acordo com o constitucionalista J. Gomes Canotilho: "Através de standards jurisprudenciais como o da proporcionalidade, razoabilidade, proibição de excesso, é possível hoje recolocar a administração (e, de um modo geral, os poderes públicos) num plano menos sobranceiro e incontestado relativamente ao cidadão" (In: Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª ed. Almedina, 1999. p. 263).
Vale mencionar decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello no julgamento da ADIN nº 2010, ao referir-se ao princípio da razoabilidade: "(...) O regime contributivo é, por essência, um regime de caráter eminentemente retributivo. (...) Sem causa suficiente, não se justifica a instituição (ou a majoração) da contribuição de seguridade social, pois, no regime de previdência de caráter contributivo, deve haver, necessariamente, correlação entre custo e benefício. A existência de estrita vinculação causal entre contribuição e benefício põe em evidência a correção da fórmula segundo a qual não pode haver contribuição sem benefício, nem benefício sem contribuição (grifo não original). (...) O Poder Público, especialmente em sede de tributação (as contribuições de seguridade social revestem-se de caráter tributário), não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade (grifo não original). (ADIN 2010 MC/DF. Rel. Min. Celso de Mello. DJ 12.04.02)".
Ainda, como afirmou o Exmo. Sr. Dr. José Aquino Flôres de Camargo, Presidente da Ajuris, em recente publicação neste veículo de comunicação (13-01-2004): "Tudo conduz à idéia de um confisco. Pouco importa que o art. 40 da CF tenha sido alterado para incluir a idéia da solidariedade no sistema. Ou mesmo que o aposentado ou pensionista tenha supostamente contribuído em valores inferiores que o necessário ao custeio do benefício. Essa tese não constituiria causa legítima para a imposição a eles de contribuição. (...) Todos os trabalhadores que participam dessa solidariedade o fazem com a finalidade de auferir os benefícios daí decorrentes (grifo não original). É sabido que a simples menção da finalidade (causa) não satisfaz os princípios constitucionais da tributação. Isso poderia resultar na conclusão de que se tem na contribuição do aposentado e, principalmente, da pensionista uma contribuição sem causa, um tributo sem causa, incidente somente sobre certa categoria de pessoas".
Assim, diante de todos os argumentos expostos, entende-se extremamente importante a análise crítica da Emenda Constitucional em comento, por estar a mesma calcada em bases contraditórias e completamente dissonantes do ordenamento jurídico, o que leva à perda de direitos e garantias fundamentais dos cidadãos e, dessa forma, desestabiliza o Estado Democrático de Direito.